domingo, 24 de agosto de 2025

Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia - Rodrigo da Silva (O Estado de S. Paulo) ; Introdução de Paulo Roberto de Almeida

Uma introdução necessária a esta boa matéria sobre a derrota da Rússia na sua guerra de agressão à Ucrânia.

Paulo Roberto de Almeida

Estatisticas do CDS ucraniano são bastante confiáveis: costumam colocar perdas russas na faixa de 1000 baixas por dia. Economistas dos anos 1950 costumavam falar de “unlimited supply of labor” no caso de paises pobres com altas taxas de fertilidadece de natalidade. A Rússia tem algo semelhante no caso das muitas regiões pobres da sua grande, imensa federação: jovens paupérrimos são comprados para morrer na guerra, literalmente; as famílias aceitam pois isso lhes dá um alívio financeiro inesperado.

Mas a Russia vai sair dessa guerra ainda mais depauperada economicamente e drenada demograficamente. A Ucrânia destruída materialmente e também drenada demograficamente.

Ou seja, Putin destruiu dois países, incluindo o seu próprio, para NADA!

Quem ganhou? Os produtores e mercadores de armas mais ima vez!

Quem perdeu mais? Os paises pobres, mais uma vez, que também perdem com a hostilidade insana entre China e EUA, por culpa dos EUA, um hegemon que não reconhece o seu declínio inevitável, por fatores puramente internos, nada a ver com atos predatórios da China, que simplesmente faz o seu dever de casa (que é tirar o seu próprio povo da miséria, algo que o Brasil tampouco faz, por cegueira de suas oligarquias).

Tragédia humana e mundial trazida por um reles tirano megalomaníaco.

PRA, vamos à matéria agora!

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Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia

Rodrigo da Silva

O Estado de S. Paulo, 22/08/2025 

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa.

A guerra na Ucrânia é a maior guerra na Europa desde 1945.

A linha de frente do conflito se estende por mais de mil quilômetros, atravessando campos, cidades e áreas industriais – algo sem paralelo no continente desde a 2ª Guerra Mundial.

Só a Rússia já mobilizou mais de 1,5 milhão de soldados. A Ucrânia colocou outros 700 mil em diferentes funções militares.

Não há nada tão violento na Europa nos últimos 80 anos de história. E nada traduz melhor essa violência do que as estatísticas das mortes.

É verdade que a Rússia mantém em segredo os números oficiais de baixas militares no conflito – desde setembro de 2022, o Kremlin não atualiza o seu balanço. Mas as melhores estimativas nos revelam perdas extraordinariamente altas. Até o último mês de junho, pelo menos 250 mil soldados russos morreram na guerra. Os russos registraram 1 milhão de baixas.

O número de militares russos mortos em pouco mais de três anos de conflito é cinco vezes maior que a soma das mortes combinadas da Rússia e da União Soviética em todas as guerras que o país travou entre 1945 e 2022.

Só para colocar em perspectiva: os Estados Unidos perderam pouco mais de 58 mil soldados nos 8 anos da Guerra no Vietnã. A cada ano, a Rússia tem perdido um Vietnã na Ucrânia.

Na verdade, mais do que isso: em míseros 3 anos, morreram mais russos na Ucrânia do que americanos em todas as guerras que os Estados Unidos lutaram desde 1945.

Durante os 10 anos da guerra do Afeganistão, a União Soviética perdeu 15 mil soldados. A Rússia perde isso hoje em um mês de combate na Ucrânia. Com uma diferença considerável: Moscou suportou 15 mil mortos no Afeganistão, sofrendo uma pressão política que tornou o conflito bastante impopular na Rússia. Hoje, o Kremlin lida com o desafio de transportar dezenas de milhares de mortos em muito menos tempo.

O dinheiro, claro, ajuda. Hoje, uma família de um soldado russo morto pode receber, de uma vez, até 14 milhões de rublos em benefícios sociais, o equivalente a R$ 800 mil.

É certamente um dinheiro bem alto para o padrão de vida russo (8 vezes o salário médio anual do país). Só em 2024 o Kremlin destinou o equivalente a US$ 15 bilhões para pagar compensações de morte e invalidez pela guerra – 6% de todo o orçamento federal anual.

E esse buraco não parece ter fim. No ritmo atual, 440 russos estão morrendo todos os dias na Ucrânia.

E não são só os mortos que retornam em caixões: soldados com membros amputados e ferimentos graves também estão voltando para casa, provocando um aumento bem acentuado na produção de próteses na Rússia.

A indústria da morte agradece. Dados do Ministério do Trabalho da Rússia revelam que Moscou subsidiou o fornecimento de 152 mil próteses em 2024, um aumento de 53% em relação a 2023 – quando 99 mil braços e pernas artificiais foram distribuídos –, outro aumento frente às 64 mil próteses de 2022, quando a guerra começou.

Empresas de caixões também relatam crescimento nos negócios. Só nos primeiros quatro meses desse ano, as funerárias russas faturaram quase 40 bilhões de rublos (cerca de R$ 2 bilhões), um aumento de 12% em relação ao ano passado.

E já não morre mais gente com o mesmo perfil de antes.

Enquanto nos primeiros meses da guerra, a idade média dos soldados que lutavam na Ucrânia era de 20 anos, esse número agora é de 36.

Muitos dos mortos não são só soldados, mas profissionais de diversas áreas: engenheiros, médicos, professores, metalúrgicos. Se no começo a guerra era dominada pelos militares de carreira, a Rússia hoje depende cada vez mais de recrutas civis de meia-idade.

Na prática, regiões bem pobres e distantes, onde há pouco emprego e salários baixos, lotados de minorias étnicas, se tornaram o principal reservatório humano do Exército russo.

Em alguns casos, homens são literalmente sequestrados em vilarejos; abordados nas ruas, retirados das suas casas ou capturados em pontos de ônibus, sem qualquer aviso.

Na Buriácia, por exemplo, no extremo leste da Sibéria, a taxa de mortos na guerra é até 30 vezes maior do que em Moscou. Em repúblicas do Cáucaso, como o Daguestão, jovens muçulmanos são convocados em massa, muitas vezes sob pressão direta das autoridades locais.

No fim, a estratégia é coerente: as mortes russas se concentram em regiões com baixo peso político, longe dos centros de poder. O luto de mães buriates ou daguestanesas faz bem menos barulho do que o de uma mãe de Moscou.

A Rússia diz treinar essas pessoas entre 3 semanas e 6 meses, dependendo da função. Mas a verdade é que há muitos relatos de 1 mês de treinamento – e para algumas operações, a quantidade de treino fornecido varia entre dois dias e duas semanas.

A Rússia já tinha uma pirâmide etária deformada por conta da 2ª Guerra Mundial e da crise dos anos 1990. Tanto é assim que o país já vinha em declínio populacional antes da guerra. Mas a situação agora é caótica.

A população economicamente ativa russa está encolhendo. E essa escassez de trabalhadores produzirá, no curto prazo, não só uma queda da produtividade russa, mas uma possível importação forçada de mão de obra estrangeira – principalmente da Ásia Central e de países muçulmanos.

É claro que as perdas da Ucrânia também são bem altas. Em dezembro do ano passado, Zelenski revelou 43 mil soldados ucranianos mortos em combate e 370 mil feridos desde o início da invasão russa.

Além dessas mortes, quase 14 mil civis ucranianos foram mortos no conflito, e 35 mil ficaram feridos.

A Ucrânia é indiscutivelmente a grande vítima desse conflito, mas os russos são os maiores derrotados.

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa. Cada caixão que retorna, a cada dia de batalha, significa não só um soldado a menos, mas um pai ausente, uma família quebrada, uma comunidade empobrecida.

Nesses três anos de conflito, centenas de milhares de crianças perderam o pai. Outras centenas de milhares de mulheres ficaram viúvas.

O resultado é uma geração marcada pelo luto.

Hoje, o Kremlin até consegue comprar o silêncio com indenizações, próteses e propaganda. Não há grandes manifestações contra Putin. Mas esse silêncio tem prazo de validade.

A Rússia pode até sustentar a guerra no campo de batalha, mas está perdendo em casa. E quando a poeira baixar, Moscou governará um país menor, mais pobre e mais velho. E nenhum triunfo militar, real ou inventado, será capaz de compensar essa derrota.

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