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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Ciro Gomes denuncia a corrupção “legal” das “emendas PIX”, dezenas de bilhões, PT em primeiro lugar

Ciro Gomes, via X, 29/04/2024



“Volto a chamar a atenção para a gravíssima deterioração institucional brasileira. A prática corrupta e clientelista que nossa “gentil” imprensa chama de “emenda pix”, que vem a ser a disseminação da prática da liberação de emendas bilionárias sem nenhuma transparência, impedindo cinicamente qualquer fiscalização por parte dos órgãos de controle, ou mesmo da população. 

O ministro do STF Flavio Dino intimou Lula e os chefes do parlamento para se explicarem dado que, nas antecedências do Governo Lula, o STF, que havia fechado, no governo Bolsonaro, os olhos para esta prática ilegal, imoral e corrupta, ao agir assim, havia decretado sua ilegalidade. 

Lula não só ressuscitou a bandalheira, como bate recordes por cima de recordes, nos valores entregues à picaretagem institucionalizada (deve haver exceção a confirmar a regra). Como era de se esperar, tal prática, que não existia em nenhum estado brasileiro, passou a ser imitada pela maioria deles. 

Anotem os valores: Lula já autorizou nada menos do que R$ 53 BILHÕES do precário orçamento da União, para esta esculhambação. Os estados já liberaram R$ 9,6 bilhões pelo mesmo ralo. No quadro abaixo, você pode ver quem são os campeões da farra da corrupção. Enquanto criticava Bolsonaro pela mesma esculhambação, o PT, claro, lidera a orgia.

Esta deterioração trata de matar valores centrais da democracia e cada dia mais nos oferecerá exemplos caricatos para nos fazer descrer destes valores. Por exemplo, o deputado federal Josimar de Maranhãozinho, flagrado pela polícia federal manuseando montanhas de dinheiro vivo e pagando despesas pessoais com estas verbas liberadas generosamente por Lula, contratou como seu advogado, o grão-petista José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça do governo do PT. 

Como advogado sei que não temos nada a ver com os delitos de nossos possíveis clientes, mas o episódio é típico da degradação que me preocupa.

- Leia a análise completa na newsletter desta semana. Este espaço é um convite para refletirmos juntos sobre o futuro do Brasil. Participe: cirogomes.com.br “




A arte da diplomacia e da negociacao como fundamentos das relacoes internacionais (2020) - Paulo Roberto de Almeida

Minha atenção foi chamada, esta manhã (ou foi relembrada), para estas notas elaboradas para subsidiar palestra a um grupo de estudantes de relações internacionais, feitas no começo da pandemia, simultaneamente ao rebaixamento da diplomacia brasileira pelo bolsonaris,o, e nunca repostadas desde então.

Alguém acessou e me escreveu, o que fez com que eu fosse novamente buscar o texto.

A arte da diplomacia e da negociacao como fundamentos das relacoes internacionais (2020)

2020, A arte da diplomacia e da negociação como fundamentos das relações internacionais 

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A arte da diplomacia e da negociação como fundamentos das relações internacionais

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

 [Objetivo: Notas para aula magna no curso de Relações Internacionais da Universidade Salvador (BA), no dia 30/04/2020; finalidade: informação preliminar aos alunos]

 

Sumário: 

1. A maneira antiga das artes da negociação

2. A maneira moderna de fazer diplomacia

3. Desafios das relações internacionais na globalização e na desglobalização

4. Mudanças na geopolítica e na geoeconomia mundiais decorrentes da pandemia

5. O desaparecimento do Brasil dos radares da globalização e da racionalidade

 

 

1. A maneira antiga das artes da negociação

O soldado e o diplomata são, na visão de Raymond Aron, os dois principais atores e executores das políticas de Estado, o primeiro na segurança e na defesa desse Estado, contra desafios internos e externos à sua manutenção, o segundo na tentativa de evitar que essa defesa recorra aos meios extremos, ou seja, à violência física e a atos de guerra, colocando em seu lugar negociações pacíficas e entendimentos por meio de tratados e acordos de cooperação, quando não de aliança militar. Mas eles não são os atores únicos das relações internacionais, embora sejam os representantes oficiais das duas pernas sobre as quais se assentam a estabilidade e a continuidade dos Estado: a força e o direito, ou dito de outro modo, a dissuasão ou a cooperação. 

Outros atores são igualmente relevantes nas relações internacionais, embora possam não ser representantes oficiais de Estados constituídos. Comerciantes, em primeiro lugar, aventureiros e exploradores, em seguida, missionários e pregadores, eventualmente, e depois, aqueles “representantes” oficiais, dotados de uma missão e de instruções precisas: conquistar ou defender o país, se for o caso, ou manter ou restabelecer a paz, numa hipótese benigna, ou, ainda, uma combinação dos atos bélicos ou de negociação pacífica, conforme se apresentar o cenário do relacionamento entre dois Estados contíguos ou próximos. O mais frequente é que as comunidades humanas organizadas politicamente interajam entre si ao sabor das dinâmicas econômicas e das transmigrações humanas; finalmente, atos de guerra são mais raros do que as atividades de comércio e de transumância ao longo da história. 

Mas a diplomacia, formalmente estabelecida, também foi bem mais rara do que os atos de guerra na longa trajetória das sociedades humanas, e essa predominância bélica tem a ver tanto com a lei básica da economia, a escassez, por um lado, quanto com a sede de poder, a ambição de conquista, a pretensão imperial de certos dirigentes de Estados estabelecidos. Sociedades no limite da penúria, ou necessitadas de recursos, bens ou produtos essenciais à sua sobrevivência ou aquisição de mão-de-obra (escravos, ou trabalhadores “importados”) e energia, são mais propensas a recorrer à pressão física, ou diretamente a atos de guerra, em busca de atender tais objetivos. A necessidade de expansão territorial para atender a uma dinâmica demográfica mais pujante, ou a ambição imperial de certos dirigentes também explicam a decisão de recorrer primeiro à força das armas do que às armas da negociação, inclusive porque a função diplomática sempre foi um expediente de ocasião, ao passo que o emprego de oficiais militares e oficiais de justiça sempre foi não apenas mais frequente, como permanentes em qualquer Estado minimamente organizado.

A arte da diplomacia e das negociações, na verdade, foi ocasional, ou excepcional, uma vez que uma embaixada, ou seja, o envio de um representante de um chefe de Estado a outro, era reservado às poucas ocasiões nas quais se entendia necessário negociar um objetivo caro ao que assim procedia, positivamente interessado no estabelecimento de mais amplas relações – de comércio ou de aliança – ou como uma espécie de ameaça prévia à abertura de operações militares, nas motivações vinculadas a tentativas de vassalagem, de tutela ou de dominação direta e sujeição total. O envio de um embaixador era um evento quase que único nas relações entre dois Estados constituídos, sendo cercado de toda a pompa normalmente devotada às grandes ocasiões de contato direto entre soberanos de grandes Estados. 

Uma leitura para os que desejam se aprofundar na diplomacia em suas primícias é o livro de François de Callières, L’Art de Négocier sous Louis XIV, aliás, publicado depois da morte de Luís XIV, que ocorreu em 1715 (existe uma edição brasileira pelas Edições De Janeiro: Negociar, a mais útil das artes, 2019). É uma espécie de manual de negociações, descrevendo as qualidades que devem exibir os enviados dos soberanos. Meio século depois, o holandês Abraham de Wicquefort publicou um outro manual, L’ambassadeur et ses fonctions (1681), escrito em francês, que, depois do latim (usado até Grócio), era a língua franca da diplomacia até o século XX, sendo usado, por exemplo, como idioma de trabalho nas cortes da Áustria e da Rússia, entre outras. 

Nem todas as embaixadas, ao estilo do Antigo Regime, logram resultados positivos ou satisfatórios para ambas as partes. Algumas, na verdade, podem representar um prelúdio a uma possível guerra posterior, ou são tão desastrosas que mudam o padrão do relacionamento entre dois grandes Estados. Ficou famosa na história a fracassada missão do enviado especial britânico, Lord Macartney, ao Império Qing, da China, em 1793, objeto de um livro de Stephen R. Platt: Imperial Twilight: the Opium War and the End of China’s Last Golden Age (2018): não apenas os luxuosos presentes trazidos por Macartney eram inferiores, em qualidade, aos equivalentes chineses, como ele não se prostrou ante o imperador, como faziam os representantes dos estados vassalos (como Vietnã e Coreia). Quando os ingleses voltaram, 50 anos depois, foi para infligir aos chineses as humilhantes guerras do ópio.

A designação de um enviado permanente é algo relativamente recente na história das relações internacionais, aparecendo de forma tímida nos albores da era moderna e mais decisivamente na idade contemporânea, a partir do Congresso de Viena, ao final das guerras napoleônicas, em 1815. Um exemplo interessante sobre a arte da negociação, no contexto lusitano, que é a base da grande diplomacia brasileira do século XIX, é o livro do diplomata Frederico Francisco de la Figanière, Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881), ao qual dediquei um artigo ao estilo dos meus “clássicos revisitados” que constituiu um dos meus textos mais acessados na internet: “Dez Regras Modernas de Diplomacia” (blog Diplomatizzando; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/08/dez-regras-modernas-de-diplomacia-paulo.html). Mais perto de nós se situa o livro pioneiro de Rubens Ferreira de Mello, que escreveu o primeiro tratado brasileiro de direito diplomático (1948), objeto de um outro denso ensaio meu (disponível, como vários outros, na plataforma Academia.edu; link: https://www.academia.edu/s/6481fda87f/rubens-ferreira-de-mello-o-primeiro-tratado-brasileiro-de-direito-diplomatico-1948).

 

2. A maneira moderna de fazer diplomacia

A construção de um quadro jurídico para o intercâmbio regular de representantes diplomáticos se deu ao longo do século XIX e no início do século passado, sendo que os enviados designados formalmente como embaixadores eram relativamente raros, sendo mais frequente o envio de “ministros plenipotenciários”. O primeiro embaixador do Brasil foi Joaquim Nabuco, que deixou o cargo de ministro em Londres para assumir solitariamente o posto de embaixador em Washington, uma elevação de status que correspondia ao desejo do chanceler Rio Branco de reforçar as relações com os Estados Unidos, numa conjuntura em que as potências coloniais europeias ainda estavam exercendo a diplomacia das canhoneiras contra diversos estados periféricos, inclusive na América Latina. 

A segunda conferência internacional da paz, realizada na Haia em 1907, destinava-se, em princípio, para tratar essencialmente dos interesses das grandes potências, entre elas os Estados Unidos (que ascendiam então no equilíbrio de poderes, junto com o Japão), mas o Brasil e alguns outros periféricos passaram a disputar espaços na agenda das questões mais relevantes das relações internacionais, ou seja, regras da guerra e possibilidade de paz, entre elas o status dos países neutros, como a Bélgica. A conferência representou a inauguração da diplomacia multilateral do Brasil, a partir da elaboração doutrinal que fez ali Rui Barbosa, cujas teses, sobre a igualdade soberana das nações, constitui uma das bases conceituais da diplomacia brasileira contemporânea, como brilhantemente exposto pelo diplomata Carlos Henrique Cardim neste livro: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo (2007). A diplomacia multilateral brasileira já foi objeto de vários livros, entre eles dois do embaixador Gelson Fonseca: O interesse e a regra: ensaios sobre o multilateralismo (2008); Constantes e variações: a diplomacia multilateral do Brasil (2015). De minha parte, dediquei-me mais ao campo econômico: O Brasil e o multilateralismo econômico (1999); Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (2002; disponível no link: https://www.academia.edu/42283521/PRAlmeida_Primeiros_Anos_Sec_XXI).

O multilateralismo é, justamente, o formato preponderante da diplomacia profissional e institucional desde meados do século XX, tendo sido inaugurada, embora num contexto bastante problemático, com as negociações de paz de Paris de 1919 e a instituição da Liga das Nações, em 1920; esta se revelou incapaz, no entanto, de dirimir as pendências entre os grandes Estados, inclusive por que alguns deles, a Alemanha de Weimar – castigada no plano financeiro pelo Tratado de Versalhes – e a Rússia bolchevique foram dela excluídos nos primeiros anos, e também porque a principal potência promotora da ideia, os Estados Unidos de Woodrow Wilson dela ficaram apartados por decisão do Congresso. 

O Brasil, que tinha sido representado nas negociações de paz pelo senador Epitácio Pessoa – eleito presidente, contra Rui Barbosa, quando estava na capital francesa –, ingressou esperançosamente na Liga, aspirando ser admitido como membro do Conselho, apenas para ver o seu pleito ignorado não só pelas grandes potências, mas também por outros latino-americanos, preferindo então bater a porta e se retirar da Liga em 1926 (tendo a Alemanha tomado o lugar que pretendia para si). Um dos livros históricos sobre a participação do Brasil na Liga é o de Afonso Arinos de Melo Franco, cujo terceiro volume da biografia dedicada ao seu pai cobre a parte internacional: Um Estadista da República: Afrânio de Melo Franco e seu tempo (1955). Estudos históricos mais recentes são os de Eugenio Vargas Garcia: O Brasil e a Liga das Nações, 1919-1926 (2000) e Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 (2006); e o de Braz Baracuhy: Vencer ao perder: a natureza da diplomacia brasileira na crise da Liga das Nações (1926) (2005).

O entre guerras, não exclusivamente por obra da Liga das Nações, conheceu número razoável de instrumentos de relações internacionais, sob a forma de tratados, protocolos e convenções regulando diversos aspectos das relações entre Estados, em temas gerais ou em questões setoriais, seja em nível regional, seja no plano multilateral, ainda que não universal. Depois do próprio pacto constitutivo da Sociedade das Nações (1919), a lembrança do horror da guerra química, deslanchada pelo exército alemão nos campos do norte da França, suscitou o nascimento do Protocolo de Genebra sobre proibição do uso de gases asfixiantes (1925), que permaneceu um instrumento quase solitário nessa área, até as convenções sobre armas biológicas e bacteriológicas, nos anoso 1970, assim como a de 1993 sobre armas químicas, a primeira a ser, teoricamente pelo menos, igualitária, no que ela é bastante diferente do Tratado de Não Proliferação Nuclear (1968), iníquo e discriminatório. Em 1928, aliás, diversos países, liderados pelos Estados Unidos e pela França, concluíram um tratado de “renúncia à guerra” (Pacto Briand-Kellog), que evidentemente não recolheu adesão universal, nem foi capaz de impedir à marcha a um novo conflito global, por parte dos países agressivamente expansionistas: Alemanha nazista, Itália fascista e Japão militarista. 

O multilateralismo contemporâneo se confunde com a criação, desenvolvimento e diversificação da Organização das Nações Unidas, a partir da Carta de San Francisco (1945) e suas muitas agências especializadas. A construção da nova ordem começou, na verdade, um ano antes, pela conferência de Bretton Woods (1944), que lançou a base da ordem econômica multilateral do pós-guerra, com o FMI e o Banco Mundial, complementados, pouco adiante, pelo Gatt (1947) e, finalmente pela OMC, cinquenta anos depois. A partir de então, o método básico das relações internacionais passa a ter fundamento em grandes tratados universais, como o estatuto da Corte Internacional de Justiça (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), mesmo quando o novo multilateralismo se apresenta em sua dimensão regional – como o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947) e a Carta da OEA (1948) – ou plurilateral, como o Tratado de Washington criando a OTAN (1949). 

No terreno estrito dos princípios que devem reger as relações entre os Estados, cabe fazer referência às duas convenções de Viena, uma sobre as relações diplomáticas (1961), a outra regulando relações consulares (1963). Igualmente relevante, no plano puramente formal do relacionamento a ser observado no tocante aos instrumentos das relações internacionais, é a terceira Convenção de Viena, sobre o Direito dos Tratados (1969), objetivando codificar as normas para elaboração, ratificação, denúncia ou extinção dos tratados, entre elas a velha norma pacta sunt servanda, o que consagra certa preeminência do direito internacional sobre a legislação interna. Uma das evoluções mais positivas no campo das normas universais foram os princípios de imprescritibilidade dos crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade, tal como estabelecidos pelo Tribunal de Nuremberg (1945), que mais adiante redundariam no Tribunal Penal Internacional, ainda que várias das grandes potências não o reconheçam, por razões evidentes e que têm a ver com a projeção de seus interesses sobre conflitos regionais (na ausência de novos conflitos globais, dada a dissuasão nuclear).

Paulatinamente, o mundo se ajustou a esse formato, e conferências diplomáticas passaram a ser convocadas para discutir e aprovar grandes tratados internacionais, de caráter universal ou setorial: Antártida (1959), Convenção sobre o Direito do Mar (1982), sobre os Direitos da Criança (1989), as diversas convenções emanadas da Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), sobre diversidade biológica, mudança do clima e os desenvolvimentos subsequentes nessa área. No plano regional, o Brasil foi especialmente ativo no caso do Tratado de Tlatelolco sobre proscrição de armas nucleares na América Latina, assim como preparou o quadro formal que deveria presidir à cooperação continental com os vizinhos (tratados da Bacia do Prata, em 1974, e pacto amazônico, em 1978, que duas décadas mais tarde permitiriam criar a OTCA, com sede em Brasília). A adesão do Brasil aos tratados sobre direitos humanos foi, no entanto, mais tardia, pois que a Convenção de San José, de 1969, só passou a ser aceita pelo país em 1992. 

Ainda no quadro regional, o Brasil foi um dos principais atores na negociação e assinatura dos dois tratados de Montevidéu sobre integração: o de 1960, sobre a Associação de Livre Comércio, e o de 1980, da Aladi, ainda que pouco operantes para os fins que eram os seus, uma zona de livre comércio, depois substituída por uma simples área de preferências tarifárias. Ao passar da esfera continental para o âmbito sub-regional, os progressos foram ao início mais importantes, como o Tratado de Assunção (1991) criando o Mercosul, apontando para a constituição de um mercado comum no Cone Sul, objetivo que permaneceu estagnado numa zona de livre comércio incompleta e numa união aduaneira perfurada por inúmeras exceções nacionais à sua Tarifa Externa Comum. A temática de integração constituiu o núcleo de muitos trabalhos por mim empreendidos, refletidos em dois livros publicados no Brasil – Mercosul no contexto regional e internacional (1993); Mercosul: fundamentos e perspectivas (1998) –, um outro no exterior – Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud (1999) –, e inúmeros artigos, em diversas línguas, nos anos seguintes. 

 

3. Desafios das relações internacionais na globalização e na desglobalização

A Guerra Fria geopolítica dominou as relações internacionais durante grande parte da segunda metade do século passado, mas antes mesmo que ela fosse oficialmente declarada encerrada – a partir da implosão do socialismo no final dos anos 1980, com a declaração do presidente George Bush (pai), sobre uma “nova ordem internacional”, em 1992 –, tratados internacionais de controle de armas e o reconhecimento da China comunista como a legítima representante do povo chinês no Conselho de Segurança das Nações Unidas, nos anos 1970, tinham diminuído o potencial de conflitos diretos, tal como evidenciados em antigos teatros de confrontação: Berlim, em 1947 e 1961; Cuba, entre 1959 e 1962; diversos cenários na África e no Oriente Médio, em diversas épocas. O impasse na confrontação estratégica já tinha sido apresentado numa fórmula sintética de um livro de Raymond Aron de 1947 – paz impossível, guerra improvável –, antes mesmo que a União Soviética conquistasse a paridade nuclear, em 1949. A rápida acumulação de bombardeiros, mísseis, foguetes, porta-aviões e submarinos nucleares, levou, nos anos 1950, ao estabelecimento da equação absolutamente paranoica do acrônimo MAD, a destruição mutuamente assegurada, objeto de uma “comédia catastrófica”: Dr. Strangelove (1964). A despeito dessas fricções, mais potenciais do que reais, a globalização continuou se insinuando nas placas tectônicas da geopolítica mundial, uma vez que os países socialistas passaram a manter relações comerciais com as economias do ocidente – mesmo à margem do Gatt – e até a receber empréstimos de membros do Clube de Paris, a entidade mais conspícua, junto com o Cocom – o comitê de coordenação de (não) exportação de materiais sensíveis para os países dos blocos comunistas. 

A marcha da globalização conheceu diversas ondas, desde a unificação da geografia mundial, no século XVI. A primeira onda da globalização, a dos descobrimentos, tinha sido asfixiada pela construção de impérios europeus fundados no exclusivo colonial, ou seja, o mercantilismo protecionista. A segunda onda só disparou, realmente, na segunda metade do século XIX, quando novos fluxos de comércio, progressos nos transportes e comunicações começaram a tecer grandes vínculos entre as diversas regiões do mundo, num contexto em que novos impérios coloniais foram constituídos pelos europeus, sobretudo na África e na Ásia, grandes investimentos se fizeram nas regiões periféricas para carrear commodities de países produtores para as grandes economias da segunda revolução industrial, e milhões de euroasiáticos se deslocaram para os espaços abertos à imigração no Novo Mundo e em alguns outros pontos do planeta (Austrália, África e Ásia). 

Essa segunda onda se encerrou brutalmente, com os canhões de agosto de 1914, e não mais se apresentou antes de três gerações: o surgimento do comunismo – primeiro na Rússia, depois em largos espaços da Europa central e oriental, e na Ásia Pacifico –, ademais das crises econômicas do entre guerras diminuiu a interdependência global que estava se desenhando na belle époque. O grande crescimento das economias capitalistas do pós-guerra se deu num contexto em que o socialismo englobava praticamente 1/3 das terras emersas e quase 2/3 da população do planeta, compreendendo aqui não só a União Soviética e os seus sócios do Comecon, mas também a China maoísta e a Índia que se fechou num estatismo quase socialista até o final dos anos 1980. Diversos outros países da periferia, como os da América Latina, se fechavam numa industrialização substitutiva das importações, o que de fato os deixava à margem da interdependência global.

A terceira onda da globalização começou timidamente com a reincorporação da China à divisão internacional do trabalho, a partir dessa época, e se ampliou com a explosão dos processos de transição do socialismo ao capitalismo nos anos 1990. Depois dos “dez dias que abalaram o mundo”, na alvorada do socialismo de tipo soviético em 1917, os “dez anos que transformaram o mundo”, a partir da glasnost e da perestroika na moribunda URSS, foram o mais forte sinal de que a interdependência dos mercados globais foi o mais forte indutor para a crise final do socialismo estatal, mas sua implosão se deveu inteiramente às contradições internas do próprio sistema, como argumentei num ensaio elaborado pouco depois e objeto de nova edição posteriormente: “As duas últimas décadas do século XX: fim do socialismo e retomada da globalização” (disponível na plataforma Academia.edu; link: https://www.academia.edu/42863126/As_duas_ultimas_decadas_do_seculo_XX_fim_do_socialismo_e_retomada_da_globalizacao_2006_).

A partir deste milênio, a China começou a retomada da antiga posição preeminente que ela já tinha tido na economia mundial antes do início da era contemporânea, quando ela falhou sua entrada na primeira revolução industrial e depois enfrentou um longo declínio econômico e político, que foi ainda aprofundado pelo maoísmo delirante dos anos 1950-70. Ao ingressar na OMC em 2001, a tempo de participar da Rodada Doha, ela deslanchou rapidamente no comércio internacional, e se tornou o primeiro parceiro comercial de muitos países ao redor do mundo, desenvolvidos e em desenvolvimento, inclusive do Brasil, a partir de 2009. A partir desse momento, parecia que a terceira onda de globalização moldaria de forma consistente a estrutura e o conteúdo das relações internacionais contemporâneas, tanto que o historiador Niall Ferguson, depois de publicar dois livros sobre a sucessão dos impérios anglo-saxões – Empire(2003) e Colossus (2004) –, cunhou o termo de Chimerica para designar a incontornável complementaridade entre as duas maiores economias planetárias. 

A mesma “grande ilusão”, que já tinha estado presente no famoso, e otimista, ensaio do jornalista Norman Angel em 1910 – afirmando a impossibilidade de uma guerra total entre as grandes potências pela imbricação de seus interesses econômicos e financeiros –, parece ter frequentado os seminários dos acadêmicos do mundo inteiro na primeira década do novo século. Mas, a grande ilusão ficou provavelmente ausente das planilhas dos estrategistas militares, que continuaram alimentando os orçamentos paranoicos de equipamentos bélicos, em toda a série de armamentos existentes e imaginados. Uma espécie de keynesianismo militar – que já tinha sido registrado nos anos Reagan, com seu programa “Guerra nas Estrelas” – voltou a se manifestar na segunda década do século, à medida em que a China incrementava a panóplia de material militar em fase de instalação nos ares, nos mares e nos silos balísticos; ainda assim, o orçamento do Pentágono continuou maior do que os gastos combinados dos dez países seguintes na competição estratégica. 

Poderia ser apenas uma repetição das corridas armamentistas ocorridas em outras eras, como no início do século XX, a partir da acumulação de toneladas de encouraçados e, novamente na Guerra Fria, com a multiplicação de vetores nucleares dos mais diversos tipos, se não fosse pela aparição de um outro elemento, até então mantido numa condição marginal na maior parte das democracias de mercado: a ascensão da chamada “nova direita”, na esteira das fricções trazidas pelo grande deslocamento de investimentos produtivos que estão justamente na base da interdependência global da terceira onda da globalização. A pressão sobre os mercados laborais das grandes economias da segunda revolução industrial, criando desemprego setorial e redução dos rendimentos do trabalho assalariado tradicional, acrescentou um outro elemento na construção daquele processo “regressista” que começou a ser chamado de “desglobalização”. Os novos “órfãos da globalização”, que passaram a apoiar a volta do nacionalismo e a oposição à globalização, surgiram justamente nos rust belts desses países outrora plenamente industrializados, agora voltados para uma economia de serviços bem mais exigente em termos de capacitações e menos generosa na interface dos salários ou rendimentos. Um novo mundo foi criado, a partir da asfixia da terceira onda a globalização, menos de trinta anos depois de seu impulso ao final do socialismo.

 

4. Mudanças na geopolítica e na geoeconomia mundiais decorrentes da pandemia

Não bastassem a reversão da terceira onda de globalização – quer ela seja chamada de “desglobalização” ou de qualquer outro termo –, em curso desde meados da segunda década do novo milênio, assim como a ascensão do novo nacionalismo de direita (ele é geralmente de direita, mas nem sempre), concomitante ao mesmo processo, a pandemia do Covid-19, a partir do início de 2020, acrescentou um fator adicional de stress e de desorganização na estrutura anterior das relações internacionais, tal como pacientemente construída ao longo de sete décadas desde Bretton Woods. A rápida disseminação do novo coronavirus, assim como sua extraordinária expansão geográfica, a partir do foco original no interior da China, com reações tímidas, ou postergadas, em diversos outros países, exerceram extraordinária pressão sobre praticamente todas as grandes locomotivas da economia mundial, uma vez que as mais frequentes medidas de controle recomendadas pela Organização de Saúde (OMS), ou seja, o isolamento horizontal, levaram a uma virtual paralisia das unidades de produção e, portanto, alteraram radicalmente o funcionamento das cadeias de valor.

A ordem econômica liberal inaugurada em Bretton Woods tinha resistido de forma bastante satisfatória aos desafios do “modo alternativo” de organização social da produção, o socialismo, no decorrer da marcha ascensional deste último, nas duas primeiras décadas da segunda metade do século passado, assim como sido capaz de acomodar os trânsfugas do socialismo e do dirigismo – China e ex-URSS, em primeiro lugar, mas também alguns emergentes de peso – durante o período de transição coincidente com a terceira onda de globalização. Não é seguro, contudo, que os vetores organizacionais, a estrutura decisória da antiga ordem, sua pirâmide política (e militar), bem como seu substrato econômico sejam mantidos em condições ideais de funcionamento a partir da “Grande Desordem” iniciada em 2020, a partir do Covid-19. Alguns economistas, depois das hipóteses iniciais, relativamente otimistas, sobre um “novo choque de 1929”, passaram a falar da “Grande Depressão 2.0”, embora o processo atual pode até assumir uma magnitude ainda maior. No momento em que são redigidas estas linhas, ainda não se tem uma ideia precisa sobre o ritmo, a extensão e a profundidade dos choques recessivos que atingirão, certamente de forma diferenciada, as principais economias do G20 (ou seja, os países que representam 90% do PIB global). 

A China, por exemplo, parece se recuperar relativamente bem da tendência recessiva iniciada com o fechamento temporário de uma de suas principais províncias industriais, que exibe intensas conexões com cadeias de valor no resto do mundo. Sua gigantesca locomotiva produtiva depende, por sua vez, de unidades fornecedoras instaladas na grande bacia do Pacífico, assim como depende dos mercados consumidores um pouco em todo o resto do mundo. Ao cabo de um rápido “aprendizado” de capitalismo e de interdependência global a partir da era Deng Xiaoping, nas duas décadas seguintes, ao longo das quais forneceu todos os produtos que exibiam marcas dos grandes fabricantes ocidentais, a China adquiriu suas próprias alavancas de inovação, de marketing e comercialização de marcas nacionais nos mais diversos mercados abertos ao engenho e arte de seus capitalistas privados e de algumas companhias que possam ter fortes vínculos estatais. Seu ritmo de crescimento, ainda que temporariamente arrefecido pela epidemia global, deve se manter num patamar satisfatório nos anos à frente, o que antecipa a ultrapassagem do PIB total dos EUA, embora não o PIB per capita (algo que não se materializará no corrente século). 

Em qualquer hipótese, o desenvolvimento, a evolução, e as tendências prospectivas dos diversos componentes da ordem econômica relativamente aberta que tinham integrado a estrutura da terceira onda da globalização estão ainda em situação indefinida, quanto às tendências prováveis, ou possível, em curto, médio ou longo prazos, uma vez que não se sabe quais políticas nacionais os principais países do G20 adotarão a partir daqui. Uma das principais reações registradas desde o início da pandemia “econômica” foi a adoção de políticas nacionais contraditórias entre si, numa total descoordenação que deveria estar sendo exercida por uma espécie de “troika” da governança econômica mundial, neste caso com um “diretório” exercido por OMS, OMC e FMI, em estreito contato com as principais lideranças do G20. Nada disso ocorreu, inclusive porque diversos países – a começar pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e o próprio Brasil – fizeram questão de seguir orientações políticas não necessariamente compatíveis entre si ou sequer condizentes com as recomendações técnicas da OMS. A União Europeia, teoricamente o primeiro bloco supranacional do planeta, deu uma lamentável demonstração de descoordenação política e, sobretudo, de falta de unidade e até de solidariedade entre os países membros. 

Em síntese, é a própria estrutura das relações internacionais contemporâneas, ao lado dos papéis respectivos dos grandes organismos intergovernamentais da interdependência global, em especial na área econômica, que podem estar sendo transformados, não apenas em função da pandemia, em si, mas das políticas nacionais das principais economias planetárias. Não se pode imaginar que a globalização, ou a interdependência global, venham a retroceder dramaticamente, nos meses e anos seguintes, mas é muito provável que ocorram mudanças nas configurações assumidas pelas cadeias de valor – a base da globalização econômica – e na forma de trabalho e respectivos mandatos assumidos pelas agências mais importantes do multilateralismo contemporâneo – a base da globalização política. 

A globalização que se estabelece em nível micro – aquela que toma impulso no trabalho de simples indivíduos e na inovação das empresas – deve continuar sem grandes retrocessos, ainda que tendo que romper novas barreiras e restrições que já estão sendo impostas por governos que pretendem renacionalizar setores e ramos considerados sensíveis e estratégicos do ponto de vista da segurança alimentar e da saúde humana. Mas a globalização macro – aquela que se submete a normas de governos e de entidades multilaterais – pode ser contida no futuro imediato. Algumas dessas tendências restritivas já estavam em curso antes da pandemia, como o abandono pelo governo Trump de acordos de liberalização comercial – TPP, Nafta, acordos bilaterais –, a retirada de agências da ONU – como a Unesco – e até a sabotagem direta das organizações multilaterais – o sistema de solução de controvérsias da OMC, o apoio entusiasta ao Brexit, o desprezo por reuniões de coordenação de foros como o G20, ou de organizações tipicamente “americanas”, como a OTAN –, embora outras mais recentes possam afetar ainda mais a crise do multilateralismo, como a suspensão das dotações para a OMS, por exemplo.

Em que medida e com qual força ações desse tipo são suscetíveis de ampliar ainda mais um alegado “declínio” dos Estados Unidos, e abrir ainda mais espaço para uma irresistível ascensão da China no cenário geopolítico mundial permanecem uma questão sem resposta definida no momento atual, uma vez que um novo governo americano, a partir de 2021, pode contribuir a religar novamente os motores do multilateralismo atualmente erodido por toda uma série de fatores políticos e econômicos, quando não pela devastação pandêmica. Não se imagina, em todo caso, uma hegemonia chinesa suplantando a atual “hegemonia” dos EUA, e das principais potências ocidentais, uma vez que tal preeminência não se estabelece unicamente com base no poderio econômico. Ela também se apoia, se for consentida e não imposta, em outros vetores da globalização, aqueles da influência cultural, os das normas e dos padrões de conduta aplicáveis a grandes problemas de natureza global, que foram até aqui baseados em certo consenso democrático nos processos decisórios – como adotados em grandes conferências diplomáticas – e plenamente respeitador das liberdades individuais e dos direitos humanos, valores que não estão próximos de serem aposentados pela grande maioria das sociedades. 

 

5. O desaparecimento do Brasil dos radares da globalização e da racionalidade

Em face de todas essas grandes transformações – induzidas ou involuntárias – em curso no cenário internacional, é profundamente perturbador que a política externa nacional – que na verdade não existe sob a forma de prioridades claras – e a diplomacia brasileira – que existe, teoricamente, mas que parece contida, se não castrada, na atualidade – não sejam minimamente operantes e participantes nos debates atuais, por completa falta de diretrizes compatíveis com a importância do maior país da América do Sul, por um dos mais relevantes do hemisfério, e que tinha adquirido, ao se libertar dos constrangimentos do regime militar, uma estatura respeitável no contexto das relações regionais, hemisféricas e globais das últimas três décadas. A total inépcia do chefe de governo em temas da política externa, a submissão completa do chanceler acidental a um pequeno grupo de “influenciadores” – a expressão correta seria manipuladores –, igualmente ineptos na maior parte dos temas da agenda internacional e das relações exteriores e a ausência inaceitável de qualquer estratégia para as ações no plano externo terminaram por isolar, alienar e praticamente aniquilar qualquer participação significativa do Brasil nos debates multilaterais, regionais e bilaterais.

Trata-se de um momento triste para a diplomacia brasileira, para o seu corpo profissional, assim como para os próprios empresários e agentes nacionais das diversas interfaces abertas à participação do Brasil no cenário global. A tragédia já começa pela inacreditável rejeição de um fantasmagórico “globalismo”, assim como pela escolha de “inimigos” a combater no plano externo – o “marxismo cultural”, o Foro de S. Paulo, um desconhecido “comunavirus”, a esquerda em geral –, o que torna essa diplomacia não apenas inoperante como sobretudo ridícula, para os próprios opositores de um governo bizarro, declaradamente de direita, e buscando relações apenas com um punhado restrito de acólitos e de defensores das mesmas ideias nacionalistas, antimultilateralistas, antiglobalistas, quando não xenófobas – ou seja, até atuando contra os emigrantes brasileiros no exterior – ou ainda abertamente racistas. 

Posso testemunhar que em meus 42 anos de atividades diplomáticas, mas igualmente nos 160 anos anteriores, jamais deparei, e nunca tive notícias, de um governo e de uma diplomacia tão medíocres e tão desajustados aos interesses nacionais, aos padrões conhecidos no Itamaraty desde o Império, marcados pelo pragmatismo, pela defesa do Direito Internacional – conceito que desapareceu das notas da chancelaria – e pelo realismo no relacionamento com vizinhos e grandes potências. Aliás, desapareceu o universalismo de nossas preferências externas, substituído por uma adesão vergonhosa, não aos Estados Unidos, mas ao seu governo atual, especificamente ao seu dirigente. O Brasil simplesmente desapareceu nos radares da diplomacia multilateral e não parece perto de recuperar o espaço que foi o seu nas últimas quatro ou cinco décadas; ele também se isolou na região, visto que não dialoga com o seu mais importante vizinho, sócio no Mercosul. Sua imagem no mundo foi reduzida a uma dimensão praticamente microscópica, o que está amplamente refletido em todos os grandes veículos da mídia internacional.

Mais importante, porém, do que tais registros de nossa atual perda de prestígio no plano externo, é a total ausência de racionalidade ou de coerência no plano interno da formulação e execução da política externa, na anulação prática de sua diplomacia para fazer o Brasil ser respeitado nos cenários abertos a sua presença em foros externos. Existe hoje um virtual consenso, entre observadores internos e analistas externos, de que os espaços de diálogo com o Brasil foram enormemente reduzidos pelas agressões dirigidas pelo chefe de governo a dirigentes estrangeiros, ou por problemas causados por membros de sua família em direção dos nossos principais parceiros externos, em meio ambiente, ou comércio exterior, com destaque para as grandes democracias europeias ou a própria China.

Um esforço de recuperação deve começar desde já, pela atuação aberta ou discreta de seus diplomatas, bem como de responsáveis políticos preocupados com tal rebaixamento inaceitável para um país que sempre teve, nas palavras do embaixador Rubens Ricupero, um papel de relevo, indissociável do processo de construção da nação, como transparece no próprio título de sua obra que já nasceu clássica: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (2017). Estou seguro de que, entre diplomatas profissionais e homens públicos de estatura nacional, conseguiremos retomar as grandes tradições da diplomacia profissional, embora seja difícil de que alguma reversão no desastre atual ocorra nos quadros do atual governo. A primeira palavra de união para os diplomatas profissionais, no momento presente, é resiliência, em seguida, foco no planejamento da reconstrução futura.

Como se diz na linguagem popular, não há bem que sempre dure, não há mal que nunca acabe. Meu trabalho atual, ainda que num plano basicamente intelectual, está focado inteiramente no futuro da diplomacia brasileira. 

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 29 de abril de 2020

Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42893937/A_arte_da_diplomacia_e_da_negociacao_como_fundamentos_das_relacoes_internacionais_2020_); anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/a-arte-da-diplomacia-e-da-negociacao.html).

 

Ukraine's defeat by Russia would cost the West trillions of dollars in a new Cold War - James Heappey (The House Magazine)

Uma guerra direta da Otan contra a Rússia custaria muito mais. É isso o que ele pretende?

Former British Secretary of State for the Armed Forces James Heappey has warned that Ukraine's defeat by Russia would cost the West trillions of dollars in a new Cold War.

In his article for The House Magazine, Hippy noted that more aid packages like the one announced last week are needed for Ukraine to win the battle for "security across the Euro-Atlantic region."

Ukraine defeat would cost the West trillions of dollars, warns James Heappey

Former Armed Forces minister believes stalemate or Russian victory will create ‘new cold war that will last for decades’

The Telegraph

Ukraine's defeat will cost the West $3 trillion, UK warns

Krianian Pravda, MONDAY, 29 APRIL 2024

  

Former UK Defence Minister James Heappey warned that Ukraine's defeat by Russia would cost the West $3 trillion in a new Cold War.

As reported by The Telegraph, in his article for The House Magazine, Heappey noted that Ukraine needs more aid packages, similar to those announced last week, to win the battle for "security across the whole European-Atlantic region."

"A stalemate or, heaven forbid, a Ukrainian defeat promises a new cold war that will last for decades and cost trillions of dollars more," he emphasised.

The former Defence Minister pointed out that recent aid packages from the US and the UK will not immediately tip the scales in favour of allowing Ukraine to launch an offensive that will bring "a quick and complete victory."

"My expectation is that with this huge inflow of Western support, we’ll see the frontlines stabilise and, while the fighting will be fierce, I don’t expect to see significant amounts of territory traded this year," Heappey believes.

He said that Ukrainian brigades need to be trained so that their actions are coordinated with artillery, air support, and "everything else that can be thrown at the Russians."

At the same time, he expressed doubt that Ukrainian forces would be ready to defeat the Russians by 2025 or even by 2026.

Earlier, Rishi Sunak, Prime Minister of the UK, informed Ukrainian President Zelenskyy that the new UK aid package for Ukraine will include millions of ammunition shells, hundreds of vehicles and long-range Storm Shadow missiles.

Following the 21st meeting of the Ukraine Defence Contact Group, Defense Secretary Lloyd Austin confirmed that the US would allocate US$6 billion for military aid for Ukraine within the Ukraine Security Assistance Initiative (USAI) mechanism.

Under the USAI programme, the US government will sign contracts with American defence companies for the production of new armament for Ukraine instead of supplying it with weapons from its storages.

This was made possible after the US President Joe Biden signed legislation enacted by Congress that will provide about US$61 billion in additional military and economic aid to Ukraine, as well as help to other US allies, on 24 April.

 

Tel-Aviv terá de decidir entre ser um pária internacional ou um parceiro no Oriente Médio - Thomas L. Friedman (The New York Times, Estadão)

 Tel-Aviv terá de decidir entre ser um pária  internacional ou um parceiro no Oriente Médio

Thomas L. Friedman

The New York Times É colunista e ganhador de três prêmios Pulitzer. Escreveu 'De Beirute a Jerusalém'
O Estado de S. Paulo, 29/04/2024

A diplomacia dos EUA para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo para uma grande escolha diante do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que Israel deseja mais, Rafah ou Riad? Israel prefere organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas, sem oferecer estratégia para a saída de Gaza ou horizonte político para uma solução de dois Estados? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas a piora do isolamento de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.

Ou prefere a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um Estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o Estado judaico já integrou, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma "guerra perpétua".

Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas forças armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.

TRAUMA. Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.

Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense ter permitido que Netanyahu siga buscando uma "vitória total" ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.

INTERESSE ÁRABE. No início do conflito, líderes israelenses diziam que líderes árabes moderados desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas.

Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos Estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.

A partir das conversas que tive em Riad e em Washington, descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que eram favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al-Qaeda e o EI, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário. A ideia de acabar com o Hamas "de uma vez por todas" é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas.

Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessarfogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.

Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a "vitória total" que Netanyahu está prometendo.

ABRIR MÃO. Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza.

A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.

O governo Biden vem dizendo publicamente que Netanyahu não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para retirar os civis. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.

Um funcionário do governo americano me explicou: "Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah".

Os funcionários acreditam que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência e uma crise humanitária permanentes.

Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos.

E é por isso que os americanos me dizem que, se Israel for adiante em Rafah, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.

Isso porque o governo Biden acredita que uma invasão total prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.

PROJETOS. O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia. Vários países árabes têm debatido o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.

O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Entre eles: 1) um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita.

Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.

CONTRAPARTIDA. Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês no país e quaisquer laços militares com Pequim, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois Estados com uma Autoridade Palestina reformada.

E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos.

Esta coalizão não poderá ser invocada sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um Estado palestino. Os Estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.

A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.

Os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.

Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha. 

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL