O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Um caso de daltonismo político - Paulo Roberto de Almeida

Um caso de daltonismo político:

Paulo Roberto de Almeida 

A extrema-direita brasileira recebe com elogios e entusiasmo a suposta defesa das liberdades - econômica e de expressão - feitas pelo trio Trump-Vance-Musk, como se eles figurassem no panteão de um novo Iluminismo.

Elude o brutal ataque que eles fazem às instituições que moldaram, desde Bretton Woods e San Francisco, o regime liberal que permitiu o crescimento do bem-estar e o aumento de renda pela economia de mercado dos países os mais diversos, com destaque para aqueles saídos do socialismo e que transitaram para regimes de maiores liberdades econômicas e políticas, sobretudos os da Europa central e oriental (quase todos atualmente na OCDE, na UE e na OTAN), sem esquecer as duas grandes autocracias, Rússia e China, que também abandonaram o totalitarismo e os monopólios estatais e migraram para sistemas de mercado.

A extrema-direita brasileira deve ser miope, ao saudar os novos autoritários.

Paulo Roberto Almeida


Zelensky em Munique: “A Europa precisa se ajustar” (ao abandono da Otan por Trump) - Foreign Policy

 Zelensky in Munich:

Europe Needs to Adjust’

Ukrainian President Volodymyr Zelensky arrives to meet with German Chancellor Olaf Scholz at the Munich Security Conference in Munich on Feb. 15.

Ukrainian President Volodymyr Zelensky arrives to meet with German Chancellor Olaf Scholz at the Munich Security Conference in Munich on Feb. 15.Sean Gallup/Getty Images

With attendees still processing the wavesmade by U.S. Vice President J.D. Vance’s Friday speech, the Munich Security Conference (MSC) on Saturday handed the mic back to the man who has been the toast of this town for three years running. Just days before the third anniversary of Russia’s full-scale invasion of Ukraine, Ukrainian President Volodymyr Zelensky took the stage to a standing ovation that lasted almost a full minute and made him visibly emotional.

As conversations continue to swirl in the Trump era of trans-Atlantic relations over who is actually setting the agenda, Zelensky argued that it was actually Russia that is being allowed to do so: “This year, the country that was not even invited still made its presence known, a country that everyone talks about here—not in a good way.” He mentioned Russia’s strike on the shuttered Chernobyl nuclear power plant in Ukraine on the eve of the MSC, adding that “a country that launches such attacks does not want peace, is not preparing for dialogue.”

His statements hit on the two biggest talking points during the conference since U.S. President Donald Trump called Russian President Vladimir Putin earlier in the week to “start negotiations immediately” on a deal to end the conflict: what such a deal will look like and who will get a seat at the table as it’s worked out.

Zelensky brought up migration—an issue Vance spent much of his speech on—albeit in a different context, mentioning Russia’s alleged role in sending migrants across the border of Russian ally Belarus into NATO members Poland and Lithuania. “What if next time it’s not migrants? What if it’s Russian troops or North Korean troops?” he said.

He followed that more oblique reference by calling out Vance (and Europe) directly: “Yesterday here in Munich, the U.S. vice president made it clear: Decades of the old relationship between Europe and America are ending. From now on, things will be different, and Europe needs to adjust to that,” he said. “I believe in Europe, and I’m sure you believe, too. And I urge you to act for your own sake.”

The solution, Zelensky said, is establishing a dedicated military force for the entire continent of Europe. “This is not just about increasing defense spending as a GDP ratio,” he said, mentioning another of the conference’s pet discussion topics. “It’s about people realizing they need to defend their own home. … Three years of full-scale war have proven that we already have the foundation for a united European military force.”

“The most influential member of NATO.” The Ukrainian president also addressed a statement that another Trump official, Defense Secretary Pete Hegseth, made this week in Brussels that “the United States does not believe that NATO membership for Ukraine is a realistic outcome of a negotiated settlement.” (Hegseth later partially walked back those comments, saying nothing was off the table.) “I also will not take NATO membership for Ukraine off the table,” Zelensky said. He then threw a pointed barb at the alliance itself: “Right now, the most influential member of NATO seems to be Putin,” he said, “because his whims have the power to block NATO decisions.”

Other European officials whom SitRep spoke to say NATO membership for Ukraine should always be an option, even if it doesn’t appear in the cards immediately. “It took around 10 years for Estonia to become a member of NATO; it took decades for Sweden. So we will never exclude the possibility for Ukraine to be a member of NATO in one day,” Estonian Defense Minister Hanno Pevkur said. “Will it happen during the next four years? According to what Defense Secretary Hegseth said to us, probably not.”


sábado, 15 de fevereiro de 2025

A História não se repete, mas de vez em quando ela volta sobre si mesma - Paulo Roberto de Almeida

A História não se repete, mas de vez em quando ela volta sobre si mesma:


Simultaneamente à conferência de Munique 2025, a Europa vive um momento não semelhante, mas talvez similar a Munique 1938, no qual a potência ainda hegemônica oferece à potência expansionista o seu pedaço de terra, estilo Sudetos tchecos, para apaziguar o impulso de guerra. 

Como disse alguém, perdeu a honra e terá a guerra.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 15/02/2025

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Os mapas que mostram as áreas da Ucrânia sob controle russo (BBC)

 Os mapas que mostram as áreas da Ucrânia sob controle russo: 

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c627yv7589ro 

BBC, 13/02/2025


Mapas

Grato a Airton Dirceu Lemmertz pela remessa.

Trump quer “consertar” o mundo, com Putin e Xi - Jamil Chade (UOL)

Trump acredita encarnar o papel de vencedor de um grande conflito global e propõe construir uma nova ordem global conjuntamente com dois outros líderes autoritários (ele também é um) que contrairam entre si uma “aliança sem limites”, cujo objetivo comum é justamente se contrapor à ordem “ocidental” (with a little help from Lula).

Ele é um ingênuo ou um demente? (PRA)


“O presidente Donald Trump quer promover uma cúpula com os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin. 

Jamil Chade, 14/02/2025

Descartando qualquer envolvimento de órgãos internacionais, da ONU ou blocos como o G20, o americano afirmou que sua ideia é de que os líderes das três potências entrem num pacto para reduzir os gastos em armas —principalmente nucleares— e que fique estabelecido um novo entendimento geopolítico entre eles.

Diplomatas e analistas apontaram que, se concretizada, a iniciativa poderia ser comparada às reuniões que ocorreram nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial em Yalta ou Potsdam, quando líderes de ideologias opostas se encontraram para desenhar a ordem mundial. 

Nesta sexta-feira, o que pode ser o primeiro passo desse esforço para redesenhar o mapa mundial vai ocorrer na Alemanha. O encontro entre o vice-presidente dos EUA, JD Vance, e autoridades ucranianas e russas é a aposta para destravar um impasse que já dura mais de dez anos entre os dois vizinhos: onde ficam as fronteiras entre o Ocidente e russos. 

Leia matéria completa no link:

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/02/14/trump-propoe-cupula-com-xi-e-putin-para-redesenhar-ordem-global.htm?cmpid=copiaecola

Canadá exporta seu petróleo diretamente dos seus portos oceânicos, dispensando a rota pelos EUA - Bloomberg

Canada eyes more ways to ship oil to China as U.S. threatens trade

Success of Trans Mountain expansion is stoking desire to further decouple from an unpredictable neighbour

Bloomberg News, Feb 5, 2025


Almost every day since the expansion of Canada’s Trans Mountain pipeline was completed in May, a tanker laden with oilsands crude shipped through the line has passed under Vancouver’s Lions Gate Bridge en route to refineries around the Pacific.

Those tankers, bound for China and Japan among other markets, mark a significant shift for Canada, which has long been stuck exporting its vast flows of oil solely to the United States. And with President Donald Trump’s tariff threats highlighting the risk of that dependence, the success of the $34 billion Trans Mountain expansion is stoking Canada’s desire to further decouple from its unpredictable neighbour — and play a larger role in global oil markets.

Trans Mountain “is a good start,” said Adam Waterous, a former investment banker and the founder and chairman of oil producer Strathcona Resources Ltd. “Now we have to build on it. The very fortunate thing is that we’re not starting from scratch.”

Canada’s oil industry has long pushed for more pipelines, both to its own coasts and to the U.S., only to see them thwarted by opposition from environmental groups, Indigenous communities and courts as well as the country’s own federal and provincial governments.

But those efforts are garnering renewed interest as Canadians reel from Trump’s trade attack, an episode that has sparked anger and distrust at the country’s southern neighbour, even pushing hockey fans to go so far as to boo the U.S. national anthem at recent games.


Two mothballed projects in particular are being discussed as ripe for revival: Energy East, which would carry western Canadian crude east to refineries in Ontario and Quebec; and Northern Gateway, which would haul Alberta oil to a Pacific port in northern British Columbia.

Energy East would have converted an existing natural gas pipeline to carry about 1.1 million barrels of oil a day from Alberta and Saskatchewan to refineries and a shipping terminal in eastern Canada. Crucially, that would avoid moving crude through the U.S., as is done on Enbridge Inc.’s Line 5, which crosses the border on its route to Ontario and Quebec.

“Everybody is of the view that we have to rethink a little bit some of the vulnerabilities we’ve got, vis-à-vis the United States,” Natural Resources Minister Jonathan Wilkinson said in an interview.

Northern Gateway was halted by a court in 2016 amid objections from environmental groups and First Nations, and it was later rejected by Prime Minister Justin Trudeau in 2016. The roughly 1,178-kilometre line would have run from Alberta to Kitimat, B.C., with a capacity of 525,000 barrels a day, providing oilsands producers with a way to send more crude to buyers in Asia.

Canada’s government should declare an energy emergency to streamline the regulatory process for Energy East and Northern Gateway, start building them in the coming months and complete them while Trump is still in office, Strathcona’s Waterous said.

“Canada, when in a time of national need, can construct nation-building projects,” Waterous said. “There’s no question that this is a time now of national need.”

Enbridge said Monday it has no plans to develop Northern Gateway and is instead focusing on increasing capacity on pipelines it already has in place. South Bow Corp., the oil pipeline company spun out of former Energy East proponent TC Energy Corp., declined to comment on Energy East. TC Energy didn’t immediately respond to a request for comment.

Even with company support, new pipelines would likely take years and billions of dollars to build. The cost of the Trans Mountain expansion, which nearly tripled the line’s capacity to 890,000 barrels a day, ballooned more than sixfold by the time it was completed. That bill was largely footed by Canadian taxpayers because Trudeau’s government bought the line in 2018 to save it from cancellation by original proponent Kinder Morgan.

That’s not to mention the opposition the lines would continue to face from environmentalists.

“This is a very old playbook, where the oil industry is looking to take advantage of a crisis to brush aside environmental and health protections,” Keith Stewart, senior energy strategist with Greenpeace Canada, said in an email.

With all those hurdles, one of the quickest and easiest solutions for Canadian oil producers may lie in further expanding Trans Mountain. The system is currently only shipping about 720,000 barrels a day, about 80 per cent of its projected capacity, because high tolls to pay for its costly completion are making spot shipments uneconomical.

Trans Mountain’s capacity could be expanded by 200,000 to 300,000 barrels a day by boosting pumping power, executives have said.

The dock at the terminus of Trans Mountain is now shipping as many as 480,000 barrels a day, but may approach its slated capacity of about 630,000 barrels a day by mid-year after port authorities add navigational aids that will allow ships into the port at night. Volumes beyond the dock’s capacity largely flow into Washington State through connected pipelines.

Even below its capacity, Trans Mountain is reshaping the global oil market. China is buying increasing amounts of Canadian crude, supplanting purchases from sanctioned countries including Iran and Russia. That’s also pressuring prices of Middle Eastern and Latin American crudes similar to Canada’s heavy oil. Meanwhile, Canadian oil prices had risen and steadied, at least until the tariff threats began.

“The pull from the Asian markets will be there,” Trans Mountain Corp. chief executive Mark Maki said in an interview. “We should be exploring opportunities to add value to the system.”


—With assistance from Thomas Seal.

Bloomberg.com

O Caminho para o Autoritarismo Americano - Steven Levitsky e Lucan A. Way (Foreign Affairs)

O Caminho para o Autoritarismo Americano

Steven Levitsky e Lucan A. Way

Foreign Affairs

11 de fevereiro de 2025

Ilustração de Emmanuel Polanco

Traduzido por IA Deepseek e ChatGPT


A primeira eleição de Donald Trump para a presidência em 2016 desencadeou uma defesa vigorosa da democracia por parte do establishment americano. Mas seu retorno ao cargo foi recebido com uma indiferença impressionante. Muitos dos políticos, comentaristas, figuras da mídia e líderes empresariais que viam Trump como uma ameaça à democracia oito anos atrás agora tratam essas preocupações como exageradas — afinal, a democracia sobreviveu ao seu primeiro mandato. Em 2025, preocupar-se com o destino da democracia americana tornou-se quase ultrapassado.

O momento dessa mudança de humor não poderia ser pior, pois a democracia está em maior perigo hoje do que em qualquer outro momento da história moderna dos EUA. Os Estados Unidos vêm regredindo há uma década: entre 2014 e 2021, o índice global de liberdade da Freedom House, que classifica todos os países em uma escala de zero a 100, rebaixou os EUA de 92 (empatados com a França) para 83 (abaixo da Argentina e empatados com Panamá e Romênia), onde permanecem.

Os famosos freios e contrapesos constitucionais do país estão falhando. Trump violou a regra cardinal da democracia ao tentar anular os resultados de uma eleição e bloquear a transferência pacífica de poder. No entanto, nem o Congresso nem o Judiciário o responsabilizaram, e o Partido Republicano — apesar da tentativa de golpe — o renomeou para presidente. Trump conduziu uma campanha abertamente autoritária em 2024, prometendo processar seus rivais, punir a mídia crítica e implantar o exército para reprimir protestos. Ele venceu e, graças a uma decisão extraordinária da Suprema Corte, desfrutará de ampla imunidade presidencial durante seu segundo mandato.

A democracia sobreviveu ao primeiro mandato de Trump porque ele não tinha experiência, plano ou equipe. Ele não controlava o Partido Republicano quando assumiu o cargo em 2017, e a maioria dos líderes republicanos ainda estava comprometida com as regras democráticas do jogo. Trump governou com republicanos do establishment e tecnocratas, e eles em grande parte o contiveram. Nada disso é verdade agora. Desta vez, Trump deixou claro que pretende governar com leais. Ele agora domina o Partido Republicano, que, purgado de suas forças anti-Trump, aquiesce a seu comportamento autoritário.

A democracia americana provavelmente entrará em colapso durante o segundo mandato de Trump, no sentido de que deixará de atender aos critérios padrão de uma democracia liberal: sufrágio universal adulto, eleições livres e justas e ampla proteção das liberdades civis.

O colapso da democracia nos Estados Unidos não dará origem a uma ditadura clássica, em que as eleições são uma farsa e a oposição é presa, exilada ou morta. Mesmo em um cenário de pior caso, Trump não será capaz de reescrever a Constituição ou derrubar a ordem constitucional. Ele será limitado por juízes independentes, federalismo, as forças armadas profissionalizadas do país e as altas barreiras para reformas constitucionais. Haverá eleições em 2028, e os republicanos poderão perdê-las.

Mas o autoritarismo não requer a destruição da ordem constitucional. O que está por vir não é uma ditadura fascista ou de partido único, mas um autoritarismo competitivo — um sistema em que os partidos competem em eleições, mas o abuso de poder pelo titular inclina o campo de jogo contra a oposição. A maioria das autocracias que surgiram desde o fim da Guerra Fria se enquadram nessa categoria, incluindo o Peru de Alberto Fujimori, a Venezuela de Hugo Chávez e a atual El Salvador, Hungria, Índia, Tunísia e Turquia. Sob o autoritarismo competitivo, a arquitetura formal da democracia, incluindo eleições multipartidárias, permanece intacta. As forças de oposição são legais e atuam abertamente, competindo seriamente pelo poder. As eleições são frequentemente batalhas acirradas em que os titulares têm que suar para vencer. E, de vez em quando, os titulares perdem, como aconteceu na Malásia em 2018 e na Polônia em 2023. Mas o sistema não é democrático, porque os titulares manipulam o jogo, usando a máquina do governo para atacar oponentes e cooptar críticos. A competição é real, mas injusta.

O autoritarismo competitivo transformará a vida política nos Estados Unidos. Como a enxurrada inicial de ordens executivas de Trump, de constitucionalidade duvidosa, deixou claro, o custo da oposição pública aumentará consideravelmente: doadores do Partido Democrata podem ser alvos da Receita Federal; empresas que financiam grupos de direitos civis podem enfrentar maior escrutínio fiscal e legal ou ver seus empreendimentos obstruídos por reguladores. Meios de comunicação críticos provavelmente enfrentarão ações judiciais por difamação ou outras ações legais, bem como políticas retaliatórias contra suas empresas-mãe. Os americanos ainda poderão se opor ao governo, mas a oposição será mais difícil e arriscada, levando muitas elites e cidadãos a decidir que a luta não vale a pena. A falha em resistir, no entanto, pode abrir caminho para o entrincheiramento autoritário — com consequências graves e duradouras para a democracia global.

O ESTADO ARMADO

O segundo governo Trump pode violar liberdades civis básicas de maneiras que subvertem claramente a democracia. O presidente, por exemplo, poderia ordenar que o exército atirasse em manifestantes, como ele supostamente quis fazer durante seu primeiro mandato. Ele também poderia cumprir sua promessa de campanha de lançar a "maior operação de deportação da história americana", visando milhões de pessoas em um processo repleto de abusos que inevitavelmente levaria à detenção equivocada de milhares de cidadãos americanos.

Mas grande parte do autoritarismo que está por vir assumirá uma forma menos visível: a politização e o armamento da burocracia governamental. Os estados modernos são entidades poderosas. O governo federal dos EUA emprega mais de dois milhões de pessoas e tem um orçamento anual de quase US$ 7 trilhões. Funcionários do governo servem como árbitros importantes da vida política, econômica e social. Eles ajudam a determinar quem é processado por crimes, cujos impostos são auditados, quando e como regras e regulamentos são aplicados, quais organizações recebem status de isenção fiscal, quais agências privadas obtêm contratos para credenciar universidades e quais empresas obtêm licenças críticas, concessões, contratos, subsídios, isenções tarifárias e resgates. Mesmo em países como os Estados Unidos, que têm governos relativamente pequenos e laissez-faire, essa autoridade cria uma infinidade de oportunidades para os líderes recompensarem aliados e punirem oponentes. Nenhuma democracia está totalmente livre de tal politização. Mas quando os governos armam o estado, usando seu poder para sistematicamente desfavorecer e enfraquecer a oposição, eles minam a democracia liberal. A política se torna como uma partida de futebol em que os árbitros, os jardineiros e os marcadores trabalham para uma equipe sabotar seu rival.

É por isso que todas as democracias estabelecidas têm conjuntos elaborados de leis, regras e normas para evitar o armamento do estado. Isso inclui judiciários independentes, bancos centrais, autoridades eleitorais e serviços civis com proteções de emprego. Nos Estados Unidos, a Lei Pendleton de 1883 criou um serviço civil profissionalizado em que a contratação é baseada no mérito. Funcionários federais são proibidos de participar de campanhas políticas e não podem ser demitidos ou rebaixados por motivos políticos. A grande maioria dos mais de dois milhões de funcionários federais há muito desfruta de proteção do serviço civil. No início do segundo mandato de Trump, apenas cerca de 4.000 desses funcionários eram nomeados políticos.

Os Estados Unidos também desenvolveram um conjunto extenso de regras e normas para evitar a politização de instituições estatais-chave. Isso inclui a confirmação pelo Senado de nomeados presidenciais, mandatos vitalícios para juízes da Suprema Corte, segurança de mandato para o presidente do Federal Reserve, mandatos de dez anos para diretores do FBI e mandatos de cinco anos para diretores da Receita Federal. As forças armadas são protegidas da politização pelo que o estudioso de direito Zachary Price descreve como "uma camada incomumente espessa de estatutos" que regem a nomeação, promoção e remoção de oficiais militares. Embora o Departamento de Justiça, o FBI e a Receita Federal tenham permanecido um tanto politizados até a década de 1970, uma série de reformas pós-Watergate efetivamente acabou com o armamento partidário dessas instituições.

Funcionários públicos profissionais frequentemente desempenham um papel crítico na resistência aos esforços do governo para armar agências estatais. Eles têm servido como a linha de frente da defesa da democracia nos últimos anos no Brasil, Índia, Israel, México e Polônia, bem como nos Estados Unidos durante o primeiro governo Trump. Por esse motivo, uma das primeiras medidas tomadas por autocratas eleitos como Nayib Bukele em El Salvador, Chávez na Venezuela, Viktor Orbán na Hungria, Narendra Modi na Índia e Recep Tayyip Erdogan na Turquia foi purgar funcionários públicos profissionais de agências públicas responsáveis por investigar e processar irregularidades, regular a mídia e a economia e supervisionar eleições — e substituí-los por leais. Depois que Orbán se tornou primeiro-ministro em 2010, seu governo retirou proteções-chave do serviço civil dos funcionários públicos, demitiu milhares e os substituiu por membros leais do partido governista Fidesz. Da mesma forma, o partido Lei e Justiça da Polônia enfraqueceu as leis do serviço civil, eliminando o processo de contratação competitivo e preenchendo a burocracia, o judiciário e as forças armadas com aliados partidários.

Trump e seus aliados têm planos semelhantes. Por um lado, Trump reviveu seu esforço do primeiro mandato para enfraquecer o serviço civil, reinstaurando o Anexo F, uma ordem executiva que permite ao presidente isentar dezenas de milhares de funcionários públicos das proteções do serviço civil em empregos considerados "de caráter confidencial, de determinação de políticas, de formulação de políticas ou de defesa de políticas". Se implementado, o decreto transformará dezenas de milhares de funcionários públicos em empregados "a vontade", que podem ser facilmente substituídos por aliados políticos. O número de nomeados partidários, já maior no governo dos EUA do que na maioria das democracias estabelecidas, pode aumentar mais de dez vezes. A Heritage Foundation e outros grupos de direita gastaram milhões de dólares recrutando e avaliando um exército de até 54.000 leais para preencher cargos no governo. Essas mudanças podem ter um efeito mais amplo de intimidação em todo o governo, desencorajando funcionários públicos de questionar o presidente. Finalmente, a declaração de Trump de que demitiria o diretor do FBI, Christopher Wray, e o diretor da Receita Federal, Danny Werfel, antes do fim de seus mandatos levou ambos a renunciar, abrindo caminho para sua substituição por leais com pouca experiência em suas respectivas agências.

Uma vez que agências-chave como o Departamento de Justiça, o FBI e a Receita Federal estejam repletas de leais, os governos podem usá-las para três fins antidemocráticos: investigar e processar rivais, cooptar a sociedade civil e proteger aliados de processos.

CHOQUE E LEI

O meio mais visível de armar o estado é por meio de processos seletivos. Praticamente todos os governos autocráticos eleitos implantam ministérios da justiça, promotorias públicas e agências fiscais e de inteligência para investigar e processar políticos rivais, empresas de mídia, editores, jornalistas, líderes empresariais, universidades e outros críticos. Em ditaduras tradicionais, os críticos são frequentemente acusados de crimes como sedição, traição ou conspiração para insurreição, mas os autocratas contemporâneos tendem a processar críticos por infrações mais mundanas, como corrupção, evasão fiscal, difamação e até violações menores de regras obscuras. Se os investigadores procurarem o suficiente, geralmente podem encontrar pequenas infrações, como renda não declarada em declarações de imposto de renda ou não conformidade com regulamentos raramente aplicados.

Trump declarou repetidamente sua intenção de processar seus rivais, incluindo a ex-deputada republicana Liz Cheney e outros legisladores que integraram o comitê da Câmara que investigou o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA. Em dezembro de 2024, republicanos da Câmara pediram uma investigação do FBI sobre Cheney. Os esforços do primeiro governo Trump para armar o Departamento de Justiça foram em grande parte frustrados internamente, então desta vez, Trump buscou nomeados que compartilhavam seu objetivo de perseguir inimigos percebidos. Sua indicada para procuradora-geral, Pam Bondi, declarou que os "procuradores de Trump serão processados", e sua escolha para diretor do FBI, Kash Patel, repetidamente pediu o processamento dos rivais de Trump. Em 2023, Patel até publicou um livro com uma "lista de inimigos" de funcionários públicos a serem visados.

Como o governo Trump não controlará os tribunais, a maioria dos alvos de processos seletivos não acabará na prisão. Mas o governo não precisa prender seus críticos para causar danos a eles. Alvos de investigação serão forçados a dedicar tempo, energia e recursos consideráveis para se defender; eles gastarão suas economias com advogados, suas vidas serão perturbadas, suas carreiras profissionais serão desviadas e suas reputações serão prejudicadas. No mínimo, eles e suas famílias sofrerão meses ou anos de ansiedade e noites sem dormir.

Os esforços de Trump para usar agências governamentais para assediar seus adversários percebidos não se limitarão ao Departamento de Justiça e ao FBI. Uma variedade de outros departamentos e agências pode ser implantada contra críticos. Governos autocráticos, por exemplo, rotineiramente usam autoridades fiscais para visar oponentes em investigações politicamente motivadas. Na Turquia, o governo Erdogan destruiu o grupo de mídia Dogan Yayin, cujos jornais e redes de TV estavam relatando corrupção no governo, acusando-o de evasão fiscal e impondo uma multa devastadora de US$ 2,5 bilhões que forçou a família Dogan a vender seu império de mídia para aliados do governo. Erdogan também usou auditorias fiscais para pressionar o Grupo Koc, o maior conglomerado industrial da Turquia, a abandonar seu apoio a partidos de oposição.

O governo Trump poderia implantar as autoridades fiscais contra críticos de maneira semelhante. Os governos Kennedy, Johnson e Nixon politizaram a Receita Federal antes que o escândalo de Watergate da década de 1970 levasse a reformas. Um influxo de nomeados políticos enfraqueceria essas salvaguardas, potencialmente deixando doadores democratas na mira. Como todas as doações individuais de campanha são divulgadas publicamente, seria fácil para o governo Trump identificar e visar esses doadores; de fato, o medo de tal visaria poderia desencorajar indivíduos de contribuir para políticos da oposição em primeiro lugar.

O status de isenção fiscal também pode ser politizado. Como presidente, Richard Nixon trabalhou para negar ou atrasar o status de isenção fiscal para organizações e think tanks que ele considerava politicamente hostis. Sob Trump, tais esforços poderiam ser facilitados pela legislação antiterrorismo aprovada em novembro de 2024 pela Câmara dos Representantes, que concede ao Departamento do Tesouro o poder de retirar o status de isenção fiscal de qualquer organização que suspeite estar apoiando o terrorismo, sem a necessidade de divulgar provas para justificar tal ato. Como o “apoio ao terrorismo” pode ser definido de forma muito ampla, Trump poderia, nas palavras do deputado democrata Lloyd Doggett, “usá-lo como uma espada contra aqueles que ele considera seus inimigos políticos”.

A administração Trump quase certamente usará o Departamento de Educação contra universidades, que, como centros de ativismo oposicionista, são alvos frequentes da ira de governos autoritários competitivos. O Departamento de Educação distribui bilhões de dólares em financiamento federal para universidades, supervisiona as agências responsáveis pela acreditação de faculdades e fiscaliza o cumprimento dos títulos VI e IX, leis que proíbem instituições educacionais de discriminar com base em raça, cor, origem nacional ou sexo. Essas capacidades raramente foram politizadas no passado, mas líderes republicanos pediram sua aplicação contra escolas de elite.

Autocratas eleitos também costumam usar processos por difamação e outras ações legais para silenciar críticos na mídia. No Equador, em 2011, por exemplo, o presidente Rafael Correa ganhou um processo de US$ 40 milhões contra um colunista e três executivos de um dos principais jornais do país por publicarem um editorial chamando-o de “ditador”. Embora figuras públicas raramente ganhem tais processos nos Estados Unidos, Trump tem feito amplo uso de diversas ações legais para desgastar veículos de mídia, tendo como alvos ABC News, CBS News, The Des Moines Register e Simon & Schuster. Sua estratégia já começou a dar frutos. Em dezembro de 2024, a ABC tomou a chocante decisão de resolver um processo por difamação movido por Trump, pagando-lhe US$ 15 milhões para evitar um julgamento no qual provavelmente teria vencido. Os proprietários da CBS também estariam considerando um acordo em um processo movido por Trump, demonstrando como ações judiciais infundadas podem ser eficazes politicamente.

A administração não precisa atacar diretamente todos os seus críticos para silenciar a maior parte da dissidência. Lançar alguns ataques de grande visibilidade pode servir como um poderoso efeito dissuasório. Uma ação legal contra Liz Cheney seria acompanhada de perto por outros políticos; um processo contra The New York Times ou Harvard teria um efeito inibidor em dezenas de outras mídias e universidades.

ARMADILHA DO MEL

Um estado instrumentalizado não é apenas uma ferramenta para punir opositores. Ele também pode ser usado para angariar apoio. Governos em regimes autoritários competitivos usam rotineiramente a política econômica e decisões regulatórias para recompensar indivíduos, empresas e organizações politicamente alinhadas. Líderes empresariais, empresas de mídia, universidades e outras instituições têm tanto a ganhar quanto a perder com decisões do governo sobre antitruste, concessão de licenças, contratos governamentais, isenções regulatórias e status de isenção fiscal. Se acreditarem que essas decisões são tomadas com base em critérios políticos e não técnicos, terão um forte incentivo para se alinharem aos governantes.

O setor empresarial é o exemplo mais claro desse potencial de cooptação. Grandes empresas americanas têm muito em jogo em relação às decisões antitruste, tarifárias e regulatórias do governo dos EUA, além da concessão de contratos governamentais. (Em 2023, o governo federal gastou mais de US$ 750 bilhões, quase 3% do PIB dos EUA, em contratos.) Para autocratas em ascensão, decisões políticas e regulatórias podem servir como incentivos e ameaças para atrair apoio empresarial. Essa lógica patrimonialista ajudou autocratas na Hungria, Rússia e Turquia a garantir a cooperação do setor privado. Se Trump enviar sinais claros de que agirá da mesma forma, as consequências políticas serão amplas. Se líderes empresariais perceberem que é mais lucrativo evitar financiar candidatos de oposição ou investir em mídia independente, mudarão seu comportamento.

De fato, essa mudança já começou. Em um fenômeno que a colunista do New York Times Michelle Goldberg chamou de “a Grande Capitulação”, poderosos CEOs que antes criticavam o comportamento autoritário de Trump agora correm para encontrá-lo, elogiá-lo e financiá-lo. Amazon, Google, Meta, Microsoft e Toyota doaram cada uma US$ 1 milhão para financiar a posse de Trump, mais que o dobro de suas doações inaugurais anteriores. No início de janeiro, a Meta anunciou que estava encerrando suas operações de checagem de fatos—uma decisão que Trump se gabou de ter sido influenciada por suas ameaças de ação legal contra o proprietário da empresa, Mark Zuckerberg. O próprio Trump reconheceu que em seu primeiro mandato “todos estavam lutando contra mim”, mas agora “todos querem ser meus amigos”.

ESQUEMA DE PROTEÇÃO

Por fim, um estado instrumentalizado pode servir como um escudo legal para proteger funcionários do governo ou aliados que adotem comportamentos antidemocráticos. Um Departamento de Justiça leal a Trump, por exemplo, poderia ignorar ataques ou ameaças contra jornalistas, autoridades eleitorais, manifestantes e políticos oposicionistas.

Isso já aconteceu antes nos Estados Unidos. Durante e após a Reconstrução, o Ku Klux Klan e outros grupos supremacistas brancos ligados ao Partido Democrata travaram campanhas de terror no Sul, assassinando políticos negros e republicanos, queimando igrejas e intimidando eleitores negros. Esse terror, que ajudou a estabelecer quase um século de governo de partido único no Sul, foi possível devido à conivência das autoridades locais.

A primeira administração Trump viu um aumento na violência da extrema direita. As ameaças contra congressistas aumentaram mais de dez vezes. Essas ameaças tiveram impacto: segundo o senador republicano Mitt Romney, o medo da violência dos apoiadores de Trump dissuadiu alguns senadores republicanos de votar pelo impeachment após o ataque de 6 de janeiro de 2021.

A violência política diminuiu após janeiro de 2021, em parte porque centenas de participantes do ataque foram condenados e presos. Mas a promessa de Trump de perdoar quase todos os envolvidos no 6 de janeiro ao reassumir o cargo enviou a mensagem de que atores violentos ou antidemocráticos serão protegidos.

MANTER A LINHA

Os Estados Unidos estão à beira do autoritarismo competitivo. A administração Trump já começou a instrumentalizar instituições estatais contra opositores. A Constituição, sozinha, não pode salvar a democracia americana. Mesmo as constituições mais bem elaboradas contêm ambiguidades e lacunas que podem ser exploradas para fins antidemocráticos.

Trump será vulnerável. Seu apoio público limitado e seus inevitáveis erros criarão oportunidades para as forças democráticas—no Congresso, nos tribunais e nas eleições.

Mas a oposição só vencerá se permanecer no jogo. Enfrentar um regime autoritário competitivo pode ser exaustivo. Assediados e ameaçados, muitos críticos de Trump podem ser tentados a se retirar. Tal retirada seria perigosa. Quando o medo e a exaustão substituem o compromisso dos cidadãos com a democracia, o autoritarismo começa a se enraizar.

Autores:

Steven Levitsky é professor de Estudos Latino-Americanos e de Governo em Harvard e pesquisador sênior do Conselho de Relações Exteriores.

Lucan A. Way é professor de Democracia na Universidade de Toronto e membro da Royal Society do Canadá.

Eles são autores de Competitive Authoritarianism: Hybrid Regimes After the Cold War.

https://www.foreignaffairs.com/united-states/path-american-authoritarianism-trump

https://www.foreignaffairs.com/united-states/path-american-authoritarianism-trump 


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos - Assis Moreira (Valor Econômico)

Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos

Assis Moreira

 

Valor Econômico, 13/02/2025


Reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados cresce no comércio global

 

O Brasil, na presidência do Brics, enviou aos membros do grupo nesta semana uma proposta visando facilitar o pagamento das transações do comércio intrabloco - e que evita falar diretamente de desdolarização.

É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de uma vez disse “sonhar” com uma moeda comum para o Brics e questionou por que “todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar, por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”.

O tema foi capturado por Donald Trump na sua volta à Casa Branca. Em meio à disrupção global que provoca, ele tem repetido ameaças de impor tarifas de 100% contra países do Brics se tentarem criar uma moeda comum como alternativa ao dólar. Para Trump, “não há nenhuma chance de que o Brics substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”. Ele já chegou a incluir a Espanha como membro do grupo.

O Brics quer aprofundar a discussão sobre como acelerar a facilitação de suas trocas e reduzir riscos. Mas, de fato, a proposta que o Brasil mandou para os países-membros foca basicamente em facilitar pagamentos “de forma eficiente e segura”, amparado por novas tecnologias, como blockchain e outras, que reduzam os custos de transação comerciais. Esse sistema permitiria transações direitas em moedas locais, o que também é uma forma de diminuir custos.

A proposta não envolve moeda comum, como fala Trump, insiste uma fonte no Brics. Não é nem sequer estabelecer um sistema com garantias embutidas como o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), dado como exemplo em alguns círculos de Brasília.

O Banco Central brasileiro na verdade se retirou em 2019 do CCR, um sistema internacional de pagamentos pelo qual são liquidadas operações de comércio internacional pelos bancos centrais de 11 países-membros. O BC considerou que o mecanismo tinha ineficiências que faziam com que não atendesse mais aos interesses do país, perdera importância para a liquidação das operações no comércio entre os países-membros, transferia riscos do setor privado para o setor público e não estava em linha com as modernas práticas de sistemas de pagamentos internacionais, ao concentrar risco de crédito em uma instituição e diferir pagamentos por até quatro meses.

Ativo na atual discussão no Brics, o BC certamente não tem nenhuma saudade do CCR, pelo menos não com a governança atual.

Em meio às turbulências comerciais deflagradas por Trump, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, destacou na semana passada que o Brasil “está empenhado em desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento intrabloco”, ressalvando que o Brics “não tem uma vertente negativa: ele trabalha a favor da cooperação e do desenvolvimento de seus membros - e não contra quem quer que seja”.

A China, o peso pesado do Brics, sabe que mudança da ordem monetária não é para agora. No momento, está mais focada em desvalorizar sua moeda para continuar competitiva e para não perder muito na barganha que terá de fazer com Trump.

Diferentes fontes observam que as autoridades chinesas são muito conservadoras em matéria financeira. Preferem que a desdolarização “venha por gravidade”, e deixa que os outros falem a favor. Rússia e Irã são os mais engajados em buscar rapidamente alternativas ao dólar americano, pelas sanções que sofrem impostas por Washington.

O economista Dmitry Dolgin, autor de um relatório sobre Brics e desdolarização publicado pelo banco holandês ING, vê coerência na posição da China, como maior detentor de reservas internacionais de moeda estrangeira no Brics+, especialmente considerando Hong Kong e Macau, que têm bancos centrais separados.

As reservas consolidadas chinesas totalizam cerca de US$ 4 trilhões e a estrutura exata de câmbio é desconhecida. Mas é muito provável que o dólar americano desempenhe um papel importante nesse montante e, pelo seu tamanho, seria difícil encontrar alternativa com liquidez semelhante. Outro argumento contra a desdolarização para a China é a participação ainda alta dos EUA no seu comércio internacional.

Outros membros do Brics+ podem estar em posição mais flexível, pois suas reservas são menores e eles têm opção de usar o renmimbi em suas reservas internacionais, como faz a Rússia, enquanto a China obviamente não pode usar sua própria moeda como ativo internacional, nota ele.

Para o economista, que monitora de perto o Brics, uma agenda de desdolarização no bloco tem maior potencial de ser levada adiante pelas reservas cambiais e no comércio de combustíveis (o grupo é responsável por cerca da metade da produção energética do mundo).

O Brics+ controla 42% das reservas cambiais dos bancos centrais em geral, “provavelmente contribuindo para o processo de desdolarização global”. E aponta o ouro como a maior alternativa potencial ao dólar para o bloco. Apesar da compra ativa pelo Brics+ nos últimos tempos, o metal ainda representa somente 10% das reservas de seus bancos centrais, comparado a 20% na média global - ou seja, os BCs do Brics+ têm espaço para acumular mais ouro em vez de dólares.

Os trabalhos do Brics tomam uma dimensão particular neste ano, em meio à onda de choque provocada por Trump. A geopolítica muda aceleradamente o comércio internacional, com mais reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados.


É possível desenvolver uma nação de assistidos? - Paulo Roberto de Almeida

É possível desenvolver uma nação de assistidos?

Paulo Roberto de Almeida 

Leio isto a partir de uma fonte oficial:

Em janeiro de 2025, havia 20,5 milhões de famílias no programa social....

        A partir daí deduzo que quase metade, ou pelo menos 1/3, da população brasileira, se tornou dependente dos subsídios estatais para complementar a sua alimentação ou para suprir qualquer outra necessidade familiar. Supondo-se que o Bolsa Família — como é o seu propósito oficial — destina-se a atender famílias e não indivíduos isolados, e supondo-se que cada núcleo familiar se componha de três ou quatro pessoas, chega-se ao fantástico número de 75 a 100 milhões de pessoas dispondo desse benefício de assistência pública a brasileiros oficialmente carentes, ou seja, pobres ou miseráveis. 

        Autoridades governamentais devem olhar com orgulho esses números, e até repetem um presumido argumento do Banco Mundial segundo o qual o Bolsa Família se trataria do maior programa de redução da pobreza existente no mundo. É possível que seja, mas isso, para mim, não constitui nenhum motivo de orgulho, e sim de vergonha e desalento. 

        Creio que, na verdade, o BF representa, não um programa de redução, sequer de eliminação, da pobreza, e sim um expediente para sua manutenção, quiçá para sua “eternização” estrutural e institucional. É fácil deduzir isso, com base no histórico mundial de todos os programas mundiais de Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD, em esquemas multilaterais ou nacionais).

        Todos esses programas — AID do Banco Mundial, CAD-OCDE, instituições nacionais do Norte desenvolvido — foram criados na sequência do grande movimento de descolonização do início dos anos 1960. De certa forma, eles se eternizaram e criaram toda uma estrutura complexa de ajuda pública a países mais pobres, supostamente dirigida à população mais carente. Como demonstrou William Clyne, que trabalhou nesse setor durante mais de dez anos para o Banco Mundial, os países que mais receberam ajuda foram os que menos se desenvolveram nos 50 anos seguintes, e continuam sendo os mais frequentes beneficiários da AOD ainda hoje. Seu livro White Man’s Burden demonstra claramente como a AOD pode deformar as estruturas econômicas e os próprios orçamentos públicos dos países beneficiários, levando à dependência estrutural, não à autonomia no processo de desenvolvimento econômico e social, quando não incentivos à corrupção de elites ou simples funcionários públicos.

        Não deve ser diferente com o BF, nosso orgulho nacional, que como já dito preserva a pobreza, não a elimina (e passa a representar spenas um subsídio ao consumo, alimentar ou outro, dos mais carentes. Se, por algum acaso — “tragédia” orçamentária ou outra — o programa desaparecer, haverá mais pobres e dependentes da ajuda oficial do que havia antes. 

        Não creio que esse tipo de subsídio ao consumo seja a melhor via para o desenvolvimento da nação. No mínimo ele repete o temor expresso numa velha canção de Luiz Gonzaga: “uma esmola, meu senhor, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão”.

        Não há, contudo, qualquer temor de que isso acabe: ainda não nasceu o político que vai propor o fim do BF, assim que, como no caso dos programas de AOD, não se prevê o final da gigantesca máquina que vive em função do espírito que a anima: ajudar os mais pobres.

        Com muito poucas exceções, poucos países integrantes do hoje chamado Sul Global conseguiram saltar da barreira do desenvolvimento, ou seja, se tornarem autônomos de qualquer ajuda pública.

        Mesmo o Brasil, um país que se orgulha de seu status de representante do tal de Sul Global, mas que realizou um dos mais fantásticos processos de modernização agrícola e industrial ao longo das últimas seis ou sete décadas, ainda não se libertou da tragédia que é ter mais de um terço da população oficialmente na pobreza (e, portanto, oficialmente beneficiária da ajuda pública). Mais ainda: diplomaticamente, o Brasil é um dos líderes mundiais da preservação do status oficial, verdadeiro princípio da diplomacia multilateral, do “tratamento especial, diferencial e mais favorável, para países em desenvolvimento”. 

        Essa luta para preservar o status e o princípio vem praticamente dos anos 1960, e nunca deixou de figurar no menu oficial da diplomacia brasileira, ou seja, foi coincidente com a nossa grande arrancada para a modernização agrícola e o impulsionamento industrial. Ele até acompanhou a incorporação progressiva de mais estratos sociais ao indice de escolarização obrigatória: é certo que finalmente chegamos a uma taxa, mas apenas numérica, de alfabetização, próxima daquela exibida pelos países desenvolvidos, mas 150 ANOS DEPOIS. E isso apenas no conceito que se chama de enrollment rate (número de matrículas), não exatamente no que se refere à qualidade do ensino, em especial para os mais pobres, justamente. O “tratamento especial e mais favorável” para os mais pobres existe apenas para assegurar-lhe um nível de educação medíocre, que os impossibilita tornarem-se independentes de qualquer ajuda pública, exatamente como já ocorre na AOD mundial, que pouco mudou o perfil do mundo no último meio século ou mais.

        Volto à questão do título e simplesmente respondo: não creio que seja possível desenvolver uma nação de assistidos. Sou a favor de uma única, repito, única prioridade, para o Brasil e para qualquer outra nação oficialmente pobre (mas sempre com muitos ricos, embora vivendo com um oceano de pobreza ao redor de si): elevar dramaticamente o nível de educação elementar, e apenas elementar, de toda a população, carente ou não carente. Os níveis superiores de educação, e de desenvolvimento social, se ajustariam rapidamente à nova realidade. Seria pedir muito?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13/02/2025 


Leia mais no texto original: 

https://www.poder360.com.br/poder-governo/lula-reduz-bolsa-familia-em-67-das-cidades-que-recebiam-com-bolsonaro/ 

Putin’s Ukraine The End of War and the Price of Russian Occupation - Nataliya Gumenyuk (Foreign Affairs)

 Putin’s Ukraine

The End of War and the Price of Russian Occupation

Nataliya Gumenyuk

March/April 2025 (Published on February 12, 2025)

An apartment building struck by a Russian drone in Hlevakha, Ukraine, January 2025Thomas Peter / Reuters

NATALIYA GUMENYUK is a Ukrainian journalist, CEO of The Public Interest Journalism Lab, and Co-Founder of The Reckoning Project. She is the author of The Lost Island: Dispatches From Occupied Crimea.

 

From afar, the situation Ukraine faces after three years of full-scale war with Russia seems clear. Over the past 12 months, Moscow has intensified its assault on civilian populations, sending drones, missiles, and bombs in almost daily attacks on cities across the country. Infrastructure and power stations have been relentlessly targeted. Millions of people have been displaced, and millions more who fled the country after 2022 have been unable to return. Even as Ukraine has struggled to hold the frontlines, its soldiers continue to be injured and killed.

Given these mounting costs, and that Ukraine has, against all odds, managed to defend 80 percent of its territory, one might expect its citizens to support any effort to end the war. That would be sensible in the eyes of many Western analysts. Just as Russia seems unlikely to make major new advances, it will also be very difficult for Ukrainian forces, contending with an enemy that is prepared to burn through huge quantities of ammunition and manpower, to recapture all the territory now controlled by Russia. In this view, securing a cease-fire and bringing relief to the bulk of the country should be a top priority.

Yet that is not how Ukrainians see it. With U.S. President Donald Trump’s vow to quickly end the war—and even before that, the threat from the United States and its allies that they might reduce military aid in the future—Ukraine’s government and population have had to take seriously the discussion of a cease-fire. But such a scenario diverges sharply from the victory plan that Ukrainian President Volodymyr Zelensky outlined in the fall of 2024. And many Ukrainians themselves are deeply skeptical of a settlement, saying that no deal is better than a bad deal. Indeed, in Western eyes, Kyiv’s determination to keep fighting—sometimes in grueling months-long battles to defend ruined towns and villages—may seem irrational.

In part, Ukrainians’ continued support for the war can be explained by the country’s resilience. Despite intense pressure on civilian areas, Ukraine has managed to preserve and even rebuild a degree of normalcy in everyday life. Following the economic shock of the initial invasion, Western budgetary support, which now makes up 20 percent of Ukraine’s GDP, has allowed the economy to grow by an average of 4.4 percent over the past two years; there has been real household income growth, and inflation remains fairly low. Since the middle of 2023, when Ukrainian drones had effectively neutralized Russia’s Black Sea Fleet, maritime routes have been open again, with Ukrainian exports up by 15 percent over the past year. And according to the government in Kyiv, some 40 percent of the weapons Ukraine is using on the frontlines are now produced domestically, compared with hardly any in 2022. None of these changes take away from the extraordinary hardships of war, but they have helped give Ukrainian society a kind of adaptability and endurance that may not be fully visible to outsiders.

But even more central to Ukrainian thinking about the war are the powerful and complex effects of the Russian occupation. For Ukrainians, the occupation did not begin with the full-scale invasion in 2022 but has been an ongoing reality for more than a decade—ever since Moscow seized Crimea and parts of the Donbas region of eastern Ukraine in 2014. The horror of Russian military rule has been felt not only in areas of the south and east, where much of the war has been fought, but also near Kyiv in the opening weeks of the 2022 invasion, when Russian forces committed widespread atrocities in the capital’s suburbs. Just as important, Ukrainians understand that the threat goes well beyond the occupied areas themselves. In addition to the six million who are caught in these areas, it has affected millions of displaced people who had to move farther west, and many more, including members of the Ukrainian cabinet, who have relatives living under Russian domination.

As many Ukrainians recognize, what observers in the West have characterized as brutal excesses in occupied areas—human rights abuses, political repression, and war crimes—are in fact a central part of Russia’s war strategy. The issue is not merely what happens to those under Russian rule but how Moscow has used its control of significant numbers of Ukrainians to undermine the stability of the whole country, even without taking more territory. Nor is this a hypothetical threat: as Ukrainians know too well, the Kremlin, while pretending to negotiate, used the eight years of so-called frozen conflict with Ukraine after 2014 to create a launch pad for the larger invasion. Put simply, Russian control over any part of Ukraine subverts and corrodes Ukrainian sovereignty everywhere.

The Trump administration’s calls for a cease-fire have stoked speculation about negotiations to freeze the conflict along or near the current frontlines. Such a plan, of course, will need Russia’s participation—and as of early 2025, there was little sign that Russian President Vladimir Putin was prepared to enter such talks. But whether or not a deal is reached, the assumption that a cease-fire will end Russia’s primary threat to Ukrainians misunderstands the nature of the conflict. In the three years since the full-scale invasion, Ukrainians have overwhelmingly supported the Ukrainian army. They have done so out of a strong sense of patriotism but also because they know there is little chance of survival under Moscow’s rule. Even now, most Ukrainians see continuing to fight as incomparably better than the terror of Russian occupation. For the West, failure to recognize how Russia is using Ukrainian territory to undermine and destabilize the whole country risks making a cease-fire even more costly than war.

THE HORRORS TO COME

With its seizures of land in 2014, Russia gained around seven percent of Ukrainian territory, containing some three million people. Since 2022, Russia has nearly tripled the Ukrainian land in its control. At the start of 2025, this included about 80 percent of the Donbas and nearly 75 percent of the Zaporizhzhia and Kherson regions. There are no reliable statistics, but it is estimated that around six million people—more than one-tenth of Ukraine’s total population—are now living under Russian rule, among them 1.5 million children. And this is despite the fact that many more from these areas who were able have fled.

Within this large occupied territory are a variety of local situations. Areas of eastern Donbas that were occupied a decade ago have long been run by Moscow-controlled separatist militias and have been neglected and isolated. At the start of the 2022 invasion, local men from these areas were among the first to be mobilized by Russia, and they have suffered some of the highest casualty rates. Other areas close to the Russian border or to the southern coast, such as the Kherson, Luhansk, and Zaporizhzhia regions, were taken during the first weeks of the invasion almost without a fight, and Moscow was able to quickly establish military rule. People in these areas suffered less from bombings and mass destruction, but many of them have been physically and psychologically coerced. The Russian government also targeted these regions for large-scale resettlement by Russians, especially members of the military, their families, and construction workers, who have been brought to showcase Russian conquest. In turn, communities close to the frontlines have weathered the full brunt of the war. When Russian forces are unable to capture or occupy a town or village, they destroy it, forcing residents to flee and Ukrainian troops to withdraw, sometimes after months of brutal fighting. Thus, places such as Avdiivka and Bakhmut, which were the sites of devastating battles, are today under Russian rule, but they are ghost towns that have been largely reduced to rubble.

For Ukrainians, however, the main problem is not the amount of territory in Russian hands. Indeed, although Russia has made modest gains around the frontlines over the past year, the overall area under its domination has not changed much since late 2022. Instead, the threat comes from the way Russian forces and Russian authorities have imposed control over local populations and how they are using it to further Moscow’s war aims. From the outset, Russia has imposed a reign of terror on the towns and villages it has captured. In the aftermath of the initial invasion, in the south, in the east, and on the outskirts of Kyiv, residents in Russian-controlled areas were not allowed to leave their homes, and many of those who tried to flee were shot dead in their vehicles. Where there was active fighting, Russian forces often used Ukrainians as human shields, forcing civilians to stay in place so that the Ukrainian army wouldn’t shoot back.

What Western observers characterize as brutal excesses are a central part of Russia’s strategy.

Once Russian forces established control, many local populations struggled to survive. Searching for medicine, water, and food or simply trying to avoid bombs, few could think about rebellion. The occupiers cut off Ukrainian Internet and cellular networks and replaced them with Russian ones; it is one of the fastest ways to prevent people in occupied territory from contacting and getting information from the rest of Ukraine. They also set up a so-called filtration process to “register” Ukrainians—a practice Russia had introduced in the first Chechen war 30 years ago. Officially, the purpose was to check documents, but in practice, Russian forces used the process to identify and detain, often in extremely harsh circumstances, potentially “disloyal” people—especially men of military age who had tried to flee. For much of the war, Russian forces have continued to use filtration in occupied towns and regions and along the Russian border. In many cases, they have detained Ukrainians based on nothing more than flimsy allegations about their allegiances or political views, their posts on social media, or a lack of data on their cellphones, accusing them of having deleted compromising information.

In areas whose population centers have remained more intact, residents have faced a different kind of coercion. In the early weeks of the invasion, Ukrainians heard reports that Russian officials had compiled lists of people who were to be detained and executed; Russian actions soon proved that the lists were real. Particularly targeted are Ukrainians who have served in the military and members of their families, as well as civil servants, volunteers, activists, patriotic businesspeople, and local journalists. Also at risk are mayors or community leaders, whom the occupiers see as key sources of local information. When mayors do not collaborate, which is often the case, the Russians have turned to possible collaborators or simply created a regime of fear. Take the village of Sofiivka and its surrounding area, an administrative district near the Sea of Azov that the Russians controlled for the first year and a half after the invasion. About 40 of its residents have been detained by the Russian occupying authorities; one was allegedly tortured to death, and three are still being held: two since November 2022 and the third since June 2023. The mayor of the district spent 34 days in a nearby Russian detention center before managing to flee.

 

But virtually any person suspected of having pro-Ukrainian views or even just past connections to Ukrainian institutions may be fair game. As of the beginning of 2025, the Prosecutor General’s Office of Ukraine has registered more than 150,000 violations of the Geneva Conventions by Russian forces since 2022. The Reckoning Project, an initiative I co-founded that researches war crimes in Ukraine, has gathered more than 500 testimonies of such crimes since the war began, many of them describing the systematic practice of abduction, arbitrary detention, and torture, including beating and electrocution. These forms of violence have been documented in all areas seized by Russian troops from the initial phases of the war up to the past year. The consistent pattern suggests these are not a result of excesses by particular Russian units but rather Russian state policy. In one detention center in Berdyansk, a city of some 100,000 people in the Zaporizhzhia region that was taken in the opening weeks of the war, Russian forces held a handyman, farmers, a retired police officer, the owner of a travel agency, teachers, and local councilors—all but a few were over 50, and half were women. Even the slightest past affiliation with the Ukrainian state can have extreme consequences.

These accumulating horrors are not just a problem for those who have fallen under Russian rule. They stand as a warning to the populations of the Ukrainian cities of Odesa and Kharkiv, Chernihiv and Sumy, Dnipro and Kyiv: it could happen to them, too. Although most of Ukraine’s largest cities did not fall under Russian control, Russian forces were extremely close to the capital at the start of the war, and almost everyone has relatives, colleagues, or friends who were caught up in the occupation. Even in western Ukraine, after three years of fighting, during which more than 4.6 million people have been internally displaced, it is hard to find someone who does not have relatives or friends who experienced filtration or fled Russian-controlled areas. Given how visceral the experience of occupation is for the general population, it is unsurprising that many Ukrainians feel that fighting is still better than the kind of peace likely on offer in any negotiation with Russia.

THE CRIMEAN METHOD

Ukrainians also know that Russia’s current war was in crucial ways enabled by its annexation of Crimea and occupation of eastern Ukraine in 2014. Reporting on life in Crimea after the Russian takeover, I observed how Moscow employed policies, rules, and laws to further much larger military and strategic aims. Ukrainians who refused to take a Russian passport were denied medical aid, and Russian authorities would not recognize their ownership of private property. To remain on the peninsula, residents needed to demonstrate a particular level of income, and they had to have authorized jobs, which often required Russian citizenship. People faced numerous penalties for minor infractions, such as failing to renew an identification document, parking in a prohibited spot, offending a public official, or drinking in the wrong place. In Russia, such administrative violations can be designated as criminal offenses and can lead to the revocation of residency permits. The overall effect was to make anyone in Crimea who retained a Ukrainian passport suspicious, and many were forced to leave.

Meanwhile, a region that had for decades served as a subtropical tourist resort was, year by year, slowly transformed into a vast military base. Russia poured huge investments into “civilian” infrastructure but clearly had other purposes in mind. The highway from the administrative capital of Crimea, Simferopol, to the seashore was built without exits: it didn’t help the residents from nearby towns get to the beach, but it was well suited for moving military vehicles. The lavish, 12-mile Kerch Strait bridge, on which Moscow spent nearly $4 billion, was ostensibly designed for civilians traveling between the newly annexed peninsula and Russia, but it was even more important as a way to send tanks, military units, and war materiel into Crimea. (It was for this reason that Ukraine’s attacks on the bridge since 2022 have been a crucial part of the war effort.)

Systematic efforts were also made to militarize the Crimean population. Education became increasingly controlled, and any references to the Ukrainian past were erased. Established in 2016, the All-Russian Military Patriotic Social Movement, known as “the Young Army,” became a way to indoctrinate Crimean youth and prepare them for military service. (Later, the movement was used to “reeducate” Ukrainian children who had been abducted and transferred to Russia after 2022—a process that led the International Criminal Court to issue an arrest warrant for Putin and a member of his government in 2023.) Although the Geneva Conventions forbid drafting an occupied population for military service, Russia mobilized the residents of Crimea, just as it did those of Donbas territories, at the time of the 2022 invasion. Crimean Tatars—members of an indigenous Muslim minority known for its resistance to Russian rule—were targeted disproportionately for obligatory military service.

Local people who spoke against this process were silenced. In Crimea, more than 220 people have been detained for political reasons since 2014, of which at least 130 were Crimean Tatars, who were charged with extremism following Moscow’s crackdown on Islamic fundamentalism. Among them is Nariman Dzhelyal, the deputy chairman of the Mejlis of the Crimean Tatar People, a representative body for Crimean Tatars that was officially outlawed by Moscow in 2016. Dzhelyal is known as a careful and law-abiding intellectual, but six months before Russia’s full-scale invasion, he was arrested on trumped-up charges of being involved in a conspiracy to blow up a gas pipeline in a village near Simferopol. By February 2022, hardly anyone left in Crimea could oppose Russia’s preparations for military invasion. Citizen activists, journalists, human rights defenders, and other independent members of civil society were all behind bars.

For years after 2014, the Russian government was equally adept at manipulating the outside world. By participating in the Minsk agreements, the negotiations that were supposedly aimed at a peace settlement for the Donbas after 2014, Russian officials could distract from Moscow’s activities in Crimea and eastern Ukraine. Pavlo Klimkin, Ukraine’s foreign minister at the time, who from 2014 to 2019 led the negotiations with Russia, recalls a meeting in which Russian Foreign Minister Sergei Lavrov, in the presence of French and German diplomats, said that, despite what was written in the agreement and what they were ostensibly negotiating, “Moscow would never allow having really open elections in the occupied territories, as Ukrainians would choose whom they want, and that’s not what the Kremlin wants.” In retrospect, Klimkin says, there was never a point when Putin truly wanted a peace deal. The diplomatic process was a trap.

RUSSIANS IN THE RUINS

Since the 2022 invasion, Russia has rapidly imposed the occupation strategies it perfected in Crimea, but this time, its rule is far more severe. In areas such as the Zaporizhzhia region, the Kremlin quickly drew on its Crimean toolkit, imposing rules governing access to health care and jobs and regulating taxes, private property, and education. Russia has even imposed Moscow time, despite the area’s location in the Eastern European Time zone. By requiring occupied populations to accept Russian passports, the Kremlin has also exerted a form of psychological coercion: if they try to go back to Ukraine, residents are falsely warned, they may face criminal charges for working for Russian companies, studying in Russian schools, and getting Russian passports. (In fact, Ukraine may prosecute its citizens for serving an occupying administration or Russian militia but not for receiving services from occupation authorities. But the Kremlin has used new jewel in Putin’s crown, received billions of dollars of Russian subsidies to showcase the annexation. (In reality, much of the funding went to vast state projects and to people who were dispatched from Russia. Local businesses fared less well, and some were seized.) disinformation to spread the fear of punishment.)

In 2014, the Kremlin promised new prosperity for occupied lands: better wages and pensions and free health care and higher education. And Crimea at least, as the Since 2022, the Kremlin is no longer promising any wealth. If you are a Ukrainian under occupation, simply avoiding arrest or having your property expropriated is now considered lucky. In a situation in which the economy has been destroyed, banning the use of Ukrainian currency (and hence often cutting people off from the bulk of their savings) is another form of pressure. For many, the only thing they have left are their houses, and they may feel compelled to remain under occupation to keep them. In 2024, in the occupied Kherson, Luhansk, and Zaporizhzhia regions, Russian authorities seized numerous apartments and houses of people who had fled.

Moscow has also sent tens of thousands of Russians to settle in occupied cities and towns, once again following the Crimean template. According to the Ukrainian government, between 2014 and the 2022 invasion, as many as 800,000 Russians were relocated to Crimea, and these settlers now constitute a full third of the population there. Since 2022, this kind of relocation has been happening in numerous other areas, providing a glimpse of the future. As in Crimea, the purpose of sending in these settlers is not merely to provide resources for Russia’s war effort but also to integrate these towns into Russia and erase any traces of Ukrainian identity.

Consider Sievierodonetsk, a city in the Luhansk region that was seized by Russian forces in the summer of 2022. A major twentieth-century industrial center, it was founded in 1958 around one of the largest chemical plants in Europe and had a population of around 100,000 when the war began. In the weeks after Russia took control, just a few thousand residents remained. According to the Sievierodonetsk Media Crisis Center, however, the current population has risen again, to 30,000 or 40,000, although only about half the people are locals. Destroyed buildings have been demolished, but those that were less damaged have been repainted in bright colors. The energy grid, water supply, and sewer system have been partially rebuilt; the fixed-up areas are now home mainly to Russian workers and members of the Russian military and their families. The city’s privately owned real estate has been re-registered, and if no owners come forward, it is handed to Russian citizens.

Unlike the Crimean Peninsula, with its pleasant climate and attractive landscape, partially destroyed towns such as Sievierodonetsk offer comparatively few attractions. Local services are limited: the Russian authorities offer free Russian satellite TV, but after two and a half years of occupation, the Internet and cellular networks have not yet been restored, requiring residents to use street pay phones. The local hospital lacks doctors, and in the summer of 2024, the pinewoods surrounding the town burned down in a wildfire because of a shortage of firefighters. Although the authorities have talked about reopening the town’s chemical plant, much of its equipment has been stripped and taken as scrap material or transferred to Russia. (The practice of harvesting metal from Ukrainian factories and equipment became common across the entire Donbas region after 2014.)

A police officer inspecting a Russian rocket shell in the Zaporizhzhia region, Ukraine, January 2025Stringer / Reuters

Even more bleak is the case of Mariupol, the once thriving port city on the Sea of Azov that until the invasion began boasted a population of 540,000. From February to May 2022, Russian forces unleashed an exceptionally brutal siege on the city, surrounding it by land and sea, laying waste to apartment complexes, schools, hospitals, theaters, and other buildings, driving out anyone who could escape, and forcing all who remained into basements, often with almost no access to heat, food, or water. By the end of the ordeal, some 95 percent of the city had been destroyed and, according to an investigation by Human Rights Watch, more than 10,000 civilians killed. Ukrainian officials estimate that as few as 90,000 of the city’s residents remained.

Yet over the past year, Moscow has heavily promoted the destroyed city to Russian settlers, claiming that the population has risen again to 240,000. In January 2024, clips from a Russian state television documentary about Mariupol’s new real estate market went viral. Designed as a PR film to promote the Russian reconstruction of the city, the documentary shows a Russian journalist casually walking through a residential unit in a bombed-out building—what the documentary refers to as a razrushka, “little wrecked apartment”—and talking with local real estate agents, who offer her the chance to invest in the abandoned ruins. The film crew walks through the debris, stepping over the belongings left behind by fleeing Ukrainians, while a cheerful voice speaks about a marvelous view from the balcony.

VIP apartments that have already been repaired, the film announces, are being sold for up to $50,000, and only people coming from “Greater Russia” can afford them. One agent complains that “there are not many survivors per square meter,” and those locals who have survived can’t afford new housing, even with a mortgage. The compensation paid by Russia to a Mariupol resident for the destruction is $350 per square meter. But people who lived downtown and whose houses were demolished won’t have a chance to move back, even if a new building is being constructed on the same site.

As Ibrahim Olabi, a British international human rights lawyer who has testified before the UN Security Council on abuses in Syria and who serves as chief legal counsel for The Reckoning Project, has argued, Russian occupation practices follow a deliberate strategy. Russian rule is designed to instill fear among local residents, compelling them to either flee or support Moscow. In addition to indoctrination, the occupiers enforce policies that are aimed at altering the demographic and societal fabric of these regions, paving the way for more land grabs in the future. They also push forward Putin’s larger project of progressively eroding the foundations of Ukraine itself: not only by damaging the economy and blocking crucial supply chains but also by separating families, creating new social fractures, and continually destabilizing the rest of the country with the threat of new invasion.

WAR BY OTHER MEANS

In comments and social media posts during his campaign and in the run-up to his inauguration, Trump called for a rapid agreement between Russia and Ukraine to end the war. Western experts have also argued that Kyiv should agree to freeze the frontline and accept the loss of the territories and people now under Russian control. Ukraine’s government and military leadership respond that if they were simply given more sophisticated weapons, including ones that would allow strikes against Russian command-and-control centers, Ukraine might not be able to restore its full territorial integrity, but it could push Russian forces farther away. Still, even many of those who view Ukraine’s ambition to restore its full territorial integrity as a matter of upholding international law and principle see the goal as out of touch with reality.

Putin doesn’t care about Mariupol, Sievierodonetsk, or the villages his forces have occupied in the Kherson and Zaporizhzhia regions. He doesn’t see why the United States should care who controls such places; in his view, Russia is bigger and stronger than Ukraine, and that settles the matter. But just as annexing Crimea and invading eastern Ukraine in 2014 didn’t prevent a further Russian invasion, nor will granting Moscow formal control of the territories it has gained since 2022. After the Soviet victory in World War II, Joseph Stalin made a speech hailing the “screws of the immense machine of the government.” The screws were the Soviet people, which in Stalin’s eyes were replaceable material at the state’s disposal. For Putin, controlling the land, erasing the slightest traces of Ukrainian statehood, and indoctrinating the people through propaganda and terror are ways to create more “screws” for his permanent war.

Yet people are not things, empires are not invincible, and no one can control everything. In Crimea before 2022, almost any form of resistance was impossible because of the pervasive presence of agents of the FSB, Russia’s internal security service. It seemed as if the local population had completely embraced annexation. Today, by contrast, activists regularly spread yellow ribbons, symbols of Ukrainian resistance, in Yalta and Sevastopol. These remarkable acts of defiance show that the opposition is conditioned not only on the strength of Russia’s security apparatus—in fact, the Russian state has become even more oppressive since the war began—but also on the extent to which people themselves believe that the current state of affairs is not permanent and that things might change. Although Russian forces occupied the Ukrainian city of Kherson for nine months, they were eventually forced to retreat, and it became clear that the occupying institutions they had set up had utterly failed to Russify the local population.

Allowing Moscow to make its occupation permanent will make the war even more violent.

But many more Ukrainian areas remain firmly in Russian hands, and Ukraine has few positive messages to deliver to the people in these areas beyond hoping for the best. Ukraine, as well as its allies, must understand that allowing Russia to occupy and rule over a huge area of Ukraine that it has taken by force is not just a violation of every international norm but also dangerous to global stability. Allowing Moscow to make its occupation permanent as the price for stopping the current fighting would simply make the war even more violent in the future.

Polling by the Kyiv International Institute of Sociology found that between early October and December of last year, the share of Ukrainians who said they were ready to make some territorial concessions to end the war has increased from 32 to 38 percent. But 51 percent still opposed any such concessions, despite the relentless pressure of war. In fact, focusing on this question misses the point that for most Ukrainians, the amount of land that Putin controls matters less than the way Russia has turned the occupation into a weapon of war. The crucial issue is about the security guarantees that will be required to neutralize this weapon and preserve Ukrainian sovereignty.

Ukraine might be able to consider a deal to end the war if, for example, it were offered membership in NATO, given enough sophisticated weapons to defend itself in the future, joined the European Union, and received from the West all the financing it needed for reconstruction. But until Washington and its European allies provide those kinds of guarantees, and until the West recognizes that Russia’s occupation is really aimed at the rest of Ukraine, Ukrainians are likely to stay committed to the war, however high the costs. And if a cease-fire is reached that does not address this continuing Russian threat, lasting peace and stability will remain elusive.