Recebido de Ricardo Bergamini:
1 - Geisel reatou as relações diplomáticas com os comunistas chineses. Hoje nosso maior parceiro comercial,
A política externa do período foi marcada pela busca de novas oportunidades para o comércio exterior brasileiro. Tendo isso em mente, o governo Geisel deixou de lado a concepção ideológica de bipolaridade que ainda era forte no momento – devido à Guerra Fria – e optou por uma aproximação com a Ásia e a África. O Brasil reatou as relações diplomáticas com a China, rompidas desde a ocorrência da Revolução Chinesa, em 1949, e estabeleceu novas relações com os Emirados Árabes e o Bahrein. Além disso, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português estabelecido após a Revolução dos Cravos, movimento que pôs fim à ditadura salazarista em Portugal. O governo também reconheceu os direitos do povo da Palestina e pediu a Israel que retirasse suas tropas dos territórios árabes ocupados desde 1967.
2 – Assinaturas dos acordos nucleares entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Hoje, ambos, fundamentais para o Brasil.
Ernesto Geisel defendia um Estado política e economicamente forte. A política econômica de seu governo, definida no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), apontava para o investimento no setor energético, ao mesmo tempo em que considerava primordial o desenvolvimento de indústrias de base, como forma de preparar a economia brasileira para os impactos do choque do petróleo, ocorrido em 1973. Teve destaque na área econômica, também, a assinatura do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A economia do período Geisel teve média de crescimento de 5,5% ao ano; no entanto, a inflação saltou de 16% para 45% e a dívida externa subiu de US$ 6 bilhões, no início do governo, para US$ 45 bilhões, no final do mandato.
3- O Brasil não seria democrático sem o poder moral e ético do general Ernesto Geisel.
A preocupação em barrar a tortura, entretanto, não evitou a ocorrência de mortes nos porões militares. As mais emblemáticas foram a do jornalista Vladimir Herzog, que apareceu enforcado no DOI-Codi de São Paulo em outubro de 1975, e a do operário Manuel Fiel Filho, no mesmo DOI-Codi, em janeiro de 1976. Estas mortes levaram Geisel a demitir o comandante do II Exército e, posteriormente, o próprio ministro do Exército, Sylvio Frota.
Ricardo Bergamini
Ernesto Geisel, o ‘pai da distensão lenta, gradual e segura’ da ditadura militar
Quarto presidente após o golpe de 64, general, que morreu há 20 anos, iniciou processo de abertura política do país. No seu governo, reprimiu linha-dura, mas fechou Congresso
Fonte: Acervo O Globo
“Morre Geisel, o patrono da distensão". Foi com esse título que O GLOBO noticiou a morte do ex-presidente Ernesto Geisel, em sua edição de 13 de setembro de 1996, ocorrida no Rio na véspera, de insuficiência respiratória, motivada por uma broncopneumonia, quando se tratava de um câncer. Quarto presidente militar a assumir o poder, o general governou entre 1974 e 1979, período no qual iniciou o desmantelamento do regime militar, pavimentando o caminho que levaria o Brasil de volta à democracia.
Ernesto Beckmann Geisel, caçula de cinco filhos, nasceu em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em 3 de agosto de 1907. Seguindo os passos de dois de seus irmãos, Henrique e Orlando – que se tornou ministro do Exército no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) –, o menino Ernesto ingressou cedo na vida militar. Em 1921, entrou no Colégio Militar de Porto Alegre, onde terminou os estudos como melhor aluno da turma. Ocupando o posto de primeiro-tenente, participou da Revolução de 1930, movimento que depôs o presidente Washington Luís e alçou Getúlio Vargas ao poder. Geisel também teve participação decisiva em outros dois movimentos militares na década de 1930: combateu a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, ainda como tenente, e, em 1935, já como capitão, reprimiu o levante comunista na Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos, no Rio, dentro do movimento conhecido como Intentona Comunista.
A partir daí, Geisel ampliou cada vez mais sua participação na política. Foi chefe da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional entre 1946 e 1947, no governo de Eurico Gaspar Dutra, e subchefe do Gabinete Militar, no governo de João Café Filho, em 1955, o vice que assumiu após o suicídio de Vargas. Desempenhou, também, a função de adido militar no Uruguai entre 1947 e 1950. No governo Jânio Quadros, foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Guerra e chefiou o Comando Militar de Brasília. Em meio à crise política gerada pela renúncia do presidente, Geisel foi nomeado chefe do Gabinete Militar do então presidente interino, Ranieri Mazzili. Nesse contexto, atuou como uma espécie de negociador entre os militares – que tentavam a todo custo impedir a posse do vice-presidente João Goulart – e os setores civis da política brasileira, que defendiam a posse. A solução encontrada para garantir a posse de Jango foi a adoção do parlamentarismo. Diante da expressa insatisfação de João Goulart, Geisel dirigiu-se ao presidente e, como publicado no GLOBO de 13 de setembro de 1996, lhe disse:
- Presidente, tenha certeza de que tivemos imensas dificuldades aqui em Brasília para Vossa Excelência assumir. E nós esperamos que conduza o governo de modo a que se pacifique a nação.
A História, porém, tomou outros rumos. Após a antecipação, de 1965 para 1963, do plebiscito sobre o regime do país, o povo escolheu o presidencialismo e teve início uma grave crise institucional, que culminou com o golpe que depôs João Goulart, comandado pelos militares e com o apoio de líderes civis. Com a instauração do regime autoritário, Geisel ajudou a articular, junto ao alto comando militar, o nome do marechal Humberto Castelo Branco para a Presidência. Com a posse deste, em 15 de abril de 1964, Geisel foi nomeado chefe do Gabinete Militar e percorreu a Região Nordeste, a fim de averiguar denúncias de tortura, prática que sempre rechaçou. Na verdade, ele se opunha não só à tortura, como também ao excessivo endurecimento do regime e a consequente ascensão ao poder dos setores mais radicais do Exército, a chamada linha-dura. Isso porque o general acreditava que a repressão corrompia a hierarquia militar, a censura protegia ladrões, e a existência de poderes absolutos, em vez de fortalecer o presidente, na verdade, o enfraquecia.
Essa postura de Ernesto Geisel era vista pela linha-dura como uma ameaça à própria existência do regime. Retirá-lo da alta cúpula do governo passou, então, a ser algo necessário e urgente. Dessa forma, a ascensão dos militares conservadores ao poder ocasionou uma espécie de ostracismo político para Geisel, que foi mantido longe das funções de confiança do governo militar entre 1967 e 1973, nos mandatos de Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. Nesse período, foi ministro do Superior Tribunal Militar (1967-1969) e presidente da Petrobras (1969-1973).
Em 15 de março de 1974, Geisel toma posse na Presidência da República, após ser eleito pelo colégio eleitoral, em janeiro do mesmo ano. Em 29 de agosto, durante entrevista coletiva, anunciou o projeto político que seria a marca de seu governo: a distensão lenta, segura e gradual do regime militar, o que significaria maior oportunidade para o diálogo com a oposição e a sociedade civil. A edição do GLOBO de 30 de agosto de 1974 trouxe a íntegra do discurso, no qual o presidente afirmou que o processo de abertura ocorreria dentro da ordem vigente:
- Prosseguirá o Governo na missão que lhe cabe de promover para toda a nação o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável. E deseja, mesmo, empenhando-se o mais possível para isso, que esta exigência de segurança venha gradativamente a reduzir-se. Erram os que pensam que podem apressar este processo pelo jogo de pressões manipuladas sobre a opinião pública (…). Tais pressões só servem para provocar contrapressões (…) invertendo-se o processo de lenta, gradativa e segura distensão, desejado pelo Executivo.
Ernesto Geisel defendia um Estado política e economicamente forte. A política econômica de seu governo, definida no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), apontava para o investimento no setor energético, ao mesmo tempo em que considerava primordial o desenvolvimento de indústrias de base, como forma de preparar a economia brasileira para os impactos do choque do petróleo, ocorrido em 1973. Teve destaque na área econômica, também, a assinatura do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A economia do período Geisel teve média de crescimento de 5,5% ao ano; no entanto, a inflação saltou de 16% para 45% e a dívida externa subiu de US$ 6 bilhões, no início do governo, para US$ 45 bilhões, no final do mandato.
A política externa do período foi marcada pela busca de novas oportunidades para o comércio exterior brasileiro. Tendo isso em mente, o governo Geisel deixou de lado a concepção ideológica de bipolaridade que ainda era forte no momento – devido à Guerra Fria – e optou por uma aproximação com a Ásia e a África. O Brasil reatou as relações diplomáticas com a China, rompidas desde a ocorrência da Revolução Chinesa, em 1949, e estabeleceu novas relações com os Emirados Árabes e o Bahrein. Além disso, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português estabelecido após a Revolução dos Cravos, movimento que pôs fim à ditadura salazarista em Portugal. O governo também reconheceu os direitos do povo da Palestina e pediu a Israel que retirasse suas tropas dos territórios árabes ocupados desde 1967.
A maior marca do governo, no entanto, está na política interna adotada, no intuito de garantir a distensão do regime militar. Ernesto Geisel não queria a prática de atos de tortura em seu governo. Quando assumiu o poder, tratou de emitir comunicados aos comandantes de Exército para que enquadrassem os chefes dos DOI-Codi, a fim de evitar a ocorrência de torturas. O tema, inclusive, apareceu em várias comunicações entre o presidente e o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general João Figueiredo. Em um desses diálogos, publicado no GLOBO em 13 de setembro de 1996, Geisel afirma não concordar com as prisões e perguntava a Figueiredo, que viria a ser seu sucessor na Presidência:
- Não será o caso de fazer um honesto exame crítico, rever o que está errado e imaginar novos e melhores procedimentos?
A preocupação em barrar a tortura, entretanto, não evitou a ocorrência de mortes nos porões militares. As mais emblemáticas foram a do jornalista Vladimir Herzog, que apareceu enforcado no DOI-Codi de São Paulo em outubro de 1975, e a do operário Manuel Fiel Filho, no mesmo DOI-Codi, em janeiro de 1976. Estas mortes levaram Geisel a demitir o comandante do II Exército e, posteriormente, o próprio ministro do Exército, Sylvio Frota.
Se, por um lado, Ernesto Geisel parecia empenhar-se pelo fim das torturas e pelo desmonte da máquina repressora do Estado – através da Emenda Constitucional número 11, de 1978, o presidente aboliu oficialmente a censura, restabeleceu o habeas corpus e revogou todos os atos institucionais em vigor, inclusive o AI-5 – por outro, o general não hesitou em utilizar a máquina da repressão a seu favor, a fim de manter a ordem em seu governo. Tal como um ditador, Geisel cassou 11 mandatos parlamentares, fechou o Congresso por duas semanas (no chamado Pacote de Abril, que também criou os senadores biônicos), censurou 47 filmes, 117 peças de teatro, 840 músicas e diversas reportagens. Também foram registrados 39 desaparecimentos, além de mais de mil casos de tortura.
Ernesto Geisel deixou o poder em 1979 e recolheu-se da vida política. O general da abertura era um homem discreto, de hábitos simples, amante da música clássica, apreciador do clima da cidade de Teresópolis, na Serra do Rio, onde mantinha uma casa, e dono de uma inteligência astuta: foi aprovado em primeiro lugar em todos os concursos militares que prestou. A discrição e a quietude, no entanto, escondiam uma imensa dor, a qual Geisel carregaria pela vida toda: a morte do filho Orlando, atropelado por um trem aos 17 anos. A perda fez com que nunca mais tivesse gosto por comemorações, e vê-lo em atos da vida social era uma raridade. Geisel morreu de câncer, aos 89 anos, deixando a viúva Lucy, a filha Amália e seu lugar na história como “o general que matou a ditadura no país”, ou como O GLOBO o definiu, "o pai da distensão lenta, gradual e segura".
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