terça-feira, 19 de novembro de 2019

Comunismo e nazismo: irmãos siameses - Resolução do Parlamento Europeu

Guia de leitura para os novos simpatizantes do comunismo
Comunismo e fascismo são os rostos da subjugação dos indivíduos a ideais destruidores da condição humana. Não reconhecer isso é criminoso mas, mais do que tudo, é um atestado de ignorância histórica. Artigo de Luís Rosa, publicado pelo Observador:


1. Portugal é hoje um país estranho. Muito estranho mesmo. Não falo da estagnação económica, do silêncio oportunista dos indignados de outrora do PCP e do Bloco de Esquerda (BE). Tal como não falo do controlo suave da RTP por parte do Governo e de alguns bots chamados comentadores políticos que repetem elogios em loop ao suposto génio político de António Costa.

Falo de como a Assembleia da República fez questão em não se associar de forma integral à importante e histórica resolução do Parlamento Europeu que equiparou o comunismo ao nazismo e que se intitula “Importância da memória europeia para o futuro da Europa” (que pode ler aqui).

Provou-se, assim, que além de ser incapaz de condenar expressamente o comunismo como uma ideologia totalitária que promoveu regimes tão hediondos e destruidores como o nazismo, a Assembleia da República vive mais do que nunca sequestrada pela extrema-esquerda do PCP e do BE. E logo com o beneplácito do Partido Socialista de Mário Soares, o homem que lutou em 1974/75 contra o PCP e as forças que deram origem ao Bloco para evitar a implementação de uma nova ditadura no nosso país.

Aliás, a posição do Partido Socialista é duplamente vergonhosa. Não só porque comete uma traição histórica ao papel de Soares na luta contra a extrema-esquerda, como foi capaz de trair a sua eurodeputada Isabel Santos — uma das quatro proponentes do grupo Socialistas & Democratas (o grupo parlamentar europeu do qual o PS faz parte) da resolução que veio a ser aprovada.

Tudo começou com a resolução do Parlamento Europeu aprovada a 19 de setembro. Note-se que a resolução foi largamente ignorada pela comunicação social portuguesa, sendo que mesmo os poucos media nacionais que têm correspondentes em Bruxelas também nada noticiaram. Só após o Observador ter citado no dia 15 de outubro uma notícia do jornal espanhol ABC é que o assunto começou a ser debatido na opinião pública portuguesa. Registe-se só este dado sobre a notícia do Observador para percebermos o impacto do tema: 63.944 partilhas. Um número claramente fora do comum para uma notícia deste género.

À luz da unanimidade da historiografia europeia, a resolução nada tem de polémico. Por alguma razão foi proposta pelos três maiores grupos parlamentares: o Partido Popular Europeu (do qual fazem parte o PSD e o CDS), Socialistas & Democratas (o grupo do PS), Renovar a Europa (da qual faz parte a Iniciativa Liberal) e Reformistas e Conservadores Europeus. Foram 535 deputados que votaram a favor, 66 que votaram conta e 52 abstenções. Isto é, mais de 80% dos votantes aprovaram a moção.

O texto do Parlamento Europeu, e ao contrário do que o PS, PCP e Bloco de Esquerda tentaram fazer crer no debate em Portugal, é claramente agregador. Tenta unir a Europa contra o totalitarismo, a ditadura, o fanatismo, o racismo e a xenofobia. Como? Denunciando e censurando a barbárie nazi que culminou com a II Guerra Mundial e a ditadura comunista da União Soviética que dividiu a Europa com a Cortina de Ferro.

Quem se tenha dado ao trabalho de lera resolução do Parlamento Europeu percebe claramente que o texto é um exercício claro de união entre o Ocidente e o Leste — uma questão relevante quando as instituições europeias têm censurado com cada vez mais intensidade as derivas autoritárias de Viktor Orban na Hungria e dos neo-conservadores da Lei e Ordem na Polónia. E, principalmente, quando Vladimir Putin tenta branquear os crimes do comunismo soviético para reforçar o nacionalismo russo. Não é por acaso que a resolução foi apresentada por uma esmagadora maioria de eurodeputados dos países do leste — precisamente aqueles que mais sofreram com o nazismo durante a II Guerra Mundial e com o comunismo durante quase 40 anos de ditaduras pró-soviéticas e que mais se opõem a uma nova expansão russa.

Não é por acaso, aliás, que a resolução do Parlamento Europeu foi enviada à Duma (Parlamento russo).

2. Ora tudo isto foi ignorado pela Assembleia da República. Muitas vezes ouvimos os políticos portugueses se queixarem do facto de Portugal ser um país periférico. Mas o que ouvimos na passada sexta-feira foi mesmo um atestado de ignorância histórica, de pequenez política e de total ausência de pensamento estratégico de qual é o posicionamento de Portugal face à Rússia de Putin dado de viva voz pelos deputados Constança Urbano de Sousa (PS) mas também por João Oliveira (PCP).

Não causou surpresa que Oliveira tenha puxado do património do PCP como único partido que lutou de forma organizada contra a ditadura salazarista. A sociedade portuguesa continua a olhar para os comunistas portugueses de forma benevolente por causa desse papel — que existiu e que é relevante. Mas o que não podemos ignorar é que os comunistas o fizeram para impor outra ditadura.

Tal como não podemos esquecer o autismo político-ideológico dos comunistas portugueses que os impediram de constatar a ditadura, a perseguição, a fome e a miséria que se viveu durante muitos anos na Polónia, Hungria, Checolosváquia, Jugoslávia, Roménia e Bulgária. E tudo enquanto viviam em exílios dourados entre 1945 e 1974 sob a proteção e financiamento da União Soviética.

O mais surpreendente, contudo, foi ouvir a representante socialista Constança Urbano de Sousa afirmar, num tipo de semântica política habitualmente utilizada pelo PCP, que a resolução do Parlamento Europeu promoveu “equiparações simplistas” e, pior, conduziu a um “revisionismo histórico e ao branqueamento do nazismo.”

Acresce que a resolução proposta pelo PS, e aprovada com os votos do Bloco, PAN, PSD, CDS e Iniciativa Liberal, condena as “atrocidades perpetradas no continente Europeu ao longo do século XX”, “reafirma a sua condenação de todos os regimes totalitários” e manifesta “o mais profundo respeito por todas as vítimas de regimes totalitários”. Mas nunca refere expressamente ao condenação dos regimes comunistas, o que deveria ter levado a direita parlamentar a votar contra este texto, até porque apresentou textos em que essa censura ficava clara.

Já la vai o tempo em que Mário Soares acusava Álvaro Cunhal de querer “instituir uma ditadura em Portugal”, ao que o líder comunista respondiacom um sonso “olhe que não, olhe que não”.

3. Como Hanna Arendt defendeu em 1958 na sua obra “As Origens do Totalitarismo”, os regimes nazi e soviético eram ambos totalitários e tinham muito mais parecenças do que diferenças. Se os nazis queriam atingir a pureza da raça através dos vários genocídios que implementaram, os comunistas soviéticos queria construir um homem novo e uma sociedade sem classes igualmente pela força, pelos assassínios em massa e por igual perseguição a grupos étnicos e a toda e qualquer oposição.

Independente dos seus objetivos, os nazis e os comunistas tinham o mesmo objetivo: impor uma Ditadura em que o Estado era dono e senhor da vontade dos indivíduos e das comunidades. Mussolini cunhou o conceito do totalitarismo: “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado”. Mas este foi praticado praticado tanto por fascistas como Hitler ou Franco, como por comunistas como Lenine, Estaline, Khruchov, Brejnev e tantos outros.

Comunismo e fascismo são os rostos da subjugação dos indivíduos a ideais destruidores da condição humana. Não reconhecer isso é criminoso mas, mais do que tudo, é um atestado de ignorância histórica do Parlamento português.

Como o PS aconselha, na sua resolução, que o “conhecimento do passado” deve ser feito com base em “trabalhos historiográficos objetivos e neutros, que permitam a contextualização de cada realidade nacional”, termino com um pequeno guia de leituras diversificadas para os senhores deputados que desejarem sair do estado de ignorância em que vivem mas, sobretudo, para os leitores mais jovens que pensam que o comunismo não é sinónimo de ditadura — pois a minha fé na juventude é incomensuravelmente superior à que deposito nos parlamentares mais periféricos da Europa.

Leiam e aprendam. Foi o que eu fiz.

“Gulag – A History” – Anne Applebaum (Faber & Faber, 2004)
“Iron Curtain – The Crushing of Eastern Europeu” – Anne Applebaum (Faber & Faber, 2013)
“Pós-Guerra – História da Europa desde 1945” – Tony Judt (Edições 70, 2009)
“Estaline – A Corte do Czar Vermelho” – Simon Sebag Montefiore (Aletheia Editores, 2007)
“Lenine, O Ditador – Um Retrato Íntimo” – Victor Sebestyen” (Objetiva Editores, 2017)
“The Berlin Wall” – Frederick Taylor (Bloomsbury, 2006)
“The File – A Personal History” – Timothy Garton Ash (Atlantic Books, 2009)

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