A política externa argentina em ano eleitoral
- Carlos Eduardo Vidigal
- 14/02/2023
O ano de 2023, mesmo em seu início, já pode ser identificado como mais um ano dramático na política argentina. A eleição presidencial programada para o dia 22 de outubro, com a posse em 10 de dezembro, é, neste mês de fevereiro, uma incógnita. As dúvidas quanto ao pleito não se resumem, porém, a um momento específico da crise econômica e política argentina, mas revela uma crise mais profunda, de natureza estrutural. Desde a redemocratização, talvez à exceção dos governos de Carlos Menem (1989-1999), o país se encontra imerso em um processo de polarização e de radicalização – neste aspecto, de forma semelhante a outros países latino-americanos – e tem conhecido uma nova normalidade, marcada por conflitos políticos, disputas ideológicas acirradas e procedimentos que atentam contra as instituições democráticas.
As dificuldades econômicas e políticas do país podem ser atenuadas em momentos de bom desempenho do setor primário-exportador, de aumento da demanda brasileira por manufaturados, de condições favoráveis às negociações com o FMI ou, no plano interno, de atendimento às demandas sociais de setores carentes. Esses períodos têm sido, porém, mais a exceção do que a regra, o que impacta negativamente na formulação de uma política externa proativa.
Nesse sentido, quando imerso em uma grande crise, que possibilidades tem um país semiperiférico de engendrar um projeto político em condições de agregar a maioria da sociedade em torno de valores, princípios e diretrizes capazes de dar vazão às aspirações internas e estendê-las às suas relações internacionais?
A Argentina se encontra dividida em dois grandes grupos político-ideológicos, representados em passado recente por Cristina Fernández de Kirchner e Maurício Macri.
A primeira, organizada em torno da Frente de Todos (FT), agrega valores herdados do desenvolvimentismo cepalino, das “teorias” da dependência, da justiça de transição (para a democracia) e, em política externa, os princípios de autonomia, democracia e respeito ao direito internacional público. A frente Juntos por el Cambio (JC), liderada por Macri, defende os princípios do liberalismo econômico, se coloca ao lado do empresariado nacional e internacional, vincula os programas sociais ao crescimento econômico e, em política externa, reconhece a relevância dos laços com Washington, assim como o respeito às regras financeiras e aos organismos internacionais. Ambos, em momentos de maior tensão e potencialmente conflituosos, se deixam levar pela tentação fascista da negação do outro.
Adversários ferrenhos no cotidiano político, compreendem as necessidades maiores do país, mas encontram limites no mais das vezes intransponíveis. Em termos práticos, as lideranças da FT e da JC reconhecem a relevância do setor agroexportador e de alguns setores da indústria, mais densos em ciência e tecnologia, para a economia do país; sabem da importância dos programas sociais para os setores carentes e do papel desempenhado por lideranças sindicais e da sociedade civil organizada para a estabilidade interna; reconhecem dívidas do Estado para com a sociedade em matéria de emprego, moradia, assistência à saúde e segurança. Entretanto, têm igual consciência da herança histórica do peronismo para a FT, da força alcançada pelo kirchnerismo nas eleições presidenciais das duas últimas décadas, à exceção das de 2015. Macri, em meio a divisões profundas na JC, não tem se mostrado em condições de apontar um caminho (candidato/a) alternativo capaz de repetir o feito anterior; mas o governo Alberto Fernández, em meio a altíssimas taxas de inflação, restrições cambiais e atritos com a vice-presidente, Cristina Kirchner – que foi decisiva em sua ascensão ao cargo –, tampouco está assegurado em seu intuito de se reeleger.
Prevalecem, com Alberto Fernández na presidência da Nação, e com o setor agroexportador e industrial com dificuldades de melhorar seu desempenho, os impasses e as indefinições. É esse quadro que contribui para a compreensão da retomada do tema da moeda comum do Mercosul e do pleito argentino para que o BNDES financie o gasoduto de Vaca Muerta, apresentados no encontro bilateral de 23 de janeiro, às vésperas da Cúpula da Celac. Embora o governo Lula tenha sinalizado positivamente – apenas sinalizado – e contribuído para o papel que Alberto Fernández pretende desempenhar na região, o de líder progressista e de esquerda, os laços com o Brasil terão pouco peso no processo eleitoral argentino, salvo uma forte retomada do crescimento/desenvolvimento econômico brasileiro, o que no momento não está no horizonte.
Carlos Eduardo Vidigal é doutor em relações internacionais e professor de história da UnB. Autor de Relações Brasil-Argentina: a construção do entendimento (1958-1986).
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