FORÇA, MINISTRO FACHIN
EDITORIAL DO ESTADÃO, 15/12/2025O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, propôs um código de ética para ministros. A reação dos colegas, entre a indiferença e a irritação, não poderia ser mais eloquente, razão pela qual, segundo se relata em Brasília, Fachin está isolado no Supremo. Diante disso, este jornal manifesta total apoio à iniciativa de Fachin – e concita o Brasil a fazer o mesmo. Se o presidente do Supremo está isolado na Corte, deve ficar claro para seus pares que o País está com ele.
Suprema ironia: o tribunal que alterna seus dias entre promover cruzadas moralizantes e reescrever leis e a própria Constituição recusa-se a redigir um punhado de regras para si mesmo.
Paradoxal, mas consequente: regulamentos elementares de decoro e transparência, que regem as cortes de democracias civilizadas, ameaçam a rotina de privilégios, permissividade e jurisdições alternativas no Brasil – viagens bancadas por empresários com processos na Corte; jantares de lobby travestidos de “seminários”; palestras remuneradas por grupos de interesse; camarotes e jatinhos emprestados; parentes operando como cambistas processuais; sociedades comerciais de ministros; comentários políticos na grande mídia; apadrinhamento de indicações na Justiça; costuras com caciques parlamentares. No mundo real isso se chama conflito de interesses; no STF é “agenda institucional”.
A Corte é hoje a reserva amoral da Nação. Os ministros tornaram inaplicáveis a si mesmos as resoluções do Conselho Nacional de Justiça, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional e seu Código de Ética. Declararam-se imunes a impedimentos por suspeição, limitações a atividades empresariais ou à obrigação de se manifestar somente nos autos.
Quando o topo cultiva a indústria do lobby judicial, o empreendedorismo togado, o nepotismo de alta performance, o ativismo ideológico, a guerra santa contra a transparência, por que um desembargador se daria ao trabalho de dizer “não”? Juízes e promotores observam e concluem: a ética é adereço opcional. O STF deveria ser o vértice da integridade republicana. Converteu-se no epicentro da degradação. A confiança pública na Corte segue em queda livre. Tribunais vivem de autoridade simbólica – e ela se desintegra quando seus membros parecem personagens de uma crônica de costumes, não guardiões da lei.
O caso do Banco Master é um microcosmo nesse universo promíscuo. Seu controlador, Daniel Vorcaro, investigado por uma coleção de fraudes, patrocinou encontros exclusivos dos ministros com políticos e empresários e celebrou contratos multimilionários com seus parentes. Quando sua situação criminal se agravou, uma petição nebulosa aterrissou no gabinete de Dias Toffoli, que já confraternizou com ele e advogados do banco. O inquérito foi trancado sob sigilo e descansa em paz.
Se o Estado não controla sua cúpula judicial, como resistirá à infiltração do crime organizado? “Esse país já teve presidente preso, deputado preso, governador preso”, alertou o senador Alessandro Vieira, “mas ainda não teve ministros dos tribunais superiores – e me parece que esse momento se avizinha”.
A crise ética não decorre de pecadilhos individuais. É estrutural. Nasce da fusão entre poder ilimitado e autorregulação indulgente. O personalismo monocrático contaminou a vida judicial. A autoimunidade é reforçada por uma blindagem ativa contra qualquer controle externo: rechaço a auditorias independentes, resistência a mecanismos parlamentares de responsabilização, hermenêuticas criativas que convertem prerrogativas em salvo-condutos. O STF tornou-se juiz – e não raro cúmplice – de si mesmo. Quebrou a bússola moral e a jogou fora.
O código proposto por Fachin não é panaceia, mas seria um bom começo. Ele não limitaria a liberdade da Corte, só a libertinagem de seus ministros. O STF vive a maior crise moral de sua história. E não porque é desmoralizado por “extremistas de direita”, mas porque seus membros normalizaram comportamentos que em jurisdições civilizadas são incompatíveis com a toga. Um tribunal que confunde independência com licença, prerrogativa com privilégio e autoridade com impunidade não conseguiria defender a Constituição – nem que quisesse.
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