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sábado, 16 de março de 2019
Chanceler anti-economico: uma aula não recomendada - Vinicius Torres Freire
Eu costumo colocar neste blog coisas inteligentes para pessoas inteligentes. É o caso do artigo deste jornalista econômico. Mas certamente não é o caso do objeto de seu artigo, uma aula inédita, dita “magna”, mas que não merece sequer o epíteto de mínima, surrealista, do atual chanceler, aos pobres estudantes do Instituto Rio Branco, que tiveram de sofrer por duas horas ataques insanos de “irrealismo mistificador” por parte de quem, supostamente deveria lhes ensinar a pensar sobre o Brasil e sua diplomacia. O quadro é deveras assustador. Fiquei sem palavras para descrever o que assisti, depois de 2 horas de surpresas desagradáveis. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 16 de março de 2019
Artigo de
Vinicius Torres Freire na Folha de S. Paulo (15/03/2019), a propósito da aula mínima
do chanceler atual.
Quem quer comprar a nossa alma
Ministro cria teoria biruta do comércio para justificar nova ideologia do Itamaraty
A China passou a ser o maior parceiro comercial do Brasil e, “por coincidência ou não, tem sido um período de estagnação do Brasil”.
De qualquer modo, ainda que queiramos vender soja e ferro aos chineses, não o faremosem troca da nossa alma.
Essa teoria geral impressionista estocástica dos efeitos do comércio no crescimento econômico foi apresentada porErnesto Araújoaos novos estudantes do Instituto Rio Branco.
Araújo ocupa a cadeira de ministro das Relações Exteriores e, pelo jeito, a cátedra de economia sideral do Itamaraty.
Segundo Araújo, o Brasil era o país que mais crescia no mundo quando “seu principal parceiro de desenvolvimento eram os Estados Unidos”. “Parceiro de desenvolvimento” é, digamos, uma expressão mais sentimental, mas suponha-se, por paralelismo, que o diplomata ainda tratasse de exportações.
É verdade. Nos quinquênios de crescimento mais rápido da história do Brasil, 1957-61 e 1969-73, o principal destino das nossas vendas externas eram os Estados Unidos. Mas, como nos casamentos antigos, que o diplomata deve prezar, os americanos estiveram conosco na saúde e na doença. Ainda eram nossos principais fregueses no pior quinquênio do crescimento brasileiro, 1989-92.
Mas esses argumentos e contra-argumentos são birutas. Pelo método da associação livre comercial, é possível chegar a outras conclusões, “coincidência ou não”.
Nos anos JK, nossos principais produtos de exportação eram café (56% do total), açúcar, algodão e minérios, pauta quase idêntica à dos anos 1870, no Império da escravidão e do atraso, período que marcou tão fundo a nossa alma (ou o caráter nacional brasileiro?), tema caro ao diplomata.
O Brasil “estagnou quando desprezou essa parceria com os Estados Unidos” e procurou alianças com Europa, a integração latino-americana e o mundo pós-americano dos Brics”, discursou Araújo. Hum.
Ainda pelo método da associação livre, é possível pensar que a nossa fase chinesa esteve associada ao período de crescimento mais rápido desde a ditadura, os anos Lula 2. Foi então que a China se tornou o principal freguês das nossas exportações, ultrapassando Estados Unidos e Argentina.
Foi também então que as compras chinesas de soja e ferro, de comida e matérias-primas em geral, aqui e alhures, elevaram preços de produtos brasileiros, com o que o Brasil pagou sua eterna dívida externa e deixou de padecer de crises cambiais, crônicas desde a Independência (sim, 1822).
Nesses mesmos anos Lula 2, porém, o governo do Brasil passou a arrebentar as contas domésticas, um dos motivos dessa ruína.
Mas, repita-se, isso não é maneira de pensar comércio exterior e desenvolvimento, é apenas pensamento mágico, em parte tão ideológico quanto o de algumas variantes de “marxismo cultural”, como aqueles de linha desenvolvimentista mais desvairada ou atrasada.
O Brasil é uma ilhota nas flutuações da divisão internacional do trabalho, com certas vantagens comparadas e lá não muito capaz de criar vantagens novas ou tidas como relevantes, o que talvez modificasse a inserção do país no comércio internacional.
Por falar nisso, há alguma controvérsia se é relevante ou producente tentar forçar a barra a fim de alterar a “complexidade” das nossas exportações (para a maioria dos economistas padrão, não é).
Mas essa é outra conversa, ainda no universo da razão, do realismo e do pragmatismo nas relações internacionais, econômicas ou quaisquer.
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