Notas pouco musicais sobre os centenários do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Uma pequena nota sobre um grande acontecimento.
O primeiro centenário da independência do Brasil, em 1922, foi marcado por uma exposição internacional no Rio de Janeiro e pela visita do então presidente português ao país; ela teve certo ar de grande comemoração, pois que, além daquela exposição foram publicados alguns livros e realizados certos eventos com características claramente culturais e educativos, voltados para a enaltação da herança portuguesa e por uma sensação de modernidade a ser alcançada nos quadros de um país que se reencontrava consigo mesmo.
O segundo centenário, em 2022, também foi marcado pela visita do chefe de Estado de Portugal, entre alguns poucos outros, mas não teve nenhuma exposição internacional celebratória, que foi substituída por desfiles militares com toques de palanques eleitoreiros que sequestraram a data em favor do dirigente de plantão. Esta é parte oficial de uma data que deveria ser apenas cívica-militar, e que se transformou em comício eleitoral.
Muitos outros eventos estão sendo feitos em todos os cantos do país, por iniciativas de várias entidades da sociedade civil, assim como por dezenas de grupos mais ou menos vinculados aos estudos da história do Brasil, com livros e seminários enriquecendo o conhecimento do nosso passado, em especial o momento da Independência, ou separação de Portugal. Esse tipo de comemoração evocativa da história do país continuará a ser feito pelo resto do ano por diversas entidades civis que buscam resgatar a data em favor de uma legítima manifestação patriótica, não política, como infelizmente está sendo em 2022.
O que se teve por parte do governo que tomou posse em janeiro de 2019, e durante todo o resto do mandato, foi uma sucessão de palanques políticos em todas as oportunidades dos últimos três anos e oito meses, com uso do dinheiro público para finalidades pessoais. A nação, que estava dividida em 1822, entre os que pregavam a continuidade da união com Portugal e os que preferiam a secessão imediata, está ainda mais dividida do que nunca esteve antes em qualquer data comemorativa nacional.
A promessa do bicentenário de setembro de 2022, sequestrado por um candidato às eleições de outubro, e que lamentavelmente é o chefe de Estado e comandante das Forças Armadas, é a de que a nação continuará dividida, bem mais do que em 1822, ou em 1922, quando revoltas militares e Estado de sítio foram uma constante ao longo do ano e durante todo o mandado de um presidente que foi provavelmente eleito pela fraude deliberadamente construída, como era o hábito na primeira República. O que se espera de uma data magna, como o dia da Independência, é justamente a celebração da unidade nacional, e não a luta entre “bem e o mal”, como novamente reafirmado nesta ocasião.
No intervalo entre o primeiro e o segundo centenário, a ditadura militar promoveu uma celebração pelo sesquicentenário da independência, em clima de grande exaltação pelo vigoroso crescimento econômico registrado até aquela conjuntura (a crise se instalou em 1974, mas foi contornada durante alguns anos pelo “pau na máquina” do governo militar), tendo tido a brilhante ideia – ironia intended – de trazer os ossos do primeiro imperador para passear por todo o Brasil. A sociedade civil, inclusive o Conselho Nacional de Educação, promoveu muitas publicações alusivas aos 150 anos da independência, e foi o que de mais relevante ficou dessa data ensombrecida pela terrível repressão que se abateu sobre a oposição política depois do AI-5 de 1968, com assassinatos, torturas e desaparecimentos.
De minha parte, tendo tido meus principais professores do curso de Ciências Sociais da USP cassados logo no primeiro semestre de 1969, escolhi sair do país um ano depois, interrompendo meus estudos no segundo ano, e retomando os estudos, de graduação, mestrado e doutoramento nos próximos sete anos passados no exílio europeu. Quando voltei, ainda no regime militar, ingressei quase de imediato na carreira diplomática, sem que minhas atividades contrárias à ditadura tenham sido detectadas pelos espiões do regime no exterior, sob a forma de muitos artigos escritos sob pseudônimo. Mas não escapei à vigilância dos agentes do Serviço Nacional de Informações da capital federal desde que desembarquei em Brasília: descobri, muitos anos depois, nos registros do SNI depositados no Arquivo Nacional de Brasília, que eu tinha sido fichado em 1978, como “diplomata subversivo”, por atividades no quadro das manifestações em favor da anistia e da redemocratização do país. Nessa época e até o final do regime, eu usei “nomes de guerra”. Foram uma constante em várias épocas.
No sesquicentenário de 1972, eu estava, portanto, fora do país, trabalhando de forma ativa em prol do Tribunal Russell, que, depois de condenar os Estados Unidos pela guerra do Vietnã, se preparava para condenar a ditadura militar do Brasil. Fomos “atropelados” pelo golpe sangrento de Pinochet contra o governo de Allende, no Chile, e os eventos de 1973, na Europa, foram bem mais voltados para o Chile, do que para o Brasil. De fato, o golpe militar chileno, assim como a ditadura argentina a partir de 1976, foram muito mais sanguinárias do que a ditadura brasileira, que acumulou ainda assim um saldo horrífico de exações.
Por ocasião deste bicentenário, em 2022, encontro-me em Brasília, continuando a fazer o que sempre fiz em toda a minha vida: ler, refletir, escrever, eventualmente divulgar minhas reflexões pelos canais ao meu alcance, ao lado de atividades mais profissionais nas últimas décadas, a diplomacia profissional e as lides acadêmicas em paralelo. Meu foco preferencial, até por obrigação profissional, ficou concentrado em relações internacionais, na política externa do Brasil e na história de sua diplomacia, com muitos livros acumulados nesses temas. É um pouco isso que continuarei fazendo, nos próximos anos, enquanto minhas forças e o estado de minha mente ajudarem nesse tipo de ocupação intelectual.
Bom bicentenário a todos!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4232: 7 setembro 2022, 2 p.
o Geraldo Alckmin vai ser Presidente da República, que maravilha, hein, Paulo?
ResponderExcluirParabéns, Paulo, o Geraldo Alckmin será Presidente da República!
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