segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crise economica de 2008-2009: previsoes acadêmicas

O artigo abaixo não é recente, a despeito de estar sendo publicado apenas agora pelo jornal Valor Econômico, que não indica a fonte original e sua data. Lembro-me de tê-lo lido há algum tempo, provavelmente no Financial Times.
Mesmo tarde, o debate que ele promove, conserva toda a atualidade e mantém seu "frescor", digamos assim (sem nenhuma intenção de fazer jogo de palavras ou trocadilhos infames).
Os acadêmicos não são tão inconsequentes assim. Muitos previram, sim, avisaram, vários anos antes, mas, no meio da euforia, não quiseram acreditar...
O preço a pagar pela temeridade e descuido irresponsável foi muito alto, sobretudo para os EUA, que terão uma herança pesada pela frente, em termos de desemprego (que vai ser reabsorvido, em algum momento) e de dívida pública (que vai ficar pelas duas próximas gerações, pelo menos).
Paulo Roberto de Almeida

A academia não previu a crise?
Raghuram Rajan
Valor Econômico, 21/02/2011

No auge da crise financeira, a rainha da Inglaterra fez uma simples pergunta a meus colegas na London School of Economics, mas uma pergunta para a qual não havia resposta fácil: Por que os economistas acadêmicos deixaram de prever a crise?

Há várias respostas para essa pergunta. Uma é que os economistas não tinham modelos capazes de levar em conta o comportamento que levou a essa crise. Outra é que eles tiveram a visão obscurecida pela ideologia de que mercados livres e irrestritos não podiam fazer nada errado. Por fim, a resposta que vem ganhando terreno é a de que o sistema subornou os economistas para que silenciassem. Para mim a verdade é outra.

Não é verdade que nós acadêmicos não tínhamos modelos aplicáveis para explicar o acontecido. Se você acreditar que a crise foi provocada por falta de liquidez, tínhamos modelos de sobra analisando a escassez de liquidez e seus efeitos nas instituições financeiras. Se você acreditar que a culpa foi de banqueiros gananciosos e investidores descuidados, confiantes na promessa de resgates governamentais, ou de um mercado que enlouqueceu com a exuberância irracional, também havíamos estudado tudo isso, detalhadamente.

Economistas haviam analisado até a economia política da regulamentação e desregulamentação, portanto, poderíamos ter compreendido por que alguns políticos americanos encorajaram o setor privado a financiar residências acessíveis, enquanto outros desregulamentavam as finanças privadas. Ainda assim, de alguma forma, não trouxemos esse conhecimento à luz nem gritamos em coro nossas advertências.

Talvez o motivo tenha sido a ideologia: estávamos muito devotados à ideia de que os mercados são eficientes, que os agentes do mercado são racionais e que os altos preços se justificavam por fundamentos econômicos. Mas parte dessas críticas ao "fundamentalismo de mercado" reflete um engano. A "teoria dos mercados eficientes" dominante diz apenas que os mercados refletem o que é conhecido publicamente e que é difícil ganhar dinheiro em mercados de forma consistente - algo verificado pelo golpe desferido pela crise na maioria das carteiras de investimento dos investidores. A teoria não diz que os mercados não podem despencar se as notícias forem ruins ou se os investidores se tornarem avessos ao risco.

O verdadeiro motivo pelo qual os economistas deixaram de prever a crise pode ser bem mais mundano do que modelos inadequados, cegueira ideológica ou corrupção e, portanto, muito mais preocupante: muitos apenas não estavam prestando atenção!

Críticos argumentam que os fundamentos estavam nitidamente se deteriorando e que o mercado (e economistas) os ignoraram. Mas olhar de forma retrospectiva distorce essa análise. Não podemos citar uma única Cassandra, como Robert Shiller, da Yale University, que regularmente alertava para a insustentabilidade dos preços imobiliários, como prova de que a verdade foi ignorada. Sempre há fatalistas e, com frequência, eles estão errados. Era bem maior o número de economistas dizendo que os preços imobiliários, apesar de altos, dificilmente cairiam de forma generalizada.

Certamente, essas expectativas podem ter sido distorcidas pela ideologia - é difícil saber o que se passava pela mente dos economistas. Mas há um motivo melhor para ser cético quanto às explicações que recaem na questão ideológica. Como grupos, nem os economistas comportamentais, para quem a eficiência dos mercados é uma piada, nem os economistas progressistas, que não confiam nos livres mercados, previram a crise.

Seria, então, a corrupção? Alguns acadêmicos são consultores de bancos ou agências avaliadoras de risco de crédito, proferem discursos em conferências de investidores e desenvolvem análises patrocinadas. Seria natural suspeitar de nossa imparcialidade. A tendenciosidade pode ser implícita: nossa visão de mundo é modelada pelo que nossos amigos no setor profissional acreditam. Ou pode ser explícita: um economista pode escrever um informe influenciado pelo que o patrocinador quer ouvir ou dar um testemunho que seja puramente mercenário.

Há casos suficientes de possível tendenciosidade para que a questão não possa ser ignorada. Um remédio seria proibir toda a interação entre economistas e o mundo empresarial. Mas se os economistas ficassem confinados em sua torre de marfim, até poderíamos ficar imparciais, mas também ignoraríamos as questões práticas - e, portanto, ficaríamos ainda menos capazes de prever problemas. Uma forma de recuperar a confiança pode ser a transparência - que os economistas declarem interesse monetário em determinadas análises e que, de forma mais geral, expliquem quem os pagam. Várias universidades começam a seguir esse caminho.

Acredito, no entanto, que a corrupção não foi o principal motivo que levou a profissão a deixar de prever a crise. A maioria dos economistas tem pouca interação com o mundo empresarial e esses economistas "imparciais" não se saíram nada melhor em antecipar a crise.

Eu argumentaria que três fatores explicam nosso fracasso coletivo: especialização, a dificuldade de se fazer previsões e o descolamento entre boa parte da profissão e o mundo real.

Assim como a medicina, a economia tornou-se altamente compartimentalizada - os macroeconomistas normalmente não prestam atenção ao que os economistas financeiros ou economistas do setor imobiliário estudam e vice-versa. Para ver a crise chegando seria necessário alguém que conhecesse todas essas áreas- da mesma forma que é necessário um clínico geral para reconhecer alguma doença exótica. Como a profissão recompensa apenas análises cuidadosas e bem fundamentadas, mas necessariamente restritas, poucos economistas tentam atravessar subcampos.

Mesmo se o fizessem, teriam receio em fazer previsões. A principal vantagem dos economistas acadêmicos em relação aos profissionais das previsões talvez seja seu forte conhecimento das relações estabelecidas entre fatores. O mais difícil de prever, contudo, são os pontos de inflexão - quando as antigas relações existentes se desmancham. Embora possam existir alguns fatores que indiquem esses pontos de virada - o acúmulo na alavancagem de curto prazo e os preços dos ativos, por exemplo, pressagiam crises -, não são indicadores infalíveis de problemas por vir.

Os poucos benefícios profissionais recompensando a amplitude das análises, aliados à imprecisão e risco de reputação associadas às previsões, desmotivam a maioria dos acadêmicos. E também, perfeitamente, pode ser que os economistas acadêmicos tenham pouco a dizer sobre movimentos econômicos de curto prazo, de forma que achem melhor deixar as previsões, com todos seus erros, aos profissionais das projeções.

O perigo é que o descolamento em relação aos acontecimentos de curto prazo leve economistas acadêmicos a ignorar tendências de médio prazo que eles têm condições de abordar. Nesse caso, o verdadeiro motivo pelo qual os economistas deixaram de prever a crise poderia ser bem mais mundano do que modelos inadequados, cegueira ideológica ou corrupção e, portanto, muito mais preocupante: muitos, simplesmente, não estavam prestando atenção!

Raghuram Rajan é professor de Finanças na Booth School of Business, da University of Chicago, e autor de "How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" ("Como as fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial", em inglês).

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