quarta-feira, 28 de maio de 2025

Comentários à margem do Discurso do Dia do Diplomata, lido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin - Paulo Roberto de Almeida

Comentários à margem do Discurso do Dia do Diplomata, 2025:

Desta vez, com a ausência física do presidente, que conduz uma diplomacia presidencial (contra a qual eu não tenho restrições maiories, desde que não seja) personalista, o discurso oficial lido pelo vice-presidente no Dia do Diplomata de 2025, contém, de modo geral, os conceitos gerais da diplomacia corporativa do Itamaraty, com alguns pequenos acréscimos típicos da ideologia lulopetista. Mas também certas ambiguidades que não deixarei de comentar aqui, transcrevendo pequenas partes desse discurso: 

1) "Na diplomacia, cresce o unilateralismo.

Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.

Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.

O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização."

PRA: As grandes potências sempre foram unilaterais, em conformidade com seus interesses e estratégias essencialmente nacionais. Ora, não existe unilateralismo diplomático E MILITAR mais flagrante do que a guerra de agressão conduzida pela Rússia contra um Estado soberano, a vizinha Ucrânia. O dicurso é genérico nesse particular, e fica evidente o incômodo do presidente e de seus assessores internacionais em expressar toda a realidade do unilateralismo mais bárbaro do que aquele conduzido pela Rússia na Ucrânia. Sobre isso, o presidente é silente.

2) "Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.

Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.

 A única solução é o diálogo entre as partes.

Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.

Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos."

PRA: Falar em "causas profundas desse conflito" é subscrever INTEIRAMENTE à visão russa da sua guerra de agressão unilateral contra a Ucrânia. As causas profunda são, nessa visão, uma suposta ameaça da OTAN contra a Rússia, o que é uma deformação da realidade observável. Os três países báltico são membros da OCDE, da UE e da OTAN e nenhum deles parece ameaçar a segurança da Rússia, assim como a Polônia e quase todos os demais países que foram liberados da dominação do imperialismo soviético (e anteriormente czarista) e que buscaram se proteger do abraço do urso russo que sempre os teve sob a sua tutela. "Diálogo entre partes" é uma hipocrisia, como se a guerra fosse recíproca e como se as partes fossem equivalentes, sem distinguir o país agressor e o país agredido. "Diferenças políticas" nunca foram um obstáculo às relações pacíficos entre Estados, sobretudo vizinhos, desde que se observem os principios mais elementares do Direito Internacional, das convenções diplomáticas em vigor, por acaso também constantes da Constituição brasileira.

3) "O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas."

PRA: Curiosamente, o governo Lula, não o Brasil, já fez a sua escolha em disputas geopolíticas, pois que o presidente, não o Itamaraty, já se referiu, diversas vezes, ao vago projeto de "construção de uma nova ordem global multipolar", o que é uma tese muito repetida por Putin, Xi Jinping e outros notoriamente contrários à atual "ordem global ocidental", que lhe parece muito enviesada em favor dos EUA. Ora, isso é justamente escolher o seu lado nas atuais disputas geopolíticas.

4) "O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945."

PRA: Ainda não se sabe, exatamente, em que consiste essa "ordem internacional diversa", e como ela não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945. Depois da criação da atual ordem multilateral, diferentes outros grupos foram constituídos sem qualquer contradição com essa arquitetura: o Gatt (1947), o TIAR (1947), a OECE (1948), a OTAN (1949), a CECA (1951), o Pacto de Varsóvia (1955),  o Mercado Comum Europeu (1957), a Alalc (1960), a OCDE (1960), a UNCTAD (1964), o Grupo Andino (1969), o G5-G7 (1975), a Aladi (1980), o Mercosul (1991), a União Europeia (1993), o G8 (1998), o BRIC (1999), a Organização de Cooperação de Xangai (2001), o BRICS (2011), e muitas outras entidades internacionais todas elas competíveis com a arquitetura construída em 1945, ainda que em escala regional ou plurilateral. Não se sabe porque o BRICS deveria ser o portavoz fundador de uma "ordem internacional diversa".

5) "A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional."

PRA: Não se sabe bem quem, exatamente, está integrado ao assim chamado Sul Global. Por exemplo, Rússia e China fazem parte dessa geografia indefinida? E porque só no FMI e no Banco Mundial, e não no CSNU?

6) "O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente."

PRA: A agenda econômica e social, até diplomática, do Brasil não pode ser automaticamente equiparada à agenda global. Seria muita pretensão e até um equívoco conceitual, pois que nem todos os países do mundo, ricos ou pobres, apresentam problemas que exigem "batalhas" gerais contra problemas que seriam de todos.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 28 de maio de 2025


A íntegra do discurso do Dia do Diplomata 2025, está disponível neste link: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/05/discurso-na-comemoracao-do-dia-do.html


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