NINGUÉM NA UCRÂNIA ACREDITA QUE A GUERRA VAI TERMINAR EM BREVE
Os ucranianos estão confiantes de que podem continuar lutando, mesmo sem o mesmo nível de apoio americano.
Por Anne Applebaum
The Atlantic, 19 de maio de 2025
No sábado, perguntei a Andriy Sadovyi, prefeito de Lviv, no oeste da Ucrânia, se ele esperava que as negociações russo-ucranianas em Istambul levassem a um cessar-fogo. “Não”, ele me respondeu. Mais tarde, perguntei à plateia do Fórum de Mídia de Lviv se alguém esperava um cessar-fogo em breve. Havia cerca de 200 jornalistas e editores na sala. Ninguém levantou a mão. Muitos riram.
Durante vários dias em Lviv, não conheci uma única pessoa que acreditasse que o presidente russo quer encerrar a guerra, ou que ele vá negociar para isso em Istambul. O raciocínio ucraniano é direto: Vladimir Putin nunca disse que quer encerrar a guerra. Os propagandistas da televisão estatal russa nunca disseram que querem encerrar a guerra. A equipe de negociação russa em Istambul não disse que queria encerrar a guerra. Pelo contrário, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, disse aos ucranianos: “Lutamos contra a Suécia por 21 anos. Quanto tempo vocês estão dispostos a lutar?” (A Grande Guerra do Norte, à qual Medinsky se referia, terminou em 1721. Além disso, Medinsky é mais conhecido não por feitos heroicos em batalhas, mas por reescrever livros escolares).
Na mesma reunião, os russos exigiram que a Ucrânia se retirasse de terras que controla; ameaçaram anexar mais províncias — algo que tentam e falham em fazer há três anos; e insultaram um membro da delegação ucraniana que perdeu um sobrinho nos combates. “Talvez alguns aqui sentados à mesa percam mais entes queridos”, zombou Medinsky.
Os ucranianos não acham nada disso surpreendente, pois ouvem esse tipo de discurso há três anos. O que os surpreende é a tolerância do presidente americano diante do que lhes parece uma zombaria aberta. O presidente Donald Trump diz que quer uma negociação de paz. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky preparou-se para uma negociação de paz. O presidente russo a transformou em uma farsa — e provavelmente continuará com essa farsa, enrolando Trump o máximo possível, aceitando mais telefonemas e reuniões para evitar novas sanções, desviar a atenção dos crimes de guerra em curso e fazer os EUA parecerem fracos.
Não vou aqui oferecer uma explicação completa sobre por que Trump não entende o jogo que Putin está jogando — um jogo óbvio para todos os demais. Apenas observo que Trump continuamente interpreta mal Putin, superestima sua suposta amizade com ele e frequentemente atribui a Putin motivos que, na verdade, são seus próprios. “Putin está cansado de tudo isso”, disse Trump à Fox News. “Ele não está com boa aparência. E quer parecer bem.” Na realidade, é Trump quem está cansado “de tudo isso”, é Trump quem não está com boa aparência — e é Trump quem quer parecer bem.
Putin, por sua vez, redirecionou toda sua economia para a produção militar, ao estilo da União Soviética ou da Alemanha nazista. Criou um regime tão repressivo que as pessoas têm medo até de usar a palavra “guerra” em público. Sacrifica regularmente centenas ou até milhares de homens para conquistar 100 metros de território. O que os outros pensam disso pouco lhe importa.
Por todas essas razões, os ucranianos acreditam que a guerra vai continuar — e essa perspectiva já não os assusta. Em parte, porque não têm outra escolha. Ao contrário dos russos, que podem abandonar o campo de batalha e voltar para casa a qualquer momento, os ucranianos não podem se retirar. Se o fizerem, perderão sua civilização, sua língua e sua liberdade. Sob ocupação russa, o prefeito de Lviv e os jornalistas do Fórum de Mídia estariam presos ou mortos — assim como seus colegas assassinados ou presos nas regiões ocupadas da Ucrânia.
Mais do que isso, os ucranianos estão confiantes de que podem continuar lutando, mesmo sem o mesmo nível de apoio americano. O exército ucraniano não está reconquistando território, como fez no outono de 2022, nem planeja uma nova grande contraofensiva. Mas também não está perdendo. Os tanques e equipamentos pesados que a Ucrânia precisava de outros países já não importam tanto como há dois anos. Os ucranianos ainda precisam da inteligência americana e das defesas antimísseis para proteger civis nas cidades. Ainda recebem armas e munição da Europa. Mas na linha de frente, o conflito se tornou uma guerra de drones — e a Ucrânia tanto produz drones (mais de 2 milhões no ano passado, provavelmente o dobro neste ano) quanto desenvolve o software e os sistemas para operá-los. Em fevereiro, uma unidade ucraniana implantou o primeiro de uma série de robôs de combate. No mês passado, um drone naval ucraniano derrubou um avião russo. Uma brigada projetou um drone que consegue neutralizar com eficácia um Shahed, os drones iranianos usados para matar civis ucranianos.
Os russos também aumentaram sua produção de drones, e nesse sentido, esta guerra é realmente uma corrida armamentista. Mas, por ora, os ucranianos estão compensando seus recursos mais escassos com maior precisão. Em abril, brigadas de drones ucranianas relataram ter atingido 83 mil alvos russos — veículos, pessoas, artilharia, radares e outros —, o que representa 5% a mais do que em março. O exército agora realiza concursos, premiando as brigadas que atingem mais alvos com maior precisão. Mais recursos vão para os vencedores, criando mais incentivos para inovar.
Os resultados são visíveis no terreno. Lembre-se, se puder, do pânico causado pelas notícias de nove meses atrás: a cidade de Pokrovsk estava prestes a cair, o que muitos acreditavam que poderia provocar o colapso de toda a linha de frente. Mas Pokrovsk não caiu. Os russos continuam a atacar a região: só em 15 de maio, soldados ucranianos na linha de frente de Pokrovsk repeliram 74 ataques e ações ofensivas diferentes. Mas, nos últimos meses, a linha de frente mal se moveu.
Tudo isso ajuda a explicar a naturalidade, até o humor, com que muitos ucranianos agora falam sobre a guerra — bem como sua suposição de que continuarão lutando, aconteça o que acontecer. Enquanto estava em Lviv, visitei também o Superhumans, um dos dois centros de reabilitação para veteranos e vítimas da guerra na cidade. Tal como a linha de frente, este também é um lugar de inovação e ambição. Talvez soe estranho, mas também achei um lugar de otimismo e esperança: uma instalação nova, bem projetada, onde técnicos produzem próteses sob medida, cirurgiões restauram audição e visão, e especialistas em movimento e psicologia ajudam pessoas gravemente feridas a se readaptar.
O restante da sociedade ucraniana também se readaptou. Até os guardas de fronteira se readaptaram. Três anos atrás, na primavera de 2022, a viagem de trem de Varsóvia a Kyiv era longa e estressante. O trem parava e arrancava, fazendo um trajeto em zigue-zague para evitar trilhos bombardeados. Oficiais da alfândega falavam de forma seca e tensa, fazendo perguntas sobre passaportes e propósito. Na volta, voluntários aguardavam para ajudar a processar refugiados ucranianos, alguns entrando nos vagões para distribuir sanduíches.
Na semana passada, cruzei novamente a fronteira polaco-ucraniana duas vezes, desta vez de carro. Na entrada na Ucrânia, esperamos alguns minutos para que os guardas verificassem os passaportes e seus computadores. Eles contaram piadas, sorriram e nos deixaram passar. Ninguém foi seco ou tenso, porque ninguém está ansioso ou com medo. Na volta, não havia refugiados nem voluntários. Ninguém ofereceu sanduíches.
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