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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 15 de junho de 2024

Militares são os grandes beneficiados por um Estado pródigo

 A Previdência dos militares será colocada na mesa para integrar o pacote de gastos, sinalizou a ministra do Planejamento, Simone Tebet, em entrevista ao jornal O Globo. "Eu tenho coragem para colocar tudo", disse Tebet, que citou o alerta do Tribunal de Contas da União sobre o tema.

 

Em 2023, FFAA gastou 36,54% com pessoal militar ativo e 63,46% com pessoal militar inativo

 

 

Gastos com Pessoal Militar das Forças Armadas – Fonte: ME

 

Base: Ano de 2023

 

Itens

Quantitativo

R$ Bilhões

%

Ativos

350.238

33,8

36,54

Reserva e Reforma

167.232

30,9

33,41

Pensionistas

234.078

27,8

30,05

Total Pessoal Militar

751.548

92,5

100,00

 

 

Em 2023, existiam 350.238 militares ativos das Forças Armadas, sendo que 199.318 eram rotativos que não faziam parte do RPPS (Regime Próprio da Previdência Social dos Militares), com isso o efetivo ativo contribuinte para o RPPS era de apenas 150.920 militares para um contingente de 401.310 inativos (reservas, reformas e pensões), gerando uma relação de 0,38 ativos para 1,00 inativos.

 

O quadro demonstrativo acima demonstra, de forma clara e indiscutível, para a distorção causada pela pensão das filhas de militares nas contas nacionais, gerando uma aberração econômica, onde se gasta 36,54% com pessoal ativo e 63,46% com pessoal inativo (reservas, reformas e pensões).

                                                                                                                                                              

Essa anomalia econômica foi encerrada em 2001, mas em função do maldito direito adquirido existente para os trabalhadores de primeira classe (servidores públicos) seus efeitos financeiros somente ocorrerão em torno do ano de 2036. 

 

 

Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores.

 

Ricardo Bergamini

 

 

Previdência de militares será colocada na mesa no pacote de corte de gastos, diz Tebet a jornal

 

São Paulo

 

14/06/2024 

 

A Previdência dos militares será colocada na mesa para integrar o pacote de gastos, sinalizou a ministra do Planejamento, Simone Tebet, em entrevista ao jornal O Globo. "Eu tenho coragem para colocar tudo", disse Tebet, que citou o alerta do Tribunal de Contas da União sobre o tema…

 

Veja mais em https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2024/06/14/previdencia-de-militares-sera-colocada-na-mesa-no-pacote-de-corte-de-gastos-diz-tebet-a-jornal.htm?cmpid=copiaecola


sexta-feira, 16 de junho de 2023

As corporações em seus quadrados respectivos: militares e diplomatas - Paulo Roberto de Almeida

 Nunca concordei inteiramente com essa ideia de que a guerra é muito importante para ser deixada apenas para os militares. Esse tipo de simplismo repetido quinhentas vezes estes muito errado. Os militares profissionais TÊM de estar necessariamente associados ao processo decisório de qualquer questão externa (por vezes até interna) que envolva a segurança nacional, o território da pátria e a soberania. Ponto.

Por outro lado, eu certamente NÃO concordo com uma frase que pretenderia que a diplomacia é muito importante para ser deixada apenas a diplomatas. Pode até ser, mas em circunstâncias muito específicas, naquelas que envolvem aspectos não diretamente diplomáticos de problemas externos.
Mas CERTAMENTE, a diplomacia é uma coisa muito importante para ser deixada a NÃO DIPLOMATAS.
Do contrário, dá nisso que estamos assistindo por aí: o amadorismo rebaixando as melhores tradições da política externa do Brasil, violando princípios e valores de nossa diplomacia, e rebaixando o conceito do Brasil no mundo, inclusive em contradição com a Carta da ONU e os interesses nacionais, que passam a ser guiados pelos instintos dos mandantes da ocasião e os adeptos de determinadas causas políticas, carregadas de simpatias ideológicas ou de antipatias a determinados países.
Não preciso entrar em detalhes sobre o que está ocorrendo com a nossa política externa, já demolida no governo anterior, e bastante arranhada atualmente, assim como as tribulações da diplomacia profissional, que precisa acomodar preferências pessoais do chefe de plantão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/06/2023

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Militares continuam a fazer confusão em torno das eleições, e o Itamaraty segue atrás...

 Sem TSE, Itamaraty discute ‘aperfeiçoamento eleitoral’ com militares


Chanceler Carlos França se reuniu no Ministério da Defesa com o general-ministro Paulo Sergio e com o chefe da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação.

por Hugo Souza
31 de agosto de 2022

No início da tarde da última quinta-feira, 25, Dia do Soldado, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, foi ao Ministério da Defesa acompanhado de dois funcionários do Itamaraty para tratar de “aperfeiçoamento da segurança e da transparência do processo eleitoral”.

Nenhum representante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) participou da reunião, na qual as Forças Armadas informaram “mais detalhadamente” a Carlos França suas “propostas” de mudanças no sistema eletrônico brasileiro de votação. Pela defesa, quem participou da reunião, além do general-ministro Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, foi o coronel do Exército Marcelo Nogueira de Souza, chefe da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação (EFASEV).

Em meados de julho, o coronel Marcelo Sousa disse no Senado da República que “é possível que um código malicioso tenha sido inserido na urna e fique lá latente esperando algum tipo de acionamento”.

O chanceler Calos França, por seu turno, disse em maio na Câmara dos Deputados que “os reclamos do governo brasileiro por um voto auditável e transparente vai na direção da busca de transparência”.

A principal das “propostas” que o general Paulo Sergio e o coronel Marcelo Sousa discutiram na última quinta-feira com o chanceler Carlos França é que, no dia das eleições, o teste de integridade das urnas eletrônicas seja feito nas seções eleitorais e com eleitores reais liberando a urna com biometria, em vez de nas sedes dos TREs e com as urnas liberadas por servidores da Justiça Eleitoral.

A proposta é tida pela Defesa como “inegociável”. No entendimento “colaborativo” do ministro-general Paulo Sergio, só esta mudança “reduziria a possibilidade de um código malicioso furtar-se ao teste”. Técnicos do TSE, porém, já informaram ao presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, que a possibilidade de testar as urnas eletrônicas com biometria de eleitores reais no dia da eleição é “inviável”, “impossível em várias frentes”.

Entre o “inegociável” e o “inviável”, portanto, criou-se um impasse. Ou melhor: o impasse foi deliberadamente criado, construído, premeditado pelos militares, que, com seus pós-graduados em informática há tempos debruçados sobre as urnas, decerto já sabiam há tempos sobre a inviabilidade da requisição.

‘Faz parte do meu putsch’
Este Come Ananás mostrou na semana passada que o objetivo da sinuca é ter na manga da farda, para todo caso, um pretexto – “a possibilidade de um código malicioso furtar-se ao teste”, como disse o general Paulo Sérgio no Senado – para tentar adiar indefinidamente o primeiro ou o segundo turnos ou, havendo eleições, apontar possibilidade de fraude, bagunçando o coreto, quando e se Lula for declarado presidente eleito.

Neste sentido, as tratativas da Defesa com o Itamaraty sobre “aperfeiçoamento da segurança e da transparência do processo eleitoral”, feitas à revelia do TSE, em clara extrapolação de papeis institucionais, mostram que o movimento de preparação dos espíritos da “comunidade internacional” para a eventualidade de, digamos, um problema técnico com as eleições não se esgotou com a famigerada reunião de Bolsonaro com embaixadores no Palácio do Planalto, na qual os ministros Paulo Sergio e Carlos França estiverem presentes e sentaram-se lado a lado na primeira fila da plateia.

Neste sentido, nesta quarta-feira, 31, a praticamente um mês do primeiro turno e com um parecer técnico de inviabilidade da proposta na praça, Paulo Sergio vai ao TSE para dar um “alô” ao inimigo; para reforçar a proposta, apesar de tudo, junto a Alexandre de Moraes.

No melhor estilo codinome beija-flor: “invento desculpas/provoco um briga”.

No melhor estilo “faz parte do meu putsch”.

https://comeananas.news/sem-tse-itamaraty-discute-aperfeicoamento-eleitoral-com-militares/

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Militares "têm juízo" e não embarcarão num golpe de Bolsonaro, diz Celso Amorim (Sputnik, Brasil 247)

 Militares "têm juízo" e não embarcarão num golpe de Bolsonaro, diz Celso Amorim


"Não vai haver golpe. Agora, pode haver um tumulto, pode haver uma tentativa", alertou o ex-ministro da Defesa, ex-chanceler e conselheiro de Lula para geopolítica

Brasil 247, 4 de agosto de 2022

Sputnik - Crítico implacável do direcionamento da política externa conduzida durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim não poupou o verbo ao fazer um balanço da condução do atual presidente em assuntos internacionais: "Não há nem como fazer balanço, porque não dá para fazer balanço de destruição".

O saldo negativo é dado pelo principal conselheiro em política externa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de cuja gestão foi chanceler entre os anos de 2003 e 2010, e que é o principal adversário de Bolsonaro na disputa pela Presidência da República nas eleições de 2022. Lula, no entanto, lidera com folga as pesquisas de intenção de voto.

"Digo isso com tranquilidade porque não estou só falando do governo Lula, no qual fui ministro, ou do governo Dilma, em que fui ministro da Defesa, mas do Brasil [de modo geral]."

Em entrevista exclusiva de pouco mais de uma hora concedida à Sputnik Brasil na última segunda-feira (1º), Amorim aponta os direcionamentos que devem coroar a diplomacia do Brasil no caso de Lula ser conduzido, novamente, à chefia do Executivo, como indicam as atuais projeções eleitorais.

"É difícil resumir, mas é preciso reconhecer que há três ou quatro grandes problemas que são globais e que, portanto, merecem a nossa atenção. Qual a nossa influência em cada um deles só a prática dirá. Eles são: uma mudança climática; as pandemias e ameaças globais à saúde; a desigualdade (que está na raiz de muitos problemas, inclusive refugiados e imigração, com isso criando problemas sociais e até conflitos); e, agora, uma coisa que eu não tinha incluído nas grandes ameaças [anteriormente]: as armas nucleares", elenca.

O ex-chanceler defende a integração não apenas da América do Sul — tema de seu recém-lançado livro, intitulado "Laços de Confiança" — mas da América Latina como um bloco regional, algo que classifica como "vital".

Também indica um olhar especial para o continente africano.

"Vamos dar uma grande prioridade à África por razões históricas, étnicas, culturais e da própria formação do povo brasileiro", ressalta.

Faz certo mistério sobre uma eventual recondução ao posto de ministro das Relações Exteriores, mas, em caso da vitória de Lula, apela para uma "salinha" no Palácio do Planalto para tomar um cafezinho com o ex-presidente.

"Talvez isso seja até muita ambição da minha parte", brinca.

Amorim ironiza a cobiça do atual governo pelo ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e aponta que um eventual ciúme dos Estados Unidos por uma política externa brasileira independente da hegemonia norte-americana precisa ser lidado de "maneira adulta e pacífica".

Descarta, também, qualquer tipo de aventura golpista por parte do atual governo — temor que vem sendo ventilado na sociedade civil brasileira devido a falas do presidente.

Veja, abaixo, a terceira e última parte da entrevista cedida por Amorim à Sputnik Brasil.

Sputnik Brasil: Caso o ex-presidente Lula seja eleito em 2022, o senhor voltaria a ser o chanceler do Brasil?

Celso Amorim: Nós vamos cruzar essa ponte quando chegarmos lá. Agora, todo o trabalho é pela eleição. Nós vamos recuperar a democracia, recuperar a civilidade e o respeito internacional — para o que a eleição é fundamental. Eu tenho toda disposição para ajudar o presidente em tudo o que for necessário.

Agora, já houve todo o tipo de especulação e, se for uma mulher [escolhida como ministra], eu acharia ótimo. Nunca tivemos tantas mulheres embaixadoras em postos importantes quanto em nosso governo [Lula, de 2003 a 2010], então seria uma boa hipótese. Há também, a hipótese de pessoas mais jovens.

Eu digo de brincadeira que eu me daria por satisfeito se ele me oferecer uma salinha lá no fundo do Palácio do Planalto para tomar um cafezinho com ele de vez em quando. Talvez isso seja até muita ambição da minha parte.

SB: Com o mandato encerrando, como o senhor avalia a política externa conduzida pelo governo de Bolsonaro? Dá para se fazer um balanço a respeito?

CA: Não há nem como fazer balanço, porque não dá para fazer balanço de destruição. Ele tentou destruir ao máximo, algumas coisas ele não conseguiu, pois o Itamaraty revela ainda que tem uma atitude impositiva.

Mas em certos episódios, como esse recente da convocação de embaixadores estrangeiros para falar mal da Justiça Eleitoral, a chefia do Itamaraty não se comportou bem, na minha opinião. Enfim, cada um sabe da sua vida, de modo que eu não devo dizer o que a pessoa deveria ou não fazer. Mas eu fiquei um pouco decepcionado, porque achei que o atual chanceler, Carlos França, estava procurando ser mais moderado. Claro que com o Bolsonaro é impossível fazer uma boa política externa. Mas o chanceler pode agravar ou minorar. Ele estava tentando minorar. Mas essa reunião com a presença dele é muito lamentável.

Eu nunca vi isso na diplomacia, e para falar a verdade, nunca vi em nenhum país: o presidente convocar embaixadores estrangeiros para falar mal das próprias instituições, e na realidade, praticamente, até anunciar um possível golpe, induzindo a crer na possibilidade de um golpe. Isso é inacreditável. Tudo isso desmoraliza muito a nossa ação externa.

Agora, o Brasil é um país grande, de muita tradição. Não só nos governos Lula e Dilma, em que eu estive, mas em governos anteriores. Eles poderiam não ter, talvez, a mesma amplitude de ação em alguns casos, mas eram respeitados. O Brasil sempre foi respeitado internacionalmente. Fui embaixador, por exemplo, em Genebra, no GATT [Acordo Geral de Tarifas e Comércio], na época do Collor. O Brasil estava naquela confusão interna, mas a voz do Brasil no exterior era respeitada. Foi feita naquela época pelo meu xará, Celso Leifert, que era ministro (um homem de visão ideológica diferente da minha, mas um homem correto), a Rio-92. No GATT, nós defendemos posições dentro do contexto da época, que tinha suas limitações, como a prevalência do Consenso de Washington. O Brasil defendeu posições razoáveis, teve alianças com a Índia. Sempre o Brasil teve uma posição correta e razoável, e agora não.

Agora, é uma coisa totalmente descabida, ofendem-se governantes estrangeiros, seja diretamente, seja (o que é pior ainda) através da cônjuge mulher. Eu nunca vi uma coisa semelhante. Falta decoro diplomático. O Brasil é um país isolado em sua própria região, porque o Brasil não tem contato com ninguém.

Teve a cúpula do Mercosul, em Assunção, onde não temos sequer um governo de esquerda, e o presidente não foi. O único interesse dele [Bolsonaro] é não perder a eleição.

SB: Quais os principais pontos de inflexão da condução da política externa no governo Bolsonaro?

CA: Ele mesmo disse que não veio construir, que ele veio desconstruir, e ele faz isso em todos os setores. Tudo aquilo que foi criado de institucional no Estado brasileiro ele tem procurado destruir.

Isso vai do IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] ao INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], passando pela Funai [Fundação Nacional do Índio] e pelo Itamaraty. Ele não destruiu mais o Itamaraty como instituição porque é difícil. A política externa se faz na base da confiança, e o Brasil jogou fora seu capital de confiança que foi criado ao longo dos anos.

Digo isso com tranquilidade porque não estou só falando do governo Lula, no qual fui ministro, ou do governo Dilma, em que fui ministro da Defesa, mas do Brasil [de modo geral].

Quando eu era embaixador na ONU, queriam que o Brasil presidisse uma comissão sobre a antiga Iugoslávia. Por acaso, estava de férias. E o embaixador do Japão, então presidente do Conselho [de Segurança da ONU], me ligou e pediu para vir, porque o Brasil tinha que estar [presente]. E eu perguntei: mas por quê? Ele me explicou que o Brasil é o único país que os EUA e a Rússia aceitam. Essa é a credibilidade diplomática que o país tinha. Isso não quer dizer que se concordasse com tudo dos Estados Unidos ou tudo da Rússia, pelo contrário, seria impossível.

Eles tinham confiança no que a gente fazia. Isso contrasta com essa situação atual em que o Brasil não é chamado a uma reunião do G7, em que são convidados outros países, e o Brasil não é convidado. Isso jamais se passaria no período do Lula. Pelo contrário, o Brasil participou de todas as reuniões — naquela época, era o G8 [quando incluía a Rússia, removida em 2014]. Hoje, nós estamos auto-marginalizados.

SB: O senhor acha que essas ameaças constantes do presidente Jair Bolsonaro em relação à democracia significam que ele seja capaz de dar um golpe com o uso das Forças Armadas?

CA: Não creio. Eu acho que pode causar muito tumulto ainda, porque não sabemos como vai se comportar. Até porque uma das coisas que caracterizam o Bolsonaro é a imprevisibilidade total do comportamento dele. Se você me dissesse que ele iria visitar a Rússia no meio de uma crise que, seis dias depois, levou a uma guerra. Claro que talvez ele não pudesse adivinhar, mas a informação corria nos serviços [diplomáticos]. Mas ele não só foi como prestou solidariedade. Então ele é imprevisível. Mas eu acho que não há condições.

Sempre que houve um golpe militar ou com apoio militar na América do Sul, em geral, e no Brasil, em particular, ele se deu com apoio da elite econômica, da grande mídia e de potências externas ocidentais, sobretudo pelos próprios Estados Unidos. Eu acho que nenhum dos três fatores, hoje, joga a favor [de um golpe], então torna isso muito difícil. São três grupos muito poderosos.

E quando o secretário de Defesa dos EUA [Lloyd Austin] vem aqui ao Brasil e diz na frente do nosso ministro da Defesa que o poder militar tem que estar subordinado ao poder civil, e defende a democracia. Antes disso, o próprio governo americano tinha dito que o sistema eleitoral brasileiro é um exemplo para o hemisfério e para o mundo. Não acho que vai haver golpe. Agora, pode haver um tumulto, pode haver uma tentativa.

Você vê declarações totalmente descabeladas de militares da reserva, às vezes, do Clube Militar. Mas isso tinha e sempre teve. Tinha uma pessoa que trabalhava comigo, um general de quatro estrelas, e ele sempre se referia à "reserva raivosa". Porque aí todos os ressentimentos, aquilo ali é um túmulo de fervura constante. Eu acho que não é isso o que predomina, o que vai predominar é o pensamento do alto comando. E o alto comando tem juízo.

SB: Quais devem ser os direcionamentos da política externa brasileira?

CA: Com Bolsonaro, não existe. Com Bolsonaro, é uma espécie de um buraco escuro que o Brasil caiu, e você tem que esquecer.

Você pode comparar com Fernando Henrique [Cardoso], você pode comparar até com o [Fernando] Collor, com o [José] Sarney, porque aí você está no domínio do mais ou menos racional. Mas o período de Bolsonaro está fora de qualquer possibilidade de comparação.

É difícil resumir, mas é preciso reconhecer que há três ou quatro grandes problemas que são globais e que, portanto, merecem a nossa atenção. Qual a nossa influência em cada um deles só a prática dirá.

Eles são: uma mudança climática; as pandemias e ameaças globais à saúde; a desigualdade (que está na raiz de muitos problemas, inclusive refugiados e imigração, com isso criando problemas sociais e até conflitos); e, agora, uma coisa que eu não tinha incluído nas grandes ameaças [anteriormente]: as armas nucleares. Esses são os grandes problemas que eu acho que devem ser enfrentados. Agora, como enfrentá-los? Qual é o tipo de relacionamento? Eu acho que buscando, apesar de tudo o que falamos aqui, das dificuldades, buscando contribuir para um mundo multipolar. Como o Brasil pode contribuir para um mundo multipolar?

Não só se relacionando bem com vários países, como já comentamos aqui (BRICS, EUA, UE), mas sobretudo fortalecendo a integração da América do Sul e da América Latina, para que ela também seja um bloco forte com capacidade de discutir com a União Europeia, com capacidade de discutir com os Estados Unidos sem ser uma submissão. Ela não pode ser objeto, ela não pode ser pátio traseiro, como dizem em espanhol, de nenhuma potência. Nem dos Estados Unidos, nem da China. Essas são as formas gerais.

Vamos dar uma grande prioridade à África por razões históricas, étnicas, culturais e da própria formação do povo brasileiro, e aí a gente vai vendo.

Queremos fortalecer o multilateralismo porque nós fizemos um esforço enorme na época do governo Lula em relação à Organização Mundial do Comércio, sabemos que ela está muito debilitada, mas o que se puder fazer para fortalecer deve ser feito. E, também, de uma forma geral, fortalecer o sistema multilateral.

Agora, é preciso ter a clareza de que o sistema multilateral tem que ser fortalecido, mas tem que ser modificado. Você não pode ter, 77 ou 78 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial, o mesmo sistema que foi criado naquela época. Isso é uma coisa absurda.

Eu gosto muito de uma comparação que faz uma analista norte-americana chamada Anne-Marie Slaughter que diz assim: "É só pensar que em 1950, por exemplo, o mundo fosse se reger pelas regras de 1860, 1870". É uma coisa que não dá para [se basear]. Os países não eram os mesmos, as regras não eram as mesmas, então não tem [como]. Então essa mudança [de mentalidade] eu acho que é muito importante.

Na mudança da governança global, você tem que ter instrumentos efetivos para levar adiante políticas importantes com relação ao meio ambiente, ao clima, enfim, esses temas todos que eu mencionei. Ao mesmo tempo, as questões da paz e da guerra você tem que ter um certo equilíbrio, que não é o que existe no Conselho de Segurança [da ONU] hoje.

A tendência, hoje, quando há um problema importante (e eu sei disso porque participei de um grupo importante sobre o ebola), a questão estava sendo levada para o Conselho de Segurança da ONU. Agora, veja bem: como é que você pode discutir um tema como a pandemia em um órgão sujeito a veto? Não tem nem cabimento uma coisa dessas. Como é que você vai discutir temas como aquecimento global em um órgão sujeito a veto? Inclusive um veto que não tem nada a ver com o poder dos países? É um poder relativo de cada país. Então essa mudança da governança global é absolutamente fundamental. Eu acho que precisaria ter alguma espécie de institucionalização de algo parecido com o G20, um G20 um pouco mais modificado, um pouco mais africano e um pouco menos europeu, e também com uma representatividade de Estados pequenos.

Hoje, o G20 é um fórum importante. Mas ele não tem poder direto: ele não diz ao Banco Mundial o que ele tem que fazer. São os burocratas do Banco Mundial que decidem. No máximo, talvez, eles escutem o governo norte-americano, alguns governos europeus que dão dinheiro. Mas não é isso que tem que ser. Tem que ser uma coisa mais equilibrada, mais democrática. Então, eu acho que essa governança mundial tem que ser modificada. É preciso que alguém tome a iniciativa disso.

SB: Como o senhor avalia a possibilidade de retomada da integração latino-americana considerando essa guinada à esquerda, que, agora, inclui até a Colômbia, e com a eventual eleição do presidente Lula?

CA: Acho que a guinada à esquerda até ajuda e facilita pela afinidade. Mas, mesmo que não houvesse a guinada à esquerda, essa integração é necessária. Ela é vital. Volto a mencionar o meu livro porque até o título se chama "Laços de Confiança" do Brasil na América do Sul, e essa expressão me ocorreu quando eu estava saindo de uma reunião com o [ex-presidente da Colômbia, Álvaro] Uribe, que era o que pensava mais diferente da gente.

Mesmo dentro da pluralidade, tinha aquela visão comum, com variações, naturalmente, de que era importante estar junto. Isso, hoje em dia, é por um lado mais forte, porque essa necessidade de atuar em conjunto em temas como aquecimento global, pandemia, desigualdade é absolutamente fundamental, assim como em matéria de comércio como em outras matérias.

Assim como você disse, é mais fácil, porque é bom ter laços de confiança, mas melhor ainda ter laços de amizade e laços de afinidade. Eu vejo isso ocorrendo e temos hoje, no México, um governo muito progressista também, e é uma coisa que não ocorria desde o Lázaro Cárdegas, desde os anos 1940. Então isso é um fato de grande importância. Claro que o México, passe o que passa, tem uma relação muito especial com os Estados Unidos por causa da geografia. Mas, mesmo assim, tem tido atitudes muito corajosas e positivas.

Acho que temos que fazer isso [a integração regional da América Latina]. Tem coisas óbvias que precisam mudar, por exemplo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que pela primeira vez, por causa do [ex-presidente dos EUA, Donald] Trump, [tem um comando que não é latino-americano]. Mas o [atual presidente dos EUA, Joe] Biden não fez nada para mudar, se o Biden quisesse fazer um gesto positivo em relação à América Latina tinha que mudar esse cara e botar um latino-americano, que é o que sempre foi. Mesmo na dominação, os EUA sempre foram mais sutis, escolhiam um latino-americano que não fosse hostil a eles, e ele também seria uma pessoa mais sensível às nossas necessidades. Então você ter dirigindo o Banco Interamericano de Desenvolvimento uma pessoa que é representativa do que há de mais reacionário nos Estados Unidos com a América Latina não é possível. Enfim, só estou dando um exemplo. Agora, quanto mais unidos nós estivermos, mais fácil é de conseguirmos.

SB: O que o senhor pensa a respeito da entrada do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]?

CA: Eu penso. Fico pensando (risos).

SB: Na entrevista de Lula para o UOL cedida na semana passada, ele falou que a única coisa que ele exigiria dos EUA seria respeito. O senhor acha que, com a volta do Lula e a retomada do projeto de liderança regional do Brasil, isso poderia causar algum tipo de incômodo para o governo norte-americano?

CA: Você sabe que, quando um país está em uma posição hegemônica, ele quer que todos obedeçam. Uma vez tive uma conversa com o Bill Richards, que era o embaixador deles na ONU, tinha sido governador do Novo México e foi, inclusive, pré-candidato à presidência, mas nunca conseguiu a nomeação. Eu disse para ele que o melhor aliado não é aquele que concorda sempre; o melhor aliado é aquele que tem valores parecidos, mas que tem outros caminhos e outras maneiras de dizer. E o Bill Richards, que era um homem muito inteligente e muito irônico, disse assim: "É, mas eu acho que preferimos aqueles que concordam sempre" (risos). Então isso aí mostra que há um potencial de controvérsia, mas tem que lidar com a controvérsia de maneira adulta e pacífica.

Eu acho que é isso que nós queremos que exista entre Brasil e EUA. São os dois maiores países do hemisfério. Claro que com uma enorme desproporção de riqueza, mas o Brasil tem um imenso território e um potencial enorme. Um tema central da política internacional do Brasil vai ser a questão do clima. E o Brasil é uma grande potência nisso, e tem que ser uma potência do bem para ajudar a superar esse temor que todos temos do aquecimento global chegar a níveis insuportáveis.

https://www.brasil247.com/poder/militares-tem-juizo-e-nao-embarcarao-num-golpe-de-bolsonaro-diz-celso-amorim

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Uma petição para afastar os militares da vida política

Pela defesa do processo eleitoral e pela exclusão dos militares da política

Está mais do que evidente o erro que foi convidar as Forças Armadas para integrar Comissão de Fiscalização do Processo Eleitoral. O grau de politização em que se encontram militares de alta patente, em especial aqueles do Exército, tem se revelado como um fator de instabilidade, insegurança e incerteza quanto ao futuro da República e da democracia. 

Presidente da República, o militar Jair Bolsonaro, tem buscado, através de inúmeros meios, desacreditar o processo eleitoral. São mentiras e mais mentiras dirigidas contra o processo eleitoral, num conjunto aterrador de crimes de responsabilidade. O último circo montado tratou de envergonhar o país diante de um número significativo de autoridades estrangeiras. Enquanto isso, os presidentes das casas legislativas, bem como o Procurador Geral da República, fazem a egípcia. 

Parte da alta cúpula militar, se não toda ela, tem realizado ações que caminham no mesmo sentido. Se a orientação vem da alta cúpula, ou do Presidente, é, para os efeitos imediatos, irrelevante, pois ambos traem o princípio maior a que devem estar subordinados, isto é, a defesa do interesse da sociedade brasileira, cujo marco legal está inscrito na Constituição.

Não é função das Forças Armadas garantir a lisura do processo eleitoral. Não é papel das Forças Armadas avalizar qualquer poder civil, muito menos o poder soberano da sociedade na escolha de seus dirigentes.

A sociedade brasileira, desde que restaurada a democracia que nos foi roubada pelos anos de ditadura militar,  sempre depositou confiança em seu processo eleitoral. Não serão, portanto, aqueles que nos roubaram a democracia ontem que serão seus garantidores amanhã.

Solicitamos, portanto, ao Tribunal Superior Eleitora que exclua, de qualquer comissão relativa ao processo eleitoral, todo e qualquer membro das Forças Armadas.

Solicitamos, também, enquanto não é aprovada quarenta para que militares possam concorrer a cargos públicos, que a Justiça Eleitora exija o cumprimento das normas próprias que impedem que militares, mesmo na reserva, se apresente com sua patente hierárquica. Afinal, não há general ou capitão na vida civil; há apenas cidadãos. Se a própria autoridade militar não cumpre seu próprio ordenamento, que seja forçada a tanto.

Precisamos, de uma vez por todas, extirpar o câncer do autoritarismo que insiste em se fazer presente da vida política do país e cujo foco principal está nas Forças Armadas. Chega! Viva a Constituição de 88, viva a Democracia. Em defesa de nosso processo eleitoral!

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Militares burlam o teto de gastos, ILEGALMENTE

 O teto salarial já é ridiculo em si, mais ainda por ser inconstitucional, e triplamente por ser facilmente ultrapasssado por todos os apaniguados, incluindo milicos aproveitadores, de forma ilegal. Torna-se CORRUPÇÃO pura e simples quando o próprio governo introduz medidas para BURLAR indecorosamente tal teto em favor de seus protegidos, inclusive os mesmos milicos vergonhosos.

Paulo Roberto de Almeida 

Militares burlam o teto de gastos

BRASÍLIA - Uma auditoria interna do governo, realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), sobre a atuação de militares em cargos públicos aponta fortes indícios de irregularidades em pagamentos e ocupações de nada menos que 2.327 militares e seus pensionistas. A investigação apontou uma série de problemas, como acúmulo de funções simultâneas por militares da ativa e recebimento dobrado de salários e benefícios que extrapolam o teto constitucional.  

O Estadão teve acesso exclusivo ao relatório da auditoria realizada pela CGU, que atua como um órgão de controle interno do governo federal, responsável por fiscalizar o patrimônio público e combater crimes de corrupção e fraudes. O objetivo foi verificar em detalhes a situação dos militares que passaram a trabalhar para o governo federal, um contingente que triplicou na gestão Bolsonaro e que, conforme levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), ultrapassa 6 mil pessoas.

Auditoria interna do governo, realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), aponta fortes indícios de irregularidades em pagamentos e ocupações de 2.327 militares e pensionistas de militares Foto: CGU/Divulgação

O relatório, concluído no mês passado, se baseou em informações oficiais do Ministério da Economia e do Ministério da Defesa. Como linha de corte, os auditores se concentraram em dados de dezembro de 2020. A partir daí, cruzaram informações do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) e do Sistema de Informações de Empresas Estatais (Siest). Esses sistemas armazenam as informações de pagamentos a agentes públicos do governo federal e estão sob gestão do Ministério da Economia. Paralelamente, cada informação foi confrontada com os dados que a CGU recebeu do Ministério da Defesa, a respeito de pagamentos realizados a militares e seus pensionistas. 

Foram encontrados 558 casos de ocupação simultânea de cargos militares e civis sem nenhum tipo de amparo legal ou normativo para isso. Deste total, 522 militares estão ocupando postos na administração pública direta e outros 36, em estatais federais. “Como consequência do presente achado, tem-se a possível vinculação ilícita de militares a cargos, empregos ou funções civis. Essa situação pode ensejar danos ao erário e à imagem da administração pública federal”, afirma o relatório de auditoria.

Uma segunda irregularidade encontrada: centenas de casos extrapolam o prazo máximo de atuação paralela dos militares, se consideradas aquelas situações de exceção em que esse trabalho simultâneo é permitido. O levantamento aponta que 930 militares chegam a se enquadrar em casos legais de acúmulo de cargos, mas desrespeitam o limite legal de até dois anos neste tipo de função simultânea, ou seja, eles seguem recebendo salário da administração pública, em desrespeito às leis.

“Tem-se como possível causa residual a eventual má-fé de militares ao permanecerem como requisitados para atividades civis federais por tempo prolongado, nos casos em que estejam cientes da irregularidade”, conclui o relatório. “O comando constitucional é claro em limitar o vínculo civil de militares ao período máximo de dois anos, devendo o militar ser transferido para a reserva caso a situação do vínculo temporário persista.”

A terceira irregularidade diz respeito a salários pagos. Foram identificados 729 militares e pensionistas de militares com vínculo de agente público federal que receberam acima do teto constitucional, sem sofrerem nenhum tipo de abatimento em seus vencimentos. Em dezembro de 2020, o salário teto no Brasil, baseado no que é recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), era de R$ 39.293,32. Como o período analisado pela CGU focou um retrato da situação de dezembro de 2020, o próprio órgão afirma que, se todos os casos levassem à devolução do dinheiro público pago a mais, só naquele mês teriam de ser devolvidos R$ 5,139 milhões aos cofres públicos.

A regra do teto constitucional, afirma a CGU, “deve ser observada para todos os agentes públicos, civis ou militares”, mas enfrenta mais desafios quanto ao controle no caso de militares e seus pensionistas, porque, nestes casos, “os benefícios são pagos por órgãos distintos, sendo o único controle existente a autodeclaração do beneficiário”.

Filtragem de resultados

As informações apuradas pela auditoria não partiram de um simples cruzamento de banco de dados de diferentes ministérios do governo federal. Para chegar ao resultado que aponta indícios graves de irregularidades, os auditores fizeram, conforme consta no documento, um “amplo estudo normativo, em busca de todos os regramentos relacionados ao tema”, para excluir cenários em que o vínculo simultâneo entre o serviço militar e público tenha amparo legal.

Nesta filtragem, foram excluídos, por exemplo, os casos de militares da reserva ou reformados que estejam ocupando cargo público. O resultado também deixa de fora os militares ligados a atividades da área de saúde e que passaram a ocupar um cargo público no mesmo setor da gestão pública. As exceções incluem ainda militares da ativa que estejam no serviço público para necessidades temporárias e dentro do prazo de até dois anos, além dos militares inativos que são contratados para atividades de natureza civil em caráter voluntário. “Vencida essa etapa, foram realizados os cruzamentos de dados com o objetivo de identificar as ocorrências de militares com vínculos civis que apresentavam indícios de irregularidades, ou seja, já eliminados os casos de exceção”, afirma a auditoria.

Além das irregularidades encontradas, a CGU revela a fragilidade da gestão de recursos humanos do governo, que “ocorre de maneira segregada”. Isso ocorre porque o vínculo militar é gerido pelo Ministério da Defesa, que não se submete ao controle da CGU, enquanto os cargos públicos são de responsabilidade da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, do Ministério da Economia. É esta secretaria que cuida do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), alvo central da auditoria.  

“Observa-se contexto de dificuldade intrínseca para implementação de controles, seja pela atuação em conjunto de duas unidades gestoras, seja pelo desafio de comunicação eficaz e tempestiva entre tais unidades, seja pelo uso de sistemas estruturantes distintos”, afirma a auditoria. “Caso existisse tal integração, poderia ser facilmente implementado um controle sistêmico e automático para impedir tais casos, ou mesmo notificar os gestores a respeito.”

Exército e ministérios afirmam que apuram casos apontados

Os ministérios da Economia e da Defesa, além das Forças Armadas, não mencionaram quantos casos com indícios graves de irregularidades já foram efetivamente confirmados e que medidas foram tomadas contra essas fraudes. 

Questionado pela reportagem, o Exército declarou que “participou do esforço conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), mas que a “identificação de coincidências de vínculos civil e militar” merece “uma análise pormenorizada, trazendo oportunidade de correção de possíveis inconsistências”.

Sem citar números ou detalhes, o Exército afirmou que, após nova análise, “verificou-se que a maior parte das inconsistências corresponderia, em princípio, a acumulações potencialmente lícitas, amparadas pela legislação”. Mas, como mostra a reportagem, diversas exceções que permitem o trabalho paralelo de militares com o serviço público já foram consideradas na auditoria.

“Cada coincidência/inconsistência de dados está sendo avaliada individualmente. As providências corretivas serão adotadas, após ser dada a oportunidade de os envolvidos apresentarem justificativas às inconformidades porventura confirmadas, seguindo rigorosamente o preconizado na legislação”, afirmou o Exército.

Segundo a Força, suas unidades já foram avisadas “para fins de regularização” e esse trabalho está em andamento. “Encontra-se em curso, agora, uma análise detalhada, trazendo oportunidade de correção de possíveis inconsistências. Seguindo os trâmites legais, será ressarcido oportunamente qualquer valor que porventura tenha sido repassado de forma indevida, sem prejuízo de outras sanções previstas no ordenamento jurídico brasileiro.”

O Ministério da Defesa declarou à reportagem que, dentro da administração central da pasta, identificou dois casos de irregularidades. Um envolvia ocupação simultânea irregular e outro o recebimento de salário acima do limite constitucional. O servidor, que não teve a sua identificação mencionada, “foi notificado a promover o ressarcimento dos valores, o que já vem ocorrendo”.

“O Ministério da Defesa atua permanentemente em contato com órgãos de controle interno e externo com o objetivo de cumprir rigorosamente a legislação”, afirmou.

A Aeronáutica e a Marinha foram questionadas sobre o assunto, mas não responderam aos pedidos de esclarecimento.

O Ministério da Economia declarou, por meio de nota, que as informações da auditoria “já foram encaminhadas diretamente aos órgãos envolvidos para manifestação e providências que eventualmente se fizerem necessárias”. 

Perguntado se as irregularidades já foram sanadas e se houve punição ou ressarcimento financeiro de pagamentos, o ministério afirmou que “tais apontamentos não são necessariamente irregularidades” e que, “no momento, existe apenas a relação de indícios, que serão analisados pelos órgãos envolvidos”.

A respeito das fragilidades de fiscalização e falta de integração entre as bases do Ministério da Economia e o Ministério da Defesa, a pasta chefiada por Paulo Guedes declarou que está em andamento um “projeto destinado à promoção de uma integração sistêmica”.

Ainda há militares em Brasília? - Merval Pereira (O Globo)

 Ainda há militares em Brasília?

Merval Pereira
O Globo, domingo, 10 de julho de 2022

A exacerbação da retórica radicalizada do presidente Bolsonaro à medida que se aproximam as eleições, com indicações de dificuldades quase intransponíveis para sua reeleição, demonstra que ele não está aceitando a derrota e prepara o terreno para uma subversão do resultado. Informações não desmentidas de que a recente reunião ministerial, além da ilegalidade de ter tratado da campanha eleitoral, foi uma exaltação a um golpe de Estado com ares de legalidade, fazem com que o sinal de alerta tenha sido ligado em diversas instituições democráticas, e provocou a denúncia do Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Bolsonaro ameaçou as eleições novamente na reunião ministerial no Planalto. O caso é mais sério porque o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa, estava presente, e o atual ministro da pasta, general Paulo Sergio, respaldou as ameaças, ao afirmar que o TSE não respondeu às demandas das Forças Armadas. O primeiro absurdo é fazer reunião ministerial para tratar de eleições durante o expediente dentro do Palácio do Planalto, e pedir aos ministros que participem da campanha.

Os relatos indicam que o presidente disse que, se as informações pedidas pelas Forças Armadas não forem dadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele não participará da eleição. Isso é diferente de “não vai ter eleição”, como vinha ameaçando. Pode desistir, se sentir que vai perder já no primeiro turno? Não parece de seu feitio, o que aumenta a possibilidade de que pode tentar decretar um estado de sítio, ou medida semelhante. O que passa pela cabeça dele não pode ser coisa boa, porque está batendo com muita persistência nas urnas eletrônicas, e nos dias mais recentes tem claramente estimulado uma reação de seus seguidores: “Vocês sabem o que têm que fazer”, disse Bolsonaro nada enigmático.

Ele não tem escrúpulo, vai avançando sobre as leis e sobre os limites, e os tribunais ficam numa situação difícil porque, se impugnarem sua candidatura, o que já merecia ter acontecido, tantas são as ilegalidades que comete, irão provocar uma grande reação – que é o que ele quer -, e, se não fizerem nada, permitem o avanço sobre a democracia. Como o Congresso tem a maioria governista e está fazendo manobras para aprovar benesses sociais para ajudá-lo, não há medida de contenção à vista.

Como estamos antevendo uma tentativa antidemocrática de contestação dos resultados da eleição presidencial como a levada adiante pelo então presidente Donald Trump com a invasão do Capitólio em Washington, seria bom também relembrar episódios edificantes das Forças Armadas dos Estados Unidos na contenção dessa tentativa de golpe. A principal autoridade militar dos EUA, o chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, tão preocupado estava em que o então presidente e seus aliados tentassem um golpe que se uniu a outras autoridades com o objetivo de parar Trump.

Não foi apenas o comunicado oficial colocando de prontidão as Forças Armadas para defender a democracia. O livro dos repórteres do The Washington Post Carol Leonnig e Philip Rucker, ganhadores do Prêmio Pulitzer, intitulado I Alone Can Fix It ( “Só eu posso resolver”, em tradução livre), uma frase usada por Trump que os autores ironizam, descreve como Milley e os outros membros do Estado-Maior tomaram a decisão de renunciar para não cumprir ordens que considerassem “ilegais, perigosas ou imprudentes”.

A obra conta os bastidores do último ano do “catastrófico” governo de um Trump desequilibrado após perder a eleição de 2020. Milley conversou com autoridades e políticos, e garantiu que Trump e seus aliados não conseguiriam fazer nada sem os militares: “Eles podem tentar, mas não vão conseguir. (…) Não dá para fazer isso sem a CIA e o FBI. Nós somos os caras com as armas”.

Ele acreditava que Trump estava fomentando uma agitação com o intuito de invocar a Lei de Insurreição e convocar os militares. Após a insurreição de 6 de janeiro, o livro diz que Milley fez teleconferências diárias com Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, e o então secretário de Estado Mike Pompeo, assim como com a presidente do Congresso, Nancy Pelosi. Quando Trump demitiu o secretário de Defesa Mark Esper em novembro, Pelosi foi um dos vários congressistas que ligaram para o general Milley. “Estamos todos confiando em você”, disse. “Lembre-se de seu juramento”.

Após a insurreição de 6 de janeiro, Pelosi disse ao general que estava preocupada com a possibilidade de que Trump , que ela considerava louco, usasse armas nucleares durante seus últimos dias no cargo. Ele a tranquilizou: “Seguiremos apenas ordens legais. Só faremos coisas que sejam legais, éticas e morais”.

Por que não relembramos esses episódios de resistência democrática de militares, ou ainda o julgamento a que está sendo submetido Donald Trump pelo Congresso dos Estados Unidos, para exorcizar essas ameaças ? A frase famosa “Ainda temos juízes em Berlim”, que enaltece a independência do judiciário a favor de um camponês que estava sendo ameaçado pelo rei Frederico II, merece uma repetição: “ Ainda temos militares em Brasília?”.


terça-feira, 31 de maio de 2022

Militares em funções civis no governo brasileiro: aumento expressivo - Flavia de Holanda Schmidt (Nota tecnica - Ipea)

https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/pubpreliminar/220530_publicacao_preliminar_presenca_de_militares_em_cargos.pdf

Flavia de Holanda Schmidt

*PRESENÇA DE MILITARES EM CARGOS E FUNÇÕES COMISSIONADOS DO EXECUTIVO FEDERAL*


Esta Nota Técnica tem como objetivo apresentar dados sobre a presença de militares na ocupação de cargos em comissão no Poder Executivo Federal Brasileiro. A partir de um conjunto de dados produzido no escopo do Atlas do Estado Brasileiro, são apresentadas estatísticas descritivas que permitem, de forma inédita, até onde foi possível ter conhecimento, observar longitudinalmente a trajetória da presença desse grupo especial de servidores na ocupação de cargos no Executivo Federal, entre os anos de 2013 e 2021. Constatou-se que a presença agregada de militares em cargos e funções comissionadas teve trajetória de aumento de 59% no período analisado, tanto pelo aumento do número de cargos e funções militares em si como pelo aumento da presença de militares em cargos e funções civis. Considerados apenas estes, o número de militares nesses postos aumentou 193% no período analisado. Ainda que com percentuais baixos em relação ao total de ocupantes de cargos e funções, houve aumento na participação de militares entre o início e o fim do período. No caso dos cargos de Natureza Especial os percentuais de militares no total de cargos são mais proeminentes, saindo de 6,3% em 2013 para quase 16% em 2021. A composição dos cargos ocupados se alterou no período, cabendo destaque para os níveis 5 e 6, de mais alto poder decisório, que passaram a ter percentuais mais significativos no conjunto de cargos ocupados a partir de 2019. A área de política pública com participação foi mais expressiva de militares foi a área “Governo”. Sobre o perfil dos ocupantes, o Exército foi em todo o período analisado a Força de origem da maior parte dos ocupantes de cargo e, em relação aos círculos hierárquicos, o grupo que se mostrou mais representativo foi o dos oficiais superiores, tendo entre 2013 e 2021 os oficiais generais perdido importância relativa nas nomeações.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Como torrar o dinheiro do contribuinte com esses caros brinquedos militares: USS Gerald R. Ford - Courtney Mabeus (Popular Mechanics)

How the World’s Greatest Aircraft Carrier Became a $13 Billion Fiasco

Can the military save the USS Gerald R. Ford?

Courtney Mabeus

Popular Mechanics,  February 8, 2022

https://www.popularmechanics.com/military/a38941815/how-the-uss-gerald-r-ford-became-a-dollar13-billion-fiasco/



The USS Gerald R. Ford conducts high-speed turns in the Atlantic Ocean in October 2019.
U.S. Navy

The late 20th century was a time of supreme American confidence and rapid innovation. The Cold War was drawing to a close, the digital age was around the corner, and the Pentagon saw an opportunity to capitalize on peacetime and begin preparing for future conflict. With few diplomatic or military distractions, the United States ushered in a revolution in military technology.

Out of that boom period came ambitions for a new class of aircraft carrier headlined by the transformational USS Gerald R. Ford, a ship featuring an expanded flight deck, a boosted power plant, and support for almost two dozen emergent technologies. Expectations were high. The Ford’s nuclear reactor and propulsion system would triple the electrical power of the preceding Nimitz-class aircraft carriers. Its state-of-the-art weapons elevators would move 20,000 pounds of munitions at speeds of 150 feet per minute compared with the Nimitz's speed of 100 feet per minute. Its new launch-and-recovery system would be able to handle 270 planes in a single day. From bow to stern, the ship’s innovations—designed to save time, costs, and crew—would revolutionize the way the U.S. military built and used carriers. The Ford would be a symbol of American superiority, one that would project power to American adversaries for five decades of dependable service. 

“There was this thinking of, ‘We are so far ahead of everyone else that we can afford to take a strategic pause and take risks on our acquisition and try new and untested technology,’” says Eric Wertheim, a defense analyst and expert with the U.S. Naval Institute, of the nation’s mindset after the Cold War. “And there was this feeling that the rest of the world is at least 20 years behind us.”

But after two decades of development and delays, the audacity that conceived the Ford seemed to usher its doom. Expected to save the military $4 billion during its life span, the Ford has actually cost billions more than initial estimates. First expected to deploy in 2018, it has been projected to deploy as far out as 2024. When the ship reached the Navy after construction, it was already two years behind schedule, with work outstanding on thousands of items. In 2015, Sen. John McCain, chair of the Senate Armed Services Committee and a former Navy aviator, called packing all that tech onto the Ford “the original sin” that damaged the program.

Even the Navy’s top officer acknowledged the problems that have plagued the carrier. “We had 23 new technologies on [the USS Gerald R. Ford] which, quite frankly, increased the risk of delivery on time and cost right from the get-go,” said Chief of Naval Operations Adm. Mike Gilday at a virtual talk before the Navy League’s 2021 Sea Air Space exposition. “And I think industry’s in full agreement with this: We really shouldn’t introduce more than maybe one or two new technologies on any complex platform like that, in order to keep risk at a manageable level.” 

“Warships are the only weapon where the prototype goes out to sea."

Meanwhile, naval advances by U.S. adversaries have added urgency to the Ford’s troubleshooting. The ship's critics point to its expanding budget and timetable as evidence that the U.S. military should reconsider developing massive nuclear carriers as a foundational element of its naval program. Military advisor Norman Polmar points out that America’s most recent conflicts in the Middle East didn’t even use the Nimitz class to full capacity. “Look what we did in Iraq,” he says. “We launched [just] 20 or 30 strikes a day from a carrier that has 70 airplanes.” And Rep. Adam Smith, chair of the House Armed Services Committee, has questioned whether the Ford’s price tag justifies its utility. During a 2021 Brookings Institution discussion, Smith asked if there are other ways “to get unmanned systems closer to the fight that don’t cost $12 billion.” 

Today, despite years of setbacks and backlash, the Ford is showing signs that it can complete its mission. Its critical technologies are coming to life, and the Navy is accelerating the carrier’s deployment timetable. But as the Fordapproaches its maiden deployment, its successes and failures are still on public display. Talbot Manvel, a retired Navy captain who led the initial concept development of the Ford carrier class from 1996 to 2001, points out that for this multi-billion dollar floating airport to prove its capability and necessity, it has to become battle-ready under scrutiny. “Warships are the only weapon where the prototype goes out to sea,” he says.

In 1993, a Navy working group began investigating new technologies for a new class of carrier. Technologies on the Nimitz class, already a quarter of a century old, had evolved beyond their means, and the carriers were beginning to sag under their own weight, unable to support all that capability.

In 1998, the Navy launched the CVN(X) program to replace the Nimitz class with another large nuclear-powered carrier class. Technologies under development for this new class would apply to the USS George H.W. Bush—the 10th and final Nimitz carrier—and evolve across the upcoming class. But in 2002, the U.S. Secretary of Defense at the time, Donald Rumsfeld, changed course. Seeking a bolder shift toward the future, he ordered technology development, ship design, and construction for what he called a “transformational” carrier, and the Navy launched the CVN 21 program, later christened the Ford class. This research and development would cost nearly $5 billion (separate from Ford’s eventual $13 billion construction cost), the result being a carrier class that currently comprises four ships—three in addition to the flagship Ford. Prefab construction on the class' frontrunner, the USS Gerald R. Ford, began in 2005.

The Navy designs each carrier with an assembly sequence in mind. Each block of the ship contains a particular arrangement of structural and technological components, and when workers at Huntington Ingalls Industries’ Newport News Shipbuilding division in Virginia—the country’s only builder of nuclear carriers—finish adjacent blocks, they weld them together into a complete section of the ship, called a “lift,” sometimes weighing hundreds of tons. With the help of cranes, the builders hoist the lifts into place to form the ship’s hull. Ford’s construction was elaborate; it required 496 lifts.

“This was transformation run amok.” 

Designing a ship in this fashion means material and technological delays can have a cascading effect on the construction timeline. Signs of trouble emerged as early as 2007; the electromagnetic launch system, one of the signature technologies on Ford, was already more than a year behind schedule. “The warning signs were there,” says Shelby Oakley, a director in the Government Accountability Office’s contracting and national security acquisitions team. Even before construction began, the GAO had flagged the Ford to the Navy as a poor business case, noting its risky cost estimates and shipbuilding schedules. 

The Ford’s construction contract reached Newport News Shipbuilding in 2008; building the ship was a muddled, disarranged process. The shipyard began construction while some of the Ford’s technologies still lingered in development and faced design revisions. Modifications to accommodate the space, weight, and utilities for these components contributed to a total of 19,000 eventual design changes. The Navy had planned for many of these changes in anticipation of technological evolution, but other changes were unexpected. 

One standout feature of the Ford—albeit a troublesome one—is its state-of-the-art Advanced Arresting Gear (AAG). Prior to Ford, American carriers used a hydraulic arresting system to slow and stop landing aircraft, but the AAG uses an electric engine and a water twister to accommodate a broader range of aircraft—including unmanned aerial vehicles. Engineering and manufacturing of the AAG began in 2005, with 2009 the targeted end date. But a 2016 Pentagon Inspector General report noted that developmental testing for the AAG would continue through 2018; the system still hadn’t proved capable or safe enough to test on the Ford. Between 2009 and 2012, the AAG’s power conditioning system failed across multiple tests, and both its inverter system and cable shock absorber required redesigns. The setbacks ballooned the AAG’s development cost from $143 million to more than $1 billion, according to a report from Sen. McCain’s office. 

Manvel says he resisted AAG on the Ford as early as 1998, wanting to push it onto the subsequent ships in the class after its design had matured. He had his way until Rumsfeld stepped in with his transformational vision. “This was transformation run amok,” Manvel says.

As technologies fell behind on the Ford, the structural shipbuilding continued, and that disparity would require corrections. The Ford’s Dual Band Radar (DBR), a combination of both volume search radar and multifunction radar meant to handle long-range surveillance, air traffic control, and missile communications, was originally developed for use on the Zumwalt class of guided missile cruisers. But due to the cruisers’ own construction delays, the Navy dropped volume search for Zumwalt’s DBR, leaving that particular feature untested and incomplete before its implementation on Ford.
“That [brought] a major change to the Ford development and test program,” says Rear Adm. James Downey, the Navy’s program executive officer for carriers, whose assignments have also included chief engineer on the CVN(X) program and program manager for the Zumwalt class.

Land-based tests of the volume search radar that would have proceeded under Zumwalt were suspended, and contracting and additional testing delays hampered its development for Ford.

Those tests continued even after the radar’s installation on Ford, ultimately finishing nearly five years later than planned. The tests themselves unearthed issues with the DBR’s power regulating system, and the resulting modifications required the shipbuilder to cut into Ford’s island—its command and control tower—to make the repairs. 

But Manvel says Rumsfeld deemed Ford too important to fail, and goes as far as to say the former defense secretary was right. No matter how much time or money it took, America would make sure the Ford delivered, because as Marvel says: “America always wants the best.” In 2013, after construction overruns and inflation, the Ford’s cost cap ballooned from $10.5 billion to $12.9 billion under order of Congress. As it bumped against that ceiling, the Navy accelerated the Ford to fleet by deferring work on more than 9,000 items.

It took Downey's new leadership—he took over the carrier program office in summer 2019— for the cycle of deference to stop. He was central to the redemption of the Ford’s 11 Advanced Weapons Elevators (AWEs), meant to reduce bomb movement within the ship by up to 75 percent compared to the Nimitz class. Less handling of munitions means increased safety and maneuverability for sailors and aircraft on the flattop. Faster movement plays into increased mission launches (a.k.a. sorties), a key measure of the Ford's success.

When the Navy commissioned the Ford in July 2017, none of the elevators were fully operational. When the Ford began its period of post-delivery testing and trials in 2019, just four elevators were operational. While the GAO has cited premature corrosion of electrical components and faulty parts as problems with the AWEs in earlier years, Downey says the major hindrance appears to have been software-related.

With renewed urgency on having operable elevators, industrial workers began making fixes while the Ford was at sea, rather than waiting until it was pierside. Downey also established offices at the shipyard in Newport News, and also at the Ford’s home port at the nearby Norfolk Naval Station. He goes over daily reviews of work items with project supervisors. “To this day, we do daily closeouts of the work, with me included,” Downey says. "My view is it’s critical to keeping these large projects on track, and you can’t do that monthly or quarterly." His procedural adjustments seem to have worked. The last of the weapons elevators were turned over to the Ford's crew on December 22, 2021, according to the Navy.

Launching and recovering aircraft was another trouble area. The Electromagnetic Aircraft Launch System, or EMALS, is supposed to average 4,166 launches between failures. A Pentagon report from early 2021 noted that the Ford was averaging just 181 launches between failures. AAG, meanwhile, is meant to average 16,500 recoveries before a failure. It averaged 48. Downey doesn’t dispute those numbers, but he points out that the Pentagon report covered the carrier’s delivery and initial trials period, and largely missed its post-delivery tests and trials, a period when a carrier’s crew learns how to operate the ship. By that time, Ford had completed fewer than 800 aircraft launches and recoveries total. It has now surpassed 8,000 launches and recoveries.

The Ford has corrected its wayward trajectory in large part through finding optimal ways to marry its crew with its new technologies. While at sea, the Ford became the Navy’s East Coast platform for more than 400 pilots to earn or maintain their flight certifications. During that time, sailors gained proficiency on the ship’s systems and made their own recommendations on how to operate them. During eight and a half hours of daytime flight operations in December 2020, the Ford achieved 175 arrested landings, which was more than the 160 expected of it during a 12-hour fly day. EMALS has become a morale boost for the sailors working on that system, says Navy Capt. Paul Lanzilotta, who took command of Ford in early 2021. At the end of a flight day, aviation boatswain mates push a button to put EMALS into standby, saving them the hours of pre- and post-flight maintenance required on the Nimitz class. 

“It is a different mindset and environment in which they work,” Lanzilotta says. “[The crew are] a lot smarter about things like electronics and electronic systems.”

Ford completed 18 months of post-delivery tests and trials in spring 2021. As the ship's crew gained proficiency, the Navy did something unheard of: It moved the Ford’s projected first deployment date up, from 2024 to 2022. Here, a military decision to run things concurrently paid off. While the Ford was working through its post-delivery tests, the Navy put the ship through live fire combat system tests and carrier-strike group operations. The Ford cleared all its benchmarks despite the crunch.

It was a decision born out of weariness and practicality: If there were any more weaknesses aboard the Ford, the Navy wanted to expose them as soon as possible, Downey says.

The Ford class is likely to deploy in a different climate from the ones military leaders anticipated two decades ago. While the U.S. military focused on counterinsurgency efforts in the Middle East, Russia became active in the Arctic, and China began aggressively expanding its naval capabilities. China’s DF-21D “carrier killer” missile has a range of up to 2,485 miles, enough to put U.S. military bases on Guam within striking distance from mainland China.

“If we’re not moving the threshold forward on carrier capabilities, what happens if China continues to incrementally catch up?” asks Matthew Funaiole, a senior fellow with the China Power Project at the Center for Strategic and International Studies. China is now building a third carrier of its own, called the Type 003. Though it’s unlikely to rival a Nimitz-class carrier, it might include an electromagnetic launch system that could bypass today's more common steam-powered launch systems, Funaiole says. Even if the launch system doesn’t appear on the Type 003, Funaiole expects it on the follow-up ship.

The context for the Ford’s deployment is becoming higher pressure, but many see the ship, as well as the three others in its class, to be the pinnacle of carrier technology. “I’m confident that we’re going to get the Ford class, and it’s going to be a great ship,” says the Naval Institute’s Wertheim. “It’s taking longer and it’s more expensive, and it maybe didn’t have to be this way, but we will iron those things out. We shouldn't look at the Ford class as some massive failure. It’s more of a ‘What can we do better next time?’” 

That “next time” is already here. The Ford’s three successors—the USS John F. Kennedy, USS Enterprise, and USS Doris Miller—are taking shape at Newport News Shipbuilding. The Kennedy is expected to reach the Navy first, in 2024, and the Miller last, in 2032. In the meantime, the Ford is finally proving its sea legs, but its saga demonstrates the complexities of building a modern aircraft carrier, designing a ship around both an assessment of modern adversaries and a prediction of future military contexts. The lessons of Ford’s construction will inform the larger debate over staking the sea service on a massive nuclear flagship, but the next decade is set—and the Navy expects the world’s newest, most advanced warship to operate for half a century. For now, the Ford is the future.