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terça-feira, 31 de março de 2020

Cronologia diplomática em tempos não convencionais: de volta ao deserto, 2019-2020 - Paulo Roberto de Almeida

Cronologia diplomática em tempos não convencionais 

Paulo Roberto de Almeida, de volta ao deserto: 2019-2020

 

Paulo Roberto de Almeida

 

 

Na continuidade da cronologia anterior, cuja primeira parte já tinha sido tornada disponível neste mesmo espaço,

Primeira parte, de 2003 à exoneração do IPRI, em março de 2019, divulgada no blog Diplomatizzando(link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/uma-cronologia-diplomatica-paulo.html) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42377104/Cronologia_pessoal-funcional_em_tempos_nao_convencionais_Um_diplomata_do_limbo_ao_limbo_2003-2019).

 

transcrevo os eventos e processos ocorridos durante todo aquele ano e até este mês de março de 2020, uma trajetória que ainda não terminou, e cuja fase final é ainda mais incerta quanto à sua ocorrência. Eu o faço com bastante objetividade, com adesão básica aos fatos, nada mais do que os fatos, em total transparência para meus leitores.

O seguimento de nova “travessia do deserto” será informada quando a sequência dos fatos assim o determinar, como raras vezes tenho feito (uma vez que costumo, o mais das vezes, postar unicamente trabalhos temáticos, não assuntos pessoais), mas acredito que a fase atual oferece preciosos aprendizados sobre a conjuntura atual no Brasil, em especial no âmbito da sua política externa e, sobretudo, no contexto de sua diplomacia.

 

Sumário dos capítulos anteriores desta novela: 

1. Pré-história (2003-2005)

2. Início da primeira, longa, travessia do deserto (2006-2012)

3. Cargo subalterno no exterior (2013-2015)

4. Retorno ao Brasil: limbo e diretoria do IPRI (2016-2018)

 (...) 

5. De retorno a uma nova travessia do deserto?

2019, 02/01: Nova administração instruiu-me, no dia 2/01/2019, a não empreender nenhuma atividade no IPRI, até a definição de nova administração e programa de trabalho, a despeito de já estarem agendadas diversas atividades, canceladas pela chefia da Casa. Aproveitei o “ócio forçado” para compor alguns trabalhos que deveriam integrar novo livro, mantido, porém, sem título e sem decisão quanto à eventual publicação até o período posterior à exoneração; entre eles este aqui: “Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um testemunho pessoal” (Brasília, 15 janeiro 2019, 26 p.), depois incluído como apêndice ao novo livro preparado nessa época, trabalho disponível neste link: https://www.academia.edu/41084491/Auge_e_decl%C3%ADnio_do_lulopetismo_diplom%C3%A1tico_um_testemunho_pessoal.

2019, 25/01: Composição de novo livro, relativo ao período 2014-2018 – Contra a corrente: Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018–, mas só publicado em abril, posteriormente à exoneração: Curitiba: Appris, 2019, 247 p.

2019, fevereiro-março: Elaboração de trabalho “Rubens Ferreira de Mello: o primeiro tratado brasileiro de direito diplomático” (Brasília, 3 março 2019, 20 p.), contribuição à obra coletiva dirigida pelo Consultor Jurídico do Itamaraty, George Galindo, sobre “História do direito internacional no Brasil: entre universalismo, localismo e identidades”, sobre autores de obras de Direito Internacional no Brasil (link: https://www.researchgate.net/publication/331482703_Rubens_Ferreira_de_Mello_o_primeiro_tratado_brasileiro_de_direito_diplomatico). 

2019: Publicação da 2ª edição do livro em Kindle: Volta ao Mundo em 25 ensaios: relações internacionais e economia mundial.

2019, 04/03, 01:30hs: “A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo” (Brasília, 4 março 2019, 18 p.), introdução, em 2 p., à transcrição de três textos sobre a política externa, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019); postado duas vezes no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html) e novamente no dia 9/03/2019 (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/ricupero-fhc-e-ernesto-araujo-em-debate.html).

2019, 04/03, 08:30hs: Telefonema do chefe de Gabinete do chanceler, ministro Pedro Wolny, comunicando minha exoneração do cargo de diretor do IPRI, “com efeito imediato”.

2019, 04/03: “Nota sobre minha exoneração como diretor do IPRI”. Blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/nota-sobre-minha-exoneracao-como.html).

2019, 08/03: “Cadê a política externa?”, artigo publicado na revista Veja (edição 2625, ano 52, n. 11, 13/03/2019, p. 60-61), reproduzido no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/cade-politica-externa-paulo-roberto-de.html).

2019, 14/03: “A diplomacia no governo Bolsonaro”, GloboNews Miriam Leitão, com o emb. Roberto Abdenur (link: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7457062/). 

2019, 10/04: “Uma revolução cultural acontece na diplomacia brasileira”, artigo publicado na revista Época (link: https://epoca.globo.com/uma-revolucao-cultural-acontece-na-diplomacia-brasileira-opiniao-23588268); original postado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/uma-avaliacao-dos-cem-dias-na-politica.html).

2019, 11/04: “O chanceler do regresso: os planos de Ernesto Araújo para salvar o Brasil e o Ocidente”, matéria de Consuelo Dieguez na revista Piauí (Rio de Janeiro, n. 151, abril 2019, p. 20-29), entrevista ao bem. Luiz Felipe de Seixas Corrêa; blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/seixas-correa-o-paulo-roberto-nao.html).

2019, 10/05: Registro no Boletim de Serviço nº 89, 10/05/2019: 3. Atos do Secretário-Geral das Relações Exteriores: PORTARIA DE 9 DE MAIO DE 2019; O SECRETÁRIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES, nos termos da Portaria n.º 589, publicada no Boletim de Serviço nº 188, de 30 de setembro de 2003, resolve: Lotar, na Divisão de Comunicações e Arquivo, a partir de 8 de maio de 2019, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, ministro de primeira classe – Lot. 331. OTÁVIO BRANDELLI

            A lotação contraria, em princípio, disposições e normas que presidem o Serviço Exterior brasileiro, que costumam reservar os seguintes cargos para os funcionários de nível 6 (Ministro de Primeira Classe): “Atividades no Ministério das Relações Exteriores, de Secretário-Geral das Relações Exteriores, de Chefia de Missão diplomática junto a Governo estrangeiro ou Organismo Internacional de Subsecretário-Geral; de chefia de Departamento, de Assessoria, do Cerimonial e do Gabinete do Ministro de Estado; de Diretor do instituto Rio Branco; e outras de natureza equivalente.”

            O Decreto n. 9.683, de 9/01/2019, que aprovou a Estrutura Regimental do Ministério das Relações Exteriores,em seu Art. 68, explicitou que “São privativos de Ministro de Primeira ou Segunda Classe da Carreira de Diplomata os seguintes cargos: I - Secretários das Relações Exteriores; II - Chefe do Gabinete; III - Chefe de Gabinete do Secretário-Geral; IV - Corregedor do Serviço Exterior, observado o disposto no Decreto no 5.480, de 30 de junho de 2005; V - Diretor-Geral do Rio Branco; VI - Diretor da Agência Brasileira de Cooperação; e VII - Secretário de Controle Interno.”

            O Art. 69, por sua vez, determinou que “São privativos de Ministro de Primeira ou Segunda Classe ou Conselheiro da Carreira de Diplomata os seguintes cargos: I - Chefe do Cerimonial; II - Chefe de Gabinete dos Secretários das Relações Exteriores; III - Chefe da Assessoria Especial de Gestão Estratégica; IV - Chefe dos Escritórios de Representação; V - Subchefe do Gabinete; VI - Diretor de Departamento; VII - Diretor-Geral Adjunto do Rio Branco; e VIII - Subchefe de Gabinete do Secretário-Geral.”

            O Ar. 79 ainda explicitou: “Os Diplomatas em serviço nos órgãos no exterior e na Secretaria de Estado ocuparão privativamente cargos em comissão ou funções de chefia, assessoria e assistência correspondentes à respectiva classe, observadas as ressalvas estabelecidas nesta Estrutura Regimental.”

2019, 03/07: Publicação do livro: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, livremente disponível em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/334450922_Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_Inteligencia_no_Itamaraty_2019), mas também pela editora da UFRR (link: https://docs.wixstatic.com/ugd/6e2800_3e88aadf851b4b2ba4b54c6707fd9086.pdf). 

2019, 14/08: “O Senado e a diplomacia”, artigo no jornal O Estado de S. Paulo (link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504).

2019, 14/08: Posse no Instituto Histórico e Geográfico do DF, na cadeira tendo como patrono a Tobias Barreto. Discurso de posse: “Tobias Barreto: um intelectual em sua própria escola de inteligência”, disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/40050575/Tobias_Barreto_um_intelectual_em_sua_propria_escola_de_inteligencia).

2019, 25/09: Publicação de matéria da jornalista Denise Chrispim Marin, “Os veteranos encostados no Itamaraty”, na revista VEJA (edição n. 2653, 25 de setembro de 2019), sobre diplomatas sem funções no Itamaraty; transcrita no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/09/embaixadores-veteranos-no-parque-dos.html).

2019, 24/11: Publicação do livro Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo: trajetória de duas parábolas da era contemporânea (Edição do Autor). Disponível livremente, em (link: https://www.academia.edu/41255795/Marxismo_e_Socialismo_2019_). 

 

6. Um ataque inesperado

2019, 28/11: Publicação no Boletim de Serviço n. do Itamaraty, de 28/11/2019, na seção 3 (Atos do chefe da Divisão do Pessoal), deste “Registro de Faltas Injustificadas”: 

“Nos termos do artigo 44, inciso I, da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de dezembro de 1990. PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, diplomata, SIAPE n. 0403909, faltou injustificadamente ao serviço no dia 21/05/2019, de 24/05/2019 a 31/05/2019, nos dias 07/06/2019, 11/06/2019, 13/06/2019, 24/06/2019, 25/06/2019, 28/06/2019, de 07/08/2019 a 09/08/2019, em 14/08/2019 e no dia 23/08/2019 (20 dias)”.

2019, 29/11: Apresentação de formulário sobre “Faltas Injustificadas”, informando atividades em cada um dos dias das alegadas faltas, justificando cada uma delas.

2019, 05/12: Nova publicação no Boletim de Serviço n. 233, 5/12/2019, com o despacho: 

“Em face do requerimento administrativo apresentado à Divisão do Pessoal (DP), em 19/11/2019, pelo ministro de primeira classe do quadro especial PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, no qual solicita o cancelamento dos descontos referentes a faltas injustificadas nos meses de maio, junho e agosto de 2019, foi proferida a seguinte decisão: 

INDEFIRO. Adoto, como razão de decidir, a Nota Informativa 1/2019-DP e decido pelo indeferimento do pedido, tendo em vista que o lançamento das faltas encontra fundamento no art. 44 da Lei 8.112/90. Chefe da Divisão do Pessoal”.

2019dezembro: Publicação de diversos livros em formato Kindle, vários deles em 2ª ou 3ª. edição: Pontes para o mundo no Brasil: minhas interações com a RBPIParalelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude; O panorama visto em Mundorama: ensaios irreverentes e não autorizados; Minhas colaborações a uma biblioteca eletrônica: contribuições a periódicos do sistema SciELO; Um contrarianista no limbo: artigos em Via Política, 2006-2009Vivendo com livros: uma loucura gentil; disponíveis na plataforma Academia.edu ou Research Gate. 

2019, dezembro: Preparação de novo Recurso Administrativo para ser interposto no início de 2020, apresentando argumentos em resposta à decisão da Administração do Itamaraty quanto ao indeferimento do recurso enviado por via eletrônica em 29/11; não entregue devido ao imediato desconto em Folha de Pagamento.

 

7. Início de um processo kafkiano

2020, 02/01: Recebimento de contracheque contendo quatro descontos a título de “faltas e ausências”, com descontos que, somados, reduziram o depósito em conta a apenas R$ 210,16.

2020, 27/01: Solicitação de informação detalhada quanto à natureza, distribuição, procedimentos adotados para contagem e quantificação monetária de todos os descontos efetuados no contracheque de 2/01/2020 (relativo ao mês de dezembro de 2019), a título de “Faltas e ausências”, em valores diferenciados para quatro inserções a essa finalidade, com vistas a plena informação do servidor.

2020, 28/01Despacho da DP

“Os lançamentos financeiros observados referem-se a: a) faltas injustificadas do servidor, publicadas no Boletim de Serviço nº 228, de 28/11/19, que totalizaram 20 dias; 

b) atrasos e saídas antecipadas, publicados no Boletim de Serviço nº 217, de 08/11/2019. Mês de junho: 49 horas e 57 minutos. Com relação ao mês de agosto, ainda não houve cobrança referente às 69 horas e 21 minutos (no mesmo Boletim).

2020, 05/03: Publicação no Boletim de Serviço n. 44, de “Registro de Atrasos e Saídas Antecipadas”, identificando unicamente o registro SIAPE (PRA n. 0460584),”: Mês de setembro/2019: 69 horas e 00 minutos; Mês de outubro/2019: 70 horas e 23 minutos; Mês de novembro/2019: 63 horas e 27 minutos; assinado: JOÃO AUGUSTO COSTA VARGAS (chefe da DP).

2020, 13/03: Boletim de Serviço n. 50 publica o seguinte “REGISTRO DE FALTAS INJUSTIFICADAS (...) Nos termos do artigo 44, inciso I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, PAULO ROBERTO DE ALMEIDA, ministro de primeira classe, matrícula SIAPE 0460584, faltou injustificadamente ao serviço em 04/09/2019, de 09/09/2019 a 12/09/2019, de 18/09/2019 a 20/09/2019, em 09/10/2019 e em 19/11/2019 (10 dias).

2020, 13/03: Notificação da Divisão de Pagamentos na qual se solicita “reposição ao Erário”, a título de “não frequência ao trabalho”, na qual se indica que “o servidor deverá restituir ao Erário o valor pago a maior”, por “não compensação de atrasos e/ou saídas antecipadas”, com desconto subsequente “na Folha de Pagamento”.

2020, 17/03: Atestado médico, concomitante a Norma 21/2020 do Ministério da Economia, determinando teletrabalho para sexagenários, solicitando não comparecimento presencial ao local de trabalho, pelos motivos expostos: diabetes e idade avançada, em vista do surto epidêmico em curso. Neste sentido, pede deferimento.

2020, 19/03: Despacho da DP: “Sua solicitação está sendo cancelada. Conforme os Informativos Coronavírus da DP, informo que pedidos de abono em decorrência do surto de coronavírus deverão ser pedidos diretamente à chefia imediata por meio do sistema Catraca, e não à DP. Sem providências por parte da DP”.

2020, 30/03: Apresentação de formulário sobre “Faltas Injustificadas”, informando sobre atividades em cada um dos dez dias das alegadas “faltas injustificadas”, publicadas no Boletim de Serviço n. 50, de 13/03, justificando cada uma delas.

2010, 30/03: Apresentação de Recurso à Divisão de Pagamentos a propósito de notificação de “Reposição ao Erário”, ao mesmo tempo em que se acusa recebimento do documento.

 

8. Reação ao processo de intimidação

(...)

Vai vir, tenham certeza...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 31 de março de 2020

 

Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida (livre download)


Este livro vai ter continuidade, dentro em breve, mas para compreender a sequência de atos absolutamente inéditos que estão marcando a diplomacia brasileira desde o início de 2019, eu me permiti fazer um depoimento pessoal sobre as novidades que estamos contemplando – o termo correto seria sofrendo – desde então. Aguardem...

O sumário do livro é este aqui: 

Prefácio: onde está a política externa do Brasil?

1. Miséria da diplomacia, ou sistema de contradições filosóficas

2. O Ocidente e seus salvadores: um debate de ideias  

3. O marxismo cultural: um útil espantalho?  

4. A destruição da inteligência no Itamaraty: dialética da obscuridade

5. O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista  

6. A revolução cultural na diplomacia brasileira: um exercício demolidor 


O miolo do livro pode ser descarregado no link seguinte:

https://www.academia.edu/40000881/A_Destruicao_da_Inteligencia_no_Itamaraty_Edição_do_Autor_2019_ 

Posteriormente, a Universidade Federal de Roraima decidiu incluiu-lo em uma das coleções de sua editora, neste link: 
https://docs.wixstatic.com/ugd/6e2800_3e88aadf851b4b2ba4b54c6707fd9086.pdf

Aqui as informações visuais da edição de autor.




Cenários para o Brasil até 2022 decorrentes da pandemia Covid-19 - Paulo Roberto de Almeida

Cenários para o Brasil até 2022 decorrentes da pandemia Covid-19

Paulo Roberto de Almeida

Respostas a consulta efetuada por Grupo de Pesquisas e Estudos Prospectivos

Brasília, 31 de março de 2020 

Recebi, recentemente, solicitação de um grupo de pesquisa e de estudos prospectivos para responder a uma consulta que estava fazendo sobre os cenários que se abrem ao Brasil, desde agora até 2022 (ou seja, o atual mandato), a partir da pandemia do Covid-19. Não encontro muita lógica nessa data de estudar, ou prospectar os “possíveis impactos econômicos e sociais para o período pós pandemia do coronavírus no Brasil até 2022”, uma vez que tanto a pandemia, quanto os impactos econômicos, sociais e políticos possuem uma dinâmica própria, que não se submetem a um período político preciso, o de um mandato conferido nas urnas. Mas entendo que essa fase é regulada por políticas públicas específicas, que dependem de um determinado governo.

Vou transcrever as minhas respostas, mas também as explicações e diretrizes da coordenação da pesquisa, pois acredito que essa consulta apresenta interesse geral, e de meu lado não tenho razões para esconder o que penso do atual governo.

 

Apresentação da consulta pelos organizadores: 

Esta segunda parte do processo terá como objetivo levantar tendências, incertezas e possíveis rupturas relacionadas a Questão Orientadora dos cenários e seus aspectos fundamentais, levantados na primeira pesquisa.

A pesquisa levará, no máximo, 10 min, e as informações coletadas serão tratadas de forma integrada e os resultados serão compartilhados com todos os respondentes.

 

Identificação

Name: Paulo Roberto de Almeida

E-mail: xxx

Formação - fornecer a última titulação: Pós-doutorado

Área de Conhecimento: Ciências Humanas

Área de atuação: Administração pública

 

Informações para auxiliar a responder a pesquisa

QUESTÃO ORIENTADORA:

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

ASPECTOS FUNDAMENTAIS:

(1) ECONOMIA – Abrange as atividades produtivas formais e informais de empresários, trabalhadores e terceiro setor, bem como as políticas econômicas (fiscal, tributária, monetária, cambial, de crédito e de comércio exterior), de infraestrutura e de ciência, tecnologia e inovação. Destacam-se como resultados a geração de trabalho, produção e renda, além da produtividade e competitividade nacional.

(2) SOCIEDADE E DEMOGRAFIA – Abrange as questões ligadas à qualidade de vida em seus múltiplos aspectos, tais como: demografia; formas e relações de trabalho e de convívio social; habitação e mobilidade urbana; sensação de segurança e criminalidade; previdência e assistência social; desigualdades de renda e pobreza; e acesso à educação, à nutrição saudável, à cultura e lazer e aos serviços em geral, públicos e privados.

(3) SAÚDE E MEIO AMBIENTE – Abrange a redução e prevenção de riscos e agravos à saúde da população por meio das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, promoção e proteção, com o controle das doenças transmissíveis e na promoção do envelhecimento saudável; a atenção básica, especializada, ambulatorial e hospitalar, buscando reduzir as mortes evitáveis e melhorando as condições de vida das pessoas; o desenvolvimento científico, tecnológico e da produção industrial em saúde; a formação de profissionais; e a mobilidade urbana e água, esgoto e resíduos sólidos.

(4) GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Aborda a posição do Brasil no contexto das relações geopolíticas internacionais. Engloba: cooperação internacional bilateral e papel dos organismos multilaterais; alianças e disputas geopolíticas e políticas de fronteira; relação de força entre USA e China e deles com os demais países; crescimento econômico mundial e protecionismo econômico; nacionalismo e globalização produtiva, comercial, financeira, de pessoas e de comunicação e informação.

(5) POLÍTICO-INSTITUCIONAL – Trata de questões como a relação entre os poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário), seus entes federados (União, Estados e Municípios) e o Ministério Público; a organização e o funcionamento do sistema político e das instituições; a eficiência, a eficácia e a efetividade das políticas públicas; e a capacidade do planejamento nacional de longo prazo orientar a alocação de recursos e as ações de curto prazo.

 

 

Tendências

Na sua opinião, quais as principais tendências até 2022 ligadas a questão principal e aos seus aspectos fundamentais? 

Liste no máximo 5. Vamos exercitar a priorização!

TENDÊNCIAS são eventos cuja perspectiva de direção e sentido é suficientemente consolidada e visível para se admitir sua permanência no período de cenarização considerado.

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

Aspectos fundamentais: Economia; Sociedade e demografia; Saúde e meio ambiente; Geopolítica e relações internacionais; Político-institucional 

 

Comentários de Paulo Roberto de Almeida

 

Tendência 1 

Economia: Antes da pandemia do Covid-19, o cenário para a economia brasileira era o de uma lenta recuperação, quase letárgica, em virtude da gravidade do impacto da Grande Recessão do período final do lulopetismo econômico, que eu identifico, na verdade como a Grande Destruição lulopetista da economia, um legado terrível em termos de emprego e redução de crescimento que prometia arrancar as poucas possibilidades que o Brasil tinha de lograr um mínimo de crescimento para acomodar os novos jovens ingressando no mercado de trabalho e o volume crescente de novos aposentados e pensionistas sob cuidados dos regimes previdenciários (público e geral).

Imaginava que zerar o déficit orçamentário tomaria pelo menos até 2023, que a produção de superávits primários significativos poderia ser delongada até 2029, e que o Brasil continuaria, durante todo o período, e mais além, num ritmo de crescimento medíocre. Isso era antes, até 2019. 

Agora, com o impacto da pandemia, tudo está alterado e o único cenário previsível é uma deterioração ainda maior da economia, em todos os setores possíveis – sobretudo desemprego, mas também crescimento, déficit público, maior déficit de transações correntes, possível estrangulamento cambial, desarranjos diversos no plano microeconômico e perda de qualidade das políticas econômicas. Ou seja, de agora até 2022, o cenário é o de uma deterioração grave da economia, com impactos sociais significativos.

 

Tendência 2

Sociedade e demografia. São tendências que não dependem tanto das políticas públicas, e sim de estruturas sociais de caráter impessoal e incontroláveis. A demografia, já consolidada em padrões evolutivos típicos de país avançado – ou seja, a transição demográfica já ficou para trás, e o Brasil vai acumular cada vez mais idosos em sua pirâmide demográfica –, não vai mudar muito até 2022, a não ser acentuar tendências já presentes na curva populacional e na pirâmide etária, quais sejam, menos jovens, mais idosos, maior carga sobre os orçamentos previdenciários (privados, individuais, e públicos).

A sociedade, já bastante dividida politicamente desde o início do presente século, está se tornando ainda mais dividida em função das crises políticas criadas pelo lulopetismo e agora pelo bolsonarismo, aparentemente opostos, mas profundamente similares e reciprocamente dependentes. Mas essa é uma divisão conjuntural, não estrutural. A divisão estrutural, permanente, talvez até em agravamento, na sociedade brasileira, é a profunda, iníqua, inaceitável desigualdade social, entranhada em nosso tecido social, na psicologia coletiva, nas mentalidades desde o início da formação da nação, e muito tem a ver com a base escravista da organização do trabalho, mas sobretudo com a própria constituição estamental da sociedade, e sua preservação na sociedade nacional depois da abolição. 

A responsabilidade das elites nesse quadro lamentável é patente, pois elas jamais cogitaram de estabelecer um sistema de educação pública de massas, e ainda por cima desmantelaram, sem colocar nada no lugar, o único sistema de ensino que funcionava no Brasil colonial, que era o dos jesuítas. Até praticamente os anos 1930, o Brasil nunca contou com um sistema de escolas públicas nos dois primeiros ciclos, e depois que a democratização pressionou para baixo a qualidade do sistema de ensino nas escolas publicadas criadas entre os anos 1930 e 1950, nada de mais substantivo se fez para melhorar os padrões. 

A sociedade hoje paga um preço enorme em função da baixa produtividade do trabalho no sistema produtivo. O que a pandemia do Covid-19 pode fazer, agora, é uma deterioração ainda maior do pequeno sentimento de solidariedade sociedade criado a partir da fase de grande crescimento econômico do Brasil, e não se pode excluir cenários de violência anômica por causa do agravamento das condições de emprego e renda criados no presente momento. 

Ou seja, podemos chegar a 2022 com uma sociedade fragmentada e profundamente deprimida, como nunca tivemos em fases anteriores da história da nação. A população mais pobre, ainda que tenha aceitado conformadamente a reforma da previdência, vai mais uma vez constatar que foi deixada ao relento em termos de serviços básicos do setor público (saneamento básico, escola, educação, segurança, etc.

 

Tendência 3

Saúde e meio ambiente. A CF-88 estabeleceu um Sistema Universal de Saúde perfeito no papel e na sua vocação igualitária, a exemplo do NHS britânico do pós-guerra. O problema é que o Brasil não tem uma economia suficientemente produtiva, e um Estado suficientemente organizado e eficiente para fazer do SUS uma política realmente efetiva em benefício da população mais carente, daí o desenvolvimento de consórcios de saúde privados nas últimas décadas.

O SUS não é exatamente um sistema, não é exatamente único (dada a sua fragmentação federativa) e não é bem de saúde, que deveria ser, antes de mais nada, preventiva, do que curativa. De toda forma, como no caso do sistema britânico, o ponto crucial é o da administração eficiente dos recursos disponíveis, que por uma definição elementar, nunca serão suficientes, a partir da suposta universalização do atendimento, o que gera ineficiências em todas as etapas da cadeia. Por outro lado, disposições constitucionais que visam garantir recursos constantes e garantidos, obviamente crescentes, ao sistema, atuam em detrimento de ganhos de produtividade, sem mencionar a corrupção e as disfunções “normais” existentes no Estado, nos três níveis da federação. 

O nacionalismo protecionista nas compras públicas do setor, o preconceito contra o capital e os investimentos estrangeiros e a contaminação política do sistema também são fatores profundamente deletérios para o setor como um todo. Com relação ao meio ambiente, o Brasil estava caminhando para o estabelecimento de alguns padrões razoáveis de equilíbrio entre a devastação localizada (inevitável) em áreas de biomas em perigo e a manutenção do ritmo de atividade econômica, que sempre será agressora em relação ao meio ambiente. Mas, desde os anos 1990, o Brasil vinha adotando padrões de sustentabilidade progressivamente convergentes com demandas de cientistas e pressão da opinião pública internacional. 

A chegada ao poder de “novos bárbaros”, amigos da motosserra e aliados da destruição ambiental, joga novamente o Brasil na contramão da história e da política ambientalista, por mais que existissem pressões exageradas por parte de ambientalistas não científicos, ou seja, não baseados em dados da ciência quanto à sustentabilidade econômica e natural dos recursos do meio ambiente. O Brasil caminha para chegar, em 2022, na condição de pária universal no terreno da preservação ambiental. A situação geral, que já não era adequada, ou minimamente satisfatória, tanto na parte da saúde quanto do meio ambiente (devastações urbanas, por exemplo, em acidentes naturais) tende a se agravar ainda mais.

 

Tendência 4

Geopolítica e relações internacionais. A despeito de alguns equívocos motivados por opções político-ideológicas na política externa dos governos das primeiras duas décadas deste século, o Brasil projetou, ao longo do período, uma imagem bastante positiva de seu envolvimento externo, nos grandes temas das agendas diplomáticas conectadas aos planos multilateral, regional ou bilateral. Os equívocos – motivados pelas alianças políticas do partido no poder – se concentraram mais no plano regional, uma vez que o PT tinha antigos laços afetivos e ideológicos com o castrismo e outros partidos esquerdistas, e seus líderes ainda mantinham a visão anacrônica de um mundo dividido entre países ricos hegemônicos e exploradores, e países pobres dependentes e dominados. 

Mas, excluindo esses resquícios, o restante da pauta diplomática se conformava bastante bem à ideologia “desenvolvimentista” da diplomacia brasileira, ao multilateralismo, ao terceiro-mundismo e outras manias normais numa Casa identificada com o projeto nacional de desenvolvimento. A ruptura introduzida pelo olavo-bolsonarismo na política externa é a mais grave fissura a comprometer uma política externa sóbria, identificada com os interesses nacionais, pragmática em suas diversas vertentes e sobretudo atuando com base em uma identificação técnica dos diferentes aspectos da agenda externa que mais convém ao Brasil. 

A nova diplomacia posta em marcha pelo núcleo reduzido de ideólogos que a comandam é basicamente feita com base em preconceitos, erros e equívocos de análise e de julgamento, de uma ideologia anacrônica de extrema-direita, de prevenção contra o globalismo e o multilateralismo – os dois principais esteios da atuação diplomática no século XXI – e de um retorno a um nacionalismo tosco, inculto e enviesado por obsessões anticomunistas totalmente ultrapassadas num mundo que se pauta, obviamente, pela globalização capitalista, tendo a China como um dos esteios dessa integração mundial baseada no livre comércio. 

Se não houver uma correção de rumos na trajetória alucinante traçada pelos bárbaros que ocupam atualmente o poder, o Brasil vai continuar pelo resto do mandado do inepto presidente um país marginalizado dos grandes debates internacionais, desprovido de maiores alianças políticas nos principais cenários diplomáticos, além do punhado de líderes iliberais, nacionalistas de extrema-direita que hoje são os parceiros principais do governo bolsonarista. Nunca houve, na história bissecular do Itamaraty e da diplomacia brasileira, uma política externa tão medíocre e ineficiente quanto a atual.

 

Tendência 5

Político-institucional. O sistema político brasileiro sempre foi caracterizado por alta dose de fragmentação e de difícil equilíbrio entre a maioria presidencial, emanada do voto direto dos eleitores numa personalidade política, e a maioria proporcional, e dispersa entre diferentes setores da sociedade, expressa no Congresso e nos grupos de interesse que atuam nele e através dele. Sobre isso incidem velhas deformações do patrimonialismo luso-brasileiro, que conformaram uma classe política – em todos os níveis da federação – vivendo em si e para si, um verdadeiro estamento em defesa de privilégios e prebendas, que tem em outras corporações do Estado o mais elevado índice de total descomprometimento com os interesses mais amplos da cidadania. A magistratura é, provavelmente, o mais próximo que temos da aristocracia do Antigo Regime, totalmente indiferente à situação geral do país, unicamente focada na extração de recursos em seu próprio favor. 

O Estado, de maneira geral, é um extrator de recursos de toda a sociedade, em favor dos estamentos burocráticos que o povoam, e é o principal vetor de construção de desigualdades e de concentração de renda. Não se imagina uma correção radical dessas deformações no curto prazo, uma vez que esse processo demandaria um tempo necessariamente longo de educação política, ou de educação tout court, numa sociedade que raras vezes valorizou o ensino de boa qualidade como prioridade nacional. 

Sobre essas tendências fortes, que devem continuar – num jogo contínuo de chantagens entre os três poderes, e que estão na base do famoso “presidencialismo de coalizão”, que redunda ser, no mais das vezes um presidencialismo de cooptação e de corrupção –, se acresce o atual governo de um líder inepto, inculto, autoritário, provavelmente desequilibrado, animado por aliados íntimos – em primeiro lugar sua própria família – unicamente focados na manutenção do poder, em sua expressão mais crua. 

A despeito de algum controle burocrático por parte de militares que o sustentaram na trajetória de ascensão ao poder, a tendência é a de contínua disfuncionalidade da presidência, e, portanto, de uma incapacidade manifesta de conceber e aplicar projetos racionais de reformas ou mesmo da condução de programas identificados com as necessidades básicas da sociedade (na economia, na educação, nas relações exteriores, no meio ambiente e em diversos outros setores). 

Um pequeno núcleo de ministros racionais, auxiliados por tecnocratas de boa qualidade, tenta dar sentido e direção a um governo que carece de ambos, mas os obstáculos criados pelo próprio núcleo do poder, ou seja, o presidente e seus áulicos, são uma constante ameaça à continuidade de políticas equilibradas. A tendência pode ser a deterioração progressiva e uma provável crise da governança, não sendo sequer previsível se essa tendência se manterá até 2022, ou se ocorrerá nova ruptura política na esfera do Executivo.

 

 

Incertezas

Na sua opinião, quais as principais incertezas ou rupturas até 2022 ligadas a questão principal e aos seus aspectos fundamentais? 

Liste no máximo 3. Vamos exercitar a priorização!

INCERTEZAS referem-se a eventos futuros cuja trajetória ainda é indefinida no período considerado de cenarização. Trata-se de uma pergunta sem resposta. 

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

Aspectos fundamentais: Economia; Sociedade e demografia; Saúde e meio ambiente; Geopolítica e relações internacionais; Político-institucional 

 

Incerteza 1 

A primeira incerteza tem a ver com a capacidade dos dirigentes nacionais – tanto do Executivo quanto do Congresso – de administrar os diferentes impactos – econômicos, sociais, políticos, de relações internacionais – da atual pandemia, que vai causar um enorme stress sobre as condições já extremamente frágeis da economia. O Brasil já era, desde muito tempo, um país totalmente preparado para NÃO crescer, em razão da sua baixa capacidade de poupança e de investimento, de inovação e de produtividade, dos baixos níveis de educação formal da maioria de seu povo, sobre o que se exercia um Estado extrator, um ogro famélico que atual como despoupador líquido das riquezas criadas pelo setor privado. 

O choque atual tem tudo para: aumentar o desemprego, frear o investimento, aumentar o nível do endividamento público, criar potenciais focos inflacionários, desorganizar o sistema produtivo e aumentar o grau já elevado de elisão e de evasão fiscal, numa economia que retorna a altas taxas de informalidade e conhece até mesmo retrocessos no provimento de serviços básicos (saúde, segurança, educação, justiça). 

 

Incerteza 2

A segunda maior incerteza tem a ver com a capacidade dos homens públicos conseguirem preservar o funcionamento mínimo das instituições com um presidente altamente prejudicial ao seu bom funcionamento, justamente. O foco principal de TODAS as crises está no próprio presidente e no seu círculo íntimo e é altamente improvável que a marcha da política até 2022 o converta num administrado racional, ou pelo menos neutro. 

Existe um potencial disruptivo no seu estilo de “fazer política” altamente cumulativo, em vista das frustrações que esse próprio estilo não cessa de criar continuamente. Ou o presidente se converte num eunuco controlado por forças mais sensatas, ou as tendências à implosão são altamente prováveis. As reações irracionais aos desafios do Covid-19 são exemplos desse descontrole pessoal com a administração de crises. Não parece provável alguma melhoria no futuro previsível. 

 

Incerteza 3

No plano social, existe a possibilidade de que, numa sociedade já estressada por altos níveis de desemprego e de insatisfação com os serviços públicos – reflexo da falência progressiva dos estados e de muitos municípios –, o grau insuportável de empobrecimento geral da população trazida pela pandemia redunde em maior nível de anomia, e daí para explosões de violência ainda não conhecidos no Brasil como já o foram em outros países (na própria Argentina, por exemplo, ou no Chile), com saques a supermercados e lojas, e ataques a entes públicos. 

Ou seja, o Brasil não está imune a uma deterioração sensível da civilidade e do simples controle estatal sobre o tecido social, para impedir que o caos e a violência errática se difundam nos estratos mais baixos da sociedade. Nessas condições, as FFAA seriam chamadas a intervir, com consequências imprevisíveis no momento atual.

 

 

Rupturas

Na sua opinião, quais as principais rupturas poderão ocorrer até 2022 ligadas a questão principal e aos seus aspectos fundamentais? 

Liste no máximo 3. Vamos exercitar a priorização!

RUPTURA representa uma grande mudança causada por um novo fenômeno que pressiona o equilíbrio existente e o quebra, e que possa ocorrer no período considerado de cenarização.

Até 2022, o Brasil será bem-sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavirus?

Aspectos fundamentais: Economia; Sociedade e demografia; Saúde e meio ambiente; Geopolítica e relações internacionais; Político-institucional 

 

Ruptura 1

As dúvidas são enormes sobre a possível evolução do cenário econômico, a principal chave do futuro do Brasil. Se o choque do Covid-19 puder ser bem absorvido pela administração da política econômica – ou seja, enormes gastos estatais, num ambiente de defesa acirrada pelas corporações e lobbies poderosos de seus interesses particularistas, contra os interesses gerais das grandes massas excluídas – pode ser que o Brasil escape da deterioração geral do sistema produtivo, aproveitando os desafios para fazer algumas reformas que tardam décadas para se realizar. As chances são, no entanto, bem reduzidas. As elites dirigentes no Brasil são medíocres, autocentradas e bastante egoístas, o que deixa antever muitas dificuldades nesse terreno. A principal ruptura seria uma crise da governança, e a abertura para dois cenários: mais populistas e demagogos, ou uma administração tutelada pelas instituições castrenses, os novos pretorianos de um regime mais autoritário do que democrático.

 

Ruptura 2

No plano social, a ruptura pode ocorrer a partir da revolta dos despossuídos contra a insensibilidade dos privilegiados, que somos todos nós, classe média-média para cima. É um cenário jamais conhecido no Brasil, salvo pequenas revoltas localizadas, muito marginais e ligados a problemas geralmente locais. Grandes crises nacionais raramente se traduziram em revolta das massas, e consequente repressão pelas forças de ordem. Talvez o Brasil não esteja imune a esta possibilidade.

 

Ruptura 3

No plano político, não existe na pauta do Congresso uma coalizão esclarecida em favor de reformas estruturais fundamentais, a não ser os remendos de ocasião, quando a pressão emerge da área econômica ou de algum estrangulamento externo. Esse descompromisso da classe política com algum programa de reformas modernizantes pode jogar o Brasil numa fase de ainda maior fragilidade política, o que representa uma porta aberta para novos demagogos e populistas, tanto de esquerda, quanto de direita. A consequência será uma possível quebra de legalidade, e a necessidade de introdução de mecanismos “corretores” estabelecidos ad hoc, sob a pressão do momento, não como resultado de algum consenso estabelecido entre as elites. Estas são muito medíocres e pobremente equipadas intelectualmente para definir e implementar um plano consensual de reformas progressivas.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 31 de março de 2020


O Brasil isolado do mundo - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil isolado do mundo

 

Paulo Roberto de Almeida

A atitude do governo brasileiro, no mais alto escalão do executivo – que se reduz ao chefe do Estado e a um extremamente reduzido círculo íntimo –, assim como no plano de sua postura internacional, tem revelado um inacreditável isolamento em relação a certo consenso mundial em torno das melhores formas de se reduzir o impacto de calamidades naturais. Tal atitude irresponsável não vem de agora, vinculado especialmente ao fenômeno do Covid-19, mas já se manifestava desde o início do atual governo, em relação a meio ambiente, por exemplo, mas também aos direitos de minorias, assim como aos direitos humanos de maneira geral. O governo Bolsonaro se coloca voluntariamente na contramão de tendências globais, inclusive demonstradas agora no caso daquele a quem considera seu principal aliado externo, e se refugia num pequeno círculo de ideólogos supostamente antiglobalistas que só conseguem expressar preconceitos e ignorância, recusando os dados básicos da ciência e da pesquisa. Lamento profundamente o espetáculo de confusão que o Brasil oferece atualmente ao mundo."

Jamais, numa história de quase 200 anos, o Brasil e sua diplomacia tinham assistido a tal grau de isolamento internacional, jogando as elites dirigentes num descrédito nunca antes igualado, mesmo nas piores crises econômicas ou graves violações de direitos humanos, que invariavelmente atingiram populações autóctones, o povo mais pobre, crianças de rua, etc. Não creio que existam precedentes para a atual esquizofrenia de alguns membros dos círculos do poder.

 

Paulo Roberto de Almeida, embaixador, atualmente lotado na Divisão de Comunicação e Arquivo do Itamaraty, professor no Uniceub.

 


Brasília, 31 de março de 2020

 

segunda-feira, 30 de março de 2020

Os previsíveis imprevisíveis - Jeffrey Frankel, Harvard Belfer Center

 ANALYSIS & OPINIONS Project Syndicate

Foreseeable Unforeseeables

Mar. 27, 2020
Events like the COVID-19 pandemic, the US housing market crash of 2007-2009, and the terrorist attacks of September 11, 2001, are often called “black swans.” The term is meant to suggest that no one could have seen them coming. But these episodes each involved known unknowns, rather than what former US Secretary of Defense Donald Rumsfeld famously called “unknown unknowns.”
After all, in each case, knowledgeable analysts were aware not only that such a thing could happen, but also that it was likely to happen eventually. Although the precise nature and timing of these events were not predictable with high probability, the severity of the consequences was. Had policymakers considered the risks and taken more preventive steps in advance, they might have averted or mitigated disaster.
In the case of COVID-19, epidemiologists and other health experts have been warning about the danger of a viral pandemic for decades, including as recently as last year. But that has not stopped US President Donald Trump from claiming that the crisis was “unforeseen,” that it is an issue that “nobody ever thought would be a problem.” Likewise, after the attacks of September 11, 2001, President George W. Bush wrongly asserted that “There was nobody in our government, at least, and I don’t think the prior government that could envision flying airplanes into buildings on such a massive scale.”
In light of such statements, it is tempting to attribute these disasters solely to executive incompetence. But human error at the top is too facile to be a complete explanation, considering that the general public and financial markets have also often been caught by surprise. Stock markets had reached historic highs just before the 2008 financial crisis, and again before the latest crash that began in late February. In both cases, there were plenty of foreseeable tail risks that should have militated against irrational exuberance.
On these occasions, investors were not just following overly optimistic baseline forecasts. Rather, they saw essentially no risks at all. The VIX – a measure of perceived financial-market volatility (sometimes known as the “fear index”) – was near record lows in advance of both 2007-2009 and 2020.
Several factors help to explain why extreme events so often catch us by surprise. First, even technical experts can miss the big picture if they do not cast their net wide enough when analyzing the data. They sometimes look only at recent data sets, assuming that in a fast-changing world, events from 100 years ago are irrelevant. Americans often come with an additional set of blinders: an excessive focus on the United States. Giving little mind to the rest of the world is one of the perils of American exceptionalism.
​In 2006, for example, the finance whizzes who priced US mortgage-backed securities relied primarily on the recent history of US housing prices, effectively operating under the rule that housing prices never fall in nominal terms. But that rule merely reflected the fact that the analysts themselves had never witnessed housing prices falling in nominal terms simultaneously. Housing prices had indeed fallen in the US in the 1930s, and in Japan as recently as the 1990s. But those episodes did not coincide with the lived experience of US-based financial analysts.
If those analysts had only consulted a broader data set, their statistical estimates would have allowed for the probability that housing prices would eventually fall and that mortgage-backed securities would therefore crash. Financial analysts who limit their data to their own country and time period are like nineteenth-century British philosophers who concluded by induction from personal observation that all swans are white. They had never been to Australia, where black swans had been discovered in a previous century, nor had they consulted an ornithologist.
Moreover, even when experts get it right, political leaders often don’t listen. Here, the problem is that political systems tend not to respond to warnings that estimate the risk of some disaster at a seemingly low figure like 5% per year, even when the predictable costs of ignoring such probabilities are massive. The experts who had warned of a serious pandemic got the risk assessment right. So, too, did Bill Gates and many other astute observers working in sectors as far afield as public health and the movie business. But the US federal government was not prepared.
Worse, in 2018, the Trump administration eliminated the National Security Council unit that had been created by President Barack Obama to deal with the risk of pandemics; and it has regularly tried to slash the budgets of the Centers for Disease Control and Prevention and other public-health agencies. It is little wonder that America’s handling of the pandemic – the lack of testing and the dangerous shortage of critical-care equipment and facilities – has fallen so far short of other advanced economies, not least Singapore and South Korea.
But, in addition to reducing America’s capacity to respond to pandemics, the White House simply had no plan, nor recognized that it would need one, even after it had become obvious that the coronavirus outbreak in China would spread globally. Instead, the administration dithered and diverted blame, failed to ramp up testing, and thereby kept the number of confirmed cases artificially low, perhaps to support stock prices.
As for Trump’s claim that “Nobody has ever seen anything like this before,” one need only look back four years to the deadly Ebola outbreak that killed 11,000 people. But they were far away, in West Africa. The 1918-19 influenza pandemic killed 675,000 Americans (along with some 50 million worldwide), but that was 100 years ago.
Apparently, our political leaders are impressed only when a disaster has killed a large number of citizens within their own country and within living memory. If you have never seen a black swan with your own eyes, they must not exist.
The world is now learning about pandemics the hard way. Let us hope that the price in lives is not too high – and that the right lessons are learned.

Jeffrey Frankel

  • James W. Harpel Professor of Capital Formation and Growth
  • Member of the Board, Belfer Center
For more information on this publication: Belfer Communications Office
For Academic Citation: Frankel, Jeffrey.“Foreseeable Unforeseeables.” Project Syndicate, March 27, 2020.