segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Política externa de Lula precisa se afastar da ideologia - Editorial O Globo

 Política externa de Lula precisa se afastar da ideologia

O Globo | Opinião do GLOBO
25 de dezembro de 2022

Futuro chanceler prometeu orientar Itamaraty pelo interesse nacional.

Faria bem em cumprir a promessa

As primeiras viagens internacionais de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente serão para Argentina, Estados Unidos e China, revelou ao GLOBO o embaixador Mauro Vieira, que voltará ao comando do Itamaraty. O objetivo imediato da política externa será, segundo ele, reparar ou reconstruir as pontes depois do desastrado governo de Jair Bolsonaro, que virou persona non grata no exterior.

É um objetivo pertinente e necessário. Mas, para que a volta do protagonismo do Brasil tenha chance de sucesso, Vieira precisará adotar uma postura bem mais realista do que transpareceu na entrevista. Para ele, há "sede de ver o Brasil" atuando de novo - um evidente exagero. Há uma diferença entre a sensação de alívio pela saída de Bolsonaro e países ávidos por ouvir a opinião brasileira em tudo.

Desde que Vieira deixou o cargo de ministro das Relações Exteriores no governo Dilma Rousseff, o mundo mudou bastante. Solidificou-se no governo americano a ideia de que a China é o maior adversário estratégico. Na Europa, Vladimir Putin ajudou a unir o Ocidente com a invasão da Ucrânia. Em Washington, a importância relativa do Brasil caiu não apenas pelos erros de Bolsonaro, mas também pelos do PT. As trapalhadas do Itamaraty na tentativa de costurar um acordo de paz envolvendo o Irã não foram esquecidas. Continuam a circular entre petistas idéias de grandeza sem cabimento, como o papel brasileiro numa eventual negociação de paz entre Rússia e Ucrânia.

E evidente que há outras prioridades. Dado o tamanho do Brasil, nossos interesses são diversos. Nas áreas comercial, financeira, tecnológica e militar, a atenção tem de se voltar para as grandes potências, Estados Unidos, China e União Européia (UE). Vieira tem razão em querer retomar o acordo Mercosul-UE, paralisado em retaliação pela política ambiental de Bolsonaro. Mas é um erro ressuscitar a política Sul-Sul dos anos petistas, que resultou na exportação de esquemas de corrupção bilionários com resultados pífios ao país.

A entrevista de Vieira foi reveladora pelo que foi dito, mas também pelo que omitiu. Não está errado, por si só, reativar relações com ditaduras como Venezuela, Cuba e Nicarágua. Se o Brasil só tivesse representação em países democráticos, não estaria em Pequim, Moscou, nem na maioria das capitais africanas. Mas isso não significa fazer afagos nesses governos. Não é verossímil que Vieira desconheça as informações públicas sobre torturas e violações de direitos humanos do regime venezuelano, como afirmou. E incompreensível - e inaceitável - a deferência com que sucessivos governos petistas tratam ditaduras de esquerda.

Questionado sobre a disputa entre chineses e americanos, Vieira foi mais sensato. Lembrou que a China é nosso principal parceiro comercial e que os Estados Unidos são o segundo no comércio e o primeiro em investimentos. "O Brasil tem condições de falar e de (...) defender seus interesses nacionais com cada país", afirmou.

A mesma atitude deveria ser adotada diante de todos os países, sejam os amazônicos na questão do meio ambiente, os andinos em temas de segurança e drogas ou os parceiros do Mercosul na agenda comercial. O que importa em todas as frentes é o interesse nacional, não a cor política do governo local. Vieira afirmou que não guiará o Itamaraty por ideologia, como fez Bolsonaro. Faria bem em cumprir a promessa.


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