O socialismo é uma miséria moral
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista concedida ao animador do Clube Bastiat de Goiânia, Celso Assis
Paulo Roberto de Almeida: “O socialismo é uma miséria moral” — entrevista
Diplomata conta como foi marxista quando jovem, explica sobre o caos na Venezuela e descreve a figura de Roberto Campos
Professor Paulo Roberto de Almeida. Foto ilustrativa retirada do site O Livre.
Entrevista realizada em 24 de março de 2017 para o Clube Bastiat na oportunidade que Paulo Roberto de Almeida ministrou uma palestra na Universidade Federal de Goiás. Foi transcrita recentemente para melhor aproveitamento do material.
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, professor universitário e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Desde agosto de 2016, é diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores.
COMO O SENHOR CHEGOU AOS IDEAIS LIBERAIS?
Paulo Roberto de Almeida: Eu não me defino teoricamente como um liberal ou como um progressista ou qualquer outro rótulo. Eu tive um caminho vindo do marxismo na juventude e tanto no plano teórico pelas leituras, quanto no plano prático pela observação, pelas viagens, pela vida vivida em diversos socialismos e capitalismos, eu fui caminhando naturalmente para soluções mais racionais. Aquela que encarnam uma relação, uma compatibilidade entre as verdades dos fatos e as intenções.
É claro que na juventude você tem aquelas aspirações igualitárias, socializantes, de justiça social, construídas sobre utopias, sobre falsas soluções. É um fato que se descobre pela vida de que o socialismo é um fracasso material. Mais que um fracasso material, o socialismo é uma miséria moral. Um regime de delação, de repressão.
Saindo do Brasil, jovem com vinte anos, fui direto ao socialismo, na Europa central, no socialismo real de tipo soviético. Eu me deparei não apenas com a penúria material, mas com a miséria moral. Ao cabo de pouco tempo, menos de três meses, eu saí e me estabeleci na Bélgica. Não é o socialismo real, mas o capitalismo quase ideal. Trabalho e estudando, sobretudo na biblioteca, fui fazendo o caminho natural do socialismo estatizante da juventude indo para um socialismo mais light. Depois naturalmente, eu aceitei a realidade das democracias de mercado.
MESMO COM TANTOS RELATOS DAS MISÉRIAS QUE PASSARAM E PASSAM AS PESSOAS EM NAÇÕES SOCIALISTAS, POR QUE AINDA HÁ PESSOAS QUE INSISTEM EM UMA “REVOLUÇÃO”?
PRA: A concepção marxista do mundo é instigante e atraente. Ela proclama as misérias materiais do mundo e nenhum regime é perfeito, as pessoas têm que trabalhar duro. Ela proclama um ideal mais elevado, o da igualdade. Aponta a causa da miséria a propriedade privada dos meios de produção, a existência de burgueses concentradores de riquezas. Apontam também o caminho revolucionário ou pelo meio eleitoral, mas para superar o capitalismo e a propriedade privada.
Isso atrai muito a juventude, pois ela é mais propensa a maior justiça social, a maior igualdade, a maior generosidade, a uma grande reforça na sociedade. Eles não atentam que a construção humana é feita de progressos graduais, constantes e acumulativos. Esse é um processo que todas as sociedades atravessam. A tentativa de reordenar a sociedade para construir igualdade redunda geralmente na distribuição da pobreza.
A sociedade precisa ter o processo de acumulação, efeito de trabalho e competição. Não é um sistema generoso. O capitalismo em si mesmo não é um sistema moral ou imoral, ele é amoral. Ele é um sistema amoral. As pessoas trabalham, tem algo para vender, para oferecer. O retorno vem pelo mercado, não pela mão generosa do estado.
O estado é uma extorsão da riqueza social produzida pelos empresários e pelos trabalhadores em benefício do conjunto da sociedade. Com isso você diminui os incentivos à acumulação. É um sistema falho, onde todos esperam receber algo de um ente supostamente neutro que não existe. O estado é uma construção social feita pelos homens para facilitar as relações humanas, mas ele próprio não é um criador de riqueza. Ele vive da riqueza da sociedade.
Basear todo o progresso econômico e social sobre um sistema estatizante é apoiar-se apenas na miséria, na pobreza e na estagnação.
COMO O BRASIL PODE AJUDAR A VENEZUELA E COMO PODEMOS NOS PROTEGER DAQUELE DESTINO?
PRA: A Venezuela é um caso extremo, mas a exacerbação de um fenômeno tipicamente latino-americano. De um lado a demagogia política, as mentiras, as promessas irrealistas e de outro lado o populismo econômico. Isso não acontece apenas na América Latina, mas ela é especialmente devotada a essas deformações.
A Venezuela tem um traço diferente de seus vizinhos latino-americanos que é sua riqueza em petróleo. Pode ser uma coisa boa se bem administrada, mas pode ser uma maldição. Ele deforma as condições econômicas de um país. Muitas vezes ele está à flor da terra, permite uma riqueza imediata.
A sociedade venezuelana foi deformada pelo petróleo durante décadas. Aquilo atraiu comportamentos rentistas, o que os economistas chamam de rent-seeking. A sociedade passou a ficar dependente do petróleo.
O [falecido ditador Hugo] Chávez criou aquilo que se chama assistencialismo estatal, distribuindo a riqueza do petróleo de uma forma desigual. E também atraído pelo socialismo dos cubanos, ele passou a reprimir a atividade capitalista privada e a estatizar e a monopolizar diversos setores. Com isso ele tirou diferentes estímulos de produção. A Venezuela é um estado falido e possivelmente em situação de pré-guerra civil.
A ex-presidente Dilma Rousseff recebe um retrato de Hugo Chávez do ditador venezuelano Nicolás Maduro em 2013.
O Brasil poderia talvez criar um grupo de “amigos do povo venezuelano” e obrigar a Venezuela a fazer uma eleição verdadeiramente livres. Tecnicamente, a Venezuela já é uma ditadura. As instituições estão deformadas. Antes o parlamento era majoritariamente chavista, hoje tem uma oposição maior, mas que está sendo sabotada. O Brasil e os outros países da América Latina, através de mecanismos de defesa da democracia do Mercosul, da Unasul, da OEA, deveriam pressionar a Venezuela por eleições livres. Daí começa um processo muito duro de reconstrução da economia.
[ATUALIZAÇÃO: Algo assim aconteceu em fevereiro de 2018 por um grupo de países latino-americanos, incluindo o Brasil. Mais informações por meio deste link.]
QUANDO O PRESIDENTE MICHEL TEMER DISSE QUE NO GOVERNO DELE O BRASIL NÃO VAI TRABALHAR COM VISÕES DE MUNDO ENVIESADAS, ENTÃO ELE ESTAVA FALANDO SOBRE ISSO?
PRA: Exato. O Brasil, como todo país latino-americano, alterna entre visões mais demagógicas, mais populistas e mais realistas. Infelizmente, o Brasil atravessou nos últimos treze anos, com os governos petistas, por governos estatizantes, dirigistas, apoiadores de governos socialistas e inimigos da liberdade, como o cubano.
Nisso a política externa foi deformada, ela passou de abstencionista da democracia para um apoiador de ditaduras. O Brasil é em grande parte responsável pela manutenção do Chávez e de outros regimes populistas e bolivarianos na América Latina.
Felizmente acabou, houve um desastre na economia. A presidente Dilma foi impedida de continuar seu mandato. O presidente Temer é um político tradicional e o Itamaraty retoma seu caráter profissional e isento, sem esse viés progressista e bolivariano dos últimos treze anos.
EM ABRIL (DE 2017), ROBERTO CAMPOS COMPLETARIA 100 ANOS. O SENHOR PODERIA DIZER QUAL FOI O LEGADO DELE PARA O BRASIL?
PRA:O Roberto Campos (1917–2001) foi um intelectual de qualidade excepcional. Vindo de estudos seminaristas, entrou na diplomacia e ao ser encarregado de questões econômicas, tanto no Itamaraty quando na sua primeira missão nos Estados Unidos, ele participou de conferências extremamente importantes, como a Bretton Woods e a de Havana.
Com isso ele se tornou um economista altamente capacitado em uma fase que o Brasil estava se deslanchando para o desenvolvimento. Ele fez uma tese de mestrado sobre flutuações e ciclos econômicos de qualidade tão excepcional que Joseph Schumpeter, famoso economista que lecionava em Harvard, disse que ela tinha qualidade de doutorado — e de fato tinha.
Roberto Campos. Foto retirada do site do jornal Gazeta do Povo.
Observando o Brasil, os Estados Unidos, a América Latina, o Roberto Campos concluiu que a melhor forma de desenvolvimento para o Brasil seria via mercado, estabilidade macroeconômica, combatendo a inflação, competição no campo microeconômico, instituição de governanças fiáveis, alta qualidade de capital humano — ele sempre insistiu na educação — e sobretudo a abertura ao mercado internacional e aos investimentos estrangeiros. Ele tinha uma receita para o desenvolvimento e tentou aplicar.
Roberto Campos foi um dos criadores e um dos presidentes do BNDE [posteriormente renomeado BNDES], um dos principais relatores do Plano de Metas do Juscelino Kubitschek em 1955. Essa experiência prática, de não só estudar economia e comparar o Brasil a outros países, mas também de formular políticas econômicas, de ver o efeito devastador da inflação e de um mercado protecionista, fez com que ele chegasse nessa receita ideal.
Infelizmente o Brasil não era propenso a aceitar essas receitas liberais. Tanto que ele era chamado de Bob Fields [a tradução do nome Roberto Campos para o inglês] por sua visão americana do mundo. Mesmo não tendo parte no golpe militar de 1964, ele foi convidado posteriormente para o Ministério do Planejamento. De 1964 a 1967, junto com o Ministro da Fazenda Otávio Gouveia de Bulhões, um liberal, ele pode transformar radicalmente a economia brasileira, modernizá-la e fazer todas as reformas necessárias para colocar o Brasil em um patamar de desenvolvimento. E ele conseguiu.
Em 1967, quando ele saiu do governo, o Brasil enveredou em um ciclo de crescimento extraordinário, em taxas chinesas, digamos — aliás, os asiáticos vinham ao Brasil para tomar receitas de crescimento econômico. Chegou a 14% o crescimento em 1973, mas os militares exageraram. O Roberto Campos criticava seus antecessores e seus sucessores. Apontava a leniência com a inflação, a estatização exagerada, o apoio no endividamento externo. Ele não tinha problema em criticar.
E durante todos esses anos, de 1950 até sua morte, ele foi um debatedor. Escrevi artigos semanais para os grandes jornais do Rio e de São Paulo. Lembro que quando eu era jovem, eu até tentei me opor ideologicamente a ele, mas não consegui.
Se a gente ler os escritos dele desde aquela época, todas as prescrições econômicas que ele fez para o Brasil continuam válidas e pungentes. Ele tem uma atualidade muito concreta. Teve a felicidade de sobreviver ao socialismo e também a felicidade de não ver essa lástima que aconteceu à economia graças aos petistas.
Algumas semanas depois desta entrevista, o professor Paulo Roberto de Almeida lançou o livro “O homem que pensou o Brasil — trajetória intelectual de Roberto Campos” (Editora Appris, 2017).
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