sábado, 2 de setembro de 2023

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta? - Armando Castelar Pinheiro, Paulo Roberto de Almeida

 Re-compartilhando a partir de postagem original de Dilson Sampaio da Fonseca, a quem agradeço a transcrição desta matéria. Permitam-me uma introdução um pouco sombria.

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta?

Retiro dela uma única certeza, em várias dimensões e formatos, todos negativos; os gastos públicos vão continuar aumentando, a carga fiscal vai se agravar, a dívida pública tomará uma parte maior do PIB (e os juros das receitas tributárias), o crescimento vai diminuir, a renda vai estagnar ou até decrescer, com menos investimentos, menos emprego, mais desigualdes e conflitos distributivos, mais politicos populistas e irresponsáveis, mais inflação, mais pobreza, mais atraso.

Estou sendo pessimista?

Certamente, mas é o que me sinaliza o comportamento predatório dos politicos e dos mandarins do Estado,assim como a mediocridade intelectual de grande parte das oligarquias econômicas e dos dirigentes políticos. 

Ou seja, estou prevendo um constante declinio para o Brasil, com a agravante de que ele não é uma fatalidade, mas totalmente autoconstruîdo por nós mesmos, pelos políticos, pelos aristocratas do serviço publico, pela população em geral, que quer mais Estado, mais subsidios, mais salários e privilégios. Somos uma Argentina em marcha lenta, sem aquela soberba típica dos argentinos (que acredito bem mais diminuída hoje).

Dificilmente a tendência dos politicos, de direita e de esquerda, será pela contenção constitucional dos gastos públicos. Então, será o que está no meu titulo!

Desculpem a longa introdução, mas leiam o artigo de um professor realista.

Paulo Roberto de Almeida 

Escolhas de política econômica

Armando Castelar Pinheiro *

Valor Econômico, 1/09/2023

Faz todo sentido que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária

Em artigo de 1992, intitulado “Law or Economics”, George Stigler observa que “enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do direito (...) é profunda a diferença” entre esses dois focos, o que “significa, basicamente, que o economista e o jurista vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas”.

O mesmo poderia ser dito, claro, em relação a economistas e políticos, estes mais focados na popularidade e no impacto eleitoral dos seus atos. Isso explica muito da frustração dos economistas por não emplacar reformas econômicas cujos benefícios lhes parecem claros. O que não significa que haja erro: em uma democracia os políticos procuram refletir, em suas escolhas, as preferências de seus eleitores, como deveria ser.

Por outro lado, isso também não elimina o custo de se escolherem políticas econômicas ineficientes, como bem mostra o baixo crescimento de nosso PIB per capita há tantas décadas, a despeito de todo nosso potencial. Ou o que acontece atualmente com a Argentina, onde as taxas de inflação e de pobreza sobem “a olhos vistos”.

Essa questão me veio à mente assistindo ao “talk show” ocorrido esta semana na cerimônia de entrega do prêmio Valor 1000, com os relatores da reforma tributária na Câmara e no Senado. Muito da conversa acabou girando em torno da necessidade de, no contexto da reforma, se colocar um teto para a carga tributária. Assim, segundo o senador Eduardo Braga, “entendemos como profundamente importante a limitação da carga tributária no texto constitucional”.

Essa é uma proposta relevante por pelo menos três fatores. Primeiro, pois, como lembrado no “talk show”, a experiência da reforma do PIS/Cofins mostrou que, na ausência de uma trava explícita, a promessa de não aumentar a carga corre o risco de não ser cumprida. Isso inclusive pela incerteza de se garantir que a arrecadação será a mesma, o que leva a se preferir errar para mais do que para menos na fixação das alíquotas.

Segundo, pois muito da negociação federativa em curso sobre a reforma tributária vem sendo equacionada abrindo-se as portas para aumentar outros tributos que não aqueles incidentes sobre o consumo, que são o objeto em si da reforma. Assim, a proposta aprovada na Câmara dá espaço para se elevar impostos como o IPTU, o IPVA e o ITCMD, além de criar a possibilidade de os Estados passarem a tributar produtos primários e semielaborados.

Terceiro, pois a política fiscal que está hoje colocada se baseia em um forte aumento da carga tributária, de forma a gerar superávits primários em um contexto de expansão real do gasto público. A previsão mediana do Prisma Fiscal de agosto é que o Governo Central feche este ano com déficit primário de 1% do PIB, que cairia para 0,8% do PIB em 2024. O resultado seria uma dívida bruta de 79% do PIB ao final de 2024, que, de acordo com o Boletim Focus, seguiria subindo nos anos seguintes.

Para estabilizar a relação dívida/PIB, dados o potencial crescimento da economia e a taxa neutra de juros, seria necessário gerar um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB: ou seja, 3% a 3,5% do PIB a mais do que se tem hoje. E, como o modelo atual de política econômica não prevê segurar o gasto público, que tende a continuar crescendo, esse resultado só seria possível via forte aumento da carga tributária, como vem se buscando fazer de variadas maneiras.

Há, porém, dois complicadores importantes. Um, que o cenário econômico, internacional e doméstico, tende a se complicar nos próximos anos. Lá fora, a tendência é que o PIB mundial cresça menos, mas ainda assim as pressões inflacionárias sigam fortes. Isso por conta de pressões vindas da desglobalização das cadeias de produção e da substituição do petróleo por fontes mais limpas de energia. Além disso, como também aqui dentro, o aumento do endividamento público e políticas fiscais mais expansionistas vão pressionar a taxa neutra de juros, como vimos ocorrer após o abandono do teto de gastos. No Brasil, também sentiremos o fim do bônus demográfico. Tudo isso pode fazer com que o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida/PIB seja ainda mais alto.

Outro complicador é que o Brasil já tem uma carga tributária muito alta, como apontado pelos participantes do “talk show”. Em 2022, segundo cálculos do Tesouro Nacional, essa atingiu 33,7% do PIB, basicamente o mesmo que a média da OCDE (34,1%), um patamar já muito elevado para um país emergente como o Brasil.

Aumentos adicionais da carga tributária vão reduzir ainda mais o nosso potencial de crescimento econômico. A maior tributação vai estimular a informalidade, gerar ineficiências diversas e afastar os investimentos. Menos crescimento significa menor geração de emprego e renda e renovadas pressões por mais gasto público.

Faz todo sentido, portanto, que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária: nas palavras do senador Braga, “para dizer não ao Estado e assim...., protegendo, portanto, o contribuinte,... impor ao Estado a necessidade de rever os seus gastos”. Ir na direção oposta é optar por um modelo que vai gerar ainda menos crescimento e nos deixar ainda mais distantes de acabar com a pobreza no país.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

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