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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Militares "têm juízo" e não embarcarão num golpe de Bolsonaro, diz Celso Amorim (Sputnik, Brasil 247)

 Militares "têm juízo" e não embarcarão num golpe de Bolsonaro, diz Celso Amorim


"Não vai haver golpe. Agora, pode haver um tumulto, pode haver uma tentativa", alertou o ex-ministro da Defesa, ex-chanceler e conselheiro de Lula para geopolítica

Brasil 247, 4 de agosto de 2022

Sputnik - Crítico implacável do direcionamento da política externa conduzida durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim não poupou o verbo ao fazer um balanço da condução do atual presidente em assuntos internacionais: "Não há nem como fazer balanço, porque não dá para fazer balanço de destruição".

O saldo negativo é dado pelo principal conselheiro em política externa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de cuja gestão foi chanceler entre os anos de 2003 e 2010, e que é o principal adversário de Bolsonaro na disputa pela Presidência da República nas eleições de 2022. Lula, no entanto, lidera com folga as pesquisas de intenção de voto.

"Digo isso com tranquilidade porque não estou só falando do governo Lula, no qual fui ministro, ou do governo Dilma, em que fui ministro da Defesa, mas do Brasil [de modo geral]."

Em entrevista exclusiva de pouco mais de uma hora concedida à Sputnik Brasil na última segunda-feira (1º), Amorim aponta os direcionamentos que devem coroar a diplomacia do Brasil no caso de Lula ser conduzido, novamente, à chefia do Executivo, como indicam as atuais projeções eleitorais.

"É difícil resumir, mas é preciso reconhecer que há três ou quatro grandes problemas que são globais e que, portanto, merecem a nossa atenção. Qual a nossa influência em cada um deles só a prática dirá. Eles são: uma mudança climática; as pandemias e ameaças globais à saúde; a desigualdade (que está na raiz de muitos problemas, inclusive refugiados e imigração, com isso criando problemas sociais e até conflitos); e, agora, uma coisa que eu não tinha incluído nas grandes ameaças [anteriormente]: as armas nucleares", elenca.

O ex-chanceler defende a integração não apenas da América do Sul — tema de seu recém-lançado livro, intitulado "Laços de Confiança" — mas da América Latina como um bloco regional, algo que classifica como "vital".

Também indica um olhar especial para o continente africano.

"Vamos dar uma grande prioridade à África por razões históricas, étnicas, culturais e da própria formação do povo brasileiro", ressalta.

Faz certo mistério sobre uma eventual recondução ao posto de ministro das Relações Exteriores, mas, em caso da vitória de Lula, apela para uma "salinha" no Palácio do Planalto para tomar um cafezinho com o ex-presidente.

"Talvez isso seja até muita ambição da minha parte", brinca.

Amorim ironiza a cobiça do atual governo pelo ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e aponta que um eventual ciúme dos Estados Unidos por uma política externa brasileira independente da hegemonia norte-americana precisa ser lidado de "maneira adulta e pacífica".

Descarta, também, qualquer tipo de aventura golpista por parte do atual governo — temor que vem sendo ventilado na sociedade civil brasileira devido a falas do presidente.

Veja, abaixo, a terceira e última parte da entrevista cedida por Amorim à Sputnik Brasil.

Sputnik Brasil: Caso o ex-presidente Lula seja eleito em 2022, o senhor voltaria a ser o chanceler do Brasil?

Celso Amorim: Nós vamos cruzar essa ponte quando chegarmos lá. Agora, todo o trabalho é pela eleição. Nós vamos recuperar a democracia, recuperar a civilidade e o respeito internacional — para o que a eleição é fundamental. Eu tenho toda disposição para ajudar o presidente em tudo o que for necessário.

Agora, já houve todo o tipo de especulação e, se for uma mulher [escolhida como ministra], eu acharia ótimo. Nunca tivemos tantas mulheres embaixadoras em postos importantes quanto em nosso governo [Lula, de 2003 a 2010], então seria uma boa hipótese. Há também, a hipótese de pessoas mais jovens.

Eu digo de brincadeira que eu me daria por satisfeito se ele me oferecer uma salinha lá no fundo do Palácio do Planalto para tomar um cafezinho com ele de vez em quando. Talvez isso seja até muita ambição da minha parte.

SB: Com o mandato encerrando, como o senhor avalia a política externa conduzida pelo governo de Bolsonaro? Dá para se fazer um balanço a respeito?

CA: Não há nem como fazer balanço, porque não dá para fazer balanço de destruição. Ele tentou destruir ao máximo, algumas coisas ele não conseguiu, pois o Itamaraty revela ainda que tem uma atitude impositiva.

Mas em certos episódios, como esse recente da convocação de embaixadores estrangeiros para falar mal da Justiça Eleitoral, a chefia do Itamaraty não se comportou bem, na minha opinião. Enfim, cada um sabe da sua vida, de modo que eu não devo dizer o que a pessoa deveria ou não fazer. Mas eu fiquei um pouco decepcionado, porque achei que o atual chanceler, Carlos França, estava procurando ser mais moderado. Claro que com o Bolsonaro é impossível fazer uma boa política externa. Mas o chanceler pode agravar ou minorar. Ele estava tentando minorar. Mas essa reunião com a presença dele é muito lamentável.

Eu nunca vi isso na diplomacia, e para falar a verdade, nunca vi em nenhum país: o presidente convocar embaixadores estrangeiros para falar mal das próprias instituições, e na realidade, praticamente, até anunciar um possível golpe, induzindo a crer na possibilidade de um golpe. Isso é inacreditável. Tudo isso desmoraliza muito a nossa ação externa.

Agora, o Brasil é um país grande, de muita tradição. Não só nos governos Lula e Dilma, em que eu estive, mas em governos anteriores. Eles poderiam não ter, talvez, a mesma amplitude de ação em alguns casos, mas eram respeitados. O Brasil sempre foi respeitado internacionalmente. Fui embaixador, por exemplo, em Genebra, no GATT [Acordo Geral de Tarifas e Comércio], na época do Collor. O Brasil estava naquela confusão interna, mas a voz do Brasil no exterior era respeitada. Foi feita naquela época pelo meu xará, Celso Leifert, que era ministro (um homem de visão ideológica diferente da minha, mas um homem correto), a Rio-92. No GATT, nós defendemos posições dentro do contexto da época, que tinha suas limitações, como a prevalência do Consenso de Washington. O Brasil defendeu posições razoáveis, teve alianças com a Índia. Sempre o Brasil teve uma posição correta e razoável, e agora não.

Agora, é uma coisa totalmente descabida, ofendem-se governantes estrangeiros, seja diretamente, seja (o que é pior ainda) através da cônjuge mulher. Eu nunca vi uma coisa semelhante. Falta decoro diplomático. O Brasil é um país isolado em sua própria região, porque o Brasil não tem contato com ninguém.

Teve a cúpula do Mercosul, em Assunção, onde não temos sequer um governo de esquerda, e o presidente não foi. O único interesse dele [Bolsonaro] é não perder a eleição.

SB: Quais os principais pontos de inflexão da condução da política externa no governo Bolsonaro?

CA: Ele mesmo disse que não veio construir, que ele veio desconstruir, e ele faz isso em todos os setores. Tudo aquilo que foi criado de institucional no Estado brasileiro ele tem procurado destruir.

Isso vai do IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] ao INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], passando pela Funai [Fundação Nacional do Índio] e pelo Itamaraty. Ele não destruiu mais o Itamaraty como instituição porque é difícil. A política externa se faz na base da confiança, e o Brasil jogou fora seu capital de confiança que foi criado ao longo dos anos.

Digo isso com tranquilidade porque não estou só falando do governo Lula, no qual fui ministro, ou do governo Dilma, em que fui ministro da Defesa, mas do Brasil [de modo geral].

Quando eu era embaixador na ONU, queriam que o Brasil presidisse uma comissão sobre a antiga Iugoslávia. Por acaso, estava de férias. E o embaixador do Japão, então presidente do Conselho [de Segurança da ONU], me ligou e pediu para vir, porque o Brasil tinha que estar [presente]. E eu perguntei: mas por quê? Ele me explicou que o Brasil é o único país que os EUA e a Rússia aceitam. Essa é a credibilidade diplomática que o país tinha. Isso não quer dizer que se concordasse com tudo dos Estados Unidos ou tudo da Rússia, pelo contrário, seria impossível.

Eles tinham confiança no que a gente fazia. Isso contrasta com essa situação atual em que o Brasil não é chamado a uma reunião do G7, em que são convidados outros países, e o Brasil não é convidado. Isso jamais se passaria no período do Lula. Pelo contrário, o Brasil participou de todas as reuniões — naquela época, era o G8 [quando incluía a Rússia, removida em 2014]. Hoje, nós estamos auto-marginalizados.

SB: O senhor acha que essas ameaças constantes do presidente Jair Bolsonaro em relação à democracia significam que ele seja capaz de dar um golpe com o uso das Forças Armadas?

CA: Não creio. Eu acho que pode causar muito tumulto ainda, porque não sabemos como vai se comportar. Até porque uma das coisas que caracterizam o Bolsonaro é a imprevisibilidade total do comportamento dele. Se você me dissesse que ele iria visitar a Rússia no meio de uma crise que, seis dias depois, levou a uma guerra. Claro que talvez ele não pudesse adivinhar, mas a informação corria nos serviços [diplomáticos]. Mas ele não só foi como prestou solidariedade. Então ele é imprevisível. Mas eu acho que não há condições.

Sempre que houve um golpe militar ou com apoio militar na América do Sul, em geral, e no Brasil, em particular, ele se deu com apoio da elite econômica, da grande mídia e de potências externas ocidentais, sobretudo pelos próprios Estados Unidos. Eu acho que nenhum dos três fatores, hoje, joga a favor [de um golpe], então torna isso muito difícil. São três grupos muito poderosos.

E quando o secretário de Defesa dos EUA [Lloyd Austin] vem aqui ao Brasil e diz na frente do nosso ministro da Defesa que o poder militar tem que estar subordinado ao poder civil, e defende a democracia. Antes disso, o próprio governo americano tinha dito que o sistema eleitoral brasileiro é um exemplo para o hemisfério e para o mundo. Não acho que vai haver golpe. Agora, pode haver um tumulto, pode haver uma tentativa.

Você vê declarações totalmente descabeladas de militares da reserva, às vezes, do Clube Militar. Mas isso tinha e sempre teve. Tinha uma pessoa que trabalhava comigo, um general de quatro estrelas, e ele sempre se referia à "reserva raivosa". Porque aí todos os ressentimentos, aquilo ali é um túmulo de fervura constante. Eu acho que não é isso o que predomina, o que vai predominar é o pensamento do alto comando. E o alto comando tem juízo.

SB: Quais devem ser os direcionamentos da política externa brasileira?

CA: Com Bolsonaro, não existe. Com Bolsonaro, é uma espécie de um buraco escuro que o Brasil caiu, e você tem que esquecer.

Você pode comparar com Fernando Henrique [Cardoso], você pode comparar até com o [Fernando] Collor, com o [José] Sarney, porque aí você está no domínio do mais ou menos racional. Mas o período de Bolsonaro está fora de qualquer possibilidade de comparação.

É difícil resumir, mas é preciso reconhecer que há três ou quatro grandes problemas que são globais e que, portanto, merecem a nossa atenção. Qual a nossa influência em cada um deles só a prática dirá.

Eles são: uma mudança climática; as pandemias e ameaças globais à saúde; a desigualdade (que está na raiz de muitos problemas, inclusive refugiados e imigração, com isso criando problemas sociais e até conflitos); e, agora, uma coisa que eu não tinha incluído nas grandes ameaças [anteriormente]: as armas nucleares. Esses são os grandes problemas que eu acho que devem ser enfrentados. Agora, como enfrentá-los? Qual é o tipo de relacionamento? Eu acho que buscando, apesar de tudo o que falamos aqui, das dificuldades, buscando contribuir para um mundo multipolar. Como o Brasil pode contribuir para um mundo multipolar?

Não só se relacionando bem com vários países, como já comentamos aqui (BRICS, EUA, UE), mas sobretudo fortalecendo a integração da América do Sul e da América Latina, para que ela também seja um bloco forte com capacidade de discutir com a União Europeia, com capacidade de discutir com os Estados Unidos sem ser uma submissão. Ela não pode ser objeto, ela não pode ser pátio traseiro, como dizem em espanhol, de nenhuma potência. Nem dos Estados Unidos, nem da China. Essas são as formas gerais.

Vamos dar uma grande prioridade à África por razões históricas, étnicas, culturais e da própria formação do povo brasileiro, e aí a gente vai vendo.

Queremos fortalecer o multilateralismo porque nós fizemos um esforço enorme na época do governo Lula em relação à Organização Mundial do Comércio, sabemos que ela está muito debilitada, mas o que se puder fazer para fortalecer deve ser feito. E, também, de uma forma geral, fortalecer o sistema multilateral.

Agora, é preciso ter a clareza de que o sistema multilateral tem que ser fortalecido, mas tem que ser modificado. Você não pode ter, 77 ou 78 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial, o mesmo sistema que foi criado naquela época. Isso é uma coisa absurda.

Eu gosto muito de uma comparação que faz uma analista norte-americana chamada Anne-Marie Slaughter que diz assim: "É só pensar que em 1950, por exemplo, o mundo fosse se reger pelas regras de 1860, 1870". É uma coisa que não dá para [se basear]. Os países não eram os mesmos, as regras não eram as mesmas, então não tem [como]. Então essa mudança [de mentalidade] eu acho que é muito importante.

Na mudança da governança global, você tem que ter instrumentos efetivos para levar adiante políticas importantes com relação ao meio ambiente, ao clima, enfim, esses temas todos que eu mencionei. Ao mesmo tempo, as questões da paz e da guerra você tem que ter um certo equilíbrio, que não é o que existe no Conselho de Segurança [da ONU] hoje.

A tendência, hoje, quando há um problema importante (e eu sei disso porque participei de um grupo importante sobre o ebola), a questão estava sendo levada para o Conselho de Segurança da ONU. Agora, veja bem: como é que você pode discutir um tema como a pandemia em um órgão sujeito a veto? Não tem nem cabimento uma coisa dessas. Como é que você vai discutir temas como aquecimento global em um órgão sujeito a veto? Inclusive um veto que não tem nada a ver com o poder dos países? É um poder relativo de cada país. Então essa mudança da governança global é absolutamente fundamental. Eu acho que precisaria ter alguma espécie de institucionalização de algo parecido com o G20, um G20 um pouco mais modificado, um pouco mais africano e um pouco menos europeu, e também com uma representatividade de Estados pequenos.

Hoje, o G20 é um fórum importante. Mas ele não tem poder direto: ele não diz ao Banco Mundial o que ele tem que fazer. São os burocratas do Banco Mundial que decidem. No máximo, talvez, eles escutem o governo norte-americano, alguns governos europeus que dão dinheiro. Mas não é isso que tem que ser. Tem que ser uma coisa mais equilibrada, mais democrática. Então, eu acho que essa governança mundial tem que ser modificada. É preciso que alguém tome a iniciativa disso.

SB: Como o senhor avalia a possibilidade de retomada da integração latino-americana considerando essa guinada à esquerda, que, agora, inclui até a Colômbia, e com a eventual eleição do presidente Lula?

CA: Acho que a guinada à esquerda até ajuda e facilita pela afinidade. Mas, mesmo que não houvesse a guinada à esquerda, essa integração é necessária. Ela é vital. Volto a mencionar o meu livro porque até o título se chama "Laços de Confiança" do Brasil na América do Sul, e essa expressão me ocorreu quando eu estava saindo de uma reunião com o [ex-presidente da Colômbia, Álvaro] Uribe, que era o que pensava mais diferente da gente.

Mesmo dentro da pluralidade, tinha aquela visão comum, com variações, naturalmente, de que era importante estar junto. Isso, hoje em dia, é por um lado mais forte, porque essa necessidade de atuar em conjunto em temas como aquecimento global, pandemia, desigualdade é absolutamente fundamental, assim como em matéria de comércio como em outras matérias.

Assim como você disse, é mais fácil, porque é bom ter laços de confiança, mas melhor ainda ter laços de amizade e laços de afinidade. Eu vejo isso ocorrendo e temos hoje, no México, um governo muito progressista também, e é uma coisa que não ocorria desde o Lázaro Cárdegas, desde os anos 1940. Então isso é um fato de grande importância. Claro que o México, passe o que passa, tem uma relação muito especial com os Estados Unidos por causa da geografia. Mas, mesmo assim, tem tido atitudes muito corajosas e positivas.

Acho que temos que fazer isso [a integração regional da América Latina]. Tem coisas óbvias que precisam mudar, por exemplo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que pela primeira vez, por causa do [ex-presidente dos EUA, Donald] Trump, [tem um comando que não é latino-americano]. Mas o [atual presidente dos EUA, Joe] Biden não fez nada para mudar, se o Biden quisesse fazer um gesto positivo em relação à América Latina tinha que mudar esse cara e botar um latino-americano, que é o que sempre foi. Mesmo na dominação, os EUA sempre foram mais sutis, escolhiam um latino-americano que não fosse hostil a eles, e ele também seria uma pessoa mais sensível às nossas necessidades. Então você ter dirigindo o Banco Interamericano de Desenvolvimento uma pessoa que é representativa do que há de mais reacionário nos Estados Unidos com a América Latina não é possível. Enfim, só estou dando um exemplo. Agora, quanto mais unidos nós estivermos, mais fácil é de conseguirmos.

SB: O que o senhor pensa a respeito da entrada do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]?

CA: Eu penso. Fico pensando (risos).

SB: Na entrevista de Lula para o UOL cedida na semana passada, ele falou que a única coisa que ele exigiria dos EUA seria respeito. O senhor acha que, com a volta do Lula e a retomada do projeto de liderança regional do Brasil, isso poderia causar algum tipo de incômodo para o governo norte-americano?

CA: Você sabe que, quando um país está em uma posição hegemônica, ele quer que todos obedeçam. Uma vez tive uma conversa com o Bill Richards, que era o embaixador deles na ONU, tinha sido governador do Novo México e foi, inclusive, pré-candidato à presidência, mas nunca conseguiu a nomeação. Eu disse para ele que o melhor aliado não é aquele que concorda sempre; o melhor aliado é aquele que tem valores parecidos, mas que tem outros caminhos e outras maneiras de dizer. E o Bill Richards, que era um homem muito inteligente e muito irônico, disse assim: "É, mas eu acho que preferimos aqueles que concordam sempre" (risos). Então isso aí mostra que há um potencial de controvérsia, mas tem que lidar com a controvérsia de maneira adulta e pacífica.

Eu acho que é isso que nós queremos que exista entre Brasil e EUA. São os dois maiores países do hemisfério. Claro que com uma enorme desproporção de riqueza, mas o Brasil tem um imenso território e um potencial enorme. Um tema central da política internacional do Brasil vai ser a questão do clima. E o Brasil é uma grande potência nisso, e tem que ser uma potência do bem para ajudar a superar esse temor que todos temos do aquecimento global chegar a níveis insuportáveis.

https://www.brasil247.com/poder/militares-tem-juizo-e-nao-embarcarao-num-golpe-de-bolsonaro-diz-celso-amorim

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Eleições 2022: Doria no Itamaraty: o que o presidenciável tucano tem a oferecer em política externa? - Ana Lívia Esteves (Sputnik)

Doria no Itamaraty: o que o presidenciável tucano tem a oferecer em política externa?

Ana Lívia Esteves

Sputnik Brasil09:31 20.01.2022 

https://br.sputniknews.com/20220120/doria-no-itamaraty-o-que-o-presidenciavel-tucano-tem-a-oferecer-em-politica-externa-21094505.html 


Apesar das dificuldades para consolidar sua campanha dentro do PSDB e decolar nas pesquisas de intenções de voto, Doria pode usar CoronaVac para se promover como melhor candidato para política externa brasileira. 
Depois de prévias tumultuadas no PSDB, que contaram com acirrada disputa interna e até ataques de hackers, o governador de São Paulo, João Doria, luta para consolidar sua pré-campanha à presidência da República. 
Com desempenho desanimador nas pesquisas de intenção de votos, os caciques do partido teriam colocado um "prazo de validade" à candidatura de Doria, de acordo com o jornal Correio Brasiliense. 
O governador de São Paulo teria até março para decolar nas pesquisas, sob pena de perder apoio interno do partido. Para melhorar sua posição na corrida ao Palácio do Planalto, Doria anunciou agenda de viagens pelo Brasil e reuniões com líderes do agronegócio e empresariado. 
Além disso, a equipe econômica do tucano, que conta com economistas como Henrique Meireles, Zeina Latiff, Ana Carla Abraão e Vanessa Rahal Canado, foi anunciada em dezembro. 
Assessores de Doria acreditam que o pré-candidato tem um trunfo perante seus adversários: o sucesso no desenvolvimento e produção da CoronaVac no estado de São Paulo, empreitada que beneficiou a campanha de vacinação nacional. 
Governador de São Paulo, João Doria, com vacina CoronaVac, 22 de agosto de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 20.01.2022
Governador de São Paulo, João Doria, com vacina CoronaVac, 22 de agosto de 2021
Essa carta na manga de Doria indica que o setor de política externa poderá gerar dividendos na sua campanha. 

"Doria deve trazer a questão das vacinas para os debates [da campanha presidencial de 2022]", disse o doutorando em Ciência Política (UFSC) e membro do Núcleo de Estudos em Comportamento e Instituições Políticas (NECIP), Gabriel Mendes, à Sputnik Brasil. "Essa foi uma grande negociação internacional que ele liderou, diretamente com a China." 

Para Mendes, o tucano deve enfatizar que, apesar de a China ser um país comunista, ela teve altivez e neutralidade para negociar a obtenção da vacina, em prol do povo paulista e brasileiro. Doria ainda deve capitanear na atuação internacional do governo paulista. 
O governo do estado de São Paulo acaba de inaugurar um escritório de representação na América do Norte, sediado em Nova York, nos EUA, em prática conhecida como "paradiplomacia"
"A paradiplomacia é quando entes não federais, como prefeituras, estados, ou o legislativo, fazem negociações com outros entes políticos internacionais não federais", disse Mendes. "Doria é muito afeito a isso." 

Prefeito de São Paulo, João Dória, visita o papa Francisco - Sputnik Brasil, 1920, 20.01.2022
Prefeito de São Paulo, João Dória, visita o papa Francisco
O Palácio dos Bandeirantes ainda comanda representações em Munique, na Alemanha, Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e em Xangai, na China, no âmbito do projeto InvestSp. 

Política de Defesa 

De acordo com Mendes, a política externa proposta por Doria poderá ser mais alinhada com os Estados Unidos do que aquelas propostas por Lula ou Ciro. 

"Ainda que não proponha o alinhamento subordinado que vemos com o governo Bolsonaro [...] Doria se voltaria novamente aos EUA, talvez dando um pouco às costas para as relações Sul-Sul, como os outros governos do PSDB fizeram", acredita o especialista. 

Nesse sentido, haveria baixa possibilidade de retomada de projetos de integração da América do Sul, como a UNASUL, durante um eventual governo Doria. "Sob um governo do PSDB, não vejo possibilidade de retomada da UNASUL [...] porque se trata de um projeto de alinhamento regional na área de defesa", garante Mendes. 
O especialista lembra que a política de defesa nacional brasileira foi alterada durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, para adquirir um caráter de parceria em relação aos vizinhos sul-americanos. 

Sede da UNASUL, em Quito: países da região não puderam chegar a um consenso em relação à participação da Venezuela na organização, levando a sua paralisação - Sputnik Brasil, 1920, 20.01.2022
Sede da UNASUL, em Quito: países da região não puderam chegar a um consenso em relação à participação da Venezuela na organização, levando a sua paralisação
"Antes, tínhamos uma política de defesa nacional que considerava cenários de guerra com Argentina e Uruguai", lembra Mendes. "Isso tudo o PT alterou, e hoje a política de defesa é voltada para os vizinhos no sentido de formar uma parceria. [...] E esse é o objetivo central da UNASUL." 
Segundo ele, "o PSDB não está de acordo, está incomodado com a política nacional de defesa brasileira", e deve propor a sua alteração, como o fez durante as campanhas presidenciais de 2014 e 2018. 

De volta para o futuro 

Especialista em política externa partidária, Mendes sugere que a atuação internacional de um eventual governo Doria se assemelhe à política conduzida durante o governo de Michel Temer, entre maio de 2016 e 1º de janeiro de 2019. 
Durante esse governo, o PSDB ficou a cargo da política externa brasileira e emplacou dois chanceleres: José Serra, entre de maio de 2016 a fevereiro de 2017, e Aloísio Nunes, de março de 2017 a janeiro de 2019. 
"Eu apostaria que o governo Doria seria uma continuação da política externa do governo Temer", declara Mendes. "Na época, o PSDB solicitou [a condução da política externa] porque viu ali uma grande vitrine de políticas que poderiam surtir efeito nas eleições de 2018." 
Uma das principais conquistas do governo Temer na área externa foi a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia, depois de mais de 20 anos de negociações. O acordo, no entanto, corre o risco de não ser ratificado, em função da oposição de países relevantes, como a França. 

Michel Temer, presidente do Brasil, na abertura da 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York - Sputnik Brasil, 1920, 20.01.2022
Michel Temer, presidente do Brasil, na abertura da 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York
"Acho que o PSDB retomaria a discussão do tratado com a União Europeia [...] e fortaleceria o Mercosul, que é considerado importante para a indústria brasileira", acredita Mendes. 
Já quando o assunto é a aliança com países como Rússia e China, em fóruns como o BRICS, Mendes é mais reticente. 
"Se avaliarmos pelo o que ocorreu no governo Temer, poderá haver um novo freio nas negociações com o BRICS. O PSDB é mais afeito a órgãos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), e países como os Estados Unidos. Prefere as relações hemisféricas", explica Mendes. 

Da esquerda para a direita, Xi Jinping, presidente da China, Vladimir Putin, presidente da Rússia, Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, e Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, após reunião do BRICS no Palácio do Itamaraty em Brasília, Brasil, 14 de novembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 20.01.2022
Da esquerda para a direita, Xi Jinping, presidente da China, Vladimir Putin, presidente da Rússia, Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, e Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, após reunião do BRICS no Palácio do Itamaraty em Brasília, Brasil, 14 de novembro de 2019
Além disso, uma política externa tucana poderia voltar a dar prioridade a países desenvolvidos do continente asiático, com destaque para o Japão. 

"Países da Ásia, principalmente Japão, sempre foram preferenciais nas políticas externas executadas pelo PSDB", lembra Mendes. "Então acredito em um resgate no investimento em países altamente capitalistas que deram certo, em detrimentos de áreas como América do Sul, África e Oriente Médio." 

Quando o assunto é política externa, João Doria pode estar mais bem posicionado do que o atual presidente, Jair Bolsonaro. Só nos resta saber se o tema está na pauta do eleitor brasileiro para 2022 e "se é um capital político importante em termos de voto", conclui o especialista.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Itamaraty; um mês da nova administração, o que há de novo? -

 Mudança pode ter sido cosmética': Carlos França completa 1 mês na chefia do Itamaraty

Sputnik, 06/05/2021

O chanceler, Carlos França, completa um mês na chefia do Ministério das Relações Exteriores do Brasil longe dos holofotes. O perfil discreto do novo chanceler contribui para uma mudança real na política externa brasileira?

Nesta quinta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, completa um mês na chefia da política externa brasileira.

Sua ascensão ao cargo se deu após grave crise entre o Itamaraty e o Legislativo, que forçaram a saída do então chanceler, Ernesto Araújo.

A gestão de Araújo foi culpada pelas dificuldades do Brasil em adquirir vacinas contra a COVID-19 internacionalmente, enquanto o novo coronavírus ceifava mais de três mil vidas diariamente.

O presidente, Jair Bolsonaro, optou por nomear o diplomata que chefiava o seu cerimonial, Carlos Alberto Franco França, para liderar o Ministério das Relações Exteriores.

Com perfil mais discreto, o novo chanceler parece ter retomado o tom polido característico das chancelarias ao redor do mundo.

Mas, sem poder para influenciar o presidente, França pode não realizar mudanças significativas na política externa brasileira.

"O Carlos Alberto França é um quadro interno do Itamaraty que pode até ser excelente, mas não tem força política dentro do governo", disse o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, Gilberto Maringoni, à Sputnik Brasil.

Maringoni lembra que Carlos Alberto França, antes de ser ministro, "não chegou a chefiar embaixadas ou ocupar postos de destaque". "Então a possibilidade de ele influenciar o Bolsonaro é muito pequena, até porque não sabemos se ele tem a capacidade de influenciar o próprio Itamaraty internamente", considerou.

Apesar da fragilidade política, a chegada de França traz alguns avanços concretos para a política externa brasileira.

"O principal ganho de termos o França no ministério é que já não há aquele tipo de balbúrdia, como acusações irresponsáveis contra a China pelo coronavírus, ou aquela postura negacionista que víamos com o Ernesto Araújo", ponderou.

Nesta semana, Carlos Alberto França compareceu à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, na qual apresentou os resultados de seu primeiro mês de mandato.

De acordo com Maringoni, França "fez um discurso razoavelmente longo, no qual sobretudo prestou contas sobre o andamento da diplomacia da vacina".

"É um discurso anódino, o que, no caso do Brasil, é um fator positivo. Antes um discurso anódino do que a postura negacionista que víamos anteriormente", considerou Maringoni.

No entanto, "por mais que o Carlos Alberto França possa ter diferenças em relação ao Ernesto Araújo, é muito difícil ele virar esse transatlântico que é a política externa brasileira", alertou o especialista.

Segundo ele, a política externa não é definida somente "pela diplomacia do Itamaraty", mas também pela "conduta econômica do Brasil conduzida pelo [ministro da Economia] Paulo Guedes, a questão do meio ambiente conduzida pelo [ministro do Meio Ambiente] Salles, e a própria diplomacia presidencial".

Portanto, sem uma mudança mais profunda nas políticas conduzidas pelo governo federal, a atuação internacional do Brasil não deve sofrer alterações significativas.

Um exemplo seria a atuação do Brasil na Cúpula do Clima convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, em meados de abril. 

"Na reunião sobre o clima, o Bolsonaro pode fazer um discurso civilizado, mas internamente não há mudança nenhuma", lamentou Maringoni.

Segundo ele, o governo segue adotando política que desfavorece o combate ao desmatamento na Amazônia e dificulta a fiscalização por parte dos órgãos competentes.

"Por isso, tenho receio de que a mudança no Itamaraty com o Carlos Alberto França seja cosmética, como foi a troca no Ministério da Saúde do general Pazuello pelo ministro Queiroga", notou o especialista.

Segundo ele, apesar de Queiroga se apresentar como um perfil mais aberto ao diálogo, a política de saúde do governo Bolsonaro não sofreu nenhuma alteração de monta. 

"O que mudou com o Queiroga no Ministério da Saúde? Mudou que temos um sujeito civilizado na chefia da pasta, mas a política brasileira continua sendo de cortes no orçamento do Sistema Único de Saúde [SUS]", apontou.

"No Itamaraty podemos estar vendo isso também. Não tem uma mudança operacional, temos uma mudança no verbo, na fala, e não uma mudança efetiva nas ações", disse Maringoni.

O especialista chama a atenção para a atuação do Itamaraty no caso recente de El Salvador.

Em 2 de maio, a destituição de cinco juízes da Suprema Corte de El Salvador por parte do presidente do país, Nayib Bukele, foi considerada, por muitos países, como uma tentativa de golpe parlamentar.

"Os EUA, assim como diversos outros países, imediatamente condenaram o ocorrido como uma escalada antidemocrática", relatou Maringoni. "Mas o Itamaraty não se pronunciou até agora."

O deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), apoiou a destituição ao publicar postagem em rede social, comemorando a decisão do presidente salvadorenho.

Por um lado, "forças políticas dentro do Brasil caminham na direção de fazer coro com El Salvador, por outro, países democráticos condenam a destituição dos juízes, e, no meio disso, o Itamaraty permanece paralisado", ilustrou Maringoni.

Para ele, o caso de El Salvador é ilustrativo do atual momento que vive o Ministério das Relações Exteriores brasileiro.

"É justamente durante acontecimentos que colocam em choque a atuação internacional do Brasil e a diretriz autoritária do governo Bolsonaro que veremos qual será o comportamento do Itamaraty", explicou o especialista.

Por enquanto, é necessário monitorar qual o real impacto da chegada de um chanceler com perfil mais polido na chancelaria.

"É claro que é melhor termos uma pessoa com ares civilizados no comando do Itamaraty, mas isso não pode ser interpretado como uma mudança de política externa", alertou o especialista.

Nesta quinta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, comemora um mês de permanência no cargo, considerado essencial para o acesso a vacinas e produtos médicos para combater a pandemia de COVID-19 no país. O Brasil confirmou mais 2.791 mortes e 75.652 casos de COVID-19, totalizando 414.645 óbitos e 14.936.464 vítimas fatais, informou o consórcio entre secretarias estaduais de saúde e veículos de imprensa.

https://br.sputniknews.com/opiniao/2021050617471355-mudanca-pode-ter-sido-cosmetica-carlos-franca-completa-1-mes-na-chefia-do-itamaraty/


terça-feira, 12 de maio de 2020

Grosserias de Ernesto Araújo empurram o Brasil para a irrelevância, diz embaixador - CEBRI

Grosserias de Ernesto Araújo empurram o Brasil para a irrelevância, diz embaixador

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores

Sputnik - O presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, foi embaixador do Brasil na Argentina, Japão e China, entre outros países, além de ter sido secretário de Assuntos Estratégicos do Ministério das Relações Exteriores.
À Sputnik Brasil, Neves defendeu a nota publicada pelo Cebri no último sábado (9), na qual os rumos da política externa brasileira sob o governo do presidente Jair Bolsonaro são criticados.
Entre outras afirmações, o documento se refere a "um acumulado de erros recentes e que atingiram agora um patamar de disfuncionalidade e de prejuízo para o país ao seguir o caminho oposto do que seria natural durante a crise provocada pelo novo coronavírus".
"[O que motivou a nota] foi a disfuncionalidade crescente da política externa brasileira está tendo como consequência a irrelevância da atuação internacional do governo brasileiro, o que é grave e altamente prejudicial aos interesses brasileiros", disse Neves à Sputnik Brasil.
O presidente emérito do Cebri é um dos 27 signatários do comunicado, que ressalta que "em datas recentes o governo brasileiro, através do Itamaraty [...] tem feito declarações gratuitas e inconsequentes, proferido votos e adotado posições que nos enfraquecem e isolam sem com isso, de forma alguma, fortalecer a defesa de nossos interesses".
"Se acumulam as queixas e ressentimentos com posições nossas que se desviam de nossa longa tradição de cooperação construtiva com a sociedade internacional. Tudo isso tem um preço que pode vir a nos ser cobrado quando mais precisamos de uma coisa que já tínhamos merecidamente conquistado e que era o mais amplo respeito da sociedade internacional que via no Brasil um parceiro amistoso, confiável e, acima de tudo, generoso", acrescentou a nota.
Neves pontuou que parece claro que a política externa brasileira esteja sem rumo, "com algumas manifestações esparsas, grosseiras e inconsequentes". Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o diplomata não mencionou diretamente, mas o órgão lida com o maior parceiro comercial do Brasil, o mesmo atacado por ministros e filhos de Bolsonaro recentemente.
"Além das 'declarações gratuitas e inconsequentes', o Brasil tende à pior forma de isolamento, que é aquele decorrente da irrelevância de sua atuação em suas relações internacionais; acrescente-se a conduta errática de algumas autoridades em relação a países com os quais o Brasil tem parcerias estratégicas relevantes para o maior interesse nacional, que é o de promover seu desenvolvimento econômico e social", completou o ex-embaixador.
Na sexta-feira (8), vários ex-chanceleres brasileiros – incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – divulgaram em jornais de grande circulação um manifesto contra a atual situação do Itamaraty, que é associado mais ao alinhamento automático com os EUA e o negacionismo do que com o multilateralismo que sempre regeu a política externa do país.
Em resposta, Ernesto Araújo usou as suas redes sociais e atacou tanto o manifesto quanto a nota do Cebri. O chanceler recentemente foi criticado por associar a China à covid-19, tecendo o termo "comunavírus" para associar a pandemia a um suposto levante comunista no planeta.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Diplomacia bolsonarista afeta interesses comerciais brasileiros - José Luiz Tejon (Sputnik)

A inacreditável política externa olavo-bolsonarista, a medíocre diplomacia terraplanista estão ameaçando os interesses comerciais brasileiros.
Paulo Roberto de Almeida

'É intolerável falar gracinhas e arriscar negócios', diz analista sobre relação do Brasil com Irã

Alinhamento do Brasil aos EUA gera "desconfiança" no Irã e pode afetar vendas brasileiras para país persa, mas "bom senso deve prevalecer" ao invés das "bravatas", disse especialista em agronegócio à Sputnik Brasil.

O posicionamento da diplomacia brasileira de apoio aos Estados Unidos no caso do assassinato do general Qassem Soleimani, morto em um bombardeio ordenado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, gera especulações de possíveis represálias comerciais por parte de Teerã ao Brasil.
Perder uma fatia desse mercado causaria impacto nas exportações brasileiras. O Irã é hoje o 4º maior comprador de alimentos do Brasil, com gastos de US$ 2,2 bilhões no ano passado, principalmente milho, soja, farelo de soja, carne bovina e açúcar.
Para o especialista em agronegócio José Luiz Tejon, professor da Fundação Escola de Comércio Armando Álvares Penteado (Fecap), qualquer situação política e diplomática envolvendo o Irã é "muito sensível", por isso o  governo deveria se "preocupar mais em fazer o país e o PIB crescerem", ao invés de gastar energia com conflitos "ideológicos" e que não interessam ao agronegócio brasileiro.

'Brasil só deveria ter uma preocupação: aumentar PIB'

"O Brasil só deveria ter uma preocupação, que é seríssima e devia nortear completamente a cabeça dos lideres brasileiros, nós temos que aumentar o PIB, hoje na ordem de 1,8 trilhão, ridículo para o tamanho de um país como o Brasil", disse Tejon.
A Argentina, que se mantém neutra na briga entre EUA e Irã, é quem poderia sair beneficiada, abocanhando parte das importações iranianas.
Negociações entre Irã e Argentina vem ocorrendo desde outubro e devem se intensificar com a ida de empresários argentinos, a maioria de setor agropecuário, para Teerã. A missão é coordenada pelo Bripaem, bloco composto por sete países da América do Sul, incluindo o Brasil.
Segundo Tejon, o comportamento brasileiro gera "desconfiança do cliente [Irã] com relação ao que o fornecedor pode fazer [Brasil]".
"O governo iraniano, quando o governo brasileiro se posiciona a lado de seu maior inimigo, os Estados Unidos, fica preocupadíssimo. Espero que o Brasil não faça isso, mas já houve embargos de comida na história da humanidade. O governo está dominado pelo Trump, daqui a pouco poder ter um embargo americano e o Brasil entra junto, o que seria uma aberração", disse o jornalista e publicitário.

'Argentina está aqui do lado'

"Em contrapartida, a Argentina está aqui do lado, ela que também foi desnecessariamente desafiada por razões ideológicas pelo Brasil, com a economia numa encrenca e precisando ir atrás de negócios", acrescentou.
Com preocupação, o professor lembrou que o Brasil sedia entre 4 e 6 de fevereiro, em Brasília, uma reunião do Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitárias e de Refugiados, que tem como uma de suas pautas buscar um maior isolamento comercial do Irã.
"É absolutamente impertinente, desnecessário e intolerável o Brasil ficar falando gracinhas e colocar em risco negócios", criticou Tejon. Para ele, o governo brasileiro tem uma "paixão esquisita" pelos EUA, pois apresenta saldo comercial desfavorável com o país, enquanto a "conta com chineses, asiáticos e islâmicos é positiva".

'Uma coisa é o Trump, outra é o Brasil'

"Uma coisa é o Trump, dono de uma economia de 20 trilhões de dólares, arrotar para o mundo. Outra coisa é o Brasil, que precisa crescer, precisa dobrar o tamanho de seu agronegócio, precisa arrumar cliente e de mercados internacionais", disse Tejon.
Apesar das críticas, ele acredita que o agronegócio brasileiro não é "facilmente substituível" e o "bom senso prevalecerá", e não "bravas estúpidas".
"Se analisarmos todo a vida pré-eleitoral e o ano de 2019, é um fala fala, mas no fundo acaba prevalecendo o bom senso", ponderou.

'Trabalho hercúleo' da ministra Tereza Cristina

Segundo ele, grande parte desse pragmatismo se deve ao "trabalho hercúleo" da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
"Ela tem sido uma tremenda diplomata, apagado uma série de focos incendiários", disse o professor sobre série de viagens internacionais que a ministra tem feito para abrir mercados ao Brasil.
Para ilustrar seu posicionamento, José Luiz Tejon finaliza com uma corruptela de um verso do escritor português Luís de Camões.
“Quem faz a guerra, não faz o comércio”, disse.
O verso original, de Os Lusíadas, é “quem não quer comércio, busca a guerra”.
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