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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 29 de setembro de 2019

Lacerda, do comunismo ao anticomunismo e fraco inspirador da atual direita - livro de Lucas Berlanza

Certas coisas não merecem ser retiradas do túmulo, pois não há correspondência entre os tempos do lacerdismo, contaminados pelo varguismo-desenvolvimentismo, e os tempos atuais, deformados pelo lulopetismo e capturados pelo olavo-bolsonarismo, uma contrafação do pensamento conservador.
Na verdade, os representantes atuais dessas correntes não possuem condições de propor qualquer programa racional de governo, pois uma está dominada por um mafioso encarcerado, a outra por um capitão desmiolado.
Lacerda seria alguém muito sofisticado para inspirar os ignaros rústicos da atualidade.
Louvo o cuidado de Lucas Berlanza em resgatar a grande contribuição de Carlos Lacerda para a política prática no Brasil – embora com restrições para com sua atitude realmente golpista em diversas oportunidades do esterilizante debate udenismo-pessedismo na República de 1946 –, mas não acredito que sua figura ou seus trabalhos possa fornecer a base para uma revitalização da UDN no momento presente. 
Como dizia Roberto Campos, a UDN era um partido burro formado por homens inteligentes, e ele estendia essa "reflexão" ao Itamaraty igualmente. Em outros termos, mentes brilhantes podem ter frequentado tanto o partido quanto a Casa de Rio Branco, mas a ação coletiva deixava muito a desejar. 
Paulo Roberto de Almeida

Livro busca reabilitar Lacerda, o Corvo, como padrinho da nova direita



A história não foi simpática com Carlos Lacerda (1914-1977).
Um dos grandes oradores do sua época, ficou marcado como o algoz de Getúlio Vargas. Houve um tempo em que lacerdismo, ou udenismo (de UDN, seu partido) eram quase palavrões.
Foi chamado de “Corvo”, apelido que pegou e o perseguiu até a morte. Político sagaz até a meia-idade, terminou a vida marcado como ingênuo, por ter acreditado que o golpe de 1964 seria apenas uma ponte para sua chegada ao Palácio do Planalto.
Num lance de desespero, teve de se humilhar ao formar uma quixotesca frente opositora com antigos adversários, como João Goulart e Juscelino Kubitschek. Fracassou.
Mas é possível ver Lacerda de outro ângulo. Por vias tortas, sua trajetória antecipou grande parte dos movimentos de direita que vemos neste início de século 21.
A retórica afiada antecipou a dos polemistas das redes sociais. A defesa de limites ao tamanho do Estado influencia a nova geração de liberais.
Mesmo sua conversão, de comunista militante para anticomunista ferrenho, é a mesma de diversos pensadores da direita atual.
Há um certo movimento de resgate da figura do jornalista e político, que atingiu o ápice quando governou o antigo estado da Guanabara (1960-65).
Em agosto, um encontro em Campinas (SP) aprovou a recriação da UDN (União Democrática Nacional), com loas a Lacerda. O partido, extinto em 1965 pela ditadura, ainda espera homologação do TSE para ser refundado.
Também está sendo lançado um novo livro sobre o tema. “Lacerda, a Virtude da Polêmica” (editora LVM), do jornalista Lucas Berlanza, é menos uma biografia clássica e mais um longo ensaio analítico sobre discursos e textos do personagem.
Berlanza não esconde admiração por Lacerda e busca, num livro denso e de rica pesquisa, contribuir para o resgate de sua imagem. Logo no início qualifica seu biografado como um “personagem incompreendido e injustiçado por contrariar os interesses de demagogos”.
“É um ícone do conservadorismo e do liberalismo no Brasil”, afirma o autor, que lamenta o fato de que “muitos porta-vozes da direita moderna parecem ter extremo pudor em assumir qualquer inspiração nele”.
Muito antes de Jair Bolsonaro fazer campanha prometendo unir o conservadorismo de costumes e o liberalismo econômico, Lacerda já percebia que esse era o caminho para a direita chegar ao poder e evitar a ascensão comunista. Defendia “preservar a ordem como único meio de salvar a liberdade”.
Pregou durante décadas a primazia da iniciativa privada e a desburocratização, e insurgiu-se como poucos contra o desenvolvimentismo de JK e suas políticas inflacionárias.
Foi um crítico da construção de Brasília, embora tenha recolhido sua artilharia quando viu que a empolgação na sociedade com a nova capital era uma onda irrefreável.
Mas foi no antiesquerdismo e suas inúmeras variações (varguismo, janguismo, sindicalismo) que Lacerda construiu sua reputação.
Abrigado no jornal “Tribuna da Imprensa”, seu texto era “cruento e satiricamente irresistível, usando e abusando de apelidos, invectivas pungentes, acusações e analogias das mais criativas”, como define Berlanza.
Num país carente de figuras de proa do conservadorismo (em oposição à abundância de “pais dos pobres”), é inevitável que Lacerda se destaque.
Mas há um obstáculo incontornável na tentativa de reabilitar a figura de Lacerda como uma espécie de godfather da nova direita: seu desapreço pela via democrática e seus constantes flertes com o golpismo. E Lacerda foi um golpista de mão cheia.
Um parágrafo que escreveu em 1950, por ocasião da eleição que trouxe Vargas de volta ao poder, até hoje é uma espécie de padrão-ouro da defesa da ruptura da legalidade:
“O sr. Getúlio Vargas não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Nunca, nem antes nem depois, algo parecido foi dito, embora Berlanza tente suavizar um pouco a declaração argumentando que era uma espécie de apelo contra a volta ao poder de um ex-ditador.
Cinco anos depois, ele voltou à carga, tentando impedir a posse de JK na Presidência e Jango na Vice, recém-eleitos pelo voto popular. “Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, não tomarão posse”, afirmou.
É justo, porém, que uma figura da importância histórica de Lacerda não seja reduzida à de alguém que passou a vida tramando contra adversários, algo que o livro faz muito bem.
E é inevitável não sentir uma certa melancolia com o fim de um político que poderia ter contribuído com o debate ideológico brasileiro muito mais do que conseguiu.
Preso pelo AI-5, ele fez greve de fome e escreveu uma tentativa de carta-testamento, talvez inspirado, ironicamente, pelo próprio Vargas que tanto combateu.
“Os heróis de fancaria vão ver como luta e morre, sozinho e desarmado, um brasileiro que ama a pátria, mas a pátria livre. Se isto acontecer, malditos sejam pra sempre os ladrões do voto do povo, os assassinos da liberdade”, disse.
Mas, diferente de seu arqui-inimigo, ele não saiu da vida para entrar na história. Morreria nove anos depois, uma pálida sombra do tribuno de outrora.

Itamaraty em tempos de crise - Paulo Vieira (Revista Poder)

Glamurama, 29.09.2019  /  9:00

Mudanças no Itamaraty feitas por Ernesto Araújo fazem do trabalho dos diplomatas brasileiros uma constante gestão de crise

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Ernesto Araújo || Créditos: Ilustração David Nefussi
Por Paulo Vieira para a Revista PODER
Em agosto, um programa humorístico da principal rede de televisão pública alemã chamou Jair Bolsonaro de “boçal de Ipanema” e o “vestiu” com o monoquíni asa-delta usado por Borat, o personagem de total incorreção política criado pelo comediante britânico Sacha Baron Cohen. Também inseriu o brasileiro num clipe com cenas de queimadas e devastação florestal. Fazer pilhéria do extremismo ambiental do presidente já havia se tornado comum nos meios de comunicação europeus, mas a maior paulada não veio em chave cômica. O semanário The Economist, bíblia centenária do liberalismo, exibiu o contorno do Brasil perfeitamente desenhado no toco de uma árvore recém-cortada. Era a ilustração para a capa da reportagem sobre as mazelas que o país inflige à Amazônia.
Tudo isso aconteceu muito antes de irromper o conflito com Emmanuel Macron, com direito a flexão do verbo “mentir” e o endosso de Bolsonaro a um comentário desairoso sobre a mulher do mandatário francês no Facebook. No fim do mês, na reunião do G7 na França que Macron hospedou, o Brasil dependia de um aceno de Donald Trump para não ser considerado algo próximo de um pária mundial, um país acéfalo e quase inimputável pelo fogo que decidiu deixar arder na Amazônia.
Dos novos rumos que o Brasil de 2019 tomou, a diplomacia é uma área particularmente exposta. Embaixadores e diplomatas tornaram-se, com o perdão do trocadilho, bombeiros, numa tentativa bastante quixotesca de minorar danos nas relações com os líderes de países que Bolsonaro escolhe para bater boca – Alemanha, Noruega, Argentina, França, Venezuela, Chile, o viés é de alta. Desde a aparição solitária do presidente e séquito num bandejão durante o Fórum Econômico de Davos, em janeiro, é muito difícil para esses profissionais entenderem algo bastante trivial: o próprio trabalho. Não ajudou em nada terem se tornado objeto da desconfiança cada vez maior dos próprios chefes, fruto da reorganização interna levada a cabo pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Ao assumir a chancelaria, ele subverteu a tradicional hierarquia do Itamaraty, fazendo com que diplomatas de alto escalão tivessem de responder a superiores mais novos e inexperientes – espelhando, dessa maneira, sua própria ascensão. Araújo jamais serviu como embaixador brasileiro no exterior.
Ele ainda suprimiu secretarias e diversos departamentos, na linha da “racionalização da máquina pública” indicada pelo governo federal. E, mais problemático, tentou introjetar no dia a dia da casa sua visão antiglobalista, conservadora, temente a Deus e, principalmente, a Donald Trump.
PROFETA DO CAOS
A diplomacia brasileira já andava confusa antes da crise ambiental, mas talvez seja injusto apor apenas a Araújo o epíteto de profeta do caos. “O Itamaraty vive uma crise muito profunda. Ernesto Araújo é o sexto ministro em oito anos. A crise não começa, mas se agrava com ele, e uma das razões é sua fragilidade no trato com os colegas”, disse a PODER Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Uerj. “Além disso, há nesse governo uma desconfiança generalizada em relação aos especialistas. Nunca vi tantos jovens diplomatas falando em deixar a carreira. É um baque muito forte.” Alguns movimentos do chanceler tiveram bastante impacto no aumento da tensão interna. Na Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), voltada para a difusão cultural, o veto à publicação de um texto de Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, foi visto com perplexidade. Ricupero escreveu uma peça circunscrita à figura de Alexandre de Gusmão. Era, afinal, um prefácio à biografia desse patrono da diplomacia nacional. O biógrafo, o diplomata Synesio Goes Filho, viu “censura” e “obscurantismo” no veto, enquanto o ministério alegou que a aprovação dada ao livro não contemplava um prefácio.
Seja como for, o pragmatismo que rege a atividade diplomática se voltou para dentro e passou a valer para a economia doméstica do Itamaraty. Um funcionário lotado no hemisfério norte revelou a PODER que as pessoas agora têm “bastante medo de se posicionar” e que há um “cuidado maior” nas conversas entre chefes e subordinados, já que a “informação tem circulado e funcionários têm sido prejudicados”.
Também houve expurgos. O diplomata Paulo Roberto de Almeida perdeu seu posto de comando do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), da Funag, por, segundo ele, abrir espaço em seu blog pessoal para críticas de Fernando Henrique Cardoso e Rubens Ricupero à política externa brasileira – curiosamente Araújo também mereceu espaço no blog. Crítico feroz da agenda petista no Itamaraty, Almeida vê na escolha do ministro um processo anormal. “Desde a diplomacia do Império, tornam-se chanceleres pessoas normalmente muito mais qualificadas. Araújo era um personagem obscuro, jamais participou dos debates políticos, conformou-se perfeitamente aos tempos lulopetistas. É um diplomata sem capacidade própria, que construiu uma personalidade olavista artificialmente”, diz Almeida, fazendo referência a Olavo de Carvalho, o guru que esteve por trás da indicação do chanceler. Araújo chamou atenção no círculo presidencial ao publicar o texto “Trump e o Ocidente” na edição do segundo semestre de 2017 dos “Cadernos de Política Exterior” do Ipri – na época presidido por Almeida –, em que faz a apologia de um certo “Deus de Trump”. “O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história”, escreveu.
Sacralizar Trump não tem impedido o chanceler de manter contatos com o ídolo. Embora tenha sido esnobado na primeira visita oficial de Bolsonaro a seu homólogo americano – foi preterido no Salão Oval pelo deputado federal e candidato a embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro –, o chanceler teve 30 minutos com Trump depois que este voltou da reunião do G7. Estava novamente em companhia do 03, que, segundo relatos, portava-se como seu chefe. Eduardo tuitou que “a tradição da diplomacia brasileira (Barão do Rio Branco) é a boa relação c/ EUA” e que “esta visita marca uma nova fase nesta relação e dá um recado p/ mundo: os EUA não apoiarão qualquer investida contra nossa soberania”. A Amazônia ficou de fora na tuitagem de Trump sobre o encontro: preferiu celebrar a ampliação pelo Brasil da cota isenta de taxa de importação de etanol, combustível que o Brasil é grande produtor e, até onde se sabe, está bem longe da dependência externa.

sábado, 28 de setembro de 2019

Monteiro Lobato: um agitador petrolífero - Paulo Roberto de Almeida

Este artigo me foi encomendado pela Revista de História da Biblioteca Nacional, que infelizmente já não existe mais. Ao buscar hoje meus materiais sobre o escritor paulista, fui verificar o registro e constatei que ele não mais se encontrava no site original da revista, daí minha transcrição neste espaço, o que o torna disponível a um número maior de leitores pela primeira vez.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de setembro de 2019


Monteiro Lobato: pioneiro do petróleo no Brasil
Escritor antecipou, meio século atrás, a condição do Brasil como grande produtor

Paulo Roberto de Almeida
Publicado sob o título “Um Agitador Petrolífero”, Revista de História da Biblioteca Nacional (Edição Especial n. 1, História da Ciência, outubro 2010, p. 40-43; ISSN: 1808-4001).

O nome de José Bento Monteiro Lobato domina a primeira história do petróleo no Brasil. Despertado para a importância crucial do petróleo para o desenvolvimento nacional pelo exemplo dos Estados Unidos, ele começou cedo: já em 1918, fundou a Empresa Paulista de Petróleo, sem que, no entanto, dela adviessem resultados concretos, à falta de capitais, equipamentos e competências. Durante sua estada como adido comercial no Consulado do Brasil em Nova York, entre 1928 e 1931, Lobato aprofundou seus conhecimentos no setor. De volta ao Brasil, empreendeu campanhas de mobilização pública e de incitamento à ação do Estado em direção da libertação do Brasil do petróleo importado.
Suas iniciativas eram dotadas de otimismo exagerado e o que mais ele acumulou, ao longo dos anos, foram frustrações e decepções com prospecções mal sucedidas. Os insucessos não o esmoreceram; Lobato conduziu, através da imprensa e de sua editora, um esforço intenso para conscientizar o país e as autoridades da necessidade de encontrar petróleo, contra a “má-vontade da geologia”.
Em 1934, Lobato escrevia a um amigo: “Se o governo não me atrapalhar, dou ferro e petróleo ao Brasil em quantidades rockefellerianas”. Investindo contra as autoridades do setor, ele se convenceu, nessa época, que o principal culpado pela não descoberta de petróleo era o Serviço Geológico Nacional, cuja política, para ele, encampava a dos “trusts” internacionais: “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire”.
As Forças Armadas, conscientes da fragilidade estratégica do País, impulsionavam os esforços nessa área. A elas foi dedicado seu livro-denúncia, O Escândalo do Petróleo, que teve três edições no mês do seu lançamento (agosto de 1936) e várias outras ao longo dos anos. O papel fundamental de Lobato, nessa fase, foi o de um agitador petrolífero, quase um panfletário. Ele chegou a exibir uma atitude conspiratória, acusando os “trusts” internacionais e as próprias autoridades nacionais de agir contra a extração de petróleo no País:
O petróleo está hoje praticamente monopolizado por dois imensos trusts, a Standard Oil e a Royal Dutch & Shell. Como dominaram o petróleo, dominaram também as finanças, os bancos, o mercado do dinheiro; e como dominaram o dinheiro, dominaram também os governos e as máquinas administrativas. Esta rede de dominação constitui o que chamamos os Interesses Ocultos. (...) Os trusts sabem de tudo [e] lá entre si combinaram: – Nada mais fácil do que botar um tapa-olho nessa gente. Com um bom tapa-olho, eles, que vegetam de cócoras sobre um oceano de petróleo, ficarão a vida inteira a comprar o petróleo nosso; enquanto isso, iremos adquirindo de mansinho suas terras potencialmente petrolíferas, para as termos como reservas futuras. Quando nossos atuais campos se esgotarem, então exploraremos os “nossos” campos do Brasil.[1]

A origem do livro foi uma carta aberta dirigida por Lobato ao Ministro da Agricultura, denunciando dois técnicos estrangeiros do Departamento Nacional de Produção Mineral pela “venda de segredos do subsolo a empresas estrangeiras”. Diante da grave denúncia, o presidente Getúlio Vargas determinou a instalação de uma Comissão de Inquérito, à qual Lobato ofereceu um depoimento escrito, que veio a ser o núcleo de seu livro.
Para o escritor paulista, a Lei de Minas, elaborada pelo DNPM, criara embaraços “para impedir que os trusts estrangeiros se apossassem das riquezas do nosso subsolo. Mas como para embaraçar os estrangeiros fosse necessário também embaraçar os nacionais, resultou o que temos hoje: o trancamento da exploração do subsolo, tanto para nacionais como para estrangeiros – exatamente o que os trusts queriam...”[2] Lobato desconfiava “de todas as entidades estrangeiras que se metem em petróleo no Brasil, já que a intenção confessada não é tirá-lo, e sim, impedir que o tiremos”.[3] Curiosamente, mesmo denunciando a ação dos “trusts” internacionais, Lobato não era contra a participação do capital estrangeiro na exploração do petróleo, e lamentava a postura nacionalista do Código de Minas:
Não sou chauvinista, nem inimigo da técnica e das empresas estrangeiras. Reconheço a nossa absoluta incapacidade de fazer qualquer coisa sem recurso ao estrangeiro, à ciência estrangeira, à técnica estrangeira, à experiência estrangeira, ao capital estrangeiro, ao material estrangeiro. Tenho olhos bastante claros para ver que tudo quanto apresentamos de progresso vem da colaboração estrangeira. E nesse caso do petróleo nada faremos de positivo, se insistirmos em afastar o estrangeiro e ficarmos a mexer na terra com as nossas colheres de pau.[4]

Frustrado com o insucesso de sua campanha junto aos adultos, Monteiro Lobato leva o tema ao público infantil: em outubro de 1937 é lançado O Poço do Visconde, apresentado como um livro de “geologia para crianças”, mas que constituía um manifesto em favor da descoberta e da exploração do petróleo no Brasil.
Não obstante o empenho das autoridades na viabilização da exploração do petróleo, Monteiro Lobato estava convencido de que o governo agia contra as companhias privadas, sabotando suas atividades de empreendedor. Escrevendo, em 1938, a Getúlio Vargas, ele investia contra o diretor do Departamento Nacional da Produção Mineral, autor do Código de Minas, acusando-o de ser “agente secreto dos Poderes Ocultos hostis ao petróleo brasileiro”. Em janeiro de 1940, o presidente sancionou o novo Código de Minas, confirmando todas as disposições nacionalistas existentes e exigindo, dos candidatos ao direito de pesquisar ou lavrar jazidas, “prova de capacidade financeira”, o que foi recebido por Monteiro Lobato como um óbice às suas iniciativas.
Em carta ao general Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, no início de 1940, ele volta às acusações: “sou obrigado a continuar na campanha, não mais pelo livro ou pelos jornais, porque já não temos a palavra livre, e sim por meio de cartas aos homens do Poder”. Ele então acusa o CNP de agir em favor dos “interesses do imperialismo da Standard Oil e da Royal Dutch”, perpetuando “a nossa situação de colônia econômica dos trustes internacionais”. Sua carta mais desafiadora, em maio de 1940, foi dirigida ao próprio chefe de Estado, quando acusou o CNP de perseguir as empresas nacionais, de criar embaraços à exploração do subsolo e de manter a “idéia secreta” do monopólio estatal.
Getúlio Vargas consultou o presidente do CNP, general Júlio Horta Barbosa, que, em agosto de 1940, desmentia as acusações de Lobato: “àqueles que se dispõem a cumprir a lei o Conselho tem tudo facilitado, mas ao que pretendem burlá-la, como é o caso do Sr. Monteiro Lobato, este organismo, como é de seu dever, vem, não só se opondo, como também dando publicamente as razões [de] porque o faz”. Entre as irregularidades das empresas de Lobato eram apontadas a insuficiente provisão de fundos e a nacionalidade estrangeira de alguns dos seus sócios. Ato contínuo, Horta Barbosa enviou ofício ao Tribunal de Segurança Nacional no qual pedia abertura de inquérito contra o escritor. Esta é a origem das duas prisões de Lobato, em janeiro e em março de 1941, por “injúrias aos poderes públicos”.
Monteiro Lobato se batia pelo petróleo nacional com todas as suas forças, movido bem mais pelo instinto do que pelo conhecimento técnico e pela boa informação geológica. Sua atividade empresarial foi quase amadora – daí a razão do não-credenciamento de suas “empresas de petróleo” pelo CNP – e sua agitação panfletária estava no limite das ofensas às autoridades governamentais. Ele tocava, porém, nos pontos que a seu ver dificultavam e atrasavam a exploração do petróleo no país. Numa carta a Getúlio Vargas de maio de 1940, ele assim se pronunciava em relação ao pretendido monopólio estatal que se cogitava criar nessa área: “Outro aspecto do monopólio é a impossibilidade de o Governo criar com ele a grande indústria do petróleo de que o Brasil precisa. O senhor não ignora a incapacidade do Estado, no mundo inteiro, para dirigir empresas industriais, incapacidade por demais evidente no Brasil. O Lóide Brasileiro e a Central do Brasil são casos típicos.”
Monteiro Lobato se insurgia contra geólogos e funcionários do governo que não estivessem de acordo com suas iniciativas empresariais, confundindo muitas vezes a cautela necessária com que eles viam seus rompantes de entusiasmo pela causa do petróleo com o que ele considerava ser uma sabotagem deliberada em torno desses empreendimentos. Grande escritor, mas dotado de conhecimentos escassos na geologia do petróleo, Lobato agitou mais do que qualquer outro homem público o problema do petróleo no Brasil. Foi um nacionalista sem ser contrário ao capital estrangeiro, e antecipou uma realidade que se materializaria meio século depois de sua morte, em 1948.

Saiba Mais:
Azevedo, Carmen Lucia de; Camargos, Marcia Mascarenhas de Rezende; Sacchetta, Vladimir. Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia (3a. ed.; São Paulo: Senac, 2001)
Lobato, Monteiro. O Escândalo do Petróleo (4a. ed.; São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936)
Vargas, Getúlio. A Política Nacionalista do Petróleo no Brasil (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964)
Victor, Mario. A Batalha do Petróleo Brasileiro (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970)


[1] Cf. Monteiro Lobato, O Escândalo do Petróleo (4a. ed.; São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936), p. 15.
[2] Cf. Monteiro Lobato, O Escândalo do Petróleo, op. cit., p. 119-120.
[3] Idem, p. 128.
[4] Idem, p. 127-128.