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domingo, 31 de março de 2019

Para ler os militares, em 1964 e em 2019 - Paulo Roberto de Almeida e Mario Sabino


Sobre as intervenções de militares na política brasileira

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentar Ordem do Dia das FFAA; finalidade: expressar minha posição]


Analiso e comento a relação dos militares com a política no Brasil, por ocasião da divulgação da Ordem do Dia das FFAA sobre o significado de 31 de março de 1964, tal como determinou o presidente da República, poucos dias atrás, mas aproveitando, provavelmente sob a influência do general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército e atual assessor do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, essa oportunidade para contextualizar os eventos históricos que levaram a 1964, e refletindo sobre o significado especial dessa intervenção tal como vista na presente conjuntura e no âmbito da missão constitucional das FFAA. Aproveito para expor e explicar minha “tese” sobre as intervenções das FFAA e de militares na política brasileira. Não confundir com o vídeo horrível da PR sobre esse dia, que só pode ter sido obra de bolsonaristas radicais, ignorantes e medíocres.

O jornalista Mario Sabino, editor de Crusoé, da qual sou assinante, e um dos animadores do blog político O Antagonista, que sempre leio, escreve sobre, e interpreta, a Ordem do Dia dos militares sobre 1964, obedecendo portanto, ao presidente da República, que pretendia "comemorar" da data de 31 de março, mas que são plenamente conscientes do que a sociedade brasileira realmente deseja, distanciando-se, portanto, ao mesmo tempo, das franjas bolsonaristas mais radicais, que estão sempre pensando em vingar-se daqueles derrotados em 1964, e que governaram o país de 2003 a 2016.
Minha tese sobre as intervenções militares é a de que 1964, diferentemente do que se prega habitualmente, não foi um golpe militar dado pelas FFAA, a exemplo de outras intervenções dos militares na política, no Brasil ou nos demais países da América Latina, mas sim foi uma crise político-militar, resolvido com a intervenção de militares na política, sem que houvesse, inicialmente, a intenção explícita de tomar o poder para nele se perpetuar, o que foi consequência da dinâmica criada pelo movimento que se desenvolveu nos primeiros dias de abril de 1964.
Explico essa minha "tese", para que isso fique muito claro.
Só reconheço TRÊS oportunidades nas quais as FFAA tomaram o poder no Brasil, e nem 1889, nem 1964 pertencem a esses três únicos exemplos ou se enquadram no contexto geral das intervenções militares na política dos países latino-americanos. Quando eu escrevo FFAA, com maiúsculas, estou referindo-me às Forças Armadas enquanto corpo constituído do Estado brasileiro, ou seja, os comandantes militares atuando em conjunto, e com o consenso do conjunto das tropas, por ocasião de algum evento político com significado maior para a história do país. Distingo esse acrônimo, as FFAA, das intervenções de militares na política, muito mais numerosas, pois que situadas no contextos de graves crises políticas nas quais os militares também foram envolvidos, individualmente ou como setores das FFAA, ou que se envolveram a título político por julgarem que era de seu dever, ou sua vontade, participar de eventos, fatos e processos que também tocavam gravemente nos destinos do país. Quais foram, pois essas três únicas oportunidades, no quadro das muitas intervenções de militares na política, que aliás começam no próprio Império e passam notadamente na proclamação da República, que NÃO é, segundo essa minha tese, uma intervenção das FFAA na política, e sim o envolvimento de militares com a política. 1889 é um movimento político, com grande envolvimento de militares republicanos, vários “jacobinos”, que conseguem a própria participação do chefe do Exército (apenas do Exército e não da Marinha) na deposição do gabinete de Ouro Preto (tal como concebia esse movimento o próprio marechal Deodoro da Fonseca, tomado de surpresa, ou enganado, pelos oficiais republicanos). A República é um movimento político com expressiva participação de militares, não um mero golpe militar, ao estilo das quarteladas de caudilhos latinos.
A primeira intervenção das FFAA (e apenas dos comandantes do Exército e da Marinha) na política, depois de todas as agitações de tenentes e outras patentes em episódios da política brasileira nos primeiros 30 anos da República, se dá exatamente em outubro de 1930, quando essa junta de dois comandantes militares (a Aeronáutica ainda não existia enquanto Força) depõe o presidente Washington Luis, o mantém detido por poucos dias, até que as forças do líder revoltoso Getúlio Vargas chega ao Rio de Janeiro e toma posse de um governo provisório, tal como ocorreu com Deodoro em 1889. Ou seja, as FFAA efetuaram essa intervenção para evitar um possível sangrento embate entre forças legalistas e forças revoltosas, que poderia ocorrer nos limites entre os estados de S. Paulo e Paraná, a famosa “batalha de Itararé”, que não ocorreu, e deu margem a que Aparício Torelly, famoso humorista da época, se autoproclamasse “Barão de Itararé”, e assim passasse a assinar suas saborosas crônicas que vão, justamente, até o golpe de 1964 (atenção: eu disse golpe, e não revolução).
A segunda intervenção das FFAA na política brasileira se deu exatamente 15 anos depois, em outubro de 1945, quando elas depõem o ditador Getúlio Vargas, que fazia ensaios continuístas no poder, depois que as FFAA, seus soldados e oficiais participaram da defesa da democracia nos campos de batalha da Segunda Guerra. Não o fizeram exatamente por amor à democracia, mas o ditador estava recebendo o apoio do Partido Comunista e do seu líder, Luis Carlos Prestes, os mesmos que tinham intentado tomar o poder pela força, comandados pela III Internacional e pelo Partido Comunista da União Soviética, em novembro de 1935, ocasião na qual vários soldados e oficiais foram mortos pelos revoltosos comunistas. A partir de então, o Brasil e as FFAA se tornaram oficialmente anticomunistas, e assim permanecerão até hoje, inclusive em 1964, quando militares se envolveram na política novamente, depois de vários outros exemplos ao longo dessas décadas. Assim como 1889, 1937 não é um golpe militar, e sim um golpe de líderes políticos, com participação e apoio de militares, até de sua alta cúpula, mas não um movimento planejado e implementado pelas FFAA para ser o início de um regime militar, com um plano de governo para a ocasião.
Venho ao meu terceiro episódio de intervenção das FFAA na política brasileira, que não é 1964, sequer 1961, e menos ainda as diversas revoltas e ações militares, ou de militares, em 1954 (suicídio de Getúlio, para evitar uma possível intervenção das FFAA na política), em 1955 (garantia pelo general Lott à posse de JK, eleito minoritariamente) e outros episódios menores (revoltas locais de militares). Em 1961 ocorreu, sim, uma reação das FFAA e dos militares na política, mas de forma improvisada e desorganizada em função da crise aberta com a renúncia de Jânio Quadros, um processo que se arrastou por mais de duas semanas, até que se chegasse, no âmbito do Congresso, ao remendo do parlamentarismo também improvisado (e removido um ano depois). Tampouco 1964 se encaixa na “teoria” do golpe militar, e não constitui, em minha visão, em uma intervenção das FFAA na política, que poderia, sim, ocorrer, caso o presidente ousasse uma ruptura democrática (fechar o Congresso, por exemplo), de acordo com a visão do chefe do Estado Maior à época, general Castello Branco, um grande democrata e um dos raros intelectuais (com Golbery) do Exército. 1964 foi um movimento civil-militar, empurrado por governadores ambiciosos, e pela ansiedade das classes médias ante o descalabro inflacionário e político do inepto João Goulart, que patrocinou diversos episódios de quebra de hierarquia nas FFAA (sargentos em setembro de 1963 em Brasília, cabos e marinheiros em 1964, arroubos irresponsáveis sobre um “dispositivo militar” e outro “sindical” no grande caos que foi o seu governo) e ensejou a reação das FFAA e dos militares a partir do gesto ousado de um único general, Olympio Mourão Filho, ao mobilizar tropas e tanques em Juiz de Fora para, irrealisticamente, “depor” Goulart no Rio de Janeiro. Deu no que deu, ao precipitar o movimento, e a direita militar fez o resto, mas nisso Castello Branco não teve parte.
A terceira, e única, intervenção das FFAA, e não de “simples” militares, na política, se refere, não ao Ato Institucional n. 5, em dezembro de 1968, uma reação autoritária ainda comandada pelo presidente, enquanto chefe das FFAA, mas sobretudo enquanto chefe de Estado, e sim ao impedimento do vice-presidente Pedro Aleixo de assumir o poder, em agosto de 1969, quando as FFAA se constituem em Junta Militar e emitem a Emenda Constitucional n. 1 (à Constituição de 1967), e ficam no poder até a eleição, pelo Congresso, do general Emílio Médici, como novo presidente do Brasil, da mesma forma como tinha sido o Congresso que havia “eleito” o general Castello Branco como “presidente” do Brasil, em princípio até 1965, data de nova eleição presidencial no quadro da Constituição de 1946.
Esta é a minha visão das intervenções das FFAA, de um lado, e de militares, de outro, na política brasileira ao longo do século e meio republicano. Atualmente, no governo confuso do presidente Bolsonaro, com militares eleitos e outros escolhidos para participar no governo, em diversos níveis, o que temos é o mais próximo possível de uma intervenção de militares e das FFAA na política, sem o ser, pois não há uma crise declarada, não há um movimento em curso, não existe um programa de governo das FFAA, ou de militares, para conduzir o país, como talvez surgiu bem depois de março-abril de 1964 (o assunto “governo militar” foi finalmente decidido entre o final de 1964 e o início de 1965, dando início a um regime não previsto inicialmente, e que tampouco estava planejado para durar tanto tempo; foi durando por inépcia da esquerda, que foram as verdadeiras responsáveis pela ditadura que finalmente se estabeleceu, e que teve vários ciclos, como demonstrou Elio Gaspari, Marco Antonio Villa e diversos outros historiadores ao longo do tempo, inclusive brasilianistas, como Tom Skidmore).
Resumindo, o que temos hoje é uma espécie de “maçonaria militar” – como já houve outros episódios em nossa história, a independência, a própria República e outras coisas que seria preciso identificar). Eu digo “maçonaria” num sentido lato, e não estrito, pois nem sei se os militares que “mandam” no governo Bolsonaro – que tem uma outra metade, a “kakistocracia”, comandada por uma família medíocre – são ou foram, ou integram de fato, uma das maçonarias existentes no Brasil. Pode ser que sim ou pode ser que não, o que não tem a menor importância. O que é importante é que os militares atualmente “no poder” já estão organizados nesse sentido desde 2013, e mais formalmente entre 2016 e 2017, quando aceitaram conviver com um “cavalo pangaré” no comando da República, pois era o único que tinha restado da grande mixórdia da política brasileira, tingida pela megacorrupção dos companheiros e dos tucanos, e pela mediocridade da classe política de forma geral. Eles, os militares – e não ainda as FFAA – sabem o que NÃO querem, mas não sabem ainda (ou não podem) o que querem, ainda que alguns deles saibam exatamente o que é preciso fazer.
Feitas estas longas digressões sobre as relações das FFAA e dos militares – aprendam a distinguir entre um conceito e outro – passo agora ao texto de Mario Sabino sobre a Ordem do Dia de 31 de março de 2019, que não tem NADA A VER com 1964, a não ser como mera nota de rodapé na bibliografia da história. Quem redigiu a nota, e eu imagino quem seja, sabe exatamente o que é história, o que é atualidade, o que é o governo atual, e quais são as condições, existentes ou não, para uma nova intervenção DE militares na política brasileira (e não das FFAA). Eles estão atentos, vigilantes, são controladores, até o limite da intervenção soft, ou seja, não declarada.
Ouso dizer que é o de que precisamos, no momento, até que a coisa se deteriore eventualmente, em função da mediocridade geral da política e das elites brasileiras. Se e quando isso ocorrer, os militares, e não as FFAA, estarão prontos para exercer o seu “poder moderador”, que deveria ser – se acreditou num determinado momento – o da Suprema Corte, mas que não foi, pela mediocridade da maior parte de seus integrantes.
Estamos numa situação delicada, e as ÚNICAS forças democráticas do país são exatamente as FFAA e os militares (eles mereceriam também maiúsculas, mas também tenho dúvidas sobre alguns de seus integrantes), e cabe a eles conduzir o Brasil a bom porto até 2022, quando teremos mais uma oportunidade de verdadeiramente transformar o país, uma vez que 2018 foi uma nova oportunidade perdida. Termino com Roberto Campos, para quem o Brasil é um país “que não perde oportunidade de perder oportunidades”. Por enquanto ainda estamos nisso, mas espero que estejamos melhor preparados chegando a 2022. Esta é uma das razões pelas quais eu gostaria de fazer do vice-presidente atual o coordenador de uma comissão supraministerial em torno dos preparativos para o Bicentenário da Independência, em 2022. Espero que ele aceite.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 31 de março de 2019

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Segue a postagem que eu pretendia colocar em primeiro lugar, mas que ficou como anexo à minha longa digressão sobre as FFAA e os militares na política.




Para ler o recado dos militares sobre 64

Mario Sabino
Revista Crusoé, n. 48, 31 de março de 2019

Em 31 de março de 1964, eu estava a uma semana de completar 2 anos de idade  (...); em 1968, ano em que os generais linha-dura derrotaram os generais moderados, eu tinha 6 anos de idade – a professora da primeira série mandou que todos ficássemos debaixo da carteira, enquanto o pau comia na rua entre estudantes e soldados. As mães foram buscar os filhos mais cedo na escola e, enquanto voltávamos para casa, vi caminhões do Exército carregados de moços presos, numa rua com lojas fechadas e pedras, muitas pedras no meio-fio, os restos do conflito que se travara havia pouco. Dias antes do Natal, a família se reuniu e as crianças ouviram que deveríamos tomar cuidado para “não falar mal do governo na frente de estranhos, porque o vovô poderia ser preso”. O regime militar havia baixado o AI-5. Meu avô italiano, socialista, havia sido perseguido por Getúlio Vargas, em conluio com os fascistas, e agora receava ter de enfrentar tudo de novo. Não enfrentou. Morreu menos de dois anos depois, de enfisema pulmonar.
As minhas memórias dos acontecimentos políticos de 1964 e 1968 não se comparam com as dos filhos das vítimas de ambos os lados, mas certamente são semelhantes em insignificância às das dezenas de milhões de cidadãos que hoje têm mais de 55 anos. A maioria dos brasileiros nem era nascida nessa época. Mas 1964 voltou a ser assunto politico, quando deveria ser apenas histórico, por causa da insistência de Jair Bolsonaro.
Meses atrás, eu disse aqui na Crusoé que discutir 1964 a esta altura é como se, em 1964, o tema dos debates fosse a presidência de Hermes da Fonseca, que governou o país de 1910 a 1914. Outra ideia fora de lugar. Mas Jair Bolsonaro ordenou que as Forças Armadas comemorassem – ou rememorassem, vá lá — a data, obnubilado pela tal guerra cultural que os seus ideólogos teimam em trazer para o palco, como se dela dependesse a permanência da direita no poder conquistado nas urnas. Não depende. A direita só continuará no poder se for capaz de tirar o Brasil do buraco, por meio da reforma da Previdência, e proporcionar emprego, educação, saúde, segurança e transporte dignos desses nomes à massa dos eleitores. O resto é conversa mole.
Os militares não queriam saber de 1964, mas se viram obrigados a obedecer à determinação do presidente da República. Bolsonaro é o chefe supremo das Forças Armadas. Se ele manda, está mandado. Os militares queriam deixar isso para lá, porque tudo o que eles não desejam, agora que estão presentes no primeiro escalão da República, é ver ressuscitadas as acusações de que exilaram, prenderam, mataram e torturaram um monte de gente – que, por sua vez, também sequestrou, roubou e matou um monte de gente antípoda. Mas não teve jeito: a imprensa voltou a bater em 1964, porque Bolsonaro encasquetou de reverter a decisão de Dilma de proibir manifestações de militares a respeito da data.
A Ordem do Dia sobre 1964 que o Ministério da Defesa divulgou, a ser lida nos quartéis de Exército, Marinha e Aeronáutica, foi escrita a muitas mãos. Aposto que o General Eduardo Villas Bôas revisou a versão final. Os jornais já disseram, claro, que as Forças Armadas não fizeram autocrítica, mas ninguém ouviu também José Dirceu e Dilma Rousseff declarando-se culpados pelos crimes que cometeram em organizações esquerdistas que queriam implantar outra ditadura no Brasil, a pretexto de lutar pela democracia. Todo mundo acha que fez certo – e será assim até o final dos tempos. A História não é feita de inteiras verdades, porque lhes falta abundância. A História é um edifício alicerçado ao mesmo tempo nas versões de vitoriosos e derrotados. Sob a cúpula dourada que domina a Esplanada dos Inválidos, em Paris, jaz a tumba majestosa de um homem que, em Londres, teria sido enforcado e enterrado numa cova destinada a criminosos da pior estirpe. O próprio Napoleão Bonaparte, com toda a sua vaidade, tinha a dimensão de que “há somente um degrau entre o sublime e o ridículo”. Ele disse a frase ao embaixador polonês depois do fracasso da invasão da  Rússia, em 1812. Não raro, sublime e ridículo, verdade e mentira, terror e terror convivem no mesmo plano, sem degrau que os separe.
Na minha opinião, a Ordem do Dia deste 31 de março é um primor de diplomacia. Obviamente, as Forças Armadas não abrem mão da sua versão, dando uma ajustadinha nos fatos iniciais, mas é altamente significativo que os militares evitem falar em “Revolução de 1964”.
Vou interpretar o texto:
As Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de Março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação, dando ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946, quando o Congresso Nacional, em 2 de abril, declarou a vacância do cargo de Presidente da República e realizou, no dia 11, a eleição indireta do Presidente Castello Branco, que tomou posse no dia 15.

A ajustadinha foi que a vacância em 2 de abril foi motivada pelo movimento dos quartéis no dia 31. João Goulart não saiu porque quis, mas porque foi apeado pelas Forças Armadas — e a Constituição de 1946 não previa general eleito indiretamente para a presidência da República. “Dar ensejo” é um eufemismo. Segue a Ordem do Dia:

Enxergar o Brasil daquela época em perspectiva histórica nos oferece a oportunidade de constatar a verdade e, principalmente, de exercitar o maior ativo humano – a capacidade de aprender. 
Desde o início da formação da nacionalidade, ainda no período colonial, passando pelos processos de independência, de afirmação da soberania e de consolidação territorial, até a adoção do modelo republicano, o País vivenciou, com maior ou menor nível de conflitos, evolução civilizatória que o trouxe até o alvorecer do Século XX. 
O início do século passado representou para a sociedade brasileira o despertar para os fenômenos da industrialização, da urbanização e da modernização, que haviam produzido desequilíbrios de poder, notadamente no continente europeu. 
Como resultado do impacto político, econômico e social, a humanidade se viu envolvida na Primeira Guerra Mundial e assistiu ao avanço de ideologias totalitárias, em ambos os extremos do espectro ideológico. Como faces de uma mesma moeda, tanto o comunismo quanto o nazifascismo passaram a constituir as principais ameaças à liberdade e à democracia.

A contextualização histórica é correta e, ao afirmar que o século XX assistiu ao avanço de ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico, e que comunismo e nazifascismo são faces da mesma moeda, os autores mandam um recado principalmente para as franjas bolsonaristas que continuam a sonhar com um golpe direitista. O recado é que os militares não participarão dessa aventura irresponsável. Tiveram a capacidade de aprender. O parágrafo seguinte enfatiza o combate das Forças Armadas contra os totalitarismos e, assim, reforça o recado:

Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados. Em 1935, foram desarticulados os amotinados da Intentona Comunista. Na Segunda Guerra Mundial, foram derrotadas as forças do Eixo, com a participação da Marinha do Brasil, no patrulhamento do Atlântico Sul e Caribe; do Exército Brasileiro, com a Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália; e da Força Aérea Brasileira, nos céus europeus.

A Ordem do Dia fornece uma moldura para o que ocorreu em 1964, inserindo o 31 de março no âmbito da Guerra Fria e como consequência dela:

A geração que empreendeu essa defesa dos ideais de liberdade, com o sacrifício de muitos brasileiros, voltaria a ser testada no pós-guerra. A polarização provocada pela Guerra Fria, entre as democracias e o bloco comunista, afetou todas as regiões do globo, provocando conflitos de natureza revolucionária no continente americano, a partir da década de 1950.
O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no País. 

Está certo, mas houve também conflitos de natureza revolucionária na Europa Ocidental, centro nevrálgico da Guerra Fria, e nem por isso países como França, Itália e Alemanha Ocidental, sacudidos por atentados terroristas, deixaram de ser democráticos. Na sequência, o texto aborda características próprias daquele momento brasileiro:  

 As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo. 

A ampla maioria da classe média realmente clamava pela intervenção militar, diante dos desatinos de João Goulart, aliado a esquerdistas desmiolados. É fato. A grande imprensa brasileira também foi bulir com os granadeiros nos bivaques. O Globo, O Estado de S.PauloFolha de S.Paulo e Jornal do Brasil (que tinha Alberto Dines como editor-chefe) eram favoráreis a que os militares assumissem o controle da situação. A “estabilização” era para ser provisória, mas se perpetuou por 21 anos.
O texto, então, dá um salto de mais de uma década, para evitar falar do endurecimento do regime a partir de 1968. O aspecto salutar é que, se omite,  não o justifica. Vamos ao trecho:

Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis. As lições aprendidas com a História foram transformadas em ensinamentos para as novas gerações. Como todo processo histórico, o período que se seguiu experimentou avanços. 
As Forças Armadas, como instituições brasileiras, acompanharam essas mudanças. Em estrita observância ao regramento democrático, vêm mantendo o foco na sua missão constitucional e subordinadas ao poder constitucional, com o propósito de manter a paz e a estabilidade, para que as pessoas possam construir suas vidas. 
Cinquenta e cinco anos passados, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica reconhecem o papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da Nação Brasileira. Mais que isso, reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História.

Ao dizer que a lei de anistia de 1979 viabilizou a transição para uma democracia definitiva – definitiva, frise-se –, as Forças Armadas voltam a dar um recado, desta vez para ambos os extremos do espectro ideológico: não há mais lugar para golpes de qualquer espécie no Brasil. Os militares avançaram, porque igualmente aprenderam com a história. O verbo “aprender” é relevante nessa Ordem do Dia. E, embora reconheçam o papel dos responsáveis por 1964 (será assim até o final dos tempos, repito), eles reafirmam mais que isso o compromisso com a liberdade e democracia. O “mais que isso” não é muleta conectiva. É conteúdo fundamental.
Para ler os militares, é preciso prestar atenção aos detalhes. As Forças Armadas estão em 2019 (não é à toa que ressaltam os 55 anos do 31 de março), ao contrário de Bolsonaro e as suas franjas, que não saem de 1964, para a alegria da esquerda que usa o passado para arruinar o presente.

Mario Sabino

Elio Gaspari: 1964

TEORIAS DE DIREITA E DE ESQUERDA TORNAM 1964 INDIGESTO
Em 2019 discute-se o golpe porque ele virou uma unha encravada nos pés da direita e da esquerda, uma espoleta disparadora de radicalismos
Por Elio Gaspari
31/03/2019
Hoje, há 55 anos, um general em fim de carreira rebelou-se em Juiz de Fora, onde comandava mesas. Em pouco mais de 24 horas o governo constitucional do presidente João Goulart estava no chão. Em 1944 ninguém discutia o golpe militar de 1889. E em 1985 não se discutiu a deposição do presidente Washington Luiz. Em 2019 discute-se 1964 porque ele virou um par de unhas encravadas nos pés da direita e da esquerda, uma espoleta disparadora de radicalismos. Na sua versão recente, Jair Bolsonaro falou em “comemorar” a data. Depois corrigiu-se, com um “rememorar”.

Bolsonaro tem uma visão pessoal da História. Ele disse que “regime nenhum é uma maravilha, onde você viu uma ditadura entregar o governo de forma pacífica? Então, não houve ditadura.”

Nesse caso, também não houve ditaduras no Chile e na Espanha. De certa maneira, não teria havido ditadura nem na União Soviética.

A deposição de Jango em 1964 foi um golpe que desembocou numa ditadura constrangida que escancarou-se em 1968. Goulart foi apeado por uma revolta militar vitoriosa e pelo presidente do Congresso, que declarou a vacância do cargo enquanto seu titular estava no Brasil. A posse do presidente da Câmara, no meio da madrugada de 3 de abril, foi enfeitada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal mas não tinha amparo na lei. (Dilma Rousseff foi deposta de acordo com o devido processo legal.)

A deposição de Jango foi pedida e saudada por quase toda a grande imprensa e por multidões que foram à rua festejando-a. Havia mais povo na Marcha da Família realizada em São Paulo no dia 19 de março do que no comício janguista do dia 13.

Se Jango foi deposto para que fosse preservado o regime democrático, esse sonho durou uma semana e se acabou quando os chefes militares baixaram um Ato Institucional que cassou mandatos, suspendeu direitos políticos e demitiu juízes, generais e servidores civis.

A ditadura foi desafiada por um surto terrorista e reagiu instituindo a tortura e a execução de dissidentes como política de Estado. A isso Bolsonaro chama de “probleminhas”, e o general Hamilton Mourão, de “guerra”.

A ditadura brasileira está mal digerida porque de um lado alimentam-se teorias como a dos “probleminhas” e a da “guerra”. De outro, chamam-se ações terroristas de “luta contra a ditadura”, quando o objetivo de algo como mil militantes de organizações de esquerda era a implantação da ditadura deles.

Aqui vão dois casos ilustrativos dessas duas fantasias:

Em 1968, o Comando de Libertação Nacional (o Colina com cerca de 50 militantes) localizou no Rio o capitão boliviano que um ano antes participara da captura de Che Guevara na Bolívia. Ele morava na Gávea. Em julho, cinco meses antes da edição do AI-5, numa ação que envolveu três terroristas, mataram-no a tiros.

Em seu manifesto de criação, o Colina dizia que “a luta armada é a única forma de dar consequência à luta do povo brasileiro” e “o terrorismo, como execução (nas cidades e nos campos) de esbirros da reação, deverá obedecer a um rígido critério político”.

O “capitão boliviano” era o major alemão Otto von Westernhagen, e o Colina fez de conta que nada teve a ver com o crime.

(Aos 21 anos, Dilma Rousseff militava no Colina. Não há registro de que tenha participado pessoalmente de ações terroristas.)

Quatro anos depois do assassinato de Westernhagen, o Exército descobriu um projeto guerrilheiro do Partido Comunista do Brasil na floresta do Araguaia. No Natal de 1973, o grupo foi desbaratado e, nos meses seguintes, o que seria uma guerrilha transformou-se numa caça a fugitivos que se escondiam no mato. Podiam ser uns 30. Foram todos executados, inclusive aqueles que se renderam, atendendo a oferecimentos da tropa. Cilon da Cunha Brum, o “Simão”, ficou mais de um mês detido antes de ser morto. Isso não é guerra.

Telma Regina Cordeiro Corrêa, a “Lia”, escondeu-se na mata durante dez meses. Era uma ex-estudante de Geografia, expulsa da Universidade Federal Fluminense, tinha 27 anos e estava no Araguaia desde 1971. Ela foi vista por um camponês debaixo de uma árvore, depauperada e faminta. O jornalista Hugo Studart conta em seu livro “Borboletas e lobisomens” que “Lia” tinha consigo um diário, cujas últimas anotações foram “estou nas últimas” e “não aguento mais”.

Avisada, uma tropa veio buscá-la, e Studart acrescenta:

“‘ Lia’ foi levantada do chão pelos militares. (...) Foi tratada na Base Militar de Xambioá. O suficiente para conseguir falar. (...) O soldado Raimundo Melo revelou que ajudou a colocar ‘Lia’ no helicóptero, que a levaria a algum ponto da mata para execução”.

Isso é guerra?

Enquanto se falar em “luta armada contra a ditadura” e em “guerra”, 1964 continuará sendo uma unha encravada, uma em cada pé.

Olympio Mourao Filho: o general do golpe de 1964 - Ricardo Bergamini

Nação que não respeita o seu passado e a sua história, não é digna de futuro (Ricardo Bergamini).
Prezados Senhores

História não é para ser questionada, tendo em vista que não podemos mudar. Serve apenas para nossa reflexão como sociedade.


Reflexão Histórica


Trecho extraído do livro intitulado: “MEMÓRIAS: A VERDADE DE UM REVOLUCIONÁRIO”, apresentado pelo historiador Hélio Silva, publicado em 1978, pela L&M Editores Ltda, sobre a participação do General Olympio Mourão Filho na Revolução de 1964.

Porque a verdade é que alguns demônios andaram soltos neste país, enquanto a maioria desta Nação estava entocada, apavorada, os chefes militares prontos a se deixarem dominar, contanto que continuassem a viver, viver de qualquer maneira, sem coragem de arriscar as carreiras. Os pobres continuando pobres. A classe média e os ricos podendo morar e comer três vezes ou mais por dia. Os políticos em condições de aderir, permanecendo em sua profissão, maldita profissão.

Os chefes militares, tolhidos por um falso legalismo, esperando que o Chefe do Executivo lhes dessem maiores motivos para a reação, imobilizados, atônitos e impermeáveis à compreensão dos fatos iniciados com o plebiscito e completados com o comício do dia 13 de março, surdos ao verdadeiro clamor de medo vindo de toda a Nação. Ainda mesmo depois dos deploráveis incidentes na Marinha, que estava ameaçada de destruição, havia chefe militar com a esperança vã de que o Chefe do Executivo recuasse, quando ele já não mais podia fazê-lo.

Todos queriam viver, eis o problema. Eis o segredo do aparente sucesso dos demônios soltos no país. Minoria audaciosa que sabia usar os meios de que dispunham e que eram os máximos, oriundos desta maldita forma de governo que é o Presidencialismo.

Ponha-se na Presidência qualquer medíocre, louco ou semianalfabeto e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará a sua volta, brandindo o elogio como arma, convencendo-o de que é um gênio político e um grande homem, de que tudo quanto faz está certo.

Em pouco tempo transforma-se um ignorante em sábio, um louco em gênio equilibrado, um primário em estadista.

E um homem nessa posição, empunhando nas mãos as rédeas de um poder praticamente sem limites, embriagado pela bajulação, transforma-se num monstro perigoso.

Enquanto esse monstro é dirigido e explorado apenas pela lisonja, bajulado pela corte, a Nação sofre prejuízos de monta, é verdade, mas, apenas danos materiais em sua maioria e morais alguns.

Quando, porém, sua roda é formada ou dominada por um bando refece de demônios, nesse momento a Nação corre os mais sérios perigos.

Esta era a conjuntura do perigo e do terror na qual viveu o Brasil de 1962 a 1964.


General Olympio Mourão Filho

PRA: Não apenas naqueles anos. Depois, em pelo menos duas ou três oportunidades, o mesmo cenário se repetiu.