EUA não endossam proposta do Brasil na OCDE após apoiá-la publicamente
Secretário de Estado declara apoio só a candidaturas da Argentina e da Romênia e ignora uma das principais apostas da política externa do governo Bolsonaro; Trump e Pompeo garantem que apoio americano ao Brasil segue válido
O Globo e Bloomberg
10/10/2019 - 12:00 / Atualizado em 10/10/2019 - 23:07
WASHINGTON — O governo dos EUA não endossou a proposta do Brasil de ingressar na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE), após as principais autoridades americanas a apoiarem publicamente , revelou a Bloomberg nesta quinta-feira.
O secretário de Estado americano, Mike Pompeo , rejeitou um pedido para discutir mais ampliações do clube dos países mais ricos, de acordo com uma cópia de uma carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, em 28 de agosto à qual a Bloomberg teve acesso. Ele acrescentou que Washington apoia apenas as candidaturas de adesão de Argentina e Romênia.
“Os EUA continuam a preferir a ampliação a um ritmo contido que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão”, afirmou o secretário de Estado na carta.
Segundo o Valor, Pompeo rejeitou um plano de Gurría que previa a ampliação da OCDE com seis países, com um cronograma definido para início de negociações: Argentina imediatamente; Romênia em dezembro; Brasil em maio de 2020; Peru em dezembro de 2020; e Bulgária em maio de 2021, com Croácia ficando para o futuro. Pompeo, sem dar explicações, aceitou apenas Argentina e Romênia, e o parágrafo que mencionava os prazos de Brasil, Peru e Bulgária foi cortado.
A mensagem se afasta da posição pública dos EUA sobre o assunto. Em março, o presidente Donald Trump disse em entrevista coletiva conjunta com o presidente Jair Bolsonaro na Casa Branca que apoiava à adesão do Brasil ao grupo de 36 membros, conhecido como “o clube dos países ricos”, um apoio que foi reiterado em maio . Em julho, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reiterou o apoio de Washington ao Brasil durante uma visita a São Paulo.
Horas depois da divulgação da carta, porém, o presidente Donald Trump chamou de "f alsa " a informação publicada pela Bloomberg, falando sobre as intenções americanas. Segundo eles, o memorando assinado em março pelos dois presidentes "deixa absolutamente claro" que ele apoia o "início do processo do Brasill para uma admissão plena na OCDE". Mas também não deu prazos.
Os EUA apoiam a ampliação comedida da OCDE e um eventual convite ao Brasil, mas dedicam-se primeiro ao ingresso de Argentina e Romênia, tendo em vista os esforços de reforma econômica e o compromisso com o livre mercado desses países, disse uma autoridade sênior dos EUA, que pediu para não ser identificada por não ter autorização para discutir deliberações políticas internas em público.
Na tarde desta quinta, a embaixada americana informou, em nota, que os EUA continuam a apoiar a entrada do Brasil na OCDE . De acordo com o texto publicado em seu site, a expansão do organismo deve ocorrer de forma "gradual", e juntamente com um projeto de mudança na governança da organização. A nota, contudo, não fala em prazos e não comenta a decisão americana de priorizar a Argentina e a Romênia em detrimento da candidatura brasileira.
O endosso dos EUA à entrada brasileira na OCDE no início deste ano foi um dos primeiros claros benefícios obtidos pelo estreito alinhamento de Bolsonaro com o governo Trump. A entrada no grupo é considerada uma das principais apostas da política externa do Brasil. Ao GLOBO, o Ministério da Economia informou que não vai comentar o assunto.
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Durante a viagem de Bolsonaro a Washington em março, o Brasil ofereceu acesso dos EUA à plataforma de lançamento de foguetes de Alcântara, no Nordeste do país, viagens sem visto para turistas dos EUA e cooperação na questão da Venezuela. O Brasil também se comprometeu a abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio ( OMC ), o que lhe dava benefícios como prazos maiores para a adequação a acordos comerciais e regras mais flexíveis na concessão de subsídios industriais.
Trump, em troca, cumpriu a promessa de designar o Brasil como um aliado importante extra-Otan, status que permite a obtenção de material bélico a custos menores. Críticos do acordo questionaram se o apoio dos EUA se materializaria.
O governo brasileiro não respondeu a vários pedidos de comentários. Um funcionário da imprensa da OCDE em Paris também não comentou imediatamente.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil já tinha sido avisado que não seria imediatamente apoiado pelos Estados Unidos, informou a jornalista Cristiana Lôbo, da Globonews. Segundo Guedes, o Brasil poderá ainda ser apoiado no futuro.
— Desde o encontro do presidente Bolsonaro com Trump, lá em Washington, isso já havia ficado claro — disse Guedes, tentando minimizar o impacto negativo interno da decisão dos Estados Unidos.
Ao site O Antagonista, Guedes explicou que Washington "por questão estratégica, não poderia indicar o Brasil neste momento, mas não é uma rejeição no mérito", e sim de "timing, porque há outros países na frente, como a Argentina". O ministro completou a justificativa dos EUA dizendo que "abrir para o Brasil agora significaria ceder à pressão dos europeus, que também querem indicar mais países para o grupo".
Em maio, no entanto, na reunião anual da OCDE em Paris em que os EUA e os países europeus retomaram as negociações para ampliação da organização, Washington voltou a expresar oficialmente apoio à candidatura brasileira, no que o chanceler Ernesto Araújo, presente a encontro, já considerou "como o início do processo de adesão do Brasil".
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Como o processo de adesão, uma vez admitido, leva pelo menos três anos, dificilmente o Brasil se tornará membro da organização durante este mandato de Bolsonaro.
Frustração em Washington
Segundo o professor de Relações Internacionais da FGP-SP Oliver Stuenkel, a decisão de Washington de priorizar as candidaturas de Argentina e Romênia é um sinal da frustração de Washington com Brasília. No começo do governo Bolsonaro, afirmou Stuenkel, Trump esperava duas coisas do Brasil: ajuda de Brasília para retirar Nicolás Maduro do poder na Venezuela e também para reduzir a influência chinesa na América Latina.
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À esta altura, está claro que Brasília não conseguiu tirar Maduro do poder e o que país é dependente da China, com viagem presidencial marcada para outubro. Com a frustração dos dois planos, encerra-se o interesse americano no Brasil — e, em consequência, os motivos da Casa Branca para apoiar pleitos brasileiros, disse Stuenkel.
— A aproximação de Brasília com Washington só funciona quando o Brasil consegue entregar algo aos EUA — afirmou Stuenkel. — O que se fala em Washington é que o Brasil não conseguiu entregar nada na Venezuela, e a cada dia fica mais evidente que Brasil dificilmente conseguirá ajudar a conter a presença chinesa na América Latina. Era óbvio, mas o que [o deputado federal] Eduardo Bolsonaro, [o chanceler] Ernesto Araújo e [o assessor internacional da Presidência] Filipe Martins diziam era que o Brasil teria como fazer algo, o que não aconteceu. Com isso, a aproximação de Bolsonaro com Washington se encerra, porque não há mais nada que Washington possa querer de Brasília.
A OCDE, fundada em 1961, diz em seu site que visa "moldar políticas que promovam prosperidade, igualdade, oportunidade e bem-estar para todos". A adesão ao grupo tem sido ultimamente considerada um selo de qualidade para países que buscam mostrar à comunidade internacional que suas nações estão abertas ao mercado internacional.
A adesão ao grupo também é utilizada por governos de países em desenvolvimento para promover reformas internas.
O Brasil apresentou seu pedido de adesão à OCDE em maio de 2017, durante o governo de Michel Temer.
Colaborou André Duchiade
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