Nas circunstâncias daquele momento, tive de deixar incógnito este trabalho.
Não há por mantê-lo incógnito ainda hoje.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30/04/2020
Nota técnica sobre os contenciosos atuais do Mercosul: “suspensão” do Paraguai e “adesão” da Venezuela
Paulo Roberto de Almeida
26-27/07/2012
Pouco tempo depois de ter alcançado sua maioridade de 21 anos, o Mercosul viu-se “surpreendido”, em sua reunião de cúpula de junho de 2012, pela maior crise política (até aqui) de sua história, cuja magnitude deve fragilizar seu funcionamento no plano imediato, podendo até ser suscetível de comprometer suas perspectivas no futuro de médio e longo prazo. O gatilho (aparente) da crise foi o processo, reconhecidamente rápido, de destituição congressual do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, mas o fator real foi representado pela iniciativa política dos três outros membros de impedir a presença da delegação paraguaia na reunião de cúpula de Mendoza e de “suspender” a participação do Paraguai nas instâncias políticas do bloco, medidas imediatamente seguidas pela “adesão” da Venezuela como novo membro pleno do Mercosul.
A presente nota tem como propósito elucidar os aspectos técnicos e institucionais do contencioso em causa, embora não seja possível separar esse tipo de abordagem, o mais possível objetivo, dos elementos políticos que o envolvem, que de resto são os que realmente causaram o contencioso. Caberia, assim, registrar, preliminarmente, o itinerário desse contencioso: se é verdade que o gatilho da crise foi a destituição, ou impedimento, do presidente Lugo, o fato político essencial foi o delongado processo de incorporação da Venezuela ao bloco, que se arrasta praticamente desde 2006.
Ao redigir esta nota, os seguintes documentos serão relevantes para o exame do contencioso em causa: (1) Tratado de Assunção (TA); (2) Protocolo de Ouro Preto (POP); (3) Protocolo de Ushuaia-1998 (PU); (4) Protocolo de Olivos (PO); todos eles disponíveis no site da Secretaria do Mercosul; (link: http://www.mercosur.int/innovaportal/v/3750/1/secretaria/tratados_protocolos_y_acuerdos_depositados_en_paraguay) e oficialmente registrados junto ao Ministério das Relações Exteriores do Paraguai, que é o estado depositário desses atos (link: http://www.mre.gov.py/dependencias/tratados/mercosur/registro%20mercosur/mercosurprincipal.htm); finalmente, como elemento direto do contencioso, o (5) Comunicado Conjunto, ou seja, a Declaração presidencial de Mendoza, disponível no site da Secretaria do Mercosul (link: http://www.mercosur.int/innovaportal/file/4358/1/cmc_2012_acta01_ane06_es_proyecto_comunicado_conjunto_presidentes_ep.docx).
Declaração presidencial: o que foi decidido em Mendoza?
Caberia constatar, antes de qualquer outra consideração, o que foi decidido em Mendoza, para depois examinar as medidas adotadas e suas implicações políticas e institucionais. Registre-se, por pertinente, que a delegação paraguaia foi impedida de participar da 43a. reunião ordinária do Conselho do Mercado Comum, realizada em Mendoza, Argentina, nos dias 28 e 29 de junho de 2012. Tal atitude não foi justificada, ao que se sabe, por nenhuma nota diplomática ou explicação formal.
Com a assinatura, portanto, de três dos presidentes do bloco (Argentina, Brasil e Uruguai), e do representante do presidente da Venezuela (o chanceler do país), foi emitido, em 29 de junho, um “comunicado conjunto”, em nome dos “presidentes dos Estados Partes do Mercosul”, que, em sua parte substantiva, diz exatamente o seguinte (no original em espanhol):
“5. Reiteraron su condena a la ruptura del orden democrático producida en la hermana República del Paraguay, subrayaron que el restablecimiento de las instituciones democráticas es condición indispensable para el desarrollo del proceso de integración y decidieron suspender, en el marco del Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático del MERCOSUR, el derecho de ese país a participar en los órganos del MERCOSUR.
6. Resaltaron su compromiso con que los efectos de la aplicación de esta medida no causen perjuicios al pueblo paraguayo. La suspensión cesará cuando, de acuerdo a lo establecido en el artículo 7° del Protocolo de Ushuaia, se verifique el pleno restablecimiento del orden democrático en la parte afectada.
7. Se congratularon por el ingreso de la República Bolivariana de Venezuela al MERCOSUR, subrayando que el proceso de integración es un instrumento para promover el desarrollo integral, enfrentar la pobreza y la exclusión social. Convocaron, para ello, a una reunión a los fines de la admisión oficial de Venezuela al MERCOSUR el 31 de julio de 2012, en la ciudad de Río de Janeiro.
8. Saludaron el inicio de los trabajos para estudiar la adhesión de Ecuador al MERCOSUR y ratificaron la voluntad de las partes de avanzar hacia una integración más profunda y solidaria, basada en la complementación productiva, reconociendo las diferentes estructuras económicas y con la voluntad necesaria para permitir su conclusión en el menor plazo posible.”
Incongruências da Declaração presidencial: exame técnico
O comunicado conjunto dos três presidentes do Mercosul e do representante do presidente da Venezuela apresenta diversos problemas políticos e institucionais, alguns dos quais necessitam ser sublinhados de imediato, para uma avaliação de suas incongruências e contradições em relação ao processo decisório do Mercosul. A menor de todas é a inserção, nesse documento, do representante do presidente da Venezuela como “Estado Parte”, o que não é obviamente o caso, uma vez que não foram cumpridos os trâmites para tal efeito. Vejamos, porém, os principais problemas.
1) Os instrumentos fundacionais do Mercosul, TA e POP, deixam muito claro que a estrutura institucional do bloco é constituída por: (a) Conselho do Mercado Comum, integrada pelos ministros de relações exteriores e de economia, órgão superior e único habilitado a adotar decisões, “as quais serão obrigatórias para os Estados Partes”; (b) Grupo Mercado Comum (GMC), de caráter executivo, que adota resoluções e propõe projetos de decisões ao Conselho; (c) Comissão de Comércio, de caráter administrativo, que emite diretivas e propõe ao GMC normas relativas a matérias comerciais e aduaneiras do Mercosul (estrutura do Mercosul, neste link: http://www.mercosur.int/t_generic.jsp?contentid=3862&site=1&channel=secretaria&seccion=2).
2) Estes são os únicos órgãos decisórios do Mercosul; além deles existe um órgão de representação parlamentar (Parlamento do Mercosul), um órgão consultivo (o Foro Consultivo Econômico e Social), um órgão técnico (a Secretaria), e um órgão de solução de controvérsias (que é o Tribunal Permanente de Revisão, atuando com base no PO e em seu regimento). Os presidentes não possuem função institucional e não lhes cabe adotar NENHUMA DECISÃO em nome do bloco; o que os instrumentos, TA e POP, dizem, simplesmente, é que “O Conselho do Mercado Comum reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, devendo fazê-lo pelo menos uma vez por semestre com a participação dos Presidentes dos Estados Partes.” Ou seja, os presidentes podem emitir quantas declarações e comunicados conjuntos desejarem, mas os ÚNICOS ATOS VÁLIDOS no Mercosul são as decisões do Conselho, que são, como registrado acima, obrigatórias para os Estados Partes.
3) A decisão de “suspender” o Paraguai de sua participação no bloco não possui, portanto, qualquer validade jurídica, ao não terem sido observados os procedimentos previstos para a adoção de decisões mandatórias para os membros do Mercosul. Para tal, os ministros teriam de ser instruídos a adotar uma decisão com tal efeito, cabendo aos presidentes apenas recomendar ao Conselho que adotasse os procedimentos necessários para tal finalidade; não há, dentre os resultados dessa reunião de Mendoza, qualquer decisão formal que convalide o ato dos presidentes.
4) O mesmo se aplica, portanto, ao enunciado no parágrafo 7 do comunicado, uma vez que os presidentes se “congratularam” com o “ingresso” da Venezuela no Mercosul, quando esse ingresso jamais observou qualquer um dos procedimentos legais que são obrigatórios no caso em espécie, como um exame dos requisitos necessários para essa incorporação permitirá constatar, mais abaixo.
O que disseram os presidentes e o que diz o Protocolo de Ushuaia?
Os três presidentes, em seu comunicado de Mendoza, referiram-se ao Artigo 7 do PU, cujo único escopo é o de declarar o término das medidas previstas no Artigo 5 (não mencionado explicitamente, ou por extenso), quando se verificar o “pleno restabelecimento da ordem democrática”.
Foram passados inteiramente sob silêncio os Artigos 4 e 5 do PU, que dizem exatamente o seguinte:
“Artigo 4. No caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do presente Protocolo, os demais Estados Partes promoverão as consultas pertinentes entre si e com o Estado afetado.
Artigo 5. Quando as consultas mencionadas no artigo anterior resultarem infrutíferas, os demais Estados Partes do presente Protocolo, no âmbito específico dos Acordos de Integração vigentes entre eles, considerarão a natureza e o alcance das medidas a serem aplicadas, levando em conta a gravidade da situação existente. Tais medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos.”
Em outros termos, NÃO FORAM conduzidas as consultas mandatadas pelo Artigo 4 do PU, o que invalida, portanto, a consideração do Artigo 5, sobre seu eventual resultado. O único trâmite observado foi uma reunião de chanceleres, prévia ao resultado da reunião congressual de impedimento do presidente Lugo, ao cabo da qual foi emitida uma nota de caráter informativo, não de natureza oficial.
Não será aqui considerado, por sua natureza eminentemente política, parte do parágrafo 5 do comunicado conjunto, que é formalmente contraditório e eminentemente subjetivo: “Reiteraram sua condenação da ruptura da ordem democrática produzida na República irmã do Paraguai,...”. Os presidentes não poderiam reiterar sua “condenação”, uma vez que não tinham emitido, anteriormente, qualquer comunicado conjunto sobre o processo político paraguaio, cujos trâmites obedeceram, formalmente, os dispositivos de sua Constituição, o que lhe deu o caráter mais de crise política interna do que de ruptura efetiva da ordem democrática.
Mas deve, sim, ser considerado, o que afirmaram logo em seguida, quanto à “suspensão” do Paraguai, “no marco do Protocolo de Ushuaia”, uma vez que o PU não foi efetivamente seguido. Ainda que ele tivesse sido seguido, não existem documentos formais que convalidem a intenção e a feitura de consultas recíprocas, ou de um exame detido da ocorrência, com a participação do “Estado afetado”.
O “ingresso” da Venezuela: existe algum documento formal a respeito?
O processo decisório no Mercosul se fundamenta, como explicitado acima, em projetos de normas – eventualmente sugeridas pelos presidentes, ou propostas pelo Grupo Mercado Comum – que são adotados pelo seu Conselho, órgão superior e único autorizado a decidir sobre o funcionamento do bloco e seu relacionamento com as demais instâncias institucionais, internas e externas. Os presidentes podem reunir-se entre si e com autoridades de outros países para adotar comunicados, declarações ou até tratados e protocolos – assinados conjuntamente com os chanceleres – que depois se submeterão à aprovação formal de cada parlamento nacional (uma vez que o Mercosul, como repetido reiteradamente, é uma estrutura intergovernamental, sem os traços de supranacionalidade que se encontram no esquema europeu).
Ora, o que disseram os três presidentes em relação ao “ingresso” da Venezuela no bloco? Eles simplesmente se “congratularam” com tal “ingresso”, sem que esta declaração possua qualquer efeito juridicamente válido, como determinado nos instrumentos constitutivos do Mercosul.
Como está explicitamente expresso no TA e no POP, todas as decisões do bloco são tomadas unanimemente e na presença de todos os Estados Partes. Não é, efetivamente, o que se passou em Mendoza, quando um dos membros foi impedido, por “decisão” unilateral da presidência pró-tempore argentina, sem qualquer ato formal, por via diplomática quadrilateral ou por alguma reunião extraordinária do Conselho, de participar dos trabalhos da reunião (em nível ministerial e de cúpula). A iniciativa simplesmente não revestiu-se do caráter legal que devem ter TODAS as decisões do Mercosul: uma vez que o Paraguai não foi excluído do bloco, mas tão simplesmente “suspenso” – mas ilegalmente, como já se verificou –, os presidentes declararam que sua decisão foi “unânime”, quando se sabe que o Uruguai reiterou, antes, durante e depois desse ato, suas reservas quanto às formalidades de que se revestia tal iniciativa. Vejamos, porém, o que ocorre com a adesão da Venezuela ao Mercosul, pela via dos instrumentos pertinentes.
Não é preciso lembrar que as decisões no bloco são tomadas por consenso, ou, como declarado nos instrumentos, unanimemente e com a participação de todos. É evidente, pois, que se o Parlamento do Paraguai não ratificou o protocolo de adesão do país andino, não estavam reunidos os requisitos para que esse “ingresso” se realizasse. Trata-se de direito soberano do Paraguai, aliás desrespeitado na cúpula anterior (em Montevidéu, em dezembro de 2011, quando se aprovou, inclusive com o acordo do presidente Lugo, a criação de uma “comissão” para “ajudar a acelerar” esse processo.
Mais importante, porém, seria sublinhar o fato de que a Venezuela não tinha aprovado NENHUM dos principais instrumentos constitutivos do Mercosul (TA, POP, PO), nem sequer o seu próprio Protocolo de Adesão (ver o texto aqui: http://www.mercosur.int/innovaportal/file/2485/1/2006_PROTOCOLO_ES_AdhesionVenezuela.pdf), do qual, aliás, ela não atendeu nenhum dos requisitos nele estabelecidos, supostamente monitorados por um Grupo de Trabalho que, obviamente, não conseguiu elaborar um relatório conclusivo ao GMC, e deste ao Conselho, reconhecendo a “internalização” dos requisitos, e recomendando, portanto, a aprovação formal desse “ingresso”. Registre, para começar, o caráter bizarro – nos anais da diplomacia mundial – de seu estatuto pós-Protocolo de Adesão, referido como “membro pleno em processo de adesão”, uma condição certamente esdrúxula, em todo caso estranha ao direito dos tratados e provavelmente nunca conhecida em situações do gênero.
O mesmo protocolo estipula, em seu Artigo 5, os prazos com os quais as Partes se comprometem a cumprir as regras de livre comércio reciprocamente: a Argentina e o Brasil, por exemplo, deveriam cumprir o livre comércio em direção da Venezuela em janeiro de 2010, enquanto esta poderia reciprocar em janeiro de 2012; para o Paraguai e o Uruguai, os prazos seriam, respectivamente, em 2013 e 2012. O Grupo de Trabalho criado para seguir o cumprimento desses requisitos deveria entregar seu relatório no prazo máximo de 180 dias; é evidente que ele não o fez, não podendo, assim, seja o GMC, seja o próprio Conselho, dar seguimento aos demais trâmites para o “ingresso” da Venezuela. Por fim, o protocolo reiterava o dispositivo básico de todos os instrumentos relevantes do Mercosul: o Paraguai é o “depositário do Protocolo e dos instrumentos de ratificação e notificará às Partes sobre os depósitos desses instrumentos” (Artigo 12). De julho de 2006, quando se firmou tal protocolo em Caracas, pelos presidentes e pelos seus respectivos chanceleres, até o encontro em Mendoza, o governo da Venezuela não conseguiu ratificar qualquer um desses instrumentos, nem informar quando pretendia incorporar a Tarifa Externa Comum, ou as demais normas de política comercial do bloco. Qual seria, assim, o seu estatuto vis-à-vis o Gatt e outros instrumentos pertinentes do sistema multilateral de comércio? Ignora-se que tipo de política comercial o país andino poderia (ou poderá) praticar a partir de um “ingresso” hipotético.
Em face de todas essas inadimplências, pergunta-se como os três presidentes puderam afirmar, no comunicado conjunto, que se convocava, para esse ingresso, “uma reunião para a finalidade da admissão oficial da Venezuela ao Mercosul no dia 31 de julho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro”? Não apenas a declaração presidencial, mas também essa pretensa reunião de “admissão oficial” careceriam de qualquer base legal para fundamentar a incorporação do país andino ao bloco.
O Protocolo de Olivos e o Tribunal Permanente de Revisão
Logo após o encontro de Mendoza, e agastado com o tratamento que lhe tinha sido concedido pelos três outros membros do Mercosul – ademais da Unasul ter aplicando igualmente a “pena” de suspensão de participação na entidade, no que não foi seguida pela OEA, que realizou missão de investigação no país, liderada pelo próprio Secretário Geral da organização hemisférica –, o governo do Paraguai decidiu invocar o sistema de solução de controvérsias do bloco, para resguardar seus direitos e obter o reconhecimento da ilegalidade e ilegitimidade das medidas adotadas naquela cúpula, sem sua presença, como autorizam os instrumentos em vigor.
O tribunal considerou a demanda do Paraguai, efetuada em 9 de julho, e emitiu, em 21 de julho, um laudo (cujo teor pode ser lido neste link: http://www.tprmercosur.org/pt/docum/laudos/Laudo_01_2012_es.pdf), no qual se atém unicamente a questões de procedimento e diz, em síntese, que é “inadmissível” o pleito do Paraguai uma vez que os demais Estados Partes não consentiram em que a questão fosse levada ao próprio Tribunal. Este não poderia, em consequência, se pronunciar sobre o cumprimento ou a violação da normativa do Mercosul, o que constitui notável argumento circular em torno da questão. Ou seja, mesmo que o Paraguai passasse notas diplomáticas solicitando consultas aos demais Estados Partes, não respondendo eles à demanda do país guarani, este permaneceria no limbo de qualquer solução do presente contencioso, mesmo à margem de qualquer consideração do pleito paraguaio quanto ao fundo da questão.
Registre-se, por importante, que os três países autores do “comunicado de suspensão” pretendiam retirar o Protocolo de Ushuaia do âmbito de competência, ratione materiae, do Protocolo de Olivos, o que não foi admitido pelo Tribunal, que no entanto limitou-se a não considerar o caso ratione personae. O Tribunal sequer chegou a considerar a aplicação dos artigos pertinentes do TA e do POP quanto ao processo de tomada de decisão, todo ele eivado de ilegalidades flagrantes e inteiramente caracterizado por um tratamento subjetivo, e politizado, do contencioso.
Pode-se admitir que o Paraguai continuará lutando pelos seus direitos, no âmbito do sistema de solução de controvérsias do Mercosul; mas é de se esperar um longo e incerto trâmite de suas demandas, em virtude, justamente, da politização da questão pelos três outros Estados Partes. Independentemente da solução que seja encontrada para a “suspensão” ilegal do governo paraguaio dos trabalhos políticos – e até das reuniões técnicas, e eventualmente parlamentares, também – do Mercosul, não se vê como admissível, em bases legais, o “ingresso” da Venezuela ao bloco, ao não terem sido atendidos nenhum dos requisitos formais ou substantivos para que tal adesão seja revestida dos critérios de legalidade formal e de legitimidade intrínseca.
Em outros termos, mesmo que no Paraguai tivesse ocorrido, de fato, uma “ruptura democrática”, e que o país tivesse sido “suspenso” do Mercosul, observados todos os requisitos formais do PU, não se vê como, ou em quais condições, a Venezuela, sem ratificar o TA, o POP, o PO e o seu próprio instrumento de acesso, poderia ser admitida no bloco. Sem entrar em considerações políticas quanto ao atendimento, pelo país andino, de todos os requisitos democráticos expressos, por exemplo, no Compromisso democrático da OEA – bem mais abrangente e completo do que a tênue e ambígua formulação do PU – não parece aceitável que um país se torne Estado Parte de uma entidade fundamentada em instrumentos constitutivos de base legal, sem que ele tenha aderido – ou seja, ratificado e depositado seus instrumento a tal efeito – aos mesmos atos internacionais fundacionais da entidade.
Em síntese, e formulando agora uma avaliação puramente política do contencioso em questão, parece claro que o Mercosul está embarcando em uma trajetória de desrespeito aos instrumentos legais que pode comprometer seriamente seu itinerário futuro, bem como fragilizar irremediavelmente a sua forma interna de funcionamento. Por fim, qual credibilidade terá o Mercosul depois de Mendoza?
[Brasília, 27/07/2012]
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