Política Externa
Brasileira e Soberania Nacional
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: palestra no Centro Cultural de Brasília; finalidade: notas reflexivas]
São dois conceitos envolvidos neste seminário.
O primeiro é objetivo e evidente: a política externa brasileira, algo que
deveria existir e se refletir na sua diplomacia. O segundo é mais difuso, ou
vago, pois existem várias concepções sobre o que seja a soberania nacional, e
de que forma se pode defende-la.
O presidente acaba de fazer um discurso na
abertura dos trabalhos da Assembleia da ONU, na terça-feira 24 de setembro de
2019, na qual afirmou enfaticamente que a Amazônia é brasileira e que ela
pertence à nossa soberania. No mesmo dia, o principal editorial do jornal O Estado de S. Paulo, refletindo os
trabalhos da Cúpula do Clima, no dia anterior, diz o seguinte:
É perfeitamente possível negociar
acordos para a adoção de medidas contra as mudanças climáticas sem colocar em
risco a soberania nacional. O que não é mais possível é negar-se a enfrentar a
realidade, refugiando-se em um discurso que, a título de defender a pátria,
menospreza a ciência e as evidências. (Editorial “O clima como questão
política”, OESP, 24/09/2019, A-3)
Em outros termos, existem maneiras e maneiras
de defender a soberania. Um deles é enrolar-se na bandeira, recolher-se na sua
jurisdição, e proclamar a autonomia completa da nação. A rigor, a soberania completa
só pode ser obtida quando um país, um Estado, uma nação for completamente
autônoma, independente, autossuficiente, o que implica, por definição, uma
autarquia absoluta, um pouco como pretendia o programa do “socialismo num só
país” de Stalin, ou a substituição de importações estrangeiras por equivalentes
nacionais, como também pretendia Hitler na Alemanha nazista. Mesmo nesses casos,
sabemos que seria impossível assegurar completa suficiência nacional em
energia, alimentação, insumos para a indústria, ou serviços em geral. A busca
de autonomia completa redunda, na verdade, na fragilização do país, uma vez que
os sucedâneos nacionais a insumos e produtos serão assegurados a um custo muito
mais alto do que a importação desses mesmos bens de países que possuam,
justamente, especialização produtiva e, portanto, oferta muito competitiva.
Se partirmos da ideia de que a segurança de um
país se consegue com o máximo de interface externa possível, resulta que a
soberania fica melhor assegurada com a busca de interdependência econômica no
plano global, inclusive no terreno da segurança nacional. Uma visão puramente
patriótica da soberania se apoia num nacionalismo muitas vezes introvertido e
propenso a rejeitar acordos externos e investimentos estrangeiros, num
descolamento negativo vis-à-vis da economia mundial. As relações internacionais
no mundo moderno são inerentemente multilaterais, em vista de problemas comuns
ao conjunto da comunidade internacional, daí que a rejeição do chamado
globalismo é um contrassenso.
Política externa é um posicionamento de um país
em face de seu contexto regional, sua vizinhança, e também em relação ao mundo,
tanto Estados quanto organismos internacionais, que na sua grande maioria são
interestatais e não globalistas, nesse sentido paranoico que temos registrado
nos últimos tempos. A diplomacia é um mero instrumento da política externa e
costuma ter mais continuidade do que políticas domésticas, que podem oscilar em
função das preferências pessoais, ou partidárias, dos dirigentes. Todos os
países estão conectados entre si por uma rede de compromissos, acordos de
cooperação, normas emanadas de conferências diplomáticas que são, em princípio,
acatadas soberanamente por cada Estado que decide participar desses arranjos,
supostamente com base num cálculo de custo-oportunidade sobre os benefícios e
constrangimentos de tais acordos.
Acordos de integração econômica, por exemplo,
são inerentemente redutores da soberania de cada um dos membros, em favor de
uma abordagem comum de diferentes vertentes da cooperação: economias de escala
na produção industrial, livre comércio nos fluxos de bens e serviços,
movimentos facilitados de capitais e até de trabalhadores, e até uma possível
moeda comum ou única. Tudo isso retira soberania dos países membros, que
aceitam limitações à sua capacidade de regular diferentes setores não só da
vida econômica, mas também nos campos da regulação social e do ambiente cultural,
na perspectiva de que os benefícios auferidos com a livre circulação de fatores
redundará em maior riqueza e bem-estar social. Todas essas reduções de
soberania são aceitos soberanamente pelos países.
Acordos internacionais definem muito bem a
soberania nacional dos Estados membros, mas ela encontra limites na evolução do
direito internacional humanitário, por exemplo, com a crescente afirmação do
princípio da “responsabilidade de proteger”, ou seja, proteger vidas humanas
contra a irresponsabilidade ou inoperância dos seus respectivos governos. O
governo brasileiro, confrontado ao problema de uma possível aplicação intrusiva
ou enviesada desse princípio, chegou a defender certa limitação, expressa na
fórmula de “responsabilidade AO proteger”. Trata-se de um debate ainda em
curso, dados os componentes sensíveis implícitos nesses princípios. Existem
muitas questões em aberto.
Paulo Roberto de
Almeida
Brasília, 26/09/2019
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