O que emperra o País
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo, 11 de agosto de 2010
O Brasil continuará crescendo menos que outros Brics, nos próximos anos, se a taxa de investimento permanecer na vizinhança de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), ou pouco abaixo, como tem ocorrido há muito tempo. Em 2010 deve ficar em 19%, segundo a estimativa divulgada ontem pelo Ministério da Fazenda, no relatório bimestral intitulado Economia Brasileira em Perspectiva. O PIB deve aumentar 6,5% neste ano e cerca de 5,5% no próximo, sem criar grandes pressões. O potencial de expansão sem problemas está na faixa de 5,5% a 6%, de acordo com o ministro Guido Mantega. Um avanço nesse ritmo está longe de ser desprezível. De fato, é muito bom, se comparado com as perspectivas do mundo rico, ainda afetado pela crise iniciada com o estouro da bolha de crédito. Mas os brasileiros poderiam, com realismo, ambicionar muito mais, e não precisariam fazer grandes sacrifícios para dar maior impulso ao crescimento.
Segundo a candidata Dilma Rousseff, o Brasil só não cresceu mais nos últimos anos porque o governo petista encontrou “uma inflação fora de controle”, havia uma dívida muito grande com o FMI e foi preciso gastar tempo para pôr em ordem as finanças. Deve haver quem acredite nesse besteirol, mas, como o assunto é crescimento econômico, vale a pena recordar alguns dados. O dólar disparou e a inflação aumentou em 2002 porque petistas haviam passado anos defendendo o calote da dívida pública. Se não houvesse desconfiança, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva não precisaria escrever aquela Carta ao Povo Brasileiro. O programa com o FMI foi combinado por causa disso e não envolveu nenhuma dificuldade especial. A inflação foi rapidamente contida em 2003 graças ao uso de instrumentos monetários e fiscais forjados no governo anterior. Quanto às contas públicas, já vinham sendo consertadas e hoje poderiam estar em melhor situação, se uma chefe da Casa Civil, chamada Dilma Rousseff, não houvesse torpedeado a proposta do ministro Antônio Palocci de zerar num prazo razoável o déficit nominal.
A proposta foi recusada porque a ministra, vários de seus colegas e o próprio presidente Lula preferiam continuar aumentando o gasto público. Puderam continuar nessa marcha durante anos graças à elevação da receita. A ideia era gastar mais, inflando a folha de pagamentos, deixando crescer o custeio e aumentando a rigidez orçamentária. O Tesouro sempre investiu muito menos que o valor previsto no Orçamento (neste ano, só 34,3% até 5 de agosto). Depois, elevar a qualidade do gasto nunca foi prioridade. Sempre foi muito mais importante aparelhar o governo e suas empresas, embora isso tornasse inevitável, de vez em quando, demitir algumas pessoas inconvenientes de alguma estatal.
Se o presidente Lula e seus companheiros cuidassem menos da ocupação do poder e um pouco mais da administração, poderiam ter preparado a economia para crescer mais velozmente. Para começar, poderiam ter elevado a qualidade gerencial do governo. Se a máquina federal fosse tocada com um pouco mais de competência, o investimento público teria sido bem maior com o mesmo dinheiro disponível. Basta olhar o Orçamento e conferir o baixo grau de uso das verbas. Um pouco mais de competência teria permitido também um avanço maior em todas as frentes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em três anos, a aplicação do dinheiro mal passou de 60% do previsto para 2007-2010, e isso ainda inclui financiamentos de imóveis usados. Na parte das estatais, a Petrobrás foi responsável por cerca de 90% dos investimentos concretizados.
Os 18% ou 19% do PIB investidos anualmente no Brasil dependem essencialmente da Petrobrás e do setor privado. A maior parte do setor público permanece mais aparelhada politicamente do que preparada para atender às necessidades do País. Mas o capital privado poderia ter feito mais, se o governo tivesse adotado as parcerias necessárias ao investimento em infraestrutura. Além disso, o ambiente institucional permaneceu pouco atraente, porque o governo – e nisso a ministra Dilma Rousseff teve um papel importante – emperrou o projeto das agências de regulação. Tudo isso – e é preciso também lembrar o descalabro educacional – limita o potencial de crescimento do PIB.
A última novidade é a política seletiva do BNDES. De 2008 a junho deste ano, a Petrobrás, a Eletrobrás e dez grupos privados ficaram com 57% dos financiamentos, segundo levantamento da Folha de S.Paulo. Mas há, no setor privado, quem assine manifesto a favor dessa política. Impossível, diante da alegria dessa gente, não lembrar a piada da hiena: “De que se ri o animalzinho?”
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