quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Mini reflexão sobre o hábito da transferência de culpas - Paulo Roberto de Almeida

Mini reflexão sobre o hábito da transferência de culpas

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Um comportamento típico dos escapistas: quando se reclama de um ou outro aspecto das políticas e dos comportamentos atuais, não é difícil ouvir-se a arenga habitual:

 

“Ah, mas os tucanos também roubaram… Ah, mas os petistas também aparelharam o Estado… Ah, mas o STF proibiu doações empresariais… Ah, mas as emendas parlamentares são legítimas… Ah, mas isso e mais aquilo…”

 

Já repararam que, de “mas” em “mas”, o Brasil vem se degradando continuamente?

Persistirá esse tipo de escapismo até algum desenlace fatal?

 

Não cabe, nunca coube, desculpar o desgoverno atual por erros e traquinagens que possam ter sido perpetrados lá atrás, aliás até intermediados e parcialmente corrigidos por um governo de dois anos e meio que tentou, nas condições que se sabe, corrigir a herança maldita do PT.

Não, não se pode desculpar a horripilante degradação atual da politica, da cultura e da economia de um Brasil desgovernado por um genocida, mentecapto e psicopata perverso, por tudo o que se fez antes, inclusive porque não havia nenhum “comunismo” sendo construído.

 

Deve-se, sim, falar do que permitiu que essa deformação surgisse: a maior CRISE de toda nossa história, em 2015-16, por incompetência econômica, e a maior CORRUPÇÃO já conhecida, de caráter sistêmico, institucional, que se instalou nos governos petistas desde o início.

Hoje, na verdade, a corrupção se tornou legal: esquerda e direita se uniram para bloquear a luta contra a corrupção e para assaltar o Estado e todos nós. O Brasil e os brasileiros estão REFÉNS de um estamento político predatório, que não tem ideologia de direita ou de esquerda: a única intenção é rapinar o Estado, ou seja, todos nós.

Há exceções, eu sei, entre os políticos, mas são exceções, e vivem num ambiente contaminado irremediavelmente pelo patrimonialismo, pelo nepotismo, pelo fisiologismo, pelo prebendalismo e por vários outros ismos corruptores. 

 

Não existem desculpas escapistas a todos os horrores que foram sendo construídos ao longo do tempo: o escravismo no Império, o militarismo no surgimento da República, as oligarquias sempre presentes, o autoritarismo inerente às elites sempre medíocres, e mesmo às esquerdas supostamente redistributivas, a indiferença à miséria de grande parte da população por parte de todos os dirigentes, mesmo dos que viviam dessa miséria por objetivos populistas, e, sobretudo, sobretudo, o absoluto DESCASO de todos para com uma educação de massas de qualidade para qualificar produtivamente a população.

 

O Brasil é uma construção falha, estamos vendo agora, no momento de fazermos um balanço das realizações e frustrações em 200 anos de vida independente. Conseguimos construir um Estado até grandioso, para os padrões das antigas formações colonizadas pelos ibéricos, com palácios e até instituições respeitáveis, mas tudo isso sobre pés de barro, sobre o suor dos escravos, sobre o trabalho ingente dos imigrantes analfabetos, que muito fizeram para transformar este país, sobre a preservação da pobreza e da desigualdade que atinge a população mais humilde, que um contingente não desprezível da população total.

 

O Brasil, já se disse, não é um país pobre, mas é um país com muitos pobres. Correto: todos nós nascemos pobres, em conhecimento e capacitação para a vida, uma parte, com sorte, em lares mais ou menos bem dotados, outros, a grande maioria em lares pobres, muito até miseráveis. Esses precisam se alçar à custa de muito trabalho, como fizeram os meus avós imigrantes analfabetos e como fizeram meus pais sem educação primária completa. Esse é o Brasil real, o Brasil que foi construído depois de muita labuta, no Império e na República, infelizmente sem elites preparadas para enfrentar os reais desafios, que não estavam tanto na superestrutura das próprias elites, e sim na infraestrutura mal-acabada dos pobres.

O Brasil cresceu (muito pouco, no máximo 50 anos em 200) indiferente à situação da maioria do povo. Isso fez muito mal a um verdadeiro sentido de nação. 

 

Hoje pagamos o preço não só pela inação das elites — todas elas, não só os ricos e poderosos, mas sindicalistas e atores do “baixo clero” também—, mas sobretudo pelo CARÁTER PREDATÓRIO das elites que foram sendo forjadas ao longo do tempo.

Não cabe mais escapismo e transferência de culpas: todos somos responsáveis pelo país que criamos ou que deixamos “acontecer”. Não, não cabem mais desculpas: ou corrigimos o que está errado, começando pela infraestrutura das massas ou nunca seremos uma nação digna desse nome. 

Termino com uma nota “técnica”, dirigida aos distributivistas habituais (e existem muitos, não só nas esquerdas, mas também nas elites com remorsos) e aos ansiosos por corrigir nossas mazelas: a despeito de o Brasil ser um país horrivelmente desigual, a desigualdade NÃO É o nosso principal problema. Ela é, sobretudo, o resultado da não educação das massas, da baixíssima dotação do país em capital humano, o que responde por ganhos medíocres de produtividade e, portanto, por baixas taxas de crescimento econômico com transformação produtiva.

O Brasil é um país tremendamente assolado por muitos pobres ignorantes, e é isso que permite às elites predatórias (inclusive aquelas que vieram de baixo) manter um sistema expropriatório das riquezas, mesmo poucas, criadas poe essa massa de trabalhadores desqualificados (mas eleitores).

O Brasil é uma verdadeira democracia de massas, mas deformada e de baixíssima qualidade, devido à ação predatória de todas as nossas elites. Isso só vai mudar com a educação de massas de qualidade, com a qualificação do capita humano.

Por isso, sou contrário a essas políticas equivocadas de distributivismo demagógico, feito de quatro anos de supertaxação dos ricos para distribuição de esmolas populistas aos mais pobres.

O trabalho é mais duro e mais lento: o Brasil é um país desigual, mas a desigualdade só vai ser realmente resolvida pela redução da pobreza e eliminação da miséria. Soluções “pikettyanas” são falsa soluções, ainda que elas possam dar a ilusão momentânea de “correção” do problema, que seria a desigualdade. Não, não é; é a pobreza e a não educação. Constrange-me constatar a desinteligência das elites para esses fatos tão simples.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4059: 13 janeiro 2022, 3 p.

 

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