A ordem (como os fanáticos neonazistas ressurgem de tempos em tempos)

Está disponível no Amazon Prime o filme A Ordem, com Jude Law no papel de um agente do FBI que desvenda crimes cometidos por um grupo neonazista nos Estados Unidos. O que faz a história mais interessante é que ela é baseada em fatos reais. A organização extremista “A Ordem” (The Order) existiu de fato nos anos 1980 e foi dirigida por um jovem supremacista branco chamado Robert Jay Mathews.
O grupo pretendia organizar uma nação branca, “livre de judeus”, com os estados do noroeste do Pacífico (como Washington, Oregon, Idaho, Montana e Wyoming) e se organizou como uma milícia fortemente armada, efetuando roubos a bancos e a carros-fortes e falsificando dinheiro para se capitalizar e dar início a uma guerra contra o governo dos Estados Unidos, tido como “corrupto”. Eles seguiam o roteiro de um romance antissemita The Turner Diaries (O Diário de Turner), em que se relata uma revolução contra o governo dos EUA, seguida por um banho de sangue em que todos os judeus e os adversários dos extremistas, como os políticos liberais, são assassinados.

A democracia é o regime que torna possível a convivência dos contrários e que soluciona as diferenças políticas pelo compromisso do respeito às normas da Constituição. As disputas políticas dizem respeito à definição de programas e de valores com os quais os partidos procuram estabelecer uma sintonia com as aspirações dos eleitores. Esse esforço não é apenas de “adaptação” passiva, porque os partidos também podem constituir as aspirações populares, apresentando soluções reais ou imaginárias que dialoguem com demandas por reconhecimento e ascensão social. Fazer política em um mundo cada vez mais fragmentado e desigual, marcado pela injustiça e pelo descompromisso, entretanto, abre a possibilidade de que ressentimentos disseminados socialmente sejam manipulados com receitas simplórias e se transformem em ódio. Os processos de radicalização começam assim, legitimando o emprego da violência contra os pretensos “inimigos do povo ou da nação”.
Nesse particular, o filme A Ordem deveria ser amplamente divulgado porque mostra, de forma didática, como os processos de radicalização podem se instalar rapidamente, com decorrências quase sempre trágicas. Detalhe: no tempo em que “A Ordem” verdadeira existiu, ainda não havia redes sociais e telefones celulares. Os processos de radicalização eram feitos em contatos pessoais, face a face. Hoje, as dinâmicas de radicalização ocorrem on-line e podem mobilizar milhões de pessoas no mundo inteiro, em bolhas virtuais criadas para ampliar teorias conspiratórias, desinformação e raiva.
Não há como se compreender o avanço dos neonazistas da “Alternativa para a Alemanha (AfD)” nas recentes eleições nacionais, nem a vitória de Trump nos EUA, nem os acontecimentos de 8 de janeiro no Brasil e a tentativa de golpe pelo qual Bolsonaro e seus asseclas foram denunciados sem considerar o fenômeno da radicalização em curso em todo o mundo e a necessidade de interrompê-lo.
No caso da Alemanha, embora a situação política interna seja muito difícil, o Estado Democrático de Direito construiu importantes mecanismos de defesa, como o corte de financiamento público a partidos extremistas e mesmo sua dissolução pela Corte Superior. A Alemanha é, também, uma das democracias ocidentais em que as forças policiais mais acumularam conhecimentos sobre a organização de grupos extremistas e terroristas, o que tem resultado no desmantelamento de organizações que planejavam golpes de Estado como, por exemplo, os “separatistas saxões” e o movimento “Reichsbürguer”, liderado por um empresário e aristocrata alemão. No Brasil, veremos em breve o que ocorrerá com as lideranças e os principais agentes do processo de radicalização que têm um encontro marcado com o mais importante julgamento da história do Supremo Tribunal Federal.
Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.
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