Já sabemos que Lula não gosta de extraditar criminosos que eventualmente tenham relações com pessoas de sua simpatia. Só ainda não sabemos se suas simpatias estão mais com Joe Biden ou com Vladimir Putin...
Bitcoins, joia e dinheiro em espécie: russo acusado de espionagem contava com rede de apoio no Brasil, aponta investigação
Acusado de espionagem, russo contava com rede de apoio no Brasil, aponta investigação
Sergey Vladimirovich Cherkasov criou uma história que convenceu até as autoridades em Haia, mas agora está na mira das autoridades brasileiras e dos EUA
Por Reynaldo Turollo Jr. e Thiago Bronzatto — Brasília
O Globo, 3/04/2023
O estudante Victor Müller Ferreira nutria o sonho de conseguir um emprego na Europa. Nascido no Rio de Janeiro, viveu com a tia-avó na Argentina dos 2 aos 21 anos, quando pegou um ônibus de volta ao Brasil. Ao chegar a sua cidade natal, começou a trabalhar em uma agência de turismo e câmbio. Até que decidiu fazer um curso na Irlanda e, algum tempo depois, uma pós-graduação na Universidade Johns Hopkins, em Washington (EUA). Essas experiências abriram as portas de um estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, para atuar em casos de crimes de guerra.
Ao chegar a Amsterdã para iniciar o trabalho, foi impedido de passar pela imigração. Teve que voltar ao aeroporto de Guarulhos (SP), onde foi preso em 2 de abril de 2022 por uso de documentos falsos. Descobriu-se, então, que a história de Victor Müller Ferreira era uma obra de ficção para acobertar sua verdadeira identidade: Sergey Vladimirovich Cherkasov, apontado como espião russo pelas autoridades brasileiras e internacionais.
Ao ser detido pela Polícia Federal, Cherkasov teve de entregar o celular, pen-drives, HD e chips de memória. Esse material, analisado pelos investigadores, revelou indícios de que o suposto espião da GRU, inteligência militar russa, “possuía uma rede de apoio no Brasil”, que “depositava valores mensais em sua conta de forma fracionada e em espécie, visando à sua não identificação”.
Parte do processo contra Sergey Cherkasov que detalha pagamentos feitos por uma suposta rede de apoio no Brasil — Foto: Reprodução
Parte do processo contra Sergey Cherkasov que detalha pagamentos feitos por uma suposta rede de apoio no Brasil — Foto: Reprodução
Uma prova disso, de acordo com as autoridades, são e-mails trocados entre Cherkasov e uma pessoa que trabalhava no Consulado Geral da Rússia.
“Parece que seu pai está preocupado por não receber notícias suas. Mande notícias para ele. O cônsul russo solicitou isso a mim. Semana que vem devo fazer uma nova transferência”, escreveu o interlocutor para o estudante. Uma semana depois, Cherkasov recebeu € 750 (R$ 2,7 mil) em uma conta bancária na Irlanda, onde conseguiu emitir um passaporte brasileiro utilizando identidade falsa.
Primeira entrada em 2010
Outras transações do suposto espião, que entrou no Brasil pela primeira vez em 2010, também chamaram a atenção dos investigadores. Em depoimento a agentes do FBI, a polícia federal americana, Cherkasov contou que pagou um curso na Irlanda com “lucro auferido com a compra e venda de bitcoins” e que, sem visto de trabalho, usou suas economias para fazer uma pós-graduação nos Estados Unidos — que custou entre US$ 80 mil e US$ 100 mil. Segundo a apuração do caso, enquanto estava no exterior, o russo recebeu depósitos em espécie em uma agência bancária no Rio de Janeiro, comprou automóveis e movimentou “alto valores” em corretoras de criptomoedas.
Essas operações financeiras envolvendo Cherkasov ocorreram tanto no exterior como no Brasil, onde ele comprou por R$ 190 mil um imóvel em Cotia (SP) um mês antes de tentar se mudar para a Holanda. Com os recursos que recebia, o russo conseguiu subornar uma funcionária de um cartório, segundo ele próprio registrou em um relatório encontrado no material apreendido pela PF. Ao presentear uma escrevente com um colar de joias de US$ 400 (R$ 2,2 mil), o suposto infiltrado conseguiu autenticar documentos, anular multas eleitorais e concretizar a compra de um apartamento para ter um endereço fixo. “Acredito que [essa pessoa] possa ser usada para fins de nosso trabalho, relacionado à documentação”, escreveu ele a um interlocutor.
Tão logo foi preso, Cherkasov foi levado à carceragem da PF em São Paulo. Lá, recebeu a visita de um representante do consulado russo. Pouco tempo depois, assumiu perante os tribunais sua verdadeira identidade e foi assessorado por advogados que solicitaram à Justiça que ficasse preso no próprio Consulado Geral da Rússia. A defesa alegou que ele corria risco de vida e que havia uma suspeita de tentativa de envenená-lo. No início deste ano, ele foi transferido para um presídio de segurança máxima em Brasília. Procurados, o Consulado Geral da Rússia em São Paulo e a Embaixada da Rússia não comentaram.
Em junho de 2022, Cherkasov foi condenado pela Justiça brasileira a 15 anos de prisão por uso de documentos falsos em várias ocasiões. No mês seguinte, a embaixada russa protocolou no Itamaraty um pedido de extradição do suposto agente. A solicitação foi dirigida ao então ministro da Justiça, Anderson Torres, que encaminhou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo os documentos apresentados pelo procurador-geral adjunto da Rússia, Cherkasov não era um espião, mas sim um traficante ligado a um grupo criminoso, liderado por um tadjique, que fornecia heroína de Moscou para Lipetsk.
Essa acusação, porém, só foi oficializada pelas autoridades russas no dia 22 de junho de 2022 em um processo iniciado em 2013 e que já fora encerrado em 2017. A denúncia diz que os crimes praticados por Cherkasov ocorreram entre junho de 2011 e agosto de 2013. Nesse período, no entanto, ele estava no Rio de Janeiro, trabalhando numa agência de turismo e câmbio, segundo o próprio currículo do suposto agente infiltrado. Além disso, Cherkasov disse em depoimento ao FBI que visitou a Rússia na Copa de 2018, ocasião em que poderia ter sido detido. Há também registros de uma viagem em setembro de 2021 para Kaliningrado, sua verdadeira terra natal, para exames médicos.
Diante do impasse da prisão, representantes da Embaixada da Rússia chegaram a procurar o Itamaraty para tratar da extradição de Cherkasov. O Ministério das Relações Exteriores confirmou ao GLOBO que houve um “contato exploratório” por parte da diplomacia do Kremlin, mas a resposta da Chancelaria brasileira, segundo a pasta, foi que nada poderia ser feito pelo governo brasileiro, porque o assunto já estava sob a alçada do STF.
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Após a investida russa no STF e no Itamaraty, Cherkasov ficou esperançoso de que conseguiria voltar ao seu país de origem. Em agosto de 2022, ele escreveu da prisão uma carta à namorada. “Então, estamos otimistas sobre setembro. Dedos cruzados. Mas eu realmente sinto que o fim está próximo. Sonho muito com o nosso Ano Novo — você e eu em São Petersburgo caminhando na neve para o Palácio de Inverno. Tudo ficará bem”, afirmou, assinando a carta como “prisioneiro de guerra”.
Saia-justa diplomática
O otimismo de Cherkasov, porém, mostrou-se frustrado. O ministro Edson Fachin, relator do processo no STF, concordou com o pedido de extradição do russo, mas condicionou o andamento do processo ao término da segundo investigação conduzida pela PF, que apura suspeita de espionagem, corrupção e lavagem de dinheiro. Enquanto o inquérito segue em andamento no Brasil, na semana passada, o FBI acusou o russo de ter cometido ao menos sete crimes, de fraude bancária à atuação como agente infiltrado do governo Putin.
Cherkasov estava nos EUA entre 2017 e 2020, enquanto trabalhava sob direção e controle da Rússia. Como parte dessa missão, Cherkasov usou pseudônimo de Ferreira para se matricular na Universidade Johns Hopkins e coletou informação e inteligência sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte, cidadãos americanos e política externa dos EUA. A informação e inteligência que ele coletou foi para o benefício direto da Rússia e contrária ao interesse dos EUA”, apontou a polícia federal americana.
Essa acusação dos EUA pôs o Brasil numa encruzilhada diplomática. Ao longo de 2022, a prisão de Cherkasov foi tratada pelo governo Bolsonaro e pela PF com discrição máxima para evitar qualquer conflito com a Rússia, considerada uma fornecedora estratégica de fertilizantes para o setor agrícola. Agora, se o processo de extradição for adiante, caberá ao presidente Lula decidir sobre o futuro do suposto espião e se desagradará ao Kremlin ou à Casa Branca.
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