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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Será possível reparar séculos de escravidão no passado? Cabe às gerações atuais fazê-lo? - Imprensa e Paulo Roberto de Almeida

Será possível reparar séculos de escravidão no passado? Cabe às gerações atuais fazê-lo?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre os pedidos extemporâneos de reparação pela escravidão.

 

Primeiro as notícias:

“Portugal needs to ‘pay the costs’ of slavery and colonialism, says president:

https://www.theguardian.com/world/2024/apr/24/portugal-pay-costs-slavery-colonialism-president

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2024/04/24/portugal-tem-que-pagar-custos-de-escravidao-e-crimes-coloniais-diz-presidente.htm

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/04/24/brasil-trabalhara-com-portugal-para-adotar-medidas-concretas-de-reparacao.htm

 

Agora meus comentários (PRA):

Nove décimos da história da humanidade foram feitos, da Antiguidade mais remota até a era Moderna, de guerras tribais, de invasões, guerras, mortes, roubos, expropriação, espoliação, destruição material, sequestros de mulheres e crianças, eliminação dos machos adultos, escravidão, sobretudo escravidão dos vencidos e dos submetidos violentamente, mas também escravidão dos devedores, dos condenados por crimes, dos invasores vencidos, dos capturados em guerras, de diferentes e até de semelhantes “inferiores” (como mulheres e jovens de tribos vizinhas).

Esses horrores subsistiram durante séculos, até os Descobrimentos, e mesmo depois, contra tribos indígenas submetidas ou eliminadas pelos invasores europeus. Essa foi a triste história da desumanidade humana, em vários países, épocas e lugares.

A humanidade começou a mudar no Iluminismo, quando se passa a reconhecer direitos humanos ou sociais, aliás desde a Magna Carta (1215), depois consolidados em novos documentos (Bill of Rights), sobretudo  na Declaração da Independência americana (1786) e na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (26/08/1789).

Independente desses progressos, porém, cabe reconhecer que TODOS os impérios (assírios, babilônicos, persas, egípcios, etc.) praticaram a escravidão legalmente e persistentemente. O império romano praticou durante séculos a escravidão eslava e africana, o que também era comum nos próprios povos africanos durante séculos e séculos, da Antiguidade até tempos recentes, para uso próprio ou para as “exportações”, junto com quaisquer outras mercadorias. Na Arábia Saudita, por exemplo, se praticou a escravidão legalmente até o início dos anos 1960, na Mauritânia até meados dos anos 1970 (na prática até hoje).

O tráfico atlântico europeu - ao lado do muçulmano no Indico - subsistiu durante séculos desde o fim da Idade Média, até a era contemporânea, atravessando toda a era Moderna. Foi enorme: milhões de africanos capturados pelos próprios africanos e vendidos aos mercadores europeus e muçulmanos, embarcados nas costas do Atlântico e do Índico, para as colônias do Novo Mundo e para os reinos do Oriente Médio (durante muito mais tempo).

Fortunas se fizeram, desgraças ocorreram. 

Essa foi a história da humanidade durante gerações passadas. Ainda hoje desgraças acontecem, com escravidão e formas análogas sendo praticadas correntemente. O Iluminismo ainda não atingiu plagas recuadas, mesmo no Brasil atual.

 

Pergunto então: as gerações atuais de brasileiros, latinos, americanos, europeus e asiáticos emigrados (geralmente camponeses pobres transplantados, convidados, comprados, levados) para o Novo Mundo, devem, precisam ou terão de pagar pelo tráfico e escravidão feitos por gerações anteriores de praticantes de um comércio tido por legal, até humano e “cristão” (segundo certas doutrinas religiosas), mantido por comerciantes habilitados nessas práticas admitidas nesses tempos e lugares?

Pergunto mais: qual a responsabilidade de imigrantes pobres europeus (como meus avós e bisavós), que vieram justamente substituir, nas fazendas de café, os escravos emancipados pela Abolição?

Por que seus netos e bisnetos deveriam hoje pagar por algo que eles jamais praticaram, sobre o qual jamais tiveram qualquer responsabilidade?

E porque a reparação teria de ser cumprida apenas por europeus, latinos e americanos contemporâneos, e não pelos sobas africanos e pelos mercadores muçulmanos que também enriqueceram no tráfico e na escravidão de seus ancestrais?

A vontade punitiva está seriamente enviesada e corre o risco de incorrer em novas ilegalidades e injustiças.

Não se pode corrigir um passado de séculos.

Mas se pode corrigir o presente e o futuro de gerações vitimadas, pela educação, pela ajuda, pela solidariedade cristã que não se exerceu no tempo certo.

Esta é a minha visão do processo histórico e sobre o atual debate em torno de uma suposta “dívida moral” e de sua reparação.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4643, 25 abril 2024, 2 p.


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