Minha introdução (PRA): Alguém teria coragem de entregar este artigo a Trump? E ele, se receber, vai ler? E se ler, vai entender? E, se entender, vai por acaso mudar de postura? E se mudar, vai adotar as medidas necessárias para contrariar aquele que julga ser seu amigo? E, se o fizer, vai adiantar alguma coisa? São muitos “ses” para chegar a um resultado que não tem “se” nenhum e uma única certeza: Putin vai dobrar a aposta na sua guerra de agressao! (PRA)
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Trump vai precisar entender quem é Putin
Tom Friedman
O Estado de S. Paulo., 24 de ago. de 2025
Buscar a paz na Ucrânia por meio do diálogo é justo, mas sabendo as reais intenções do líder russo
Tento ser justo ao analisar o drama Trump-Putin-Zelenski-Europa que vem se desenrolando nas últimas semanas. Tentando equilibrar o louvável desejo de Donald Trump de acabar com a guerra na Ucrânia com a maneira personalista, improvisada e muitas vezes ridícula com que ele lida com a situação – incluindo a energia que todos os envolvidos precisam gastar para alimentar seu ego e evitar sua ira, antes de chegarem aos compromissos infernais necessários para a paz. Por enquanto, tudo isso me deixa desconfortável.
Cobri muitas negociações diplomáticas desde que me tornei jornalista, em 1978, mas nunca vi uma em que um dos líderes – neste caso, o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski – sentisse a necessidade de agradecer ao presidente americano 15 vezes nos quatro minutos e meio em que se dirigiu a ele com a imprensa na sala. Sem mencionar os elogios que os aliados europeus sentiram que precisavam fazer a ele.
Quando nossos aliados precisam dedicar tanta energia apenas para manter a paz com Trump, antes mesmo de fazer a paz com Vladimir Putin; quando eles têm de olhar por cima do ombro para se certificar de que Trump não está atirando pelas costas com uma postagem nas redes sociais, antes que Putin atire pela frente com um míssil; e quando o presidente americano não entende que, quando Putin diz à Ucrânia “case comigo ou vou te matar”, Zelenski precisa de mais do que apenas um conselheiro matrimonial americano. Tudo isso me leva a perguntar: como isso vai funcionar?
MUDANÇA. Especialmente quando cada osso do meu corpo me diz que Trump não entende o que está em jogo nesta guerra. Ele é diferente de qualquer presidente americano dos últimos 80 anos. Ele não sente nenhuma solidariedade com a aliança transatlântica e seu compromisso com a democracia, o livre mercado, os direitos humanos e o estado de direito – uma aliança que produziu o maior período de prosperidade e estabilidade para a maioria das pessoas na história do mundo.
Estou convencido de que Trump vê a Otan como se fosse um shopping center de propriedade dos EUA, cujos lojistas nunca pagam aluguel suficiente. E vê a União Europeia como um shopping center que compete com os EUA, que ele gostaria de fechar, martelando-o com tarifas.
A noção de que a Otan é a lança que protege os valores ocidentais e a UE é a melhor criação política moderna do Ocidente – um centro de pessoas livres e mercados livres, estabilizando um continente que foi conhecido por guerras tribais e religiosas durante mil ê ni os – é e s t r a nha para Trump.
De fato, concordo com Bill Blain, analista econômico que vive no Reino Unido, que escreveu na segunda-feira: “Por mais que os líderes europeus elogiem Trump, está claro que o vínculo fundamental de confiança que sustentou o sucesso de 80 anos da economia transatlântica, e serviu tão favoravelmente aos EUA por décadas, agora está rompido. O fim da economia transatlântica mudará a economia global – favorecendo a Ásia e novas relações comerciais.”
Portanto, também não me surpreende que Trump não sinta nenhuma necessidade instintiva de trazer a Ucrânia para o Ocidente ou compreender que a invasão de Putin foi apenas sua mais recente marcha para dividir o Ocidente, como vingança pela divisão da União Soviética.
ENTREVISTA. Como eu sei que Trump é surdo a tudo isso? Basta ouvir a entrevista que seu enviado especial, Steve Witkoff, concedeu a Tucker Carlson em março, após o segundo encontro com Putin no Kremlin. Aqui está apenas um trecho.
Carlson: “O que você achou dele?” Witkoff: “Gostei. Ele foi sincero comigo. A propósito, como resolveríamos um conflito com alguém que é o chefe de uma grande potência nuclear, a menos que estabelecêssemos confiança e bons sentimentos um pelo outro?”
Ele seguiu: “Na minha segunda visita, a coisa ficou pessoal. Putin encomendou um belo retrato do presidente Trump a um importante artista russo, me deu e me pediu para levá-lo para o presidente, o que eu fiz. Isso foi noticiado no jornal, mas foi um momento muito gentil. E me contou uma história, Tucker, sobre como, quando o presidente foi baleado, ele foi à sua igreja local, se encontrou com seu padre e rezou pelo presidente, não porque ele era o presidente dos EUA ou poderia se tornar o presidente dos EUA, mas porque tinha uma amizade com ele e estava rezando por seu amigo. Quer dizer, você consegue imaginar ficar sentado lá ouvindo esse tipo de conversa?”
E continuou: “Eu voltei para casa e entreguei essa mensagem ao nosso presidente e entreguei a pintura, e ele ficou claramente emocionado com isso. Então, esse é o tipo de conexão que conseguimos restabelecer por meio, aliás, de uma palavra simples chamada comunicação, que muitas pessoas diriam que eu não deveria ter feito, porque Putin é um cara mau. Eu não considero Putin um cara mau. É uma situação complicada, essa guerra e todos os ingredientes que levaram a ela. Você sabe, nunca é apenas uma pessoa, certo?”
E fica pior. Trump está tão iludido quanto à natureza de Putin que, durante a cúpula com líderes europeus, na segunda-feira, ele foi ouvido em um microfone aberto dizendo ao presidente francês, Emmanuel Macron: “Acho que Putin quer fazer um acordo para mim. Você entende isso? Por mais louco que pareça.”
Alguém consegue identificar um único diplomata americano em Moscou ou analista da CIA que esteja aconselhando Witkoff e Trump? A minha aposta é que não há nenhum, porque nenhum analista sério lhes diria: “Chegamos à conclusão de que vocês estão certos e todos nós estávamos errados: Putin não é um cara mau, ele só quer uma paz justa com a Ucrânia – e, quando ele diz que foi à igreja e rezou pelo presidente Trump, vocês devem acreditar nele”.
MANIPULAÇÃO.
Desculpem, mas se Putin realmente rezou pela vida de Trump, é porque sabe que nenhum outro presidente americano poderia ser manipulado tão facilmente como Trump tem sido. Putin não está e nunca esteve à procura de “paz” com a Ucrânia. Ele está, como já escrevi anteriormente, à procura de um pedaço da Ucrânia – na verdade, de toda a Ucrânia, se conseguir.
“Essa é tanto a causa primária da guerra, para usar uma das frases favoritas de Putin, quanto a causa primária dos esforços vacilantes de Trump para estabelecer a paz na Ucrânia – sua incapacidade de entender que Putin não quer paz, mas vitória”, disse Leon Aron, estudioso da Rússia e autor de ‘Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War’.
“Putin precisa da Ucrânia por todos os tipos de razões ideológicas e políticas internas. E não vai parar de buscá-la e se sacrificar por ela – a menos que o Ocidente torne o custo da guerra proibitivo, militar e economicamente.”
Então, termino onde comecei: Trump e Witkoff não estão errados em querer parar a guerra e todas as mortes. E não é errado manter comunicação regular com Putin para fazer isso. Sou totalmente a favor de ambas as coisas. Mas, para acabar com esta guerra de forma sustentável, é preciso entender quem é Putin e o que ele está tramando.
Putin é um cara mau, um assassino a sangue frio. Ele não é amigo do presidente. Isso é uma fantasia na qual Trump escolheu acreditar. Depois de compreender essas coisas, só há uma conclusão possível: a única maneira sustentável de parar esta guerra e impedir que ela volte a acontecer é um compromisso consistente do Ocidente em fornecer à Ucrânia os recursos militares que convencerão Putin de que seu exército será destruído.
PUNIÇÃO.
Os EUA também devem fornecer garantias de segurança que impeçam a Rússia de tentar isso novamente e incentivar nossos aliados europeus a prometer que a Ucrânia um dia fará parte da UE – para sempre ancorada no Ocidente.
A punição de Putin por esta guerra deve ser que ele e seu povo tenham de olhar para sempre para o Ocidente e ver uma Ucrânia, mesmo uma Ucrânia menor, uma democracia eslava próspera e de livre mercado, em comparação com a cleptocracia eslava autoritária e em declínio de Putin.
Mas como Trump aprenderá essa verdade depois de destruir a equipe do Conselho de Segurança Nacional e reduzir e neutralizar o Departamento de Estado, quando demitiu o chefe da Agência de Segurança Nacional e seu vice-chefe, seguindo o conselho de uma palhaça conspiradora, Laura Loomer, e quando nomeou uma fã de Putin, Tulsi Gabbard, para ser sua diretora de inteligência nacional?
Quem lhe dirá a verdade? Ninguém. Exceto a terra selvagem da Ucrânia. Nas trincheiras de Donbas, há verdade. Nas 20 mil crianças ucranianas que Kiev diz que Putin sequestrou, há verdade. Nos cerca de 1,4 milhão de soldados russos e ucranianos mortos e feridos como resultado dos sonhos febris de Putin de restaurar a Ucrânia à Mãe Rússia, há verdade. Nos civis ucranianos mortos por drones russos, ao mesmo tempo em que Trump estendia o tapete vermelho para Putin no Alasca, há verdade.
E, quanto mais Trump ignora essas verdades, mais ele constrói sua estratégia de paz – não com base em conhecimento especializado, mas em sua autoestima inflada e seu antiocidentalismo antiamericano – mais isso se tornará sua guerra. E, se Putin vencer e a Ucrânia perder, Trump e sua reputação sofrerão danos irreparáveis – agora e para sempre.
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