domingo, 15 de junho de 2025

Impérios costumam ser resilientes, até o dia em que… - Paulo Roberto de Almeida

Impérios costumam ser resilientes, até o dia em que…

Paulo Roberto de Almeida


Impérios costumam declinar, até eventualmente desaparecer, pelos habituais fatores “toynbeeanos”: graves desequilíbrios fiscais, inflação, erosão monetária, excesso de dívidas e perda de credibilidade estatal, com inoperância em face de ameaças externas, embora a insatisfação interna e a desafeição pelos governantes sejam mais relevantes. 

Os impérios centrais europeus, o czarista, o otomano, foram abalados por guerras contra outros impérios.

O romano seguiu o modelo habitual, mas o bizantino foi conquistado gradualmente pelos otomanos.

O soviético foi um caso raro de lenta erosão pela total irracionalidade do socialismo marxista, que também ameaçou o socialismo chinês, que se recompôs a tempo, justamente por rejeitar o leninismo estúpido e aderir à economia de mercado, guiado pelos novos mandarins tecnocratas do PCC.

O declinio do império americano é um caso raro de erosão autoinduzida por fatores políticos extraordinários, num momento de relativo sucesso para o capitalismo triunfante do modelo agressivo de inovação tecnológica, mas com alguns fatores toynbeeanos em ação: dívida pública em aumento não controlado, divisões políticas em ascensão, over-strecht imperial.

A saída do Vietnã foi dramática, a aventura iraquiana foi traumática e a fuga do Afeganistão foi patética, o que gerou desafeição contra as guerras tipicamente imperiais. Na Ucrânia, no Oriente Médio, nos casos de Gaza e do Irã, talvez futuramente em Taiwan, a dinâmica dos conflitos já não passa mais essencialmente pela capital americana. Aqui, entra em foco o fator contingente de um presidente especialmente incompetente, muito ignorante ao ponto da estupidez,  que conseguiu colocar contra si amigos e inimigos pelo caos provocado no sistema multilateral de comércio, pela arrogância expansionista e pela recessão produzida numa economia em situação razoável. O declínio ainda pode ser revertido, mas antes teremos mini-crises estruturais e institucionais provocadas por uma classe política singularmente desprovida de estadistas.

O Império do Meio se recompõe solidamente, depois de dois séculos de declínio, agravado pela humilhação ocidental e japonesa, mas sua força depende justamente de uma boa interação com as economias de mercado do Ocidente e as do assim chamado Sul Global (um aglomerado de países com os quais se negocia bilateralmente). 

O “novo” império russo, putinesco, vai continuar em sua trajetória irreversível de erosão econômica, ao tentar reviver um cenário geopolítico, mas possui recursos primários abundantes (embora com uma população em retração), passando a viver cada vez mais sob a sombra (e a dominância econômica) do Império do Meio. 

O meio império europeu, o da UE, possui razoável força econômica, mas ainda é um mosaico de povos e de orientações, o que dificulta uma força militar independente da OTAN, hoje fragilizada pelo próprio poder imperial que a criou e liderou durante 75 anos.

Índia e Brasil, de cada lado, são impérios irrealizados, voltados para os seus próprios desafios internos, até mais importantes do que os externos.

Em princípio, impérios costumam ser mais resilientes do que os Estados nacionais, mas suas derrocadas são bem mais dramáticas do que guerras, revoluções e rupturas políticas nos Estados nacionais.

Assisti “pessoalmente”, se ouso dizer, ao desaparecimento do império soviético, ao renascimento do Império do Meio e agora estou ainda tentando avaliar um possível declínio do império americano (não inevitável, porém).

O inteiro século XX foi abundante em ascensões e derrocadas de impérios, ao lado do surgimento de 150 novos Estados membros da comunidade internacional (eram 50 na criação da ONU).

O século XXI começa a ficar bastante “excitante” em matéria de conflitos interimperiais. Espero que não se torne dramático ou catastrófico.

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 15/06/2025


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