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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A diplomacia ultra pessoal de Lula é um problema para a diplomacia profissional: Lula e o clube dos autoritários - Lourival Sant’Anna (OESP)

Introdução PRA:

A antiga diplomacia lulopetista (2003-2010) também tinha uma grande carga de personalismo de quem se acreditava o melhor de todos os diplomatas, com seus improvisos que frequentemente desprezavam os discursos burocraticamente bem escritos pelo Itamaraty. Mas ela conseguia preservar certo equilíbrio de racionalidade ideológica entre os três grandes formuladores e executores: Lula, Amorim e Marco Aurélio Garcia.

O que temos atualmente é personalismo em estado puro, sem qualquer controle de seres mais racionais, uma altíssima dose de histrionismo à base do “eu sei, eu faço”, que beira a loucura nos improvisos destrambelhados, o que prejudica enormemente a diplomacia profissional, o que era mais raro nos dois mandatos anteriores. O touro está solto e investe contra suas miragens e obsessões pessoais. Ainda não percebeu que prejufica a si próprio, ao país, e ninguém tem coragem para lhe dizer na cara: “Pare com as invectivas improvisadas!” Vai ser triste.

Lourival Sant’Anna demonstra cabalmente como Lula está fazendo mal a si próprio e ao pais. E isso começou lá atrás, ainda na campanha, no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Pode continuar de maneira dramática para nós no caso de uma guerra de agressão da Venezuela contra a Guiana. Lula não têm conhecimento, nem estatura de estadista para conduzir a diplomacia da nação: ele está destruindo a sua reputação e credibilidade, a da diplomacia (ele nunca as teve, a não ser pelas mentiras populistas e altamente demagógicas, servidas e apoiadas por um bando de cortesãos mediocres e temerosos).

Paulo Roberto de Almeida 

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Lula ainda não percebeu que o mundo já se deu conta de sua minúscula estatura internacional, um ‘anão diplomático’, nas palavras de um porta-voz da chancelaria israelense em 2014. Uma das consequências disso foi a longa espera dos 34 brasileiros para sair da Faixa de Gaza, enfim encerrada hoje.

PS: o artigo foi publicado antes das notícias da saída deles esta manhã. (Walmir Buzzatto)

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Lula e o clube dos autoritários

Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo, 

12 de nov. de 2023

As manifestações de simpatia do presidente Lula pelos regimes do Irã, Rússia, China e Venezuela podem colocar em risco a segurança de cidadãos brasileiros e a reputação do País. Isso ficou claro mais uma vez na forma como os brasileiros ficaram no fim da fila de autorizações de saída da Faixa de Gaza e na revelação da Polícia Federal de que o Hezbollah poderia estar tramando ataques no Brasil.

Dez dias depois das atrocidades cometidas pelo Hamas em Israel, Lula telefonou para o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, para discutir a crise e a autorização para a saída dos 34 brasileiros e parentes. O Irã patrocina o Hamas e o Hezbollah. É o principal inimigo de Israel e adversário também do Egito, os dois países que têm a chave do posto de fronteira de Rafah.

SIGILO. A principal inimiga da ditadura militar egípcia, a Irmandade Muçulmana, inspirou a criação do Hamas, em 1987, e é sua aliada, com presença estratégica na Península do Sinai, que liga o Egito à Faixa de Gaza.

Se o presidente acreditava que essa gestão era absolutamente imprescindível para obter do Hamas a liberação dos brasileiros, ele deveria ter mantido a conversa em sigilo. Entretanto, como tem feito também em relação a outros governantes que desafiam o status quo e o direito internacionais, Lula fez alarde sobre a aproximação.

Aparentemente, o propósito era demonstrar sua estatura internacional e capacidade de articulação. Além disso, em uma live inflamada, Lula chamou de “insanidade” o bombardeio israelense à Faixa de Gaza. Para completar, o assessor do presidente para assuntos internacionais, Celso Amorim, acusou Israel de “genocídio”, em conferência internacional em Paris, na quinta-feira.

CRIMES. A discussão aqui não é isentar um dos lados do conflito. Como disse Volker Türk, comissário da ONU para os direitos humanos, tanto o Hamas quanto Israel cometeram crimes de guerra no mês que passou. É melhor deixar isso na boca de um especialista como ele. E, definitivamente, evitar palavras com uma grande carga de acusação.

No auge da crise nuclear iraniana, Lula tratava o então presidente Mahmoud Ahmadinejad como amigo. Junto com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, outro autocrata violador de direitos humanos, Lula negociou uma suposta solução para a crise que só atendia aos interesses iranianos.

Em 2014, durante uma das cinco guerras que o Hamas provocou com Israel, a então presidente Dilma Rousseff convocou seu embaixador de volta de Tel-Aviv, por considerar os bombardeios israelenses à Faixa de Gaza desproporcionais. Um porta-voz da chancelaria de Israel chamou o Brasil de “anão diplomático”.

O histórico de atritos entre Israel e os governos petistas contrasta com o período róseo do governo de Jair Bolsonaro,

interessado em agradar sua base evangélica. Essa corrente se identifica com o Velho Testamento, que define os judeus como povo escolhido, e profetiza que, quando eles construírem o Terceiro Templo em Jerusalém, o Messias voltará para o Juízo Final.

A exemplo de Donald Trump, Bolsonaro prometeu transferir a embaixada de TelAviv para Jerusalém, o que viola a lei internacional. Segundo inúmeras resoluções da ONU, Israel ocupa Jerusalém ilegalmente e o status final da cidade será negociado junto com a criação de um Estado palestino. Bolsonaro recuou por causa da reação negativa do mundo árabe, importante destino das exportações brasileiras.

PREFERÊNCIA. A predileção de Israel por Bolsonaro foi explicitada pelo encontro, na terça-feira, do embaixador israelense Daniel Zohar Zonshine com o ex-presidente e deputados de direita na Câmara, aonde ele foi mostrar vídeos dos ataques do Hamas. O encontro violou a etiqueta diplomática e azedou de vez as relações entre os dois governos.

Com cerca de 7 mil palestinos com dupla nacionalidade desesperados para deixar a Faixa de Gaza bombardeada há mais de um mês, Israel e Egito priorizaram os cidadãos de países amigos, ou pelo menos que não sejam gratuitamente hostis. Funcionários israelenses garantiram publicamente que Israel não interferia na seleção dos cidadãos. Tanto não era verdade que foi o chanceler de Israel, Eli Cohen, que comunicou o do Brasil, Mauro Vieira, que os brasileiros tinham sido finalmente autorizados a sair. O órgão israelense encarregado dessa tarefa é a Coordenação das Atividades do Governo nos Territórios (Cogat).

ATENTADOS. O Hezbollah é acusado de ter cometido, com apoio de agentes iranianos, dois atentados a bomba nos anos 90 em Buenos Aires, contra a Embaixada de Israel e a Associação Mutual Israelita Argentina, que deixaram um total de 115 mortos.

Alberto Nisman, um dos procuradores do caso, acusou em 2015 a então presidente Cristina Kirchner de tentar acobertar o envolvimento do Irã. Horas antes de apresentar evidências disso ao Congresso argentino, ele foi morto com um tiro na cabeça em seu apartamento.

Lula é muito próximo de Kirchner, além do próprio Irã e de seus principais aliados: China, Rússia e Venezuela. Isso poderia servir de incentivo para Hezbollah e Irã agirem no Brasil, com a expectativa, mesmo que injustificada, de contar com a complacência do governo. Reputação é algo muito importante, e indissociável da segurança. •

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Sobre a postura política de diplomatas - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre um questionamento várias vezes feito em relação à postura política dos diplomatas

Paulo Roberto de Almeida

A maior parte, a quase totalidade dos diplomatas da ativa estava e encontra-se absolutamente silente, intimidados que foram pelas atitudes truculentas do ex-chanceler acidental e dos “novos bárbaros” do bolsonarismo. Devo ser o único a me manifestar, além de alguns poucos aposentados (entre eles e de forma excepcional do embaixador Rubens Ricupero).

Quanto a mim, apenas um comentário: antes de ser um diplomata, sou um cidadão, consciente de minhas responsabilidades para com a nação, para com a sociedade, depois, muito depois, para com o Estado e, em último lugar, para com o governo.

Repito o que já disse dezenas de vezes: não deixo o cérebro em casa quando vou trabalhar, nem o deposito na portaria quando adentro no trabalho. Nunca deixei de expressar minha opinião sobre temas de trabalho, sem qualquer intimidação pela regra dogmática da “disciplina rme da hierarquia”. 

Paguei um alto preço por essa postura, mas fiquei em paz com minha consciência, sem qualquer restrição de tipo oportunista ou carreirista.

Meu último livro sobre esse ciclo horroroso do bolsolavismo diplomático chama-se, apropriadamente, O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 (em formato e-book no Kindle via Amazon.com.br).

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Itamaraty; um mês da nova administração, o que há de novo? -

 Mudança pode ter sido cosmética': Carlos França completa 1 mês na chefia do Itamaraty

Sputnik, 06/05/2021

O chanceler, Carlos França, completa um mês na chefia do Ministério das Relações Exteriores do Brasil longe dos holofotes. O perfil discreto do novo chanceler contribui para uma mudança real na política externa brasileira?

Nesta quinta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, completa um mês na chefia da política externa brasileira.

Sua ascensão ao cargo se deu após grave crise entre o Itamaraty e o Legislativo, que forçaram a saída do então chanceler, Ernesto Araújo.

A gestão de Araújo foi culpada pelas dificuldades do Brasil em adquirir vacinas contra a COVID-19 internacionalmente, enquanto o novo coronavírus ceifava mais de três mil vidas diariamente.

O presidente, Jair Bolsonaro, optou por nomear o diplomata que chefiava o seu cerimonial, Carlos Alberto Franco França, para liderar o Ministério das Relações Exteriores.

Com perfil mais discreto, o novo chanceler parece ter retomado o tom polido característico das chancelarias ao redor do mundo.

Mas, sem poder para influenciar o presidente, França pode não realizar mudanças significativas na política externa brasileira.

"O Carlos Alberto França é um quadro interno do Itamaraty que pode até ser excelente, mas não tem força política dentro do governo", disse o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, Gilberto Maringoni, à Sputnik Brasil.

Maringoni lembra que Carlos Alberto França, antes de ser ministro, "não chegou a chefiar embaixadas ou ocupar postos de destaque". "Então a possibilidade de ele influenciar o Bolsonaro é muito pequena, até porque não sabemos se ele tem a capacidade de influenciar o próprio Itamaraty internamente", considerou.

Apesar da fragilidade política, a chegada de França traz alguns avanços concretos para a política externa brasileira.

"O principal ganho de termos o França no ministério é que já não há aquele tipo de balbúrdia, como acusações irresponsáveis contra a China pelo coronavírus, ou aquela postura negacionista que víamos com o Ernesto Araújo", ponderou.

Nesta semana, Carlos Alberto França compareceu à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, na qual apresentou os resultados de seu primeiro mês de mandato.

De acordo com Maringoni, França "fez um discurso razoavelmente longo, no qual sobretudo prestou contas sobre o andamento da diplomacia da vacina".

"É um discurso anódino, o que, no caso do Brasil, é um fator positivo. Antes um discurso anódino do que a postura negacionista que víamos anteriormente", considerou Maringoni.

No entanto, "por mais que o Carlos Alberto França possa ter diferenças em relação ao Ernesto Araújo, é muito difícil ele virar esse transatlântico que é a política externa brasileira", alertou o especialista.

Segundo ele, a política externa não é definida somente "pela diplomacia do Itamaraty", mas também pela "conduta econômica do Brasil conduzida pelo [ministro da Economia] Paulo Guedes, a questão do meio ambiente conduzida pelo [ministro do Meio Ambiente] Salles, e a própria diplomacia presidencial".

Portanto, sem uma mudança mais profunda nas políticas conduzidas pelo governo federal, a atuação internacional do Brasil não deve sofrer alterações significativas.

Um exemplo seria a atuação do Brasil na Cúpula do Clima convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, em meados de abril. 

"Na reunião sobre o clima, o Bolsonaro pode fazer um discurso civilizado, mas internamente não há mudança nenhuma", lamentou Maringoni.

Segundo ele, o governo segue adotando política que desfavorece o combate ao desmatamento na Amazônia e dificulta a fiscalização por parte dos órgãos competentes.

"Por isso, tenho receio de que a mudança no Itamaraty com o Carlos Alberto França seja cosmética, como foi a troca no Ministério da Saúde do general Pazuello pelo ministro Queiroga", notou o especialista.

Segundo ele, apesar de Queiroga se apresentar como um perfil mais aberto ao diálogo, a política de saúde do governo Bolsonaro não sofreu nenhuma alteração de monta. 

"O que mudou com o Queiroga no Ministério da Saúde? Mudou que temos um sujeito civilizado na chefia da pasta, mas a política brasileira continua sendo de cortes no orçamento do Sistema Único de Saúde [SUS]", apontou.

"No Itamaraty podemos estar vendo isso também. Não tem uma mudança operacional, temos uma mudança no verbo, na fala, e não uma mudança efetiva nas ações", disse Maringoni.

O especialista chama a atenção para a atuação do Itamaraty no caso recente de El Salvador.

Em 2 de maio, a destituição de cinco juízes da Suprema Corte de El Salvador por parte do presidente do país, Nayib Bukele, foi considerada, por muitos países, como uma tentativa de golpe parlamentar.

"Os EUA, assim como diversos outros países, imediatamente condenaram o ocorrido como uma escalada antidemocrática", relatou Maringoni. "Mas o Itamaraty não se pronunciou até agora."

O deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), apoiou a destituição ao publicar postagem em rede social, comemorando a decisão do presidente salvadorenho.

Por um lado, "forças políticas dentro do Brasil caminham na direção de fazer coro com El Salvador, por outro, países democráticos condenam a destituição dos juízes, e, no meio disso, o Itamaraty permanece paralisado", ilustrou Maringoni.

Para ele, o caso de El Salvador é ilustrativo do atual momento que vive o Ministério das Relações Exteriores brasileiro.

"É justamente durante acontecimentos que colocam em choque a atuação internacional do Brasil e a diretriz autoritária do governo Bolsonaro que veremos qual será o comportamento do Itamaraty", explicou o especialista.

Por enquanto, é necessário monitorar qual o real impacto da chegada de um chanceler com perfil mais polido na chancelaria.

"É claro que é melhor termos uma pessoa com ares civilizados no comando do Itamaraty, mas isso não pode ser interpretado como uma mudança de política externa", alertou o especialista.

Nesta quinta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto Franco França, comemora um mês de permanência no cargo, considerado essencial para o acesso a vacinas e produtos médicos para combater a pandemia de COVID-19 no país. O Brasil confirmou mais 2.791 mortes e 75.652 casos de COVID-19, totalizando 414.645 óbitos e 14.936.464 vítimas fatais, informou o consórcio entre secretarias estaduais de saúde e veículos de imprensa.

https://br.sputniknews.com/opiniao/2021050617471355-mudanca-pode-ter-sido-cosmetica-carlos-franca-completa-1-mes-na-chefia-do-itamaraty/


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Um alerta sobre a deterioração de nossa política externa - Paulo Roberto de Almeida (junho 2020)

 Quatro meses atrás, e mais de um ano de política externa desastrosa, eu fazia um alerta a meus amigos e colegas diplomatas. Desde então a situação só se deteriorou, e a nossa imagem externa só se agravou.

Lamento pelo Brasil, pelo Itamaraty, pelos diplomatas profissionais, nesta ordem...

Paulo Roberto de Almeida


Meu alerta aos colegas: Uma reflexão e um alerta, em meio a um labirinto de incertezas

Paulo Roberto de Almeida

Junho de 2020

Creio ser de meu dever, sobretudo de ordem moral, como diplomata, alertar meus colegas — ou pelo menos todos aqueles que ainda não sucumbiram ao Zeitgeist e às misérias do momento — para o trabalho em curso de destruição dos fundamentos conceituais e operacionais de nossa instituição, o Itamaraty, assim como de desmantelamento das bases intelectuais e espirituais de nossa política externa, cujos padrões de trabalho — o multilateralismo e todos os princípios constitucionais que a sustentam — e os grandes valores e orientações de atuação, que sempre estiveram presentes em suas manifestações concretas, estão sendo sistematicamente solapados desde o início do presente governo. 

Não preciso lembrar que uma corporação de Estado, orgulhosa de suas realizações do passado, consciente de suas altas aspirações do presente, e desejosa de bem cumprir com suas obrigações perante as gerações do futuro, não deveria permanecer passiva em face dos ataques de insanidade política e de total incorreção diplomática que vêm sendo constantemente exibidos pela tropa de ineptos que desgoverna o país.

Nunca tive vocação para Cassandra, mesmo em momentos difíceis de ostracismo e isolamento, como também é o caso atualmente. Sempre registrei meu pensamento, minhas reflexões de momento e meus trabalhos mais analíticos em textos de variada dimensão e escopo, e os deixei à disposição dos interessados, como uma espécie de convite a um debate de qualidade sobre os rumos de nossa política externa e de nossa diplomacia, em meus canais de comunicação, em especial no meu quilombo de resistência intelectual que é o blog Diplomatizzando.

Não me recordo de jamais ter sentido a necessidade de formular um alerta dotado de tal gravidade, dirigido expressamente a meus colegas de carreira. Não creio que a História possa ser leniente com qualquer passividade e inação de nossa parte ante o trabalho de destruição que agora contemplamos. 

Vale!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 6/06/2020

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Diplomacia solidária para o pós-pandemia - Maria Celina de Azevedo Rodrigues


Diplomacia solidária para o pós-pandemia
Maria Celina de Azevedo Rodrigues*
O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 2020 | 06h30


Embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues. FOTO: DIVULGAÇÃO

Em determinadas ocasiões da história mundial, a diplomacia profissional é colocada à prova. O atual momento tem sido extremamente marcante para as relações internacionais. De um lado, nações e instituições de diferentes países se unem para a coordenação de uma série de esforços para o combate à covid-19, a exemplo da articulação de medidas para buscar uma vacina, assim como, por exemplo, em alguns países o fechamento de fronteiras que minimizaram a proliferação do contágio. Por outro lado, a tentação em encontrar culpados pelo surgimento do vírus e sua proliferação fragilizou ações urgentes de cooperação tanto nacionais quanto internacionais.
Após mais de cinco meses vivenciando o cenário de pandemia mundial, noto que o novo coronavírus deixou evidentes laços de solidariedade tanto entre as pessoas, quanto entre as nações. Por outro lado, vejo igualmente determinados Estados inclinados a quebrar importantes regras da diplomacia.
Um dos objetivos mais importantes da diplomacia é encontrar – sobretudo nos momentos de crise mundial mais acirrada – um “bare minimum” (da expressão em inglês para o mínimo necessário) para um relacionamento saudável entre as nações, com comunicação fluida, sem rompimentos que possam prejudicar ainda mais as pessoas. Esse é um dos maiores orgulhos e característica marcante da diplomacia brasileira, pois o Brasil é um dos poucos países que mantêm relações diplomáticas com quase todos os Estados do mundo.
Como presidente da entidade que congrega os mais de 1600 diplomatas brasileiros (ADB-Sindical), busquei contribuir, por meio de webinars, com o que a diplomacia brasileira é internacionalmente conhecida por fazer de melhor: promover diálogos que propiciem saídas para desafios e impasses aparentemente insolúveis. Com esse propósito, convidei autoridades, especialistas e influenciadores, nas mais diversas áreas estratégicas, que pudessem contribuir – com debates e posicionamentos plurais – na indicação de elementos para a construção de uma nova ordem mundial no pós-pandemia.
Os debates em torno de temas fundamentais para o desenvolvimento do país e para as relações com outras nações foram muito enriquecedores. Aportar diferentes visões – sobre o processo de repatriação de nacionais durante a pandemia, diplomacia comercial, retomada econômica, imagem do Brasil, direitos humanos, promoção cultural e relação com o meio ambiente – permitiu vislumbrar novos caminhos para a sociedade brasileira e sua inserção internacional.
Minha conclusão particular, após ouvir debatedores instigantes, é que a solidariedade é o princípio que deve nortear a atuação dos líderes mundiais e dos diplomatas, não apenas neste momento mais agudo da crise, como também no futuro. O diálogo, a tolerância, a empatia, o aprofundamento do conhecimento e, principalmente, a adoção de uma agenda conjunta devem pautar a reconstrução mundial e a criação de melhores condições de vida para todos. E nisso os diplomatas brasileiros têm ampla e longa experiência.
*Maria Celina de Azevedo Rodrigues é embaixadora e presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical), tendo sido chefe da embaixada brasileira em Bogotá, na Colômbia; cônsul-geral do Brasil, em Paris, na França e junto à representação brasileira para a Comunidade Europeia, em Bruxelas, na Bélgica

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O Senado e a diplomacia - Paulo Roberto de Almeida (versão original)

Eis abaixo a versão completa de meu artigo publicado de forma resumida na edição de ontem, 14/08/2019, no jornal O Estado de S.Paulo


O Senado e a diplomacia


Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, lotado na Divisão do Arquivo; professor no Uniceub, Brasília; organizador, com o embaixador Rubens Barbosa, do livro: Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências (São Paulo: Saraiva, 2012);
Publicado, em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/). Relação de Publicados n. 1319. 

Historicamente, durante décadas, chanceleres brasileiros foram selecionados dentre os parlamentares, na verdade por mais de um século, no Império e na maior parte da República. Eram recrutados mais na Assembleia Geral – a Câmara do Império – do que no Senado. Mas os senadores vitalícios prestavam relevantes serviços quando no Conselho de Estado, cuja área diplomática teve papel decisivo, ainda que meramente consultivo, no encaminhamento de processos decisórios que marcaram época nos anais de nossa diplomacia, com ênfase nos assuntos regionais – sobretudo no Prata – e nas relações com as grandes potências. Vale consultar os pareceres do Conselho, vários assinados por senadores, todos eles publicados.
Quando não eram parlamentares eram grandes tribunos, juristas, ou jornalistas e professores. O Visconde do Rio Branco combinava todas essas qualidades: chefe de governo, várias vezes ministro, instituiu o cargo de consultor jurídico na antiga Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, iniciativa retomada por seu filho no Ministério das Relações Exteriores da República. O Parlamento preservava inteira autonomia e controlava de perto os atos do ministro, como na recusa do acordo que o primeiro chanceler republicano, Quintino Bocaiúva, fez com a Argentina, pelo qual ela abocanharia boa parte do atual território de Santa Catarina. Ruy Barbosa, antigo membro do Conselho de Estado, primeiro ministro da Fazenda da República, senador, não foi chanceler, mas desempenhou funções diplomáticas, a mais famosa delas como delegado na segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907.
O sucessor do Barão do Rio Branco, Lauro Muller, era parlamentar, assim como Nilo Peçanha e também Epitácio Pessoa, senador, designado chefe da delegação às negociações de paz de 1919, aliás, eleito presidente mesmo estando em Paris. Oswaldo Aranha (embaixador em Washington antes), Afonso Arinos de Mello Franco, San Tiago Dantas, foram brilhantes parlamentares que serviram como chanceleres, assim como, mais recentemente, os senadores Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes.
Chefes de missões diplomáticas, embora mais raramente, podiam ser designados dentre notáveis nomes da política ou da magistratura. No Império e na República velha, os diplomatas no exterior formavam uma carreira distinta da dos funcionários da Secretaria de Estado, e ambas da dos cônsules, que eram considerados simples negociantes de “secos e molhados”. As carreiras foram unificadas nos anos 1930; desde então, missões permanentes no exterior foram tradicionalmente ocupadas por funcionários de carreira. Ainda assim, tivemos um “barão” da imprensa – Assis Chateaubriand, em Londres –, e um banqueiro, Walter Moreira Salles, duas vezes embaixador em Washington. Mas sempre sob o rigoroso escrutínio da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Esta chegou a recusar uma ou outra designação – sequer chamou para sabatina um preferido do general Ernesto Geisel – e, mais recentemente, recusou aprovação a um outro nome, justamente por considerar que havia abuso de parentesco (era irmão do ministro da vez, diplomata).
A tendência de se designar diplomatas de carreira como chanceleres – limitada nos regimes anteriores – se ampliou durante o período militar, com uma sobrevida temporária durante os governos do PT. No período de transição voltaram os senadores, e outros haveria para o exercício do cargo, mas o governo Bolsonaro preferiu um diplomata de carreira, aliás, um que jamais foi embaixador – ou seja, chefe de missão permanente – ou que tenha exercido relevantes serviços na diplomacia. Agora, cogita nomear alguém totalmente sem experiência nas lides internacionais como representante diplomático junto à mais importante embaixada do Brasil no exterior. A Comissão de Relações Exteriores jamais se defrontou com um caso desse tipo, tanto mais inédito por se tratar de nepotismo explícito, ou de claro “filhotismo”.
Não existem precedentes na carreira, ou fora dela, embora filhos de presidentes ou de ministros tenham exercido chefias de postos. Um – Rodrigues Alves Filho –, foi admitido depois da morte do pai; outro – Afonso Arinos, filho –, sem conexão com as funções eletivas do pai e a despeito delas: como é a norma desde 1946, ele e todos os outros têm de passar no concurso do Instituto Rio Branco. Alguns, educados no exterior, nunca lograram êxito nos exames, notoriamente difíceis, talvez por deficiências no Português. Seria de se presumir que o atual indicado seja um exímio conhecedor das relações internacionais, tenha domínio perfeito do inglês e de várias outras matérias, além de uma boa familiaridade com a agenda diplomática brasileira e mundial, que é o que se exige nos concursos de admissão. Ele já tentou alguma vez?
Não considerando o aspecto moral da indicação – segundo a senadora Simone Tebet um “erro estratégico” do presidente –, resta a questão, a ser cuidadosamente examinada pelos senadores, da capacidade do indicado para tal função. Cabe registrar seu notório apreço pelo atual presidente americano – visível em visitas com o boné da reeleição –, o que já seria um impedimento substantivo a um seguimento isento, independente, das políticas daquele país. Não se trata apenas da hipótese de um opositor ser eleito em novembro de 2020, mas do diálogo que se deve manter com amplos setores da sociedade americana, cuja maioria urbana e mais educada esmagou, com milhões de votos, o vencedor no colégio eleitoral.
Que tipo de informação objetiva – que é o mínimo que se espera de um embaixador – poderá oferecer à chancelaria brasileira, contendo uma análise equilibrada das políticas de um governo com o qual está empaticamente identificado? Como seria ele visto na Câmara, atualmente dominada por uma maioria de oposição ao presidente? Como vai ser com os diplomatas profissionais, dotados de maior experiência em assuntos internacionais do que ele mesmo? E o que farão os ministros, conselheiros, secretários mais antigos, ao se defrontar com um chefe de posto notoriamente despreparado para tratar dos mais diversos assuntos da agenda bilateral, hemisférica e internacional, financeira, política e cultural, como é o caso dessa embaixada que vale quase por uma chancelaria inteira?
A CREDN-SF tem um imenso desafio pela frente, uma vez que o que está em causa é a própria credibilidade da diplomacia brasileira junto ao país com o qual já tínhamos relações ainda antes da independência, e laços formais desde 1824. O primeiro embaixador do Brasil, designado por Rio Branco em 1905, se chamava Joaquim Nabuco, elevado a essa categoria sem precedentes na diplomacia brasileira justamente para servir em Washington.

Brasília, 3/08/2019; publicado, em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/). Relação de Publicados n. 1319.