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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Política Externa Brasileira e Soberania Nacional - Paulo Roberto de Almeida


Política Externa Brasileira e Soberania Nacional

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: palestra no Centro Cultural de Brasília; finalidade: notas reflexivas]


São dois conceitos envolvidos neste seminário. O primeiro é objetivo e evidente: a política externa brasileira, algo que deveria existir e se refletir na sua diplomacia. O segundo é mais difuso, ou vago, pois existem várias concepções sobre o que seja a soberania nacional, e de que forma se pode defende-la.
O presidente acaba de fazer um discurso na abertura dos trabalhos da Assembleia da ONU, na terça-feira 24 de setembro de 2019, na qual afirmou enfaticamente que a Amazônia é brasileira e que ela pertence à nossa soberania. No mesmo dia, o principal editorial do jornal O Estado de S. Paulo, refletindo os trabalhos da Cúpula do Clima, no dia anterior, diz o seguinte:
É perfeitamente possível negociar acordos para a adoção de medidas contra as mudanças climáticas sem colocar em risco a soberania nacional. O que não é mais possível é negar-se a enfrentar a realidade, refugiando-se em um discurso que, a título de defender a pátria, menospreza a ciência e as evidências. (Editorial “O clima como questão política”, OESP, 24/09/2019, A-3)

Em outros termos, existem maneiras e maneiras de defender a soberania. Um deles é enrolar-se na bandeira, recolher-se na sua jurisdição, e proclamar a autonomia completa da nação. A rigor, a soberania completa só pode ser obtida quando um país, um Estado, uma nação for completamente autônoma, independente, autossuficiente, o que implica, por definição, uma autarquia absoluta, um pouco como pretendia o programa do “socialismo num só país” de Stalin, ou a substituição de importações estrangeiras por equivalentes nacionais, como também pretendia Hitler na Alemanha nazista. Mesmo nesses casos, sabemos que seria impossível assegurar completa suficiência nacional em energia, alimentação, insumos para a indústria, ou serviços em geral. A busca de autonomia completa redunda, na verdade, na fragilização do país, uma vez que os sucedâneos nacionais a insumos e produtos serão assegurados a um custo muito mais alto do que a importação desses mesmos bens de países que possuam, justamente, especialização produtiva e, portanto, oferta muito competitiva.
Se partirmos da ideia de que a segurança de um país se consegue com o máximo de interface externa possível, resulta que a soberania fica melhor assegurada com a busca de interdependência econômica no plano global, inclusive no terreno da segurança nacional. Uma visão puramente patriótica da soberania se apoia num nacionalismo muitas vezes introvertido e propenso a rejeitar acordos externos e investimentos estrangeiros, num descolamento negativo vis-à-vis da economia mundial. As relações internacionais no mundo moderno são inerentemente multilaterais, em vista de problemas comuns ao conjunto da comunidade internacional, daí que a rejeição do chamado globalismo é um contrassenso.
Política externa é um posicionamento de um país em face de seu contexto regional, sua vizinhança, e também em relação ao mundo, tanto Estados quanto organismos internacionais, que na sua grande maioria são interestatais e não globalistas, nesse sentido paranoico que temos registrado nos últimos tempos. A diplomacia é um mero instrumento da política externa e costuma ter mais continuidade do que políticas domésticas, que podem oscilar em função das preferências pessoais, ou partidárias, dos dirigentes. Todos os países estão conectados entre si por uma rede de compromissos, acordos de cooperação, normas emanadas de conferências diplomáticas que são, em princípio, acatadas soberanamente por cada Estado que decide participar desses arranjos, supostamente com base num cálculo de custo-oportunidade sobre os benefícios e constrangimentos de tais acordos.
Acordos de integração econômica, por exemplo, são inerentemente redutores da soberania de cada um dos membros, em favor de uma abordagem comum de diferentes vertentes da cooperação: economias de escala na produção industrial, livre comércio nos fluxos de bens e serviços, movimentos facilitados de capitais e até de trabalhadores, e até uma possível moeda comum ou única. Tudo isso retira soberania dos países membros, que aceitam limitações à sua capacidade de regular diferentes setores não só da vida econômica, mas também nos campos da regulação social e do ambiente cultural, na perspectiva de que os benefícios auferidos com a livre circulação de fatores redundará em maior riqueza e bem-estar social. Todas essas reduções de soberania são aceitos soberanamente pelos países.
Acordos internacionais definem muito bem a soberania nacional dos Estados membros, mas ela encontra limites na evolução do direito internacional humanitário, por exemplo, com a crescente afirmação do princípio da “responsabilidade de proteger”, ou seja, proteger vidas humanas contra a irresponsabilidade ou inoperância dos seus respectivos governos. O governo brasileiro, confrontado ao problema de uma possível aplicação intrusiva ou enviesada desse princípio, chegou a defender certa limitação, expressa na fórmula de “responsabilidade AO proteger”. Trata-se de um debate ainda em curso, dados os componentes sensíveis implícitos nesses princípios. Existem muitas questões em aberto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26/09/2019

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