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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon.com ou com.br. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, está livremente disponível na plataforma Academia.edu, link: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

quarta-feira, 16 de julho de 2025

O lado “bim” do tarifaço de Trump - José Fucs

 *O lado bom do tarifaço e das investigações de Trump contra o Brasil*

José Fucs, jornalista

16/07/2025

Pensei, pensei e cheguei à conclusão de que, apesar dos efeitos nocivos no curto prazo para o Brasil e os brasileiros, que serão pesados, o tarifaço e as investigações de Trump contra as práticas comerciais do País, têm um lado positivo. Entenda por quê:

- Trazem para o debate as tarifas escandalosas e as barreiras não tarifárias impostas sobre os produtos americanos (e de outros países);

- Podem levar a uma maior abertura econômica do País, um dos mais fechados do mundo, com a redução de tarifas alfandegárias e outras barreiras que encarecem a importação de bens e serviços e limitam a concorrência, em prejuízo do consumidor;

-  Escancaram a política antiamericana praticada por Lula e Amorim e defendida pelo PT e por seus aliados;

- Reforçam a discussão sobre o alinhamento geopolítico do Brasil com a China e o Eixo do Mal pelo atual governo e sua tentativa de impulsionar o famigerado bloco do Sul Global, em detrimento da ligação histórica do País com o Ocidente, em especial com os Estados Unidos;

- Revelam a estupidez da proposta de "desdolarização" feita por Lula no âmbito do Brics;

-  Jogam os holofotes sobre as práticas autoritárias e a censura promovidas pelo STF, que colocam em risco a democracia no País, com apoio nada discreto de Lula, do PT e de seus parceiros; 

- Dão dimensão global aos questionamentos sobre o tal "inquérito do fim do mundo" e a perseguição aos desafetos políticos do consórcio Lula/STF/PGR;

- Colocam em xeque a legitimidade dos processos contra Bolsonaro e os atos de 8/1, bem como a narrativa imposta pelo consórcio Lula/STF/PGR a respeito dos acontecimentos.

Podem me chamar de "bolsonarista", "traidor da pátria", "judeu apátrida" e "sionista". Podem colocar os influencers do PT no meu cangote e me ameaçar de degredo e de perda de cidadania. Mas, na minha visão, não dá para negar que tudo isso representa uma contribuição e tanto para o debate sobre os rumos do País e o Brasil que queremos construir. Não é pouca coisa.

terça-feira, 15 de julho de 2025

USTR Announces Initiation of Section 301 Investigation of Brazil’s Unfair Trading Practices

 Os EUA iniciam uma investigação contra práticas desleais de comércio por parte do Brasil ao abrigo da temida seção 301 da Lei de Comércio de 1974, fazendo uma assemblagem de reclamações de diferente natureza (tarifas, concorrência desleal, infrações à propriedade intelectual de empresas americanas, acesso do etanol americano ao mercado brasileiro e várias outras), o que pode resuktar em novas medidas punitivas, com grande potencial de prejuizos comerciais e politicos ao Brasil. A investigação será unilateral, com base na legislação e medidas retorcivas americanas, sem a participação da OMC.


USTR Announces Initiation of Section 301 Investigation of Brazil’s Unfair Trading Practices

July 15, 2025


WASHINGTON — Today, the Office of the United States Trade Representative initiated an investigation of Brazil under Section 301 of the Trade Act of 1974. The investigation will seek to determine whether acts, policies, and practices of the Government of Brazil related to digital trade and electronic payment services; unfair, preferential tariffs; anti-corruption interference; intellectual property protection; ethanol market access; and illegal deforestation are unreasonable or discriminatory and burden or restrict U.S. commerce.


“At President Trump’s direction, I am launching a Section 301 investigation into Brazil’s attacks on American social media companies as well as other unfair trading practices that harm American companies, workers, farmers, and technology innovators,” said Ambassador Greer. “USTR has detailed Brazil’s unfair trade practices that restrict the ability of U.S. exporters to access its market for decades in the annual National Trade Estimate (NTE) Report. After consulting with other government agencies, cleared advisers, and Congress, I have determined that Brazil’s tariff and non-tariff barriers merit a thorough investigation, and potentially, responsive action."


Background


Section 301 of the Trade Act of 1974, as amended, (Trade Act) is designed to address unfair foreign practices affecting U.S. commerce. Section 301 may be used to respond to unjustifiable, unreasonable, or discriminatory foreign government practices that burden or restrict U.S. commerce. Under Section 302(b) of the Trade Act, the Trade Representative may self-initiate an investigation under Section 301.


A Section 301(b) investigation examines whether the acts, policies, or practices are unreasonable or discriminatory and burden or restrict U.S. commerce. Considering the specific direction of the President, and the advice of the inter-agency Section 301 Committee, the United States Trade Representative has initiated an investigation. The U.S. Trade Representative must seek consultations with the foreign government whose acts, policies, or practices are under investigation.  USTR has requested consultations with Brazil in connection with the investigation. USTR will hold a hearing in connection with this investigation on September 3, 2025. To be assured of consideration, interested persons should submit written comments, requests to appear at the hearing, along with a summary of the testimony, by August 18, 2025. USTR will hold a hearing in connection with this investigation on September 3, 2025.


As set out in the Federal Register notice, the investigation relates to a number of trading practices, including:


Digital trade and electronic payment services: Brazil may undermine the competitiveness of U.S. companies engaged in these sectors, for example, by retaliating against them for failing to censor political speech or restricting their ability to provide services in the country;

Unfair, preferential tariffs: Brazil accords lower, preferential tariff rates to the exports of certain globally competitive trade partners, thereby disadvantaging U.S. exports;

Anti-corruption enforcement: Brazil’s failure to enforce anti-corruption and transparency measures raises concerns in relation to norms relating to fighting bribery and corruption;

Intellectual property protection: Brazil apparently denies adequate and effective protection and enforcement of intellectual property rights, harming American workers whose livelihoods are tied to America’s innovation- and creativity-driven sectors;

Ethanol: Brazil has walked away from its willingness to provide virtually duty-free treatment for U.S. ethanol and instead now applies a substantially higher tariff on U.S. ethanol exports; and

Illegal deforestation: Brazil appears to be failing to effectively enforce laws and regulations designed to stop illegal deforestation, thereby undermining the competitiveness of U.S. producers of timber and agricultural products.

A copy of the Federal Register Notice is available here.


A docket for comments regarding the investigation will be available here.


A docket for requests to appear at the public hearing to be held in connection with this investigation will be available here.

Notas sobre a Ucrânia no âmbito do Itamaraty (2006-2025) - Levantamente na Base de Dados do Itamaraty

 Notas sobre a Ucrânia no âmbito do Itamaraty (2006-2025)

Levantamento efetuado em 15/07/2025 por Paulo Roberto de Almeida
Base de Dados de Notas de Informação à Imprensa no Itamaraty

Ucrânia (de 2006 a 2025)
1208 Resultados em todo o GOV.BR Ministério das Relações Exteriores
Notícias (499) Todos (1208) Filtrar


1) Escalada do conflito na Ucrânia15/07/2025
2) Declaração à imprensa do presidente Lula por ocasião da visita do presidente da Indonésia, Prabowo Subianto09/07/2025 - Declaração à imprensa lida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ocasião da visita do presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, a Brasília, em 9 de julho de 2025
3) Declaração conjunta por ocasião da visita de Estado do Primeiro-Ministro da Índia ao Brasil08/07/2025
4) Entrevista coletiva do presidente Lula no encerramento da cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro07/07/2025 - Transcrição da entrevista coletiva com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no encerramento da cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2025
5) Declaração de Líderes do BRICS — Rio de Janeiro, 06 de julho de 202506/07/2025
6) Discurso do presidente Lula na sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global do BRICS06/07/2025 - Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global, no Rio de Janeiro, em 6 de julho de 2025
7) Discurso do presidente Lula na Sessão Ampliada da Cúpula do G7, no Canadá - 17/6/202517/06/2025 - Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a primeira intervenção na Sessão Ampliada da Cúpula do G7, sobre segurança energética e minerais críticos, em Kananaskis, no Canadá, em 17 de junho de 2025.

(...)

495) Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião de encontro com a primeira-ministra da Ucrânia, Yulia Tymoshenko – Kiev, 2 de dezembro de 200902/12/2009
496) Declaração seguida de entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em conjunto com o Presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko - Kiev, 02/12/200902/12/2009
497) Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião de Fórum Empresarial com a participação dos Presidentes do Brasil e da Ucrânia – Kiev, 2 de dezembro de 200902/12/2009
498) Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após encontro com o Presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko - Kiev, 02/12/200902/12/2009
499) Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na saída do Hotel Villa Itália, em Cascais, antes do embarque para a Ucrânia - Cascais, 01/12/200901/12/2009
500) Transcrição da Audiência Pública com o Ministro Celso Amorim na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal sobre as relações Brasil - Bolívia – Brasília, 9 de maio de 200609/05/2006

Íntegra da relação disponível na plataforma Academia.edu
Link: https://www.academia.edu/142908159/Notas_sobre_a_Ucr%C3%A2nia_no_ambito_do_Itamaraty_2006_2025_

Vou deixar algumas coisas bem claras quanto ao que eu penso da atualidade - Paulo Roberto de Almeida

Vou deixar algumas coisas bem claras quanto ao que eu penso da atualidade

1) O governo Netanyahu promove Genocídio na Faixa de Gaza, e  como tal deve ser punido, ele e seus auxiliares diretos;

2) Trump é um presidente desequilibrado; deveria ser deposto pelo Senado e levado ao Sanatório numa camisa de força, pois prejudica seriamente o seu país e o resto do mundo;

3) Putin é um psicopata militarista, à altura de um Hitler, e como não pode ser deposto pelo povo russo, como Hitler não o foi pelo povo alemão, tem de ser contido militarmente pelas potências democráticas, como Hitler não o foi em 1938, e aí tiveram de amargar 5 anos de guerra global e dezenas de milhões de mortos para derrotar um tirano que poderia ter sido obstado no momento crucial; esse momento já chegou no caso de Putin e as nações democráticas ainda não se decidiram a respeito, por covardia, como em 1938;

4) O Brasil não deve e não pode ceder à chantagem de Trump, no caso das tarifas vs anulação do processo contra os golpistas, e deve aguentar as duras consequências que podem vir em seguida. Não se pode transigir com princípios, mesmo ao custo de perdas imensas (que sempre são reparáveis). Não deveria, do seu lado, fazer bravatas, apenas seguir a Constituição e o Direito Internacional;

5) Bolsonaro, seus familiares e os sequazes na chantagem mafiosa de Trump são até indignos de serem chamados apenas de “traidores da pátria”; são seres abjetos ao convívio nacional, e suas ações devem ser enquadradas nos delitos pertinentes e serem condenados por golpismo e grave atentado à nação, com vários anos de prisão fechada;

6) Os idiotas que apoiam todos esses psicopatas políticos — Netanyahu, Putin, Trump, Bolsonaro — e mafiosos associados poderiam ser convidados a um curso de reeducação política, eventualmente sancionados, se insistirem em quebrar a legalidade democrática, como medida corretiva similar a uma condenação afeta aos pequenos crimes não intencionais.

Defensores das liberdades democráticas devem sempre atuar com base no Direito e na Moral, o que se aplica exatamente à postura de Lula com respeito aos casos similares da Palestina e da Ucrânia, frente aos quais ele adota posições opostas.

Como diria Popper, não se pode ser tomerante com os intolerantes, sob risco de sucumbir ao desastre e à desonra.

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 15/07/2025


O Brasil em face da bifurcação, ou de várias bifurcações Paulo Roberto de Almeida

O Brasil em face da bifurcação, ou de várias bifurcações

Paulo Roberto de Almeida

        Existem momentos, na vida de uma nação, em que importantes escolhas da vida nacional passam a ser determinadas não por decisões puramente internas, soberanas, mas por fatores externos, independentemente da vontade própria, nacional, determinada pelos detentores do poder, ou influências poderosas na vida nacional (partidos no governo, lideranças econômica e políticas, a própria pressão da opinião pública, que é geralmente provinda da classe média). Isso distingue grandes potências (que podem impor um custo a desafiadores externos) de médias ou pequenas potências, que sofrem pressão externa (até mesmo guerras ou retaliações econômicas) e que devem, portanto, fazer escolhas de menor custo relativo.
        Esta é a posição do Brasil, atualmente: entre as preferências políticas dos dirigentes nacionais e as pressões externas, estas podem se revelar mais poderosas, o que obriga o poder nacional a adotar posturas que não seriam as suas normalmente, mas que eles precisam provisoriamente, ou a contragosto, acatar. Isso muda o próprio perfil econômico, político, social, cultural, que uma nação passa a aceitar, e incorporar nos seus "costumes".
        O Brasil, no quadro conflitivo atual do mundo, terá de fazer escolhas, e não é propriamente o Brasil inteiro, mas as forças que determinam a sua direção atual.
Não se trata apenas de Lula ou Bolsonaro, Trump ou Putin, de Rússia ou Ucrânia, de Mercosul ou sozinho, de direita ou esquerda, de liberal ou protecionista, mas TUDO ISSO JUNTO, que é o que se coloca ao Brasil atualmente, e imediatamente (ou pelo menos no futuro de breve prazo).
        Se não fizer nada, o Brasil sofrerá as consequências, o mesmo ocorrendo se fizer uma escolha, ela terá inevitavelmente custos.
        Quais são eles? Diversos, variados, alguns imprevisíveis, talvez dolorosos, mas eles serão impostos pela realidade, não pela vontade exclusiva dos dirigentes atuais ou de seus opositores.
        Num momento destes, afloram os estadistas, ou NÃO, se eles simplesmente não existem: seremos carregados pelo caudal de eventos, muitos dos quais eu retirei da leitura da imprensa corrente sobre nossas interfaces externas, como abaixo.

Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 15/07/2025


Algumas notícias glanadas nos boletins disponíveis:

Política Externa Brasileira
Atualização diária ⋅ 15 de julho de 2025
NOTÍCIAS

Brasil e potências médias têm o desafio de manter o não-alinhamento para reconstruir o ... - The Conversation
No caso específico do Brasil, há ainda um objetivo adicional e inequívoco: aumentar os custos de uma política externa orientada por uma estratégia de ...

Tarifar é intervenção externa? Não, mas pode ser o começo - Gazeta do Povo
Os chineses têm uma influência inédita na história do Brasil. Antes, apenas uma fração de influência comercial e política; a partir do último governo ...

Defenda o Brasil do PT ou de Trump: guerra de comunicação influenciará eleições de 2026 - Gazeta do Povo
... brasileira. “Lula retoma a iniciativa política com um discurso ... política externa do governo brasileiro. Em seu terceiro mandato, Lula ...

Líder do PT pede suspensão de passaporte diplomático de Eduardo e inclusão de ... - O Globo
... exterior, obstrução da justiça e articulação internacional contra o Estado de Direito". ... política externa brasileira e exigiu, em nota pública, que ...

"Brasil se tornou o maior adversário dos EUA", afirma ex-juiz federal em análise sobre crise ... - Folha BV
... política externa brasileira. O ex-juiz foi categórico ao apontar que “nenhum outro país do mundo é tão adversário aos Estados Unidos quanto o Brasil ...

Entenda o que é a Lei da Reciprocidade e como pode ser aplicada aos EUA | CNN Brasil

Brasil decide apoiar ação da África do Sul contra Israel na Corte de Haia, diz jornal InfoMoney

Chanceler orienta embaixadora após repreensão a representante dos EUA - Portal Tela
O governo brasileiro, sob a liderança do chanceler Mauro Vieira, tem intensificado sua postura em relação à política externa dos Estados Unidos, ...

Camila Camargo Dantas | Quando a diplomacia assume o leme
Poder360
O Brasil tem peso político, mas precisa adotar uma postura estratégica diante do novo realismo comercial.

Brics entre a ambiguidade e a consolidação - Outras Palavras
Uma das causas parece ser a ambiguidade crescente da política externa brasileira e a percepção geral de que a prioridade do país está no G20. A ...

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Livro: Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Ateliê de Humanidades)

Um livro quase pronto, sendo ultimado para publicação:


Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil
Paulo Roberto de Almeida

(Ateliê de Humanidades)

Índice

1. Prefácio

2. Uma história intelectual: paralelas que se cruzam
1. Uma nota pessoal sobre minhas afinidades eletivas
2. Por que uma história intelectual paralela?
3. Por que vidas paralelas numa história intelectual?
4. Quão “paralelos” são Rubens Ricupero e Celso Lafer?
5. A importância de Ricupero e de Lafer nas relações internacionais do Brasil
6. O sentido ético de uma vida dedicada à construção do Brasil

3. Rubens Ricupero: um projeto para o Brasil no mundo
1. Do Brás italiano para o Rio de Janeiro cosmopolita
2. Um começo desconcertante na vida diplomática
3. Uma carreira progressivamente ascendente, pela via amazônica
4. Afinidades eletivas com base no estudo do Brasil e no conhecimento do mundo
5. Professor de diplomatas e de universitários, no Instituto Rio Branco e na UnB
6. O assessor internacional e o Diário de Bordo da viagem de Tancredo Neves
7. O Brasil no sistema multilateral de comércio
8. O mais importante plano de estabilização da história econômica brasileira
9. Unctad: a batalha pela redução das desigualdades globais
10. Um pensador internacionalista, o George Kennan brasileiro
11. A figura incontornável de Rio Branco, o paradigma da ação diplomática
12. Brasil: um futuro pior que o passado?
13. O Brasil foi construído pela sua diplomacia? De certo modo, sim
14. Quais as grandes leituras de Rubens Ricupero?

4. Celso Lafer: um dos pais fundadores das relações internacionais no Brasil
1. A abertura de asas de um intelectual promissor
2. A tese de Cornell sobre o Plano de Metas de JK
3. Irredutível liberal: ensaios e desafios
4. As relações econômicas internacionais: reciprocidade de interesses
5. A trajetória de Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil
6. Direitos humanos: a dimensão moral do trabalho intelectual
7. Um diálogo permanente com Hannah Arendt
8. Norberto Bobbio: afinidades eletivas com o sábio italiano
9. A aventura da revista Política Externa e seu papel no cenário editorial
10. A diplomacia na prática: a primeira experiência na chancelaria, 1992
11. A diplomacia na prática: a segunda experiência na chancelaria, 2001-2002
12. No templo dos imortais: um “intelectual militante” e um “observador participante”
13. O judaísmo laico de Lafer e a unidade espiritual do mundo de Zweig
14. Uma coletânea dos mais importantes artigos num amplo espectro intelectual

5. Paralelas convergentes: considerações finais

Produção relevante dos personagens, bibliografia geral e nota sobre o autor, e seus livros principais.

JK: Meu caminho para Brasília: os três volumes da autobiografia de Juscelino Kubitschek disponíveis na Editora do Senado

JK: Meu caminho para Brasília
Kubitschek, Juscelino, 1902-1976
Publicador : Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial
Data de publicação : 2020
Descrição física : 3 v. : il., fotos.
Série : Edições do Senado Federal ; v. 201A-201-C
Conteúdo : v. I. A experiência da humildade -- v. II. A escalada política -- v. III. 50 anos em 5.
Assuntos : Kubitschek, Juscelino, 1902-1976, biografia | Chefe de Estado, Brasil | Política e governo, Brasil, 1945-1963 | Quarta República (1945-1964), Brasil
Cobertura geográfica : Brasília (DF), construção | Brasília (DF), história
Responsabilidade : Juscelino Kubitschek
ISBN : 9788570185433 (v.I) | 9788570185440 (v.II) | 9788570185457 (v.III)

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Notas:
Possui índice onomástico.
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Três impérios, três destinos - Paulo Roberto de Almeida

Três impérios, três destinos

Existem hoje, temporariamente, três impérios e meio no mundo.

O império chinês é guiado pela racionalidade instrumental dos mandarins tecnocráticos do PCC. 

O império russo é dominado pela obsessão expansionista de Putin. 

O império americano está sendo diminuído pela ignorância avassaladora de Trump.

Isso explica as trajetórias diferentes de cada um deles: sucesso sustentável no primeiro caso; impasses e disfunções no segundo caso, podendo levar a uma profunda crise estrutural da Rússia; aceleração do declinio no terceiro caso, mas que atinge não só os EUA, mas o mundo todo, dada a magnitude do ainda hegemônico império americano. 

De certa forma, o mundo econômico é uma vitima da extrema ignorância de um déspota eleito democraticamente.

O mundo político e geopolítico está sendo abalado pelo expansionismo obsessivo de um ditador totalitário.

O fabuloso Império do Meio do passado, que atraía comerciantes e aventureiros europeus da primeira globalização, a dos “descobrimentos”, está sendo pacientemente reconstruído pelos novos mandarins do PCC.

Em volta desses três impérios, e do meio império da UE, que não possui comando unificado no plano econômico ou militar, gira o destino de potências médias, como Índia e Brasil, assim como o de todos os demais países com alguma importância econômica ou política no mundo atual. 

Alguns destes são guiados por estadistas inteligentes e racionais; outros, infelizmente, o são por lideres impulsivos ou mal assessorados, que reagem de forma tão irracional quanto o atual candidato a déspota dos EUA; de certa forma, este último está facilitando o itinerário bem sucedido do primeiro império.

CQD!

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 14/07/2025


JOSE DE SOUZA MARTINS: Um sociólogo em busca de contradições - Pablo Nogueira (Jornal da Unesp)

 

JOSE DE SOUZA MARTINS:

Um sociólogo em busca de contradições

Agraciado como Personalidade Acadêmica no próximo prêmio Jabuti Acadêmico, José de Souza Martins discute, em entrevista ao Jornal da Unesp, as linhas que orientam sua extensa produção no campo da Sociologia e a persistência da escravidão na sociedade brasileira

Jornal da Unesp, 12/072025


No último dia 23 de junho, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou o sociólogo José de Souza Martins como Personalidade Acadêmica da segunda edição do Prêmio Jabuti Acadêmico. Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Martins é autor de uma vasta e diversificada obra que compreende mais de 40 livros e capítulos publicados no Brasil e no exterior.

Três desses livros foram vencedores do prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas: Subúrbio (Editora Unesp), A Chegada do estranho (Hucitec Editora) e A aparição do demônio na fábrica (Editora 34). Curador do prêmio Jabuti Acadêmico e ex-reitor da Unicamp, Marcelo Knobel afirmou que a indicação é “um reconhecimento justo para quem tanto se dedicou e contribuiu para estudar a sociedade contemporânea brasileira”. 

Seu último livro, publicado pela Editora Unesp, Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-Escravista, analisa o fenômeno da servidão contemporânea e sua importância dentro do sistema de produção capitalista, um tema ao qual o pesquisador dedicou boa parte de sua trajetória profissional. Durante 12 anos (1996 a 2007), Martins atuou como representante das Américas na Junta de Curadores do Fundo Voluntário da ONU contra as Formas Contemporâneas de Escravidão. Em 2002 coordenou voluntariamente uma comissão da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça que elaborou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Escravo.

Nesta entrevista para o Jornal da Unesp, Martins discute as linhas de pesquisa que têm orientado sua extensa produção acadêmica, que ele descreve como “conjunto complexo de linhas conexas de investigação sociológica”, além de analisar algumas das causas da persistência da escravidão na sociedade brasileira.

***

O senhor recebeu o prêmio Personalidade Acadêmica no Prêmio Jabuti Acadêmico 2025 pelo conjunto da sua obra. Seus livros abordam uma diversidade grande de temas, como questões agrárias, imigração italiana, linchamentos no Brasil, escravidão moderna, história de São Paulo, entre outros. Existe um eixo principal que orientou esse seu percurso intelectual? 

José de Souza Martins: Existe um eixo, mas não apenas um eixo. Um eixo principal que vai do meu livro A Imigração e a Crise do Brasil Agrário, que é sobre a imigração italiana, mas que na verdade discute a formação do capitalismo no Brasil. 

O capitalismo no Brasil não é uma cópia do capitalismo de outros países. Fernando Henrique Cardoso, que foi meu professor, já havia chamado a atenção para isso na tese de doutorado dele Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, e eu continuei investigando o tema. Contudo, à medida que a pesquisa andava, eu notei que haviam temas correlacionados mais abertos, que pediam uma investigação adicional. Então eu fui ampliando a pesquisa até esse livro mais recente, que é o Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista, publicado pela Editora Unesp, em que praticamente eu fecho essa linha de análise da realidade brasileira. 

Durante esses meus estudos sempre surgem temas paralelos. Por exemplo, eu estava no campo durante pesquisa na região amazônica e começaram a surgir informações paralelas à pesquisa sobre linchamentos na região. Houve um episódio famoso em Matupá (MT), nos anos 90, quando dois ladrões assaltaram um banco numa pequena localidade do estado e foram bestialmente linchados e queimados vivos pela população local, tudo isso transmitido pela televisão. Então eu comecei uma linha adicional de pesquisa sobre linchamentos que durou 20 anos e resultou no meu livro Linchamentos: A justiça popular no Brasil

Ou seja, são temas correlatos, eles não estão separados. Ao mesmo tempo, eu desenvolvi uma linha de trabalho, também paralela, sobre Francisca Julia da Silva, uma grande poetisa paulista, que se matou em 1920. Apesar de ser uma poetisa conservadora, ela era uma romântica, e ainda assim acabou se tornando uma espécie de musa dos modernistas. Este é o tipo de contradição que me interessa. Minhas pesquisas todas estão baseadas nessas contradições, seja em que plano for. Essa é minha tese: o Brasil é uma sociedade do avesso. Isso aparece em alguns autores, como Guimarães Rosa e Walnice Galvão, e aparece também nos movimentos sociais. Minha obra é um conjunto complexo de linhas conexas de investigação sociológica e de explicação do que é o Brasil.

O que você quer dizer com o Brasil, um país do avesso?

José de Souza Martins: A dinâmica do Brasil é uma dinâmica oculta. Não é o que sai no jornal. Não é o que sai nas análises políticas. Nós estamos de cabeça para baixo. Tudo funciona do avesso. Nessa dinâmica, existe um protagonismo histórico das populações simples, dos desvalidos, dos marginalizados, dos excluídos. Eles fazem história indiretamente. Um dos meus livros, A sociabilidade do Homem Simples, é sobre isso. A Guerra de Canudos foi marcada por esse protagonismo do homem simples e a Guerra do Contestado também. Esse inclusive é o tema do meu próximo livro, que está quase pronto, pela Editora Unesp.

Nós não nos explicamos pelo modelo europeu de história. Nós somos a anti-história. Nós somos a margem do mundo. Então nós nunca temos uma consciência política verdadeira, nunca sabemos exatamente o que está acontecendo, mas achamos que sabemos. Somos um país anômalo e anômico, ou seja, aquilo que funciona com regras invertidas. Essa realidade que nós estamos vivendo hoje no Brasil atualmente é escandalosamente isso. O avesso marginalizado não protagoniza as decisões da história do país. É claro que para poder entender isso que eu estou tentando dizer tem que ler os livros. 

O seu livro mais recente tem como título Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-Escravista. O que é essa sociedade pós-escravista, exatamente, e por que a gente vê a perseverança da escravidão no Brasil ainda nos dias de hoje?

José de Souza Martins: Porque nós não somos um país civilizado. Nós não somos um país capitalista. A gente acha que é, mas na verdade não somos. Nós temos um capitalismo que nunca chegou lá, nunca concluiu, nunca se fechou. É um capitalismo periférico, subdesenvolvido, que usa recursos pré-capitalistas para fazer acumulação de capital. É um capitalismo que depende, por exemplo, de grilagem de terra e de especulação imobiliária.

Nós nunca chegamos a ser aquilo que foi o capitalismo inglês, o capitalismo alemão, o capitalismo francês, o capitalismo norte-americano. Nós somos sempre um aquém. Nós não chegamos lá.

Nós temos escravidão até hoje no Brasil. Há uns três ou quatro anos tinha um sujeito vendendo dois escravos na feira do Pari, aqui na cidade de São Paulo. Isso é algo atual. Isso não é uma aberração. É uma contradição. Nós estamos vivendo um período pós-escravista legal aqui no Brasil. Estamos longe de 1888 e no entanto a escravidão ainda se reproduz. 

E por que o Brasil não se percebe do avesso? O Brasil se percebe uma grande economia capitalista, tanto que esses episódios que o senhor citou costumam causar reações de espanto na sociedade.

José de Souza Martins: Porque as sociedades contemporâneas dependem de alienação para existirem. Você tem que acreditar que a sociedade é uma coisa que de fato ela não é. Isso ocorre também nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França. É a chamada alienação. E nós temos a nossa alienação. Nós achamos que somos o país mais interessante do mundo, ou o “país do futuro”, como disse o escritor Stefan Zweig. Nós não somos o Brasil do futuro, infelizmente. Nós não somos sequer o país do presente. Nós estamos sempre por chegar lá, mas a gente nunca chega. 

O pós-escravismo é isso: um capitalismo que não depende de criatividade empresarial e industrial. Ele depende de especulação financeira, da renda da terra, da especulação imobiliária, depende de grilagem de terra. Atualmente, nós temos no Brasil quase 30 milhões de hectares de grandes empreendimentos agrários em terras griladas. Terras que foram obtidas de forma criminosa. No fim das contas, o crime é que governa o Brasil. 

Nós vimos nos últimos dez ou vinte anos a sociedade brasileira dar uma forte guinada para a direita, se tornando mais conservadora. Isso foi visto por muitas pessoas como uma surpresa e surgiram várias tentativas para explicar essa guinada. Uma dessas explicações é internacionalista, e entende essa mudança como algo que ocorre em outros lugares do mundo e relacionado às novas tecnologias. Existe uma forma de entender esse movimento com base na própria história do país?

José de Souza Martins: Sim. Nós nunca fomos um país de esquerda e a nossa esquerda sempre foi fragmentada, de classe média. Esse é um grande problema. Nós não temos uma esquerda operária clássica no Brasil. Existe o movimento de São Bernardo do Campo, mas não temos uma esquerda consolidada como você tem na Itália ou na França, por exemplo. Então, quando as contradições se agudizam, como se agudizaram nos últimos vinte ou trinta anos, é claro que vem para fora esse lado oculto. A ditadura militar nunca terminou no Brasil, esse é o primeiro detalhe. Essa gente que está aí, estava conspirando já antes da ditadura militar acabar. Bolsonaro é filho da ditadura e foi criado para cumprir o papel dele: desmantelar o sistema democrático no Brasil.

Nós temos uma ilusão que somos de esquerda. Na verdade, nós queremos ser de esquerda, mas não sabemos ser de esquerda. Somos um país que temos marxistas que nunca leram a obra de Karl Marx, que é complicadíssima. O pensamento de Marx é um pensamento científico. O capitalismo não é para ser contra, é para ser superado. Você constroi alternativas ao capitalismo em cima da práxis política. A práxis é a contradição de repetição e inovação. 

Os movimentos populares que poderiam ser a expressão de uma inovação na práxis política são subestimados e combatidos, ao invés de serem devidamente interpretados. A universidade tem uma responsabilidade nisso. Ela tem que se ajustar e interpretar a realidade como ela é. Isso depende de método científico. Isso não depende de ideologia política. 

Na imagem acima: sociólogo José de Souza Martins (Crédito: Marcos Santos/USP Imagens)

A armadilha chinesa no projeto da Ferrovia de Integração Bioceânica - Márcio Coimbra (Dantas.com.br)

A armadilha chinesa no projeto da Ferrovia de Integração Bioceânica

Por Márcio Coimbra

Dantas.com.br, 13/07/2025


Lula justifica que quer atrair a China para desenvolver uma cadeia de suprimentos que fortaleça a infraestrutura de lançamentos espaciais em Alcântara

Lula quer atrair a China para desenvolver uma cadeia de suprimentos que "fortaleça" a infraestrutura de lançamentos espaciais em Alcântara

A recente assinatura do memorando entre o Brasil e China para estudos da Ferrovia de Integração Bioceânica, ligando o porto chinês de Chancay, no litoral do Peru, ao porto Sul de Ilhéus, na Bahia, é apresentada como um marco de desenvolvimento. Contudo, sob o brilho da promessa de progresso logístico, escondem-se riscos profundos que demandam cautela.

A parceria com Pequim não pode ser analisada isoladamente, mas sim à luz do histórico de projetos de infraestrutura chineses. Experiências internacionais servem como alerta: aquilo que começa como investimento frequentemente evolui para relações de codependência, onde a soberania nacional é moeda de troca.

O modus operandi é preocupantemente familiar: empréstimos chineses, opacos em seus termos, financiam projetos executados por suas empresas estatais. O resultado é um desfecho com ares de neocolonialismo.

O Sri Lanka, por exemplo, foi forçado a entregar o controle do porto de Hambantota por 99 anos à China após inadimplência. Na Malásia, o governo cancelou projetos ferroviários chineses devido a termos considerados leoninos e insustentáveis. O Laos mergulhou em crise de dívida colossal, hoje equivalente a quase 100% do seu PIB, impulsionada pela ferrovia China-Laos. A Etiópia viu seu principal aeroporto ameaçado de controle chinês.

O padrão é o mesmo: endividamento insustentável seguido de perda de controle sobre ativos estratégicos.

No caso da Ferrovia Bioceânica, os riscos para a soberania brasileira são palpáveis. Os termos financeiros e operacionais, ainda desconhecidos, poderão conferir à China influência desproporcional sobre uma rota logística vital, transformando-a em um instrumento de pressão geopolítica.

Isto significa que a dependência de financiamento e tecnologia chinesa podem minar a capacidade do Brasil de tomar decisões autônomas sobre sua infraestrutura estratégica, seus recursos naturais e até mesmo sua política externa, amarrando o país a interesses estranhos a nossa soberania.

AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTOS EXTERNOS

Neste contexto, a urgência de um mecanismo robusto de avaliação de investimentos estrangeiros torna-se inegável. É aqui que ganha relevância o Projeto de Lei 1051/2025, de autoria do Deputado Hauly, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil.

Este órgão seria um escudo essencial na análise de investimentos estrangeiros em setores estratégicos como infraestrutura crítica, energia e recursos naturais, avaliando riscos concretos à segurança nacional, à soberania e à estabilidade econômica do país. A Ferrovia Bioceânica seria um caso emblemático que demandaria o crivo rigoroso de avaliação, garantindo transparência nos contratos, sustentabilidade financeira e salvaguardas contra perda de controle.

A ambição de integrar o continente com uma ferrovia bioceânica é louvável. Contudo, o caminho proposto, pavimentado pelo modelo chinês de financiamento e execução, é repleto de armadilhas históricas. Ignorar os exemplos da África e da Ásia, onde projetos similares geraram endividamento insustentável e erosão da soberania, seria uma temeridade.

O Brasil não pode trocar o progresso logístico pelo risco da dependência. É imperativo que o Congresso Nacional priorize a aprovação do PL 1051/2025 para que possamos negociar com segurança, assegurando que o desenvolvimento da nação não comprometa sua autonomia e seu futuro nas mãos de interesses estranhos. Os trilhos do progresso não podem custar nossa soberania.


* Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e Presidente-Executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal

4988) Destaques curiosos da Declaracao do Rio de Janeiro do Brics+, 2025 - Paulo Roberto de Almeida

 4988) Destaques curiosos da Declaracao do Rio de Janeiro do Brics+, 2025


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor
Ressaltando certas afirmações incongruentes da dita declaração, com pequenas observações contrarianistas.

Parto da “Declaração do Rio de Janeiro” da reunião de cúpula do Brics+, emitida em 6 de julho de 2025, apenas destacando o que me pareceu mais curioso dentre as dezenas de afirmações, promessas, compromissos do referido documento. Minhas observações seguem em meio ao texto, entre colchetes, ou ao final de cada frase destacada, sempre em itálico, atendendo à sua numeração. Três quintos, talvez mais, dos 126 parágrafos da declaração, cobrem todos os campos possíveis da cooperação internacional, bilateral, plurilateral, regional, multilateral e setorial, esgotando todas as possibilidades humanas e sociais, no mais perfeito mundo ideal dos sonhos de todos os internacionalistas, globalizadores e promotores do bem-estar coletivo e da felicidade geral dos povos. Vários deles contêm muita hipocrisia, ou mentiras flagrantes, como a tentativa de obscurecer a responsabilidade primordial da Rússia de Putin pelas ameaças à paz e a segurança internacionais, facilmente detectáveis pelas lacunas mais flagrantes dessa super-declaração, da qual vou destacar apenas as contradições mais chocantes.

(...)


domingo, 13 de julho de 2025

Entrevista com o presidente da Finlândia

 Finland’s President Alexandeer Stubb: The U.S. elected Trump. His foreign policy is transactional. 

You have to adapt and find ways to influence. Diplomacy is both state and personal, people make the decisions. My heart is often in North America. 1/

Stubb: I doubt we'll see a ceasefire before summer ends, there's no momentum. Thousands die weekly, and Russia keeps targeting civilians.

After NATO summit I felt hopeful long-term, but not about an immediate end. This war may grind on. 2/

Stubb: If you want to end this war you need 2 things. One is you need to continue to militarize Ukraine. 

Second thing, we need to put pressure on Russia so that it ends the war, so it doesn't have an incentive to continue anymore. 3/

Stubb: In today’s transactional world, U.S. actions in Iran could impact Ukraine. Trump has shown he’ll use force. 

A weakened Iran may stop arming Russia. Will Trump get tougher on Russia? Unclear, but he may hold the key to peace. 4/

Stubb: Ukraine is fighting for its independence, sovereignty, and territorial integrity. This is also a fight for the global order — rules, norms, and institutions. 

If might makes right, and borders can be redrawn by force, we risk descending into a lawless, unstable world. 5/

Stubb: You should never get flustered. Stay cool, calm and collected. 6X


Uma reflexão introspectiva sobre o problemático caso da Rússia e suas consequências para o Ocidente, incluindo aí a diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão introspectiva sobre o problemático caso da Rússia e suas consequências para o Ocidente, incluindo aí a diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida 


From anton_gerashchenko_en:

(E eu concordo inteiramente com o presidente da Finlândia nessa entrevista sobre a tragédia atual da Ucrânia; PRA.)


“I wanted to share with you several quotes from the interview of President Alexander Stubb of Finland to Peter Hartcher from The Sydney Morning Herald.


Ukraine is very grateful to the people and leadership of Finland for standing firmly with Ukrainians! 🇫🇮🇺🇦


◾️ "Within the next five to 10 years, two things will hold true with Russia. One is that they will not revert into a peaceful liberal democracy. And second, they will continue a military build-up."


Esta é a primeira e a mais patente e realística constatação, aliás, a única conclusão possível: a Rússia não vai se tornar, sob Putin, uma democracia liberal pacífica; não há nenhuma chance de que isso ocorra no futuro previsível, com Putin ou sem ele. 

Ela vai continuar na sua senda militarista, exatamente como ocorreu com as potências fascistas agressivas e expansionistas dos anos 1930. 

A segunda conclusão é de que, sob Putin (e talvez mesmo depois dele), a Rússia vai continuar a ser uma autocracia militarista, mesmo ao preço do bem-estar do seu povo e da estagnação econômica do país, na verdade um império nunca acabado e nunca realizado inteiramente em seu potencial produtivo, uma cleptocracia vivendo à custa de seus imensos recursos naturais. 

Não sei se isso é uma maldição eterna, mas parece ser o resultado de um império construído à base de violências inauditas e de uma selvageria vinda de épocas passadas, de puro despotismo oriental, bem mais do que o suposto modelo chinês rascunhado por Max Weber e descrito por Karl Wittfogel, que se revelou inovador e até avançado nas suas formas de organização estatal, marcadas por uma burocracia relativamente eficiente.

Esta introspecção tem relevantes consequências — aparentemente não realizadas até aqui — para a diplomacia corporativa do Brasil, à qual eu servi zelosamente durante 44 anos (menos vários anos de ostracismo sob o chamado lulopetismo diplomático): eu nunca constatei qualquer reflexão crítica de diplomatas proeminentes a propósito da primeira configuração do BRIC proposto ardilosamente, quase em segredo operacional, nos anos imediatamente posteriores à suposta posta em marcha da assim chamada “diplomacia ativa e altiva” — uma espécie de congratulação pro domo sua — em torno de 2005-2006, uma transfiguração de uma simples proposta de plataforma de investimentos rentáveis para fundos financeiros institucionais em um projeto de bloco institucional de caráter diplomático, entre quatro Estados soberanos (duas autocracias e duas democracias de relativamente baixa qualidade), sem qualquer convergência política-estratégica, a não ser uma possível desconfiança de uma suposta “hegemonia ocidental” indesejável, mas com um quase indisfarçável oportunismo midiático.

Todos se dobraram às ordens vindas de cima, incorporando acriticamente essa nova configuração totalmente artificial, e até bizarra (dadas as notórias diferenças entre os quatro), sem que estudos técnicos mais abalizados pudessem coonestar ou abonar essa proposta tirada do bolso do colete, sem maiores reflexões sobre suas implicações estratégicas para a doutrina diplomática brasileira ou para seu projeto de segurança nacional, ou para as políticas de caráter relevante para o desenvolvimento do país no cenário geopolítico mundial. 

Nunca houve, da parte do Itamaraty, uma “Informação ao Presidente da República” — como feito, por exemplo, para o acordo binacional Brasil-Paraguai sobre a construção da usina de Itaipu, para o acordo tripartite Brasil-Argentina-Paraguai de 1979 sobre as cotas da nova usina em construção, ou para os tratados de 1988 de integração com a Argentina, e quadrilateral de 1991 sobre o Mercosul, todos eles de enormes consequências estratégicas para o Brasil — para o caso do BRIC em sua primeira conformação; não, tudo foi decidido e aprovado praticamente a duas cabeças exclusivamente, o chanceler “ativo e altivo” e o então presidente em seu primeiro mandato.

À falta de reações por parte das lideranças políticas da nação, e da própria diplomacia profissional, a aventura do BRIC, BRICS e agora BRICS+ continuou sua marcha em zigue-zague (mais zague do que zigue por parte das duas autocracias dominantes, no plano mundial e do próprio bloco), com cada vez novas implicações geoestratégicas para o Brasil como um todo, sem que, em qualquer momento, fossem questionados os fundamentos, a rationale e os objetivos maiores do novo grupo, ou bloco diplomático.

De memória “bibliográfica”, todas as publicações elaboradas sobre o novo grupo-bloco, com implicações da mais alta relevância para os destinos fo País, foram aparecendo de forma inquestionavelmente positiva, como se a aventura fosse um dado, uma configuração diplomática e um projeto inquestionavelmente positivos para o Brasil, sem maiores questionamentos por parte da sociedade brasileira, em primeiro lugar do próprio Itamaraty, sempre submisso a quaisquer tipos de ordens superiores. Ao contrário, a ideia contou com uma recepção praticamente entusiástica por parte da academia, assim como do jornalismo complacente com a “genialidade” da trouvaille, cuja sigla sempre foi saudada com uma aquiescência muito favorável.

O mundo foi sendo transformado pelas assim chamadas “forças profundas” da economia e da política mundiais, e o barco do BRICS foi navegando em águas aparentemente tranquilas, com muito assédio ao novo grupo por parte do mal chamado “Sul Global” (uma outra entidade fantasma criada por acadêmicos e jornalistas apressados), até que irromperam as demonstrações práticas do novo imperialismo russo, primeiro na Georgia, depois na Moldova, em seguida na península da Crimeia e no Donbas, e finalmente na Ucrânia como um todo, a partir de 2022. Mas já a partir de 2014, com a invasão e a anexação ilegais, por Putin (mais do que pela Rússia), da península ucraniana da Crimeia (historicamente russa, por ações anteriores do imperialismo grão-russo czarista), a geopolítica mundial foi transformada de forma irreversível, sobretudo por força da ruptura violenta da Carta da ONU e das sanções racionalmente adotadas por parte de diversas nações “ocidentais” (entre as quais não se incluiu o Brasil, já no terceiro mandato lulopetista).

O processo de ruptura com o Direito internacional conspurcado desde o início por Putin se agravou com a Operação Militar Especial de 2022, agora já secundado pela “aliança sem limites” com a RPC de Xi Jinping, na aparente indiferença dos demais três membros do BRICS, assim como do chamado Sul Global e também da comunidade acadêmica entusiasta da ideia e do projeto do BRICS.

Pode-se dizer que o BRICS+ é um resultado e uma consequência direta da aventura militar de 2022, forçado pelas duas autocracias aos demais três membros do bloco, talvez complacentes ou simpáticos em face do sucesso aparente do bloco, assediado por muitos representantes do indefinível Sul Global, ou dessa ideia questionável do “mundo pós-ocidental”.

A terrível realidade da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, que se transmutou de guerra de conquista (frustrada pela resistência ucraniana) em guerra de pura destruição de vidas e patrimônio da nação brutalmente atacada por Putin, começou a emitir alguns sinais de desconfiança sobre esse novo bloco visivelmente contrário à chamada “hegemonia ocidental” e sobre sua ideia indefinida de uma “nova ordem global multipolar”, visivelmente nas antípodas da atual ordem onusiana, já declarada perempta e incompetente pelo presidente brasileiro em seu terceiro mandato (mas ainda solidamente comprometido com a sua ideia de uma nova ordem mundial “mais inclusiva e democrática”).

Assim estamos em 2025, num cenário conturbado por diversos conflitos em diferentes regiões do planeta, mas novamente confrontado a um presidente americano visivelmente imperialista em suas pretensões megalomaníacas de “fazer a Ameaça grande novamente”, ainda que à custa de ações unilaterais abusivas e muito agressivas, contra aliados e concorrentes tidos como adversários. 

A diplomacia presidencial brasileira, ainda mais personalista neste terceiro mandato do que nos dois anteriores, segue comprometida com o projeto iniciado em 2005, aparentemente disposta a continuar com as alianças feitas num passado bem diferente do atual, independentemente das mudanças estratégicas que já ocorreram no cenário geopolítico.

De minha parte, observo que a diplomacia profissional continua calada e obediente aos dogmas da hierarquia e da disciplina, mesmo se alguns sinais de inquietação possam ser fracamente percebidos. No que concerne, continuarei atento a novos desdobramentos desse cenário, postando ideias e reflexões em meu tradicional “quilombo de resistência intelectual” que é o Diplomatizzando, e já pensando em fazer uma nova edição do meu livro A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira (2022), editado antes do BRICS+. 

Vale!

Paulo Roberto Almeida

São Paulo, 13/07/2025

sábado, 12 de julho de 2025

As tarifas e a Tarifa-Bolsonaro - Demétrio Magnoli Folha de S. Paulo

 As tarifas e a Tarifa-Bolsonaro

Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo, sábado, 12 de julho de 2025

Ninguém está a salvo da espada erguida pela Casa Branca

Trump declarou, vezes sem conta, sua tórrida paixão por tarifas. Celebremente, selecionou "tarifas" como sua palavra predileta, para depois corrigir-se colocando-a atrás de "Deus" e "amor". Na visão dele, tarifas desempenham três funções distintas. A Tarifa-Bolsonaro, de 50%, anunciada contra o Brasil, enquadra-se na terceira família.

Nas suas versões de esquerda e direita, o populismo econômico destina-se a impulsionar o consumo, angariar popularidade e colher triunfos eleitorais. No fim, o resultado é sempre a explosão da dívida pública. Pela esquerda, caso do Brasil, sob o dístico "gasto é vida", os gastos públicos crescem além das possibilidades de aumento da arrecadação tributária. Pela direita, ao estilo de Trump, sob o lema de que "redução de impostos é vida", comprime-se a receita tributária a patamares inferiores às necessidades orçamentárias.

A primeira função das tarifas de Trump é compensar a redução de impostos. O presidente imagina retroceder o relógio da história até o final do século 19, quando as taxas sobre importações representaram a fonte principal de arrecadação do governo dos EUA. Não funcionará: mesmo sob políticas suicidas de cortes de despesas, o Estado contemporâneo precisa arrecadar muito mais do que proporcionariam as tarifas alfandegárias.

A Lei de Tarifas de 1890, proposta por William McKinley, um herói de Trump, aumentou para 50% as taxas alfandegárias médias dos EUA. A ideia era proteger a manufatura nacional, estimulando a expansão industrial do país. Na época, funcionou –como, mais tarde, a substituição de importações aceleraria a industrialização do Brasil.

A segunda função das tarifas de Trump é provocar um renascimento manufatureiro dos EUA. Trata-se, também, de uma utopia reacionária. Atualmente, as grandes empresas assentam seus negócios em cadeias produtivas internacionalizadas, tirando proveito das vantagens comparativas de diversas economias nacionais. As tarifas de Trump tendem a inflacionar a economia doméstica sem restaurar os parques manufatureiros devastados pela história.

"America First" —a guerra tarifária orienta-se tanto contra adversários como contra aliados geopolíticos dos EUA. Em princípio, ninguém está a salvo da espada erguida pela Casa Branca. Contudo, a terceira função das tarifas é castigar governos que tornam-se alvos da ira sagrada de Trump. A Tarifa-Bolsonaro pertence a essa família de sanções ideológicas.

Lula tagarela à vontade sobre soberania nacional, mas só a respeita quando lhe convém. Já declarou apoio a candidatos estrangeiros, fez campanha para Hugo Chávez e, há pouco, exibiu-se na mansão onde Cristina Kirchner cumpre prisão domiciliar reivindicando a libertação da ex-presidente. Não teria o direito moral de exigir de Trump respeito à Justiça brasileira enquanto insurge-se contra sentenças judiciais argentinas.

Mas a Tarifa-Bolsonaro situa-se num pavilhão superior de interferência na soberania nacional. De fato, trata o Brasil como uma ditadura que emprega o sistema judicial para violar direitos humanos. Diante dela, Lula tem o dever de enrolar-se na bandeira auriverde e enfrentar a ameaça. De quebra, beneficia-se politicamente da submissão canina de Tarcísio de Freitas aos interesses de Bolsonaro que, à vista de todos, contrariam diretamente o interesse nacional.

O Brasil paralisado por impasses na governança - Paulo Baía

A tempestade e o fio: o Brasil entre poderes em fricção, fé em disputa e a urgência da escuta democrática

              * Paulo Baía 

O Brasil, em julho de 2025, é um país que caminha sob a vertigem. A paisagem institucional permanece em pé, mas há rachaduras nos pilares. As cores da democracia ainda estão nas bandeiras, nos tribunais, nas urnas e nas palavras dos discursos oficiais. No entanto, os três poderes da República caminham como corpos desajustados, um de costas para o outro, sem sincronia, sem harmonia, em fricção constante. A ideia de equilíbrio entre os poderes tornou-se peça de ficção constitucional. O que há é um embate silencioso e cotidiano entre instâncias que se desejam autônomas, mas que se sabotam mutuamente, num jogo de vaidades e estratégias dissimuladas. Neste palco de choques institucionais, pulsa a vida real de um país desigual, fatigado e ainda assim vivo.

Para compreender os últimos quinze anos da vida nacional é necessário nomear, sem rodeios, o lugar central que o Supremo Tribunal Federal passou a ocupar. O STF deixou de ser apenas o guardião da Constituição. Tornou-se ator de cena, não mais bastidor. Seus ministros passaram da toga ao microfone, do voto técnico à decisão com gestos dramáticos. O Supremo passou a ditar o ritmo da política brasileira, interferindo diretamente nos processos eleitorais, nas ações do Executivo, nas disputas legislativas, nos embates simbólicos do país. É um protagonismo visceralmente político, alimentado tanto pela omissão dos demais poderes quanto pela tempestade de crises que exigiram posicionamento. Seus votos tornaram-se editoriais. Suas decisões, capítulos do romance nacional. Seus ministros, personagens centrais da narrativa coletiva.

Mas o protagonismo do STF, ainda que por vezes necessário diante do colapso de outras instituições, é também sintoma. Sintoma de uma democracia tensionada, que transfere ao Judiciário o papel de árbitro quando a política perde sua capacidade de mediação. O Supremo preenche o vazio deixado por um Executivo sob constante cerco e por um Legislativo que se transformou num superpoder descontrolado. O Congresso Nacional já não é apenas uma casa de leis. Tornou-se o verdadeiro centro do governo, agindo sob um parlamentarismo informal, não declarado, mas operante. Um parlamentarismo de fato, em que deputados e senadores controlam a execução orçamentária por meio das emendas, exigem recursos, ministérios, cargos, favores. E tudo isso sem qualquer responsabilidade direta pelas consequências. A fatura é do Executivo. A cobrança é da população. A glória é do Legislativo.

Esse modelo deformado de governança cria um poder que governa sem governar, que executa sem responder, que pressiona sem assumir. O presidente da República torna-se um negociador permanente, um refém com caneta, um gerente de emendas. A responsabilidade pública permanece com o Executivo, mas o comando do orçamento está nas mãos do Parlamento. A inversão é brutal. É um regime de submissão consentida, em que o governo, para sobreviver, entrega partes da alma do Estado. O presidencialismo que resta é apenas uma imagem invertida no espelho da Constituição.


E nesse campo de distorções, reina também o bolsonarismo. Não como governo, mas como assombração. Jair Bolsonaro, ainda que fora do cargo, permanece como centro simbólico de um movimento que sobrevive a ele. O bolsonarismo é hoje um sistema articulado, operante, incrustado em igrejas, câmaras, corporações, escolas militares, polícias e redes sociais. Alimenta-se do ressentimento, da desconfiança, da descrença na política, da fé manipulada, do medo como método. Atua como vírus ideológico e cultural, contaminando o debate público, deslegitimando as instituições, instilando a lógica da ruptura permanente. Já não depende de Bolsonaro. Tornou-se maior que ele. Respira por aparelhos próprios.


A ofensiva internacional de Donald Trump, ao impor um tarifaço de cinquenta por cento sobre produtos brasileiros, foi mais que hostilidade econômica. Foi um gesto político, um aceno internacional à extrema direita brasileira, uma tentativa de desestabilizar o governo Lula e reforçar a ideia de que o Judiciário brasileiro age por vingança, não por justiça. Foi uma interferência grosseira nas escolhas internas do Brasil. Uma aliança explícita com o bolsonarismo em versão transnacional. Uma diplomacia da intimidação. Um gesto simbólico que buscava empurrar o Brasil de volta ao mundo das tutelas coloniais.


A resposta de Lula foi serena e firme. Acionou os canais diplomáticos, convocou a embaixadora brasileira nos Estados Unidos, prometeu reciprocidade, falou como chefe de Estado de uma nação que não aceita ser humilhada. O gesto teve peso. E reverberou. Porque há momentos em que é preciso erguer a voz com sobriedade, para que o país se reconheça em sua própria dignidade.


As ruas, até então dispersas, reagiram. Em 10 de julho, dezenas de milhares de pessoas tomaram praças e avenidas em várias capitais. A convocação partiu das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, com apoio do MST, da CUT, da UNE, do PT, do PSOL. O grito não era apenas contra Trump, mas contra a tentativa de submeter o Brasil a um jogo autoritário global. Era um grito por soberania, por justiça tributária, por proteção ao Judiciário, por respeito à democracia. Era, sobretudo, um ato de memória coletiva. Uma lembrança de que o povo ainda sabe reconhecer os momentos em que a história exige presença.


O impacto foi imediato. O instituto Quaest registrou interrupção na curva de queda da aprovação do governo Lula. A tendência mudou. O povo entendeu o gesto. A firmeza diante da agressão externa foi compreendida como força, não como confronto gratuito. O episódio devolveu ao governo a capacidade de recompor sua narrativa. Recolocou Lula como protagonista. Mas essa recuperação, embora simbólica, não basta. O campo democrático precisa de mais que gestos pontuais. Precisa de enraizamento. Precisa de escuta.


Escutar as vozes do país profundo. Escutar as igrejas, sim, mas todas elas. Ouvir padres, pastores, bispos, cardeais, pregadores, líderes evangélicos, teólogos populares. Ouvir os terreiros, os babalorixás, os pais e mães de santo, os dirigentes de casas de Umbanda. Ouvir também os espíritas kardecistas, os médiuns, os esotéricos. Ouvir os que vivem da fé, que comungam com a espiritualidade de um povo que é profundamente religioso, místico, plural. Esses espaços não são apenas templos. São centros de escuta, redes de cuidado, territórios de acolhimento. São onde o povo busca sentido, refúgio, força. Negar isso é negar o coração do Brasil.


É preciso também escutar os adversários que não se tornaram inimigos. Aqueles que votaram contra, mas que não entregaram sua alma ao bolsonarismo. Gente comum. Trabalhadores, estudantes, pequenos empreendedores, donas de casa, motoristas de aplicativo, jovens desiludidos, mães aflitas. Gente que sente, sofre, espera. Muitos não escolheram a extrema direita por convicção, mas por solidão. Por ausência de alternativa. Por desinformação. Por medo. Esses não devem ser atacados, mas ouvidos. Porque ali também está o futuro.


Lula começou a reencontrar esse caminho. Rompeu o silêncio estratégico. Assumiu as rédeas. Recompôs a base, reorganizou as prioridades, enfrentou a chantagem institucional com mais firmeza. Mas o desafio é imenso. A engrenagem é pesada. O centrão exige mais. O STF seguirá intervindo. Trump não recuará. O bolsonarismo avançará pelas bordas, pelas frestas, pelos corpos.


É nesse cenário que se impõe a urgência de escolhas. Há decisões que não podem mais ser adiadas. Há pactos que não podem mais ser mantidos. Há zonas de conforto que se tornaram campos de rendição. A estabilidade não vale a perda da alma. A governabilidade não pode custar a dignidade do projeto. A conciliação não pode se transformar em traição. É preciso ter coragem para dizer não. Para traçar limites. Para afirmar valores.


Como escreveu a jornalista Silvia Debossan Moretzsohn, em seu artigo “Sobre escolhas difíceis — e óbvias”, publicado no site Come Ananas, há momentos em que já não se pode continuar fingindo que tudo é questão de cálculo. Há horas em que o óbvio se impõe, não por ser simples, mas por ser urgente. Porque há lutas que não admitem postergação. Porque há uma história que precisa ser escrita com coragem.


O fio da história foi reencontrado. Mas segurá-lo exige firmeza, escuta, clareza e, sobretudo, compromisso. O futuro do Brasil, entre as fricções dos poderes, as tormentas externas e os fantasmas internos, dependerá da capacidade de enfrentar o que precisa ser enfrentado. Com beleza. Com dureza. Com generosidade. E com a coragem de não desistir. Porque, no fundo, é disso que se trata: de não desistir. De novo. E sempre.


               * Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ


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