Lá fui surpreendido com a notícia de minha promoção ao último grau da carreira, ministro de primeira classe, usualmente chamado de embaixador, mas esse título não corresponde verdadeiramente, pois o "embaixador" é apenas aquela pessoa, da carreira diplomática ou não, que exerce a função de chefe de posto, em missão diplomática permanente no exterior.
Eventualmente, alguns chefes de missão temporária – assembleias da ONU, grandes conferências diplomáticas internacionais, missões especiais a serviço do país no exterior, etc. – também podem passar a ostentar o título, em se tratando de grandes personalidades do mundo político, jurídico ou cultural, a exemplo de alguns ministros de Estado das Relações Exteriores que se destacaram na área, mas isso é mais raro.
Nunca foi o meu caso, e acredito que não o será, por circunstâncias conhecidas.
Naquela oportunidade, comecei a receber mensagens de cumprimentos de diversas pessoas, colegas de carreira, amigos, conhecidos diversos, às quais eu mal podia responder individualmente, tantas eram, por estar envolvido com as atividades do seminário, que se estende por três dias. Depois disso ainda passeamos um pouco por Portugal. O próprio SG-MRE, embaixador Marcos Galvão, me escreveu cumprimentando, lamentando apenas que a promoção tivesse ocorrido tão tardiamente.
O que fiz então? O que sempre faço: sento, penso e escrevo.
Acabei redigindo uma mensagem geral alusiva ao fato, que publiquei, como também sempre faço, neste meu espaço de liberdade:
“Duas pedras no meio do caminho... (a propósito de uma promoção tardia)”, Estoril, 26 junho 2018, 4 p. Esclarecimento a propósito de minha promoção tardia na carreira. Postado no blog Diplomatizzando(26/06/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/duas-pedras-no-meio-do-caminho-paulo.html).
Era uma explicação e uma informação. Eu estava bem, então, como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), vinculado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) do MRE, cargo ao qual tinha sido convidado ao cabo de 13,5 anos de ausência de qualquer função na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, ou seja, durante todo o regime lulopetista, "exílio" do qual fui retirado apenas a partir do impeachment do seu desastroso quarto e último governo (por enquanto).
Pouco antes eu havia estado com a equipe econômica que já estava trabalhando no programa de governo do então candidato que se revelou vencedor em outubro. Fui muito bem recebido, pois tinham tomado conhecimento de alguns textos meus, e me queriam como associado naquela equipe. Recusei de pronto, não a eventualmente enviar textos e reflexões sobre a política externa, mas a me associar a uma equipe de um candidato do qual eu não seria eleitor, nem jamais votaria por ele, digamos que por incompatibilidade total de "programas", ou antes, de "personalidades". Ficamos em bons termos, mas quando da divulgação do programa do dito candidato, escrevi um novo texto comentando rapidamente sua parte econômica – que considerei boa, ainda que vaga – e critiquei asperamente, duramente, a parte de "política externa", uma horrível assemblagem mal costurada de ideias estapafúrdias que já antecipavam o desastre que seria sua diplomacia, caso eleito.
Esse foi o último contato que tive com a equipe econômica, embora tenha conversado posteriormente com um dos membros da equipe, por telefone, e novamente confirmado minha indisponibilidade para colaborar diretamente, mas aberto a oferecer sugestões e subsídios.
Na ocasião, lembrei-me de um outro texto, que havia escrito antes no final de 2016, quando já estava exercendo o cargo de diretor do IPRI, quando desejei rememorar os anos de travessia do deserto no Itamaraty. Eu o coloquei novamente na mesma ocasião da promoção, aqui novamente disponível:
“Como atravessar o deserto (e permanecer digno ao fim e ao cabo)”, Brasília, 18 dezembro 2016, 7 p. Divulgado no blog Diplomatizzando (24/06/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/uma-longa-travessia-do-deserto.html).
“Como atravessar o deserto (e permanecer digno ao fim e ao cabo)”, Brasília, 18 dezembro 2016, 7 p. Divulgado no blog Diplomatizzando (24/06/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/uma-longa-travessia-do-deserto.html).
Eu sempre preferi manter minha independência de pensamento e de ação, independentemente de cargos, promoções, situações na carreira. Senti que minhas funções se terminariam com a eleição desse novo governo, e assim foi. Logo nos primeiros dias deste governo, em janeiro, recebi a instrução de "não fazer nada" no IPRI, até que as "chefias" decidissem o que poderia ser feito. Já era uma antecipação do que viria pela frente. Fui exonerado no cargo no Carnaval deste ano de 2019, por postar em meu blog três textos convidando a um debate sobre a política externa do governo: uma palestra do embaixador Rubens Ricupero, um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e um outro artigo-resposta do próprio chanceler, respondendo acerbamente aos dois. Isso deve ter sido em torno das 2hs da manhã do dia 4 de março. Fui acordado às 8hs pelo chefe de gabinete do chanceler, comunicando-me a dispensa do trabalho. Ainda argumentei que eu estava fazendo exatamente o que o chanceler fazia: alimentar um blog pessoal com comentários diversos e, no meu caso, artigos de imprensa, todos eles livremente disponíveis, inclusive no próprio clipping do Itamaraty. Enfim, minha sorte já estava selada desde antes, como eu já tinha total certeza.
Em tempo: o referido chanceler tampouco tem o direito de ser chamado de "embaixador", pois jamais exerceu qualquer chefia de missão permanente, assim como jamais teve cargos relevantes na Secretaria de Estado, sendo apenas um ministro de segunda classe chefe de departamento. Foi promovido a ministro de primeira classe junto comigo, em junho de 2018, provavelmente a pedido de seu sogro, duas vezes Secretário Geral do Itamaraty. Este é apenas um esclarecimento.
Acredito que o atual chanceler, que jamais exibiu as ideias que o "distinguiram" desde outubro ou novembro do ano passado, construiu uma personalidade olavo-bolsonarista que nunca teve, de maneira totalmente artificial, e portanto mentirosa, apenas para ser alçado ao cargo que tem atualmente. Aliás, a atenção sobre si foi chamada por um artigo que saiu publicado na revista que eu editava no IPRI: "Trump e o Ocidente", Cadernos de Política Exterior número 6, segundo semestre de 2017.
Eu comento esse artigo em meu mais recente livro: Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, em duas edições, uma de autor, outra pela UFRR, ambas livremente disponíveis a partir de meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/07/miseria-da-diplomacia-em-edicao-de.html .
Estas são as lembranças que me foram despertadas pouco mais de um ano depois dos eventos que relato aqui. O motivo foi justamente essa canção americana: What a difference a day makes...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de agosto de 2019
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