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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Brasil: o momento destruidor - Oliver Stuenkel, Paulo Roberto de Almeida

Parece que voltamos no tempo: em lugar de embarcar numa viagem em direção do futuro, como queria H. G. Wells em Time Machine, recuamos em direção ao passado, com o pior engenheiro que poderiamos ter: um fabricante de mitos, um disseminador de paranoias regressistas. Oliver Stuenkel faz uma análise basicamente correta do que significa esse impulso de irracionalidade que representa Bolsonaro, mas evita as palavras mais contundentes que eu não hesito em utilizar: estamos em face de uma possível catástrofe de governança, que se traduz, em primeiro lugar, por uma grave crise de governança (como já ocorreu em alguns momentos do lulopetismo), mas desta vez a dose de loucura, a carga de irracionalismo, o grau de paranoia pode ser maior, uma vez que os aloprados dizem não ser ideologia o que de fato é a ideologia que professam, sem qualquer conteúdo  doutrinal, puro vazio mental feito de invectivas, slogans, instintos primitivos e agressivos.
Se eu fosse religioso, eu diria “Deus tenha piedade do Brasil”. Como não sou, só posso dizer: preparem-se para o pior!
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 26 de setembro de 2019



ANÁLISE
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China, uma insuspeita beneficiada do discurso radical de Bolsonaro

Com discurso agressivo, presidente brasileiro reproduz retórica de quando era deputado e aponta para guinada arriscada na política externa brasileira

Jair Bolsonaro aguarda o momento de discursar na Assembleia Geral da ONU, nesta terça.
Jair Bolsonaro aguarda o momento de discursar na Assembleia Geral da ONU, nesta terça.DREW ANGERER (AFP)

MAIS INFORMAÇÕES

Em sua estreia na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro seguiu a orientação dos seus assessores da ala ideológica e partiu para o ataque contra o socialismo, ambientalistas, cientistas, indígenas, o PT, o 'globalismo', a mídia internacional, a França, Venezuela e Cuba, entre tantos outros. Dessa maneira, Bolsonaro reproduziu o papel de radical e 'politicamente incorreto' que desempenhou, por décadas, como deputado no Congresso Nacional e se consagrou como vilão global dos movimentos ambientalistas, que ganham força política ao redor do mundo.
Sobretudo na Europa, onde diplomatas e políticos estão divididos sobre como reagir ao mandatário brasileiro, o discurso fortalecerá aqueles que defendem uma postura mais dura contra o Brasil, incluindo punições econômicas. O discurso, recebido com uma mistura de perplexidade e fascínio por observadores internacionais por seu teor conspiratório, é uma ótima notícia para o presidente francês, que decidiu aproveitar dos incêndios na Amazônia para se projetar como líder ambientalista e para inviabilizar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, postura que agrada aos agricultores franceses. Como Bolsonaro é visto de maneira negativa por significativa parte da sociedade europeia, Macron só tem a ganhar ao se posicionar contra o presidente brasileiro.
O grande perdedor é a Alemanha, que seria o maior beneficiado do acordo comercial. Ao longo das últimas semanas, o governo alemão buscou oferecer uma alternativa à estratégia da França, e reiterou sua disposição em manter o diálogo com o Governo brasileiro sobre temas ambientais. O discurso de Bolsonaro fortalece a tese daqueles na Alemanha, liderados pelo Partido Verde, de que será impossível moderar a postura brasileira sem ameaças concretas. A primeira vítima da situação provavelmente será o pleito brasileiro de se tornar país membro da OCDE, o qual será empurrado pela barriga por países europeus. Afinal, permitir o ingresso do país nas atuais condições poderia ser visto como uma aprovação indireta de suas políticas internas.
Outro país que ganhará com o discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU é a China. Com o Brasil cada vez mais rejeitado no Ocidente, o Governo de Pequim deixou claro que em hipótese alguma permitirá que assuntos ambientais afetem a relação bilateral. Apesar da retórica anti-China utilizada durante a campanha, a relação bilateral com o gigante asiático inevitavelmente alcançará um novo patamar sob Bolsonaro.
Na política interna, o discurso representa uma vitória acachapante da ala ideológica, liderada por Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, sobre o grupo neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A escolha de Bolsonaro atinge em cheio o projeto de Guedes de projetar a narrativa de um governo tecnocrata, comprometido em tornar o país um destino mais atraente para investidores internacionais. Os observadores internacionais devem estar se perguntando agora por quanto tempo o ministro da Economia aceitará fazer parte de um governo cujo presidente parece se importar pouco com o projeto liberalizante. Afinal, é impossível não perceber que Bolsonaro parece ter um gosto pessoal pelo confronto permanente, algo que fortalece sua narrativa de que a comunidade internacional busca enfraquecer o Brasil. Desse ponto de vista, mesmo a não-ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e os possíveis boicotes que virão contra os produtos brasileiros dificilmente terão efeito moderador sobre o presidente brasileiro. Pelo contrário, a ameaça do isolamento diplomático e o risco de consequências negativas na área comercial parecem fortalecer a convicção do presidente de dobrar a aposta e garantir a radicalização de sua base de apoio. O discurso representa, assim, a maior guinada na política externa brasileira em décadas.

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