Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor
Sumário:
1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo
2. A restauração constitucional e os erros econômicos
3. Os anos turbulentos das revisões radicais do momento neoliberal
4. Estabilização macroeconômica e nova presença internacional
5. A primeira era do Nunca Antes: a diplomacia personalista de Lula
Bibliografia e referências
1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo
O ano de 1985 é o ponto de partida de um período marcado pela reconstrução constitucional do país, depois de mais de duas décadas de regime autoritário militar. Ele foi seguido pelos anos turbulentos de reformas econômicas e sociais, com a chamada ruptura do “neoliberalismo” – um termo profundamente equivocado, mas que pode contentar os mais estatizantes, ao risco de descontentar os verdadeiramente liberais. O período de constitucionalização foi marcado por algumas importantes mudanças conceituais e práticas nas relações internacionais do Brasil.
Essa fase da era contemporâneo na história do Brasil foi especialmente conturbada em todas as frentes das políticas públicas, mas ela desembocou no processo de estabilização macroeconômica comandada por FHC – primeiro como ministro econômico, depois em dois mandatos como presidente –, ela mesma profundamente perturbada pelas crises financeiras dos anos 1994 a 2002, com todos os ajustes adicionais que o país teve de fazer para superar essas conjunturas difíceis nos contextos econômicos nacional e internacional. A partir de 2003, o país entrou numa fase bem diferente das precedentes, e que se prolongou com a sucessão de seu promotor e patrono, com políticas na área externa bastante distintas daquelas seguidas nos períodos anteriores da era lulopetista, mas que serão examinadas na segunda fase da Nova República, a do declínio e crise dos governos do PT.
Pode-se distinguir, metodologicamente, várias fases da vida política e econômica nacional, desde o final do regime militar, às quais não caberia, por enquanto, atribuir qualquer novo rótulo simplista, o que aliás denotaria uma falsa identidade entre, de um lado, os processos em curso nos terrenos da política e da economia, na frente doméstica e no plano internacional, e, de outro lado, nas relações internacionais do país, uma área que por vezes apresenta um comportamento de certa forma autônomo em relação aos desdobramentos que ocorrem no cenário interno no período contemporâneo imediato.
Essa relativa autonomia das relações exteriores do país, em relação às duras realidades da conjuntura interna, pode ser vista como algo relativamente natural, considerando-se as distintas modalidades de tomada de decisões em cada frente, ou os procedimentos adotados na condução das relações exteriores, mais autocentrados, em face, por exemplo, das intensas pressões que se exercem em qualquer área das políticas públicas na frente interna. Ela também depende da personalidade e do engajamento do presidente, que dispõe de ampla margem de manobra nessa área, mas que também pode escolher para liderá-la um aliado político ou um profissional da própria diplomacia, casos nos quais se apresentam agendas e resultados eventualmente diferentes, em função das próprias personalidades e suas perspectivas políticas. Não se pode tampouco negligenciar os influxos ou demandas externas, já que a agenda internacional se faz, ou se constrói, a partir de outras forças e outras dinâmicas, às quais o país nem sempre consegue influenciar ou se adaptar de modo adequado, sem falar de crises externas, ou de desequilíbrios internos que se transformam em crises de transações correntes ou em outros desafios do gênero.
Em qualquer hipótese, uma característica distingue profundamente as três primeiras fases deste exercício de periodização – Sarney, Collor e FHC – de uma das fases mais emblemáticas, a que se desenvolveu entre 2003 e 2010, enfeixada sob um rótulo puramente figurativo, o de “lulopetismo”. Nos três primeiros períodos – chamemo-los, simplificadamente de “redemocratização”, de “ruptura neoliberal” e de “reformas globalizadoras” – as relações exteriores do Brasil, no plano estritamente diplomático, estiveram enfeixadas, talvez dominadas, pelo staff diplomático, ou seja, o próprio corpo de profissionais do Itamaraty, que forneceu alguns ministros, conselheiros presidenciais e, mais importante, determinou grande parte da agenda externa, senão toda ela; ocorreu, também, o fato relativamente inédito, desde a ditadura do Estado Novo, de uma grande estabilidade na condução da política econômica sob o governo Fernando Henrique Cardoso, com um único ministro da Fazenda a permanecer durante dois mandatos presidenciais no comando da pasta. O período do “lulopetismo”, por sua vez, foi caracterizado por muitos observadores como sendo o de uma diplomacia partidária, o que parece evidente em muitas opções de política externa, com claro distanciamento em relação às linhas tradicionais de ação do Itamaraty, e também pelo fato de que o conselheiro presidencial era um funcionário do partido, bem menos identificado com as posturas relativamente neutras do corpo diplomático em diversas matérias da política internacional e regional (Almeida, 2014).
Cabe agora examinar, na sequência, os padrões e as características das relações internacionais do Brasil no período em questão, ou seja, na fase da redemocratização estrito senso, na fase da ruptura “neoliberal” e dos ajustes reformistas, ambos dos anos 1990, e, finalmente, na fase da diplomacia partidária iniciada com o “lulopetismo”, em seus dois primeiros mandatos. Serão igualmente sugeridos alguns elementos interpretativos sobre as grandes tendências da diplomacia brasileira em cada uma dessas fases, com considerações finais sobre as características do desenvolvimento brasileiro e seus desafios mais importantes. Uma recomendação factual e interpretativa essencial para acompanhar, em detalhe, as diferentes configurações da política externa e da diplomacia brasileira no período de cinco presidentes, em sete mandatos sucessivos no período de 1985 a 2010, é a obra em dois volumes de Fernando Paulo de Melo Barreto Filho: A Política Externa Após a Redemocratização; tomo 1: 1985-2002; tomo 2: 2003-2010 (2012), que se encontra inteiramente disponível na Biblioteca Digital da Funag.
(...)
Ler a íntegra nestes links:
Disponibilizado em Research Gate (3/11/2023); link: https://www.researchgate.net/publication/375236186_Politica_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratizacao_1985-2010
na plataforma Academia.edu (22/04/2024); link: https://www.academia.edu/117850764/4503_Política_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratização_1985_2010_2023_
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