Isso não tem nada a ver com a retirada da nossa Amazônia geográfica da soberania do Brasil, a entrega aos estrangeiros, essas coisas horríveis que levam imediatamente à reação tosca, ignorante, de patriotas ingênuos, que querem continuar apoiando a continuidade do subdesenvolvimento da Amazônia puramente nacional.
A Amazônia só se aproximou de um pouco de melhorias e bem-estar no boom da borracha (1870-1913), que durou pouco, mas permitiu a criação de todas aquelas coisas que os turistas admiram em Manaus e Belém ainda hoje.
Depois, ela entrou numa profunda letargia, até a criação da Zona Franca de Manaus, que é a solução errada, mas que permitiu criar empregos (a um custo alto para a economia brasileira, sem mencionar fraude fiscal, corrupção e deformação da economia regional).
E a Amazônia só será desenvolvida plenamente, quando ele for inteiramente internacionalizada, ou seja, integrada à economia mundial. Isso não tem nada a ver com a questão (paranoica) da soberania.
Mas, deixo essa conversa para lá, para apresentar um texto interessante, de um professor inteligente (deveria ser uma redundância, mas não o é, necessariamente).
Paulo Roberto de Almeida
Crítica iliterata
*Paulo Henrique Faria Nunes
Ler é um hábito incômodo. Segurar um livro e lê-lo em um espaço público no Brasil – ou mesmo na esfera doméstica – causa desconforto e mal-estar social. “Por que você está lendo?”; “é para o trabalho?”; “é para a escola?”; “coitado! No fim de semana… por isso tanto jovem está com depressão…”. Para os atrevidos que exibem livros por aí, os dispositivos de leitura de ebooks foram providenciais, pois eles se misturam aos milhões de celulares conectados às redes sociais e poupam o leitor da vergonha de ler em público.
Se consumir livros é complicado, imagina escrevê-los. É mudar o status de usuário para traficante. E o pior: o escritor está sujeito à crítica e ao ódio de quem não tem qualquer disposição para conhecê-lo. Paulo Freire que o diga. Tornou-se o bode expiatório de todos os males da educação brasileira. Escolas sucateadas, salários miseráveis, desvio de dinheiro público, plágio, outorga de diplomas universitários a analfabetos funcionais: é tudo culpa do Paulo Freire!
Já faz algum tempo que observo com certa inquietação a era da citação dos livros jamais lidos, estágio atual da erudita sociedade da informação do Século XXI. No entanto, como professor universitário nunca imaginei que eu próprio seria vítima dos críticos iliteratos.
No último ano, meu livro A institucionalização da Pan-Amazônia (Prismas, 2018) foi agraciado com o Prêmio Manuel Gomes Guerreiro, concedido pela Universidade do Algarve em Portugal. Obviamente, uma grata surpresa para um acadêmico tupiniquim e goiano. Ser elogiado publicamente por Lídia Jorge, um dos grandes nomes da literatura portuguesa, foi um momento ímpar. No entanto, maior surpresa me causaram as manifestações de vários de meus compatriotas. É impressionante como tanta gente confundiu o título de meu trabalho com internacionalização da Amazônia e logo concluiu que sou um intelectual a serviço das potências estrangeiras interessadas em roubar as riquezas do Brasil, neoliberal, esquerdopata, ambientalista radical, amigo de Greta Thunberg.
Uma pseudoleitora, que provavelmente se considera muito informada e nacionalista, me enviou um e-mail tragicômico: “Confesso que fiquei bastante assustada em saber que existe pessoas que concordam com a internacionalização da NOSSA AMAZÔNIA. A AMAZÔNIA, até onde eu sei, é DO BRASIL, ou seja, ela não pode ser COMERCIALIZADA. […] Sou Patriota e não permito, que nenhum aventureiro ponha a mão em nossas riquezas. São anos de luta, por um Brasil melhor e sem corrupção. Sei que chegaremos lá, com a ajuda de Deus e Jesus Cristo, pois somos a Pátria do Evangelho, Coração do Mundo. O Brasil é nosso. O povo acordou, não tem mais espaço para oportunistas” (sic).
Outros brasileiros reagiram ao ler a notícia da premiação concedida a meu livro em um portal de notícias português e prontamente se posicionaram. Um escreveu: “Ninguém vai por as mãos na Amazônia, Macron e sua turma de socialistas da ONU podem perder a esperança” (sic); outro bradou contra o colonialismo: “O Brasil não é mais uma colônia de Portugal, vcs europeus imperialistas não pisarão mais em nosso solo para roubar nossas riquezas e explorar nosso povo” (sic); e um mais destemperado e agressivo, mas igualmente desinformado, partiu para a agressão direta ao autor do livro cujo conteúdo desconhecia: “Mais um imbecil se metendo onde não foi chamado vai cuidar das suas florestas do seu pais en ves de ficar fazendo Balburdia […]. Primeiro resolva os problemas do seu país antes de se meter onde não foi chamado escritor mediocre” (sic).
Até mesmo um tio, após me parabenizar pelo reconhecimento em Portugal, resolveu fazer elucubrações sobre o risco de pan-americanização da Amazônia, “aspiração do Foro de São Paulo, da Unasul, do George Soros, do Vaticano e outras organizações internacionais”.
Não entender o conteúdo de um livro e chegar a teses equivocadas é esperado, principalmente onde a leitura é tão deficiente em termos quantitativos e qualitativos. Conclusões acerca de um texto desconhecido a partir de uma suposta (e errônea) interpretação do título revela a preocupante condição da educação brasileira em todos os níveis e o estágio de maturidade intelectual do país… preconceito no sentido mais literal: não li, não gostei, sou contra e inimigo do autor.
Paulo Henrique Faria Nunes é Jurista, professor, pesquisador na PUC Goiás e Conselheiro Fiscal da Apuc (Associação dos Professores da PUC Goiás)
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