Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
domingo, 20 de fevereiro de 2011
"Progressos" da educacao brasileira: continuando um velho debate
Por isso, de vez em quando, sem tempo para elaborar a respeito, permito-me postar aqui comentários de um jornalista conhecido que tem o dom de atrair almas ingênuas, que se sentem violentadas em seu desejo de ver em Paulo Freire e outros epígonos da idiotice nacional sumidades extraordinárias, quando eles só serviram para atrasar nossa educação.
Enfim, segue a provocação...
Paulo Roberto de Almeida
CAI DE NOVO A MÁSCARA DOS PETISTAS: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO QUER PROGRESSÃO CONTINUADA NO BRASIL INTEIRO; NA CAMPANHA, PARA ATINGIR SP, DILMA E MERCADANTE ATACARAM MODELO
Reinaldo Azevedo, 20/02/2011
Alguns leitores até de boa-fé me indagam de vez em quando se não exagero nas críticas ao PT. Bem, a resposta vai nos meus textos. Se eu achasse que sim, certamente mudaria de rumo. A exemplo da maioria dos que me lêem, também me quero um homem justo. O que posso fazer se a amoralidade dessa gente me enoja? Se vocês quiserem saber, incomoda-me menos o que pensam os petistas — embora absolutamente não me agrade — do que o que eles não pensam. “O que eles NÃO PENSAM o incomoda, Reinaldo? O que isso quer dizer?” Que seu escandaloso oportunismo corrói as noções elementares da civilidade política e impede o confronto honesto de idéias. São, antes de mais nada, agentes da vulgarização da mentira e da trapaça política. Seu único princípio — único — é conquistar o poder e nele permanecer. Os adversários de véspera podem se tornar aliados fraternos desde que aceitem se submeter às diretrizes do partido — e, nesse caso, o PT também sabe ser generoso. Lula, por palavras oblíquas, já chamou José Sarney de bandido em palanque. Hoje, o amor entre ambos é inquebrável e inquebrantável. Quem mudou? Nenhum dos dois! Feita essa consideração inicial, peço que vocês leiam um trecho de reportagem da VEJA desta semana.
Uma nova diretriz do Ministério da Educação (MEC) pode levar a uma transformação radical nas escolas brasileiras - públicas e particulares. Trata-se de abolir a repetência até o 3° ano do ensino fundamental, fase crucial da vida escolar, em que as crianças são alfabetizadas e começam a cultivar curiosidade pelos estudos. Caberá às escolas e às redes de ensino decidir se adotarão o sistema, mas, à luz da experiência com esse tipo de sinalização oficial, pode-se esperar que a maioria siga o ministério. É notícia que, à primeira vista, causa apreensão quanto à preservação da cobrança e do mérito, ingredientes essenciais para o progresso acadêmico. O bem-sucedido exemplo internacional pode ser útil ao Brasil. Países que aplicam modelo semelhante, como França e Japão, têm alcançado ótimos resultados, renovando o interesse pela sala de aula entre os alunos com mais dificuldade e reduzindo a evasão escolar”.
Voltei [RA]
Vocês leram direito. O ministro Fernando Haddad, da Educação, recomenda que se estenda ao Brasil inteiro a progressão continuada. Os leitores — e eleitores — de São Paulo, onde vigora o modelo, devem estar escandalizados. Aloizio Mercadante, hoje ministro da Ciência e Tecnologia (Jesus!), candidato ao governo de São Paulo, atacava a progressão com unhas, dentes e bigode — idéias, não, que seria pedir demais! Ela seria fonte de todos os males da educação no estado.
Em seu primeiro pronunciamento oficial, Dona Dilma Primeira, a Muda, falou sobre educação. E lá está uma menção oblíqua — e crítica — ao modelo vigente em São Paulo. Nos debates eleitorais, a então candidata do PT fustigou o sistema. No governo há menos de dois meses, ficamos sabendo que a prática deve ser estendida a todo país. E essa gente se olha no espelho e deve gostar do que vê! É um misto de psicopatia com sociopatia.
Atenção, leitores! Eu, pessoalmente, não gosto da dita progressão. Gente que entende da área me diz, no entanto, que, bem-aplicados um modelo ou outro (este ou o seriado), os resultados são mais ou menos equivalentes. A vantagem da progressão está em evitar a repetência numa fase em que o correto é aproximar o aluno da escola. Pois é… Por razões puramente políticas, por vigarice partidária, o modelo foi impiedosamente espancado na campanha eleitoral. Aderindo ao discurso mais bucéfalo, mas atrasado, mais canalha, os petistas passaram a chamá-lo de “aprovação automática”. Boa parte da imprensa, sempre tão apegada ao “progressismo”, assistiu calada à depredação dos fatos e da verdade.
O mais impressionante é que foi o PT que introduziu o modelo no país: Paulo Freire, então secretário da educação de Luíza Erundina na Prefeitura de São Paulo, implementou a progressão nas escolas municipais. Outras cidades aderiram. E então se expõe, mais uma vez, a natureza desse partido: o modelo que ele mesmo abraçou pode ser alvo do ataque mais feroz se for para atingir um adversário. A lista das “coisas que o PT não pensa” é gigantesca. O partido vai fazendo escolhas segundo as necessidades da hora.
Haddad vai tentar escapar: a resolução em favor da progressão continuada é do Conselho Nacional de Educação, não dele. Não tem força de lei. Trata-se de uma recomendação — RECOMENDAÇÃO ESTA QUE, ATENÇÃO, FOI HOMOLOGADA PELO MINISTRO AINDA NO FIM DO GOVERNO LULA. Vale dizer: enquanto Mercadante descia o sarrafo na progressão em São Paulo e Dilma fazia o mesmo em rede nacional, o ministro da Educação do PT, referendado no governo Dilma, abraçava a… progressão continuada!
Onde estava essa gente?
Informa o Estadão:
“O ensino fundamental tem 31 milhões de alunos estudando em 152 mil escolas, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Desse total, aproximadamente dez milhões estão matriculados nos três primeiros anos desse ciclo. Em 2009, a taxa de reprovação desses dez milhões de alunos foi de 5,1%. O índice é considerado alto pelos especialistas em pedagogia. ‘Isso mostra que, de cada cem crianças, cinco ainda são reprovadas logo que ingressam na escola. As pesquisas apontam que, se o aluno é reprovado nessa fase, dificilmente terá sucesso. A recomendação do CNE é para garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos’, diz a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda.”
Onde estava Maria do Pilar durante a campanha eleitoral? Assistiu, então, calada à depredação da verdade? “Ah, mas progressão precisa de programas que estimulem os alunos e professores…” Pois é! Justamente o que havia e há ainda em São Paulo: dois professores no primeiro ano da alfabetização, programa de reciclagem de professores, promoção por mérito, premiação para as escolas que atinjam metas… Fez-se tábula rasa de tudo isso: permitiram que os hunos, especialmente o de bigode, atacassem o modelo da maneira mais primitiva, ignorando-se, inclusive, os números positivos que a reestruturação da educação em São Paulo passou a exibir.
Vejam este vídeo com Mercadante na sabatina da Folha. Ele promete acabar com a “progressão continuada” que, àquela altura, já havia sido homologada pelo também petista Fernando Haddad. Assistam. Volto em seguida:
(ver neste link)
Mercadante prometia dar o que já existe aula de reforço. É claríssimo: poria fim à progressão continuada, mas “sem reprovação, gente!”. Ah, entendi! E, como se nota, o Rio, que Dilma tomou como modelo de segurança pública, era o modelo de educação do petista… Todo esse talento está agora a serviço da “ciência e tecnologia”… Ao fim de quatro anos, talvez os brasileiros já tenham aprendido a subir em árvores. Andar de cipó, só no estágio seguinte!
“Ah, mas por que você pega no pé dos petistas?” Acho que esse texto responde. E corrijo: pego “nos pés” — em todos os que eles têm!
4 comentários:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
Caro Dr. Paulo Roberto,
ResponderExcluirA polêmica oxigena o cérebro; a raiva opila o fígado.
Não raro, parece a mim que o citado jornalista incorre no segundo mais do que no primeiro.
Questão de estilo, personalidade ou dever do ofício, quem sabe?
De minha parte, acredito piamente que se pode discordar sem se desrespeitar o outro. E percebo em seu blog uma orientação semelhante.
Deixando o jornalista de lado e, de espírito desarmado, podemos debater, em alto nível, ainda que discordemos aparentemente.
De fato, existe grande confusão político-eleitoreira sobre o sistema de ciclos, ou "progressão continuada" (chamado pelos seus detratores de "aprovação automática"). Isso não se restinge ao PT.
O PMDB foi eleito no RJ com discurso semelhante, colocando um expoente do PSDB (ex-ministra de FHC) como sec. de Educação.
De um modo geral, como o Sr. bem sabe, se o sistema de ciclos é implantado sem os devidos ajustes e instrumentos de avaliação/apoio pedagógico, resulta em desastre.
Que só não é maior do que a evasão escolar, esta sim causada pela reprovação, ainda mais perniciosa, sobretudo em idades/séries iniciais.
Além de respeitar o processo de aprendizado, do ponto de vista do desenvolvimento psicológico/cognitivo infantil (que não deveria estar sujeito aos nossos calendários), o sistema de ciclos se apresenta como solução prática, organizacional, para a retenção de alunos nas séries iniciais, abrindo espaço para novas vagas (inclusão!) e dando aos estudantes mais tempo para constituírem seu aprendizado, atingindo as metas traçadas não apenas para um ano, mas para um conjunto de 3 (geralmente).
Na prática, nada muda, já que o que se tinha que aprender em 3 anos, continua lá. Apenas não se retém a criança ao final do ano só porque, em dezembro, ela não realizou AINDA a aprendizagem que, provavelmente, realizará em março. Em não realizando, entra avaliação e apoio...
Veja que o sistema é implantado em diversas escolas privadas de elite, com resultados mensurados no campo da meritocracia, tão caro aos liberais.
Isso nada tem a ver com chegar-se à 4a série sem saber ler e somar (o que, em tese, pode acontecer no sistema seriado, desde que a avaliação e o acompanhamentoo pedagógico não estejam presentes...)
O ex-prefeito Cesar Maia (muito citado por aqui) é um dos grandes defensores do sistema de ciclos, o qual explica e sustenta com grande maestria.
Colocar o sistema de ciclos "na conta" do Paulo Freire é, novamente, simplificação e primarismo. Além de grande injustiça com tantos outros educadores...
Diversos teóricos - antes e depois de P.F. - dedicaram-se ao tema, vindos de todos os matizes ideológicos possíveis.
Da mesma forma que o conceito de "experiência do aluno" remonta a Anisio Teixeira, que o foi buscar em John Dewey, filósofo pragmatista e educador norte-americano.
O importante é não reduzir o escopo da reflexão educacional ao embate ideológico, ou pior, político-eleitoral. Aliás, o ex-prefeito C.M. acertava em cheio ao não misturar a educação pública do RJ com a política partidária.
Reconheçamos os desafios da educação brasileira, sobretudo da educação pública, mas não manchemos a obra de - raros - grandes brasileiros como Paulo Freire.
Ainda que possamos discordar de seus pressupostos políticos. Há que se olhar além do imediato e óbvio "esquerdismo" de seu posicionamento. Existe, em Paulo Freire, muito mais de um cristianismo social essencial do que de um marxismo ortodoxo e renitente.
Há muitas formas de não se contemplar a realidade. Uma delas é cavar trincheiras...
O comentário acima, do Anônimo, JAMAIS seria publicado no blog do RA. O blogueiro iria usar o Reinaldox, para pegar barata petralha (sic).
ResponderExcluirEntão fica assim: Escola pública de alunos que tomam Ritalina, alunos que trabalham ilegalmente quando não estão na escola, alunos de pais que os violentam (até sexualmente), alunos que vêem o pai bater na mãe (ou o padrasto, ou o cliente (!)), alunos que sentem fome durante as aulas, usam drogas, diretores e assessores de tudo na escola que não passam de incompetentes que só estão ali porque foram indicados por políticos (do PT, DEM, PSDB, PMDB), professores que se formaram em pedagogia sem nem mesmo saberem ler e escrever decentemente e que estão mais preocupados com novelas da globo do que a educação dos alunos... e a culpa é do Paulo Freire.
Será que eu entendi direito?
O comentário acima, do Anônimo, JAMAIS seria publicado no blog do RA. O blogueiro iria usar o Reinaldox, para pegar barata petralha (sic).
ResponderExcluirEntão fica assim: Escola pública de alunos que tomam Ritalina, alunos que trabalham ilegalmente quando não estão na escola, alunos de pais que os violentam (até sexualmente), alunos que vêem o pai bater na mãe (ou o padrasto, ou o cliente (!)), alunos que sentem fome durante as aulas, usam drogas, diretores e assessores de tudo na escola que não passam de incompetentes que só estão ali porque foram indicados por políticos (do PT, DEM, PSDB, PMDB), professores que se formaram em pedagogia sem nem mesmo saberem ler e escrever decentemente e que estão mais preocupados com novelas da globo do que a educação dos alunos... e a culpa é do Paulo Freire.
Será que eu entendi direito?
Não! A culpa é da merenda!
ResponderExcluir"UMA BANANA COMO MERENDA(!)
Eu e o Hélio Pelegrino temos um amigo que é o que se chama um erudito. E o pior é que se trata de um caso recente e diria mesmo de fulminante erudição. A princípio suspeitei de uma deslavada ESCROQUERIA INTELECTUAL. E aqui começa o mistério que desafia todo o meu raciocínio e toda a minha intuição. Do dia para noite o semi-analfabeto aprendeu não sei quantos idiomas.
Já não digo francês, que todos falam, menos eu. Não. o rapaz declamava Goethe em puríssimo alemão. E, certa noite, passei pelo seu quarto, na praça Onze (ele mora no alto, junto à clarabóia, como no tempo de Paulo de Koch). Entro e o surpreendo, no meio de três ou quatro, em pé, recitando o padre-nosso em grego. Sai dali e fui ligar para o Hélio Pellegrino. Disse-lhe, sinceramente esmagado:-"Hélio, nós somos dois analfabetos!".
Eu e o Hélio, cada vez mais inferiorizados, temos seguido pelos jornais a carreira de tão vasta e súbita erudição.E eu fico a resmungar, na irritação da minha impotência:"Como sabe! Como lê! Como cita!". Até que de repente, baixou-me uma luz e descobri toda a fragilidade daquela montruosa estrutura. AQUILO ERA UMA CATEDRAL DE PAUZINHOS DE FÓSFOROS, SIM, UM GÓTICO DE PALITOS.(...)
(...)Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto,o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos.
Certa vez, um erudito resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me:"O que é que você leu?. Respondi:"Dostoievski". Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil volumes. Insistiu:"Quem mais?". E eu:"Dostoievski". Teimou:"Só?" Repeti:"Dostoievski". O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volumes, não entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro de Dostoievski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema não sei de quem. O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode haver um tédio na primeira leitura. nada, porém, mais denso, mais fascinante, mais novo, mais abismal do que a releitura.
(Divaguei demais e desculpem). De Dostoievski passo à minha infãncia.(...)Sinto que parte de minha infância está inserida, difusa, volatilizada em certas páginas de Dickens ou Dostoievski. Por exemplo:-eu poderia fazer, com minha passagem pela escola pública, uma antologia de humilhações.(Está comigo, enterrado em mim, um perene menino humilhado.)
(...)Já disse que levava para a escola, como MERENDA, uma imutável BANANA. No primeiro dia, bateu a sineta do recreio e lá fui eu. O pátio se inundou de meninos e meninas. Apanhei a BANANA e, sem pressa, comecei a descascá-la. Fazia isso meio solene, como se descascar BANANA exigisse uma técnica, uma arte, não sei que virtuosimo.
Descascada a BANANA, eu não a mastigava imediatamente. Não. Com delicada paciência, punha-me a chupá-la, como hoje se faz com o Chicabon. E, ao mesmo tempo, olhava para os outros meninos. não sei por que, o fato é que, no primeiro e segundo dias de escola, tive orgulho, vaidadae da BANANA. Olhvava para os garotos, como se dissesse:'Eu tenho uma BANANA. Estou comendo uma BANANA.'(....)"
*Nelson Rodrigues
Se os gestores educacionais insistirem em querer aplicar no Brasil políticas de paises com IDH
muito alto, sem qaulquer "complexo de vira-lata"(!), que ao menos reforcem a MERENDA com
BANANAS! "Yes! Nós temos BANANAS!"
Vale!