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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

ADB deve renovar sua diretoria, com a renúncia da presidente - Maria Celina de Azevedo Rodrigues

 Carta aos colegas [de Maria Celina de Azevedo Rodrigues, ex-presidente da ADB]

Representar os interesses de mais de 1.600 afiliados espalhados no território nacional e além-fronteiras foi um extraordinário desafio por mim enfrentado. Tive nessa empreitada a colaboração e a solidariedade de uma excepcional Diretoria, belo exemplo de diversidade, integrada por diplomatas capacitados e generosos que, assim como eu, dedicaram tempo e empreenderam incansáveis esforços para a valorização da carreira e, principalmente, para que melhores condições de trabalho fossem alcançadas para todos.

Por três mandatos consecutivos, busquei cumprir com a promessa lançada quando assumi a liderança da ADB: atuar não somente para solidificar e proteger a nossa carreira e os seus integrantes, mas também para resguardar e promover o Brasil no exterior – funções essenciais do diplomata.

Na minha carreira, superei diversos desafios. Conheci nações e seus povos, vivi e estudei novas culturas e aperfeiçoei meu trabalho como diplomata de forma a defender o nosso país e as necessidades de brasileiros e brasileiras lá fora. Em Bogotá, Cairo e Paris, servi ao Brasil com o mesmo entusiasmo. Foi também com energia e compromisso que, em 2018, encarei como uma nova missão a minha eleição à presidência da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical), entidade que ajudei a criar e da qual fui a primeira presidente, no início dos anos 1990.

Passamos por intempéries nesse período, mas acumulamos muitas vitórias. Atenta a temas de interesse da categoria, a ADB conseguiu fincar um posicionamento coeso em pautas como a PEC 34/21, que prevê que parlamentares possam chefiar missões diplomáticas sem a perda do mandato no Legislativo. 

Explicamos incansavelmente por que o teto salarial constitucional não deve ser aplicado de modo linear em Reais aos servidores em exercício no exterior. Realçamos as peculiaridades de nossa vida funcional nos países mais diversos. Procuramos mostrar as repercussões da opção profissional que escolhemos e os seus impactos para as nossas famílias, filhos e sua educação ao longo dos anos e das mudanças de cultura e de costumes. As adaptações não se restringem ao exterior: são exigidas aqui mesmo, em Brasília. A partir dessa constatação e do imperativo de buscar mitigar esses impactos, temos um Memorandum de Entendimento com a Creche do Ministério da Saúde, que tantos benefícios traz para os nossos servidores.

Lutamos pela concessão de auxílio-educação para servidores com filhos em idade escolar no exterior, em linha com a prática de outras chancelarias e do sistema da ONU, bem como por melhor assistência médica e maior segurança no exercício de nossa missão em defesa dos interesses do Brasil em solo estrangeiro. 

Entre as inúmeras gestões junto à administração, destaca-se a recente e ousada proposta encaminhada à Administração de revisão do nível salarial do diplomata, tanto no Brasil quanto no exterior, que visa corrigir a defasagem salarial dos integrantes da carreira em comparação com outras carreiras típicas de Estado.

Além dos aspectos funcionais, temos procurado também trazer benefícios no dia a dia de todos, como o convênio celebrado com escolas para filhos dos diplomatas no Brasil e com a Fundação Visconde de Cabo Frio que, entre outros serviços, oferece extenso apoio para colegas removidos, tanto na chegada quanto na partida.

Conseguimos avançar igualmente em outras frentes importantíssimas, como o mapeamento do perfil dos diplomatas para o real entendimento da diversidade na carreira, estudo hoje concluído. Vamos entregá-lo à Chefia da Casa e dar acesso aos associados na próxima semana. 

Defendemos o diplomata e o seu papel como funcionário de Estado. Falamos incansavelmente com a imprensa, instituição essencial nas democracias. Procuramos, a diretoria da ADB e eu mesma, informar sobre o que fazemos e defender as posições de interesse da carreira.

Passamos por períodos nos quais valorizar os aspectos democráticos do País foi não só um posicionamento institucional, mas também um imperativo para assegurar à sociedade brasileira sobre os princípios maiores que regem a atuação diplomática.

Situações inesperadas, como guerras e pandemia, exigiram de nós coragem e grandes iniciativas no sentido de dar à sociedade brasileira a confiança de contar inteiramente com nossos serviços. Divulgar nossa atuação de forma clara e desmistificada só nos aproximou da sociedade. Engajamo-nos na resposta ao clamor dos brasileiros mais necessitados mediante distribuição de cestas básicas nos locais mais pobres nos arredores de Brasília. Essa aproximação com a sociedade foi realizada graças ao excelente relacionamento que construímos com o respeitado universo do jornalismo brasileiro.

Resistimos à tormenta e, agora, deixamos uma ADB mais fortalecida e pronta para o que está por vir.  Eu, meus colegas da Diretoria e do Conselho Fiscal entendemos que é hora de dar espaço para o novo, para que novas ideias capazes de galvanizar a energia e inteligência dos que acreditam que o Itamaraty forte é elemento essencial para um Brasil mais justo e soberano.

A Casa, como carinhosamente muitos chamamos a instituição que nos acolhe, deve contar sempre com diplomatas que atuem com excelência e angariem o respeito da sociedade brasileira e da comunidade internacional.

Despeço-me da ADB com um sincero agradecimento a todos, particularmente aos meus colegas – e hoje amigos – das diversas Diretorias com as quais convivi pelo seu incansável apoio e dedicação.

Despeço-me também com a alegria e, sobretudo, a certeza de ter lutado por todos, com os recursos possíveis e sempre estimulando diretores, jovens ingressos na carreira, além dos mais experientes, durante todos os dias de minha atuação à frente da ADB/Sindical.

Levo comigo o bem maior que juntos construímos nesta gestão: 

#ORGULHO DE SER DIPLOMATA.


Maria Celina de Azevedo Rodrigues

Embaixadora

Presidente da ADB/Sindical

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

“PEC das embaixadas nos tornará párias”, diz presidente da ADB, Maria Celina de Azevedo Rodrigues - Guilherme Waltenberg (Poder 360)

 “PEC das embaixadas nos tornará párias”, diz diplomata 


Embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues diz que medida defendida por Davi Alcolumbre é invasão do Executivo pelo Legislativo

GUILHERME WALTENBERG
Poder 360, 05/11/2022

A embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, 80 anos, presidente da ADB (Associação dos Diplomatas Brasileiros), critica a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 34, que permite a congressistas assumirem cargos de embaixadores sem perderem o mandato.

Hoje, eles podem assumir o cargo, mas a condição é que abandonem a posição para a qual foram eleitos.

Trata-se, na avaliação dela e da maioria dos diplomatas, de uma medida profilática. Caso pessoas que foram eleitas para mandatos nos quais vão representar Estados assumam esse cargo, há o risco de as questões estaduais – consequentemente menores– dominem a pauta nacional.

Segundo ela, a PEC é uma invasão do Poder Executivo pelo Legislativo. Isso porque as relações exteriores são constitucionalmente uma missão do Executivo. E pode, em última instância, tornar o Brasil um “pária” nas relações exteriores pelas consequências como defesa de interesses locais e falta de habilidade no trato das relações com outros países.

“Se o Brasil aprovar essa PEC, aí sim a gente pode acabar virando uma espécie de pária

A proposta é de iniciativa do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.

Maria Celina foi embaixadora na Colômbia e cônsul-geral do Brasil em Paris. Está em seu 2º mandato como presidente da principal representação de diplomatas no país.

Para ela, a turbulência vivida na época em que Ernesto Araújo era ministro não foi suficiente para prejudicar de maneira definitiva a imagem da diplomacia brasileira. O motivo é a histórica fama positiva do Itamaraty no plano internacional.

Nesse sentido, ela diz que a atual gestão, de Carlos França, trouxe de volta a tranquilidade para a condução política do ministério.

“Ele [França] trouxe de volta uma certa  serenidade, uma falta bem-vinda de visibilidade. A diplomacia se exerce no silêncio, nos bastidores“, disse.

Leia trechos da entrevista:

Poder360: Embaixadora como a senhora avalia a diplomacia no governo de Jair Bolsonaro?
Maria Celina de Azevedo Rodrigues – A diplomacia do Itamaraty ao longo dos séculos se acostumou a ser uma carreira de Estado a serviço do Brasil. Sob o presidente Jair Bolsonaro, ou quem quer que seja, mantém um certo rumo, um profissionalismo dos diplomatas. Porque sendo uma carreira de Estado, nós representamos mais do que nunca os interesses do Brasil. Mudam tônicas, são sublinhadas outras prioridades, mas no final acaba tudo mais ou menos nivelado. Há uma coisa que não muda, que é a realidade, e ela acaba por se impor. Você pode querer isso ou aquilo, mas se você não declarar uma guerra, é muito difícil você mudar a essência das relações entre as nações. E nós vamos executando políticas que se mantêm perenes porque a essência da relação entre os países é a cultura dos interesses comuns e vínculos afetivos. Como é que você vai mudar, por exemplo, a política com relação a Portugal? O presidente pode não querer ver o presidente de Portugal num determinado momento, mas o que permanece são as relações entre os povos. Nós temos um contingente de brasileiros em Portugal nunca antes visto. E você não vai dissociar isso.

Ernesto Araújo, que foi ministro de janeiro de 2019 a março de 2021, disse que o Brasil aceitava ser um pária. O país tornou-se um pária? 
Eu espero que não. Eu acho que qualquer que seja a análise que os outros países possam fazer da nossa política externa, permanece a visão estável de um Brasil sério, competente, de grande potencial. E isso é o que permeia a relação. E todos sabem que qualquer que seja a situação, qualquer que seja a política ou o presidente, o potencial brasileiro, de um povo bom, ambicioso no sentido de seguir adiante apesar das dificuldades, o trabalhador permanece. Presidentes são temporários. É uma passagem, uma fase de crescimento, como um adolescente que pode ser teimoso, mas que acaba superando. Compare Fernando Henrique e Lula. Eram quase uma antítese no sentido de personalidades, cultura, formação. E tivemos uma transição tranquila, sem problemas, não houve grandes abalos. A essência da diplomacia brasileira permanece.
Com o Ministro Carlos França o ministério saiu do noticiário. Ele trouxe o Itamaraty de volta à sua normalidade histórica? 
Ele trouxe de volta uma certa serenidade, uma falta bem-vinda de visibilidade. A diplomacia se exerce no silêncio, nos bastidores. Não é que seja confidencial ou secreta, mas você não anuncia porque senão enfraquece sua posição como negociador. Vamos supor que está fazendo um acordo com a Argentina e vai levar a melhor. Se você começa a anunciar isso nas páginas dos jornais, os argentinos não vão querer sentar para conversar porque estarão sendo humilhados. Qualquer concessão que você faça em negociações, tem que ser feita de uma forma que preserve a imagem dos negociadores e dos países envolvidos. Negociação representa uma concessão de parte a parte para chegar a um acordo comum e ninguém gosta de ser visto como fraco. O que o ministro trouxe de volta é essa reserva que a gente aprende a ter para conduzir as relações internacionais. Uma sobriedade que é muito bem-vinda.

No Congresso tramita a PEC 34, que permite a congressistas assumirem cargos de embaixadores sem perderem o mandato. Qual é a consequência dessa proposta?
Essa emenda é uma ameaça a cláusulas pétreas da Constituição. Uma delas é a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Eles não devem se sobrepor nem entrar no terreno do outro. E a outra é a federação. A política externa é exercida por profissionais treinados por 30 a 40 anos até chegarem a embaixador. E nem todos chegam. Tem várias etapas de estudos, teses, etc. Você exerce em nome do Brasil, ela não pode ser partidária nem estadual. Ela é nacional e muitas vezes não corresponde ao interesse de um determinado Estado, mas em benefício de todos os outros. Quando eu era conselheira, negociamos os termos de um acordo internacional de favas de cacau. Naquela oportunidade reunimos todos os interessados em Brasília e decidiu-se que não íamos aceitar os termos porque o que se chamava de preço gatilho para desencadear a venda ou suspender a venda do cacau não atendia aos nossos interesses. O único Estado que se negou a apoiar foi a Bahia. Já imaginou se o embaixador fosse um senador da Bahia e dissese simplesmente que não vai cumprir a instrução? O objetivo maior era incentivar a industrialização e o beneficiamento do cacau. Deu certo. Sendo baiano e senador, ele não poderia voltar para casa se apoiasse. Por isso é que a gente tem que tomar muito cuidado quando tenta transferir para o nível estadual a responsabilidade de uma política nacional.

Corre-se o risco de transformar a diplomacia em uma política municipalista?
Não chegou a esse nível ainda, mas pode chegar. A política externa não é partidária nem estadual e não pode ser. O interesse nacional tem prevalência sobre os outros. Tem um outro aspecto. Fazem a comparação: ‘ah, o senador pode ser ministro e não perde o mandato’. Mas o senador não pode ser secretário-executivo de um ministério. E se a gente comparar com o nível de embaixador, podemos considerar que eles seriam secretários-executivos. E outra: por que ele vai receber ordens de um ministro do Executivo, que é o presidente quem dá as ordens e instruções no final das contas? Ele não está subordinado a um presidente. Por natureza, um senador é independente. Ele tem um mandato, foi eleito para defender os interesses de um Estado no Brasil e não junto a um governo.Há uma certa incongruência nessa ambição. Pode prejudicar a imagem de seriedade da política externa que estaria sujeita a oscilações e interesses partidários.

Como vocês da ADB estão se movimentando para tentar barrar essa proposta?
Mostrando que é uma grave ameaça à separação dos poderes e pode representar não um fim, mas uma decomposição da política externa e de toda uma carreira. Como é que se explica a um jovem que ele vai passar 30 anos estudando, trabalhando e treinando para chegar a embaixador e ter que disputar o posto com um senador? Você vai desestimular a entrada. E com a porta aberta, vai que no futuro ministros do STF, por exemplo, considerem que estão sendo discriminados e queiram ser embaixadores sem perderem o mandato? O meu princípio é sempre o seguinte: se quer ser embaixador, faça concurso. É democrático, secreto na medida em que ele é anônimo. E é um preparo constante. Ao longo da carreira, o diplomata passa por circunstâncias e condições às vezes muito adversas. Eu penso particularmente nos colegas que neste momento estão na Rússia ou na Ucrânia. Os da Ucrânia ameaçados de bombardeio. Os da Rússia sofrendo as consequências de embargos. Tem uma série de condições e de sacrifícios ao longo da vida que esses jovens sofrem. Quantos não passaram 2, 3 anos sem poderem voltar ao Brasil por causa da covid?

O fato é que o Itamaraty é uma instituição de excelência e reconhecida como tal lá fora. Por isso, a imagem de pária não colou. Se o Brasil aprovar essa PEC, aí sim a gente pode acabar virando uma espécie de pária diplomático. Com o tempo, não seremos mais levados a sério. Talvez não chegue a ser pária porque um país dessa potência é sempre relevante. Mas não seremos mais levados a sério porque não sabem mais com que diplomacia estão lidando, se estamos servindo a um país ou a tendências e interesses partidários estaduais. Isso abre portas para vários abusos.

Quem são os senadores que articulam a favor dessa PEC?
O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) [Davi Alcolumabre] é o grande motor. Há várias Constituições que é mantido que poderá ser designado [embaixador], mas nunca no exercício do mandato. Mas o senador Davi considera isso uma discriminação porque, se pode ser ministro, por que não pode ser embaixador? Eu já expliquei isso. Tem muitos senadores que são contrários, que acham sábias várias Constituições por manterem essa situação. Sempre foi rejeitado. E agora, de repente, voltamos a isso. E pelo que eu estou sabendo, está transitando no Congresso uma emenda que permite deputados estaduais a se beneficiarem da regra. A pergunta é: quando teremos os vereadores? Qualquer um poderá ser Diplomata? É preciso lembrar que senadores, deputados estaduais ou federais têm o que se chama imunidade parlamentar. Eles dizem o que querem na hora que bem entendem. Nós, diplomatas, não temos imunidade parlamentar. Pelo contrário. Temos um treinamento para dizermos coisas com muita ponderação e equilíbrio porque as palavras pesam. O ministro Paulo Guedes, recém-indicado ao cargo, foi questionado sobre Mercosul e disse que não tinha importância. Evidentemente isso semeou o terror entre os empresários que têm escritórios em Buenos Aires, por exemplo. Esses escritórios servem para apoiar exportações. Como a Argentina ia receber isso não foi pensado. O Paraguai ficou em pânico quando Guedes disse que o país era o Estado mais rico do Brasil. Tenho certeza que ele não fez por mal, mas o fato é que quando você faz uma declaração dessas, o presidente do Paraguai chama o embaixador para saber que história é essa. E isso é um tema muito sensível no Paraguai, tivemos uma guerra com eles. Nós somos treinados a entender que eu não posso sair brincando com uma coisa dessas. Com a experiência de anos de trabalho, você sabe como vai repercutir porque você se coloca no lugar do outro. Esse tipo de sensibilidade talvez falte em certas horas porque se você está acostumado com imunidade, você tem o direito de dizer o que quiser. Diplomacia é um sacerdócio. Quando sou um  iplomata, deixo de ser eu. Tudo que faço projeta a imagem do meu país.

Quais os prós e os contras do acordo entre Mercosul e União Europeia?
Quando fui embaixadora em Bruxelas junto às comunidades europeias, sempre batalhamos por esse acordo. Isso tem mais de 20 anos. Quando houve o grande festejo que concluíram o acordo do Mercosul com a União Europeia, eu disse que tinha muito chão pela frente. Na UE, os países se pautam e valorizam a opinião pública. Quando tem floresta derrubada e que, por qualquer razão, chega lá, é multiplicada por 100. Obviamente tem uma exploração muito grande desses episódios, mas a gente têm culpa no cartório. Isso é especialmente válido para proteger a agricultura deles. Se eles alegam que estamos derrubando floresta para gado, cai a exportação de carne. O reflexo é imediato porque o termômetro é a população. Acho que ainda tem muita água para passar por debaixo da ponte. Já se passaram quase 4 anos do anúncio. Vai demorar ainda.

Quais os prós e os contras do Brasil entrar na OCDE?
Também vai demorar. Acho que os prós são as obrigações que a gente assume. Um acordo com a União Europeia que trate bem agricultura nos dá mais vantagem, mas é a OCDE que impõe parâmetros e medidas que nós temos que atender. E essa disciplina seria extremamente benéfica. Esse conjunto de legislação que eles têm para tornarem o país mais previsível é extremamente benéfico porque temos infelizmente uma série de descoordenações internas. Temos muita lei e pouco respeito a elas. Nos impõe um certo rigor nas nossas contas, na transparência. Torna a governança mais séria. E traz um selo de qualidade. Estimula investimentos que criam empregos e geram renda, que beneficia quem não tem nada.

Quais são os riscos e oportunidades para o Brasil nos próximos anos dado esse contexto global de guerra na Ucrânia e disputas entre Estados Unidos e China?
Acho um pouco cedo para avaliar a dimensão. Nós entramos nessa turbulência no início deste ano e ainda estamos tentando entender o tamanho dela. De um lado, há um problema. Do outro, grandes vantagens que nós podemos utilizar a nosso favor, mas o risco é de uma má escolha de políticas que possam agravar a situação. Acho que nós temos que deixar um pouco assentar a poeira. O mundo está totalmente interligado pela mídia. Tudo que ocorre em um lugar, repercute no resto.

https://www.poder360.com.br/governo/pec-das-embaixadas-nos-tornara-parias-diz-diplomata/


terça-feira, 18 de agosto de 2020

Diplomacia solidária para o pós-pandemia - Maria Celina de Azevedo Rodrigues


Diplomacia solidária para o pós-pandemia
Maria Celina de Azevedo Rodrigues*
O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 2020 | 06h30


Embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues. FOTO: DIVULGAÇÃO

Em determinadas ocasiões da história mundial, a diplomacia profissional é colocada à prova. O atual momento tem sido extremamente marcante para as relações internacionais. De um lado, nações e instituições de diferentes países se unem para a coordenação de uma série de esforços para o combate à covid-19, a exemplo da articulação de medidas para buscar uma vacina, assim como, por exemplo, em alguns países o fechamento de fronteiras que minimizaram a proliferação do contágio. Por outro lado, a tentação em encontrar culpados pelo surgimento do vírus e sua proliferação fragilizou ações urgentes de cooperação tanto nacionais quanto internacionais.
Após mais de cinco meses vivenciando o cenário de pandemia mundial, noto que o novo coronavírus deixou evidentes laços de solidariedade tanto entre as pessoas, quanto entre as nações. Por outro lado, vejo igualmente determinados Estados inclinados a quebrar importantes regras da diplomacia.
Um dos objetivos mais importantes da diplomacia é encontrar – sobretudo nos momentos de crise mundial mais acirrada – um “bare minimum” (da expressão em inglês para o mínimo necessário) para um relacionamento saudável entre as nações, com comunicação fluida, sem rompimentos que possam prejudicar ainda mais as pessoas. Esse é um dos maiores orgulhos e característica marcante da diplomacia brasileira, pois o Brasil é um dos poucos países que mantêm relações diplomáticas com quase todos os Estados do mundo.
Como presidente da entidade que congrega os mais de 1600 diplomatas brasileiros (ADB-Sindical), busquei contribuir, por meio de webinars, com o que a diplomacia brasileira é internacionalmente conhecida por fazer de melhor: promover diálogos que propiciem saídas para desafios e impasses aparentemente insolúveis. Com esse propósito, convidei autoridades, especialistas e influenciadores, nas mais diversas áreas estratégicas, que pudessem contribuir – com debates e posicionamentos plurais – na indicação de elementos para a construção de uma nova ordem mundial no pós-pandemia.
Os debates em torno de temas fundamentais para o desenvolvimento do país e para as relações com outras nações foram muito enriquecedores. Aportar diferentes visões – sobre o processo de repatriação de nacionais durante a pandemia, diplomacia comercial, retomada econômica, imagem do Brasil, direitos humanos, promoção cultural e relação com o meio ambiente – permitiu vislumbrar novos caminhos para a sociedade brasileira e sua inserção internacional.
Minha conclusão particular, após ouvir debatedores instigantes, é que a solidariedade é o princípio que deve nortear a atuação dos líderes mundiais e dos diplomatas, não apenas neste momento mais agudo da crise, como também no futuro. O diálogo, a tolerância, a empatia, o aprofundamento do conhecimento e, principalmente, a adoção de uma agenda conjunta devem pautar a reconstrução mundial e a criação de melhores condições de vida para todos. E nisso os diplomatas brasileiros têm ampla e longa experiência.
*Maria Celina de Azevedo Rodrigues é embaixadora e presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical), tendo sido chefe da embaixada brasileira em Bogotá, na Colômbia; cônsul-geral do Brasil, em Paris, na França e junto à representação brasileira para a Comunidade Europeia, em Bruxelas, na Bélgica

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Entrevista da presidente da ADB sobre os embaixadores nos EUA


Diplomata vê ‘injustiça’ em crítica de Bolsonaro a embaixadores nos EUA
Maria Celina Rodrigues diz que presidente da República deveria analisar a ‘folha corrida’ dos ex-chefes em Washington
Entrevista com Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil (ADB)
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
29 de julho de 2019 | 05h00

BRASÍLIA – Para a presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil (ADB), Maria Celina de Azevedo Rodrigues, é “injusto” o presidente Jair Bolsonaro dizer que os embaixadores do Brasil nos Estados Unidos “não fizeram nada de bom” e a alegada proximidade do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com a família Trump “pode ser um trunfo, pode não ser”. Ela faz uma advertência: embaixadores “devem ter certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo, com acesso inclusive à oposição”.



Para Maria Celina, é ‘muito difícil’ dizer se Eduardo Bolsonaro será ‘o trunfo’ na diplomacia com Trump e os EUA  Foto: JULIA SEABRA / ESTADÃO
Celina, hoje aposentada, foi embaixadora na Colômbia, cônsul em Paris e chefe da Missão do Brasil junto à Comunidade Europeia, em Bruxelas. Ela opina que o sucesso do filho do presidente nos EUA “vai depender da permeabilidade e da acessibilidade da família Trump no dia a dia”. E lembra: “Trump é muito ocupado...” A seguir, os principais trechos da entrevista:
O presidente Jair Bolsonaro indicou seu filho Eduardo para a embaixada em Washington alegando que ele tem acesso à família Trump. Isso é mais importante do que a alta qualificação dos diplomatas, realçada em nota pela ADB?
Depende da real acessibilidade com a família Trump na vida, no dia a dia. Uma coisa é você ser amigo, outra é você ter acesso no dia a dia, porque o presidente Trump é muito ocupado, tem muito o que fazer. Então, é muito difícil você partir do princípio de que isso aí é “o trunfo”. Pode ser, pode não ser.
Mas não é mesmo importante ter um embaixador com acesso à Casa Branca, se isso for verdade?
Eu insisto: depende da permeabilidade da família Trump. Em se confirmando, pode ser positivo, sim, mas é importante ressaltar que todo embaixador, seja de carreira ou por indicação política, deve ter certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo. Tem de ouvir a opinião de todos, do mundo político, econômico, acadêmico, da mídia, dos meios diplomáticos de terceiros países, da sociedade civil e dos setores de oposição, para enviar relatos e análises o mais objetivos possíveis, que possam pautar as nossas ações.
E, em tese, o Trump pode não ser reeleito...
Ainda tem esse aspecto. Você não pode se comprometer demais com uma vertente só. Espero que o deputado Eduardo saiba dosar bem isso.
Na nota em que critica a escolha do deputado, a ADB...
Vou fazer uma correção. A associação não criticou a escolha, nem poderia, porque respeita o direito do presidente de indicar quem ele quiser. A nota não criticou a escolha nem entrou na discussão se é nepotismo, se é ética ou não. Não entrou na qualificação de ninguém. O que fizemos questão de ressaltar é que nós temos pessoas mais do que qualificadas para fazer isso, porque a gente carrega uma bagagem enorme que vai acumulando ao longo de anos e anos de experiência.
Então a nota foi para confrontar a qualificação de um diplomata com 35 anos de carreira com a de um deputado de 35 anos de idade que alega já ter fritado hambúrguer nos EUA?
Confrontar, não. Comparar.
Segundo o presidente, o Brasil teve muitos embaixadores nos EUA eles “não fizeram nada de bom”. A sra. concorda?
É injusto. Tenho certeza de que, se ele visse a folha corrida desses embaixadores e fizesse um levantamento do trabalho feito pelos que passaram por lá, iria ver o quanto eles contribuíram. O que ele entende por “nada de bom”? O trabalho do diplomata é quase silencioso, quieto, ele não sai gritando “eu fiz isso”, “eu fechei tal acordo”!. Você vai trabalhando aquilo ao longo de anos para frutificar dez, 15 anos depois. Tivemos muitas vitórias e fechamos muitos acordos assim, como o acordo do algodão na OMC (Organização Mundial do Comércio). Aliás, como o próprio acordo Mercosul-União Europeia, que começou com o embaixador Jorio Dauster há mais de 20 anos. A conclusão desse acordo, como de todos os acordos, é resultado de sucessivos espaços que foram sendo criados e se somando. E ninguém vai sair tomando vinho francês amanhã. Ainda falta muito o que fazer.
O ministro Onyx Lorenzoni disse em entrevista que diplomatas “prestaram desserviço” e “achincalharam o Brasil” durante a campanha eleitoral. Houve isso?
Não vi, não ouvi, não soube nada disso. Se fizeram, a crítica procede, mas o que me entristece é o fato de, ao falar em diplomatas, embora não tenha falado do Itamaraty e da carreira diplomática, o ministro deixe a impressão na opinião pública de que “os” diplomatas fizeram isso. Não é verdade. Nós agimos institucionalmente e a própria defesa do governo tem de ser feita de acordo com instruções. Achincalhar? Isso não compete a diplomatas. Você não pode usar sua posição oficial para fazer críticas ao país a que serve. Não pode acender uma vela a Deus e outra ao diabo. Fiquei profundamente entristecida de que se tenha passado essa imagem para a opinião pública.
Podcast – O que esperar de Eduardo Bolsonaro embaixador?
O ministro também criticou o uso de dinheiro público para coquetéis, automóveis, uísques. É isso a vida diplomática?
Coquetéis são local de trabalho. A vida diplomática é estabelecer relações e criar vínculos com o país, não permanentes, mas de maneira que você possa entender melhor o país onde você está servindo, para melhor defender o seu próprio país. Você precisa estabelecer uma ampla rede de contatos, com os mais diversos setores, para traçar um quadro mais complexo sobre aquele país. Muitas vezes, depois de um dia de trabalho longo, difícil, você tem de fazer o social, aliás, como qualquer empresário faz, porque aquele social vai te abrir portas que serão muito importantes.
Na questão dos navios iranianos, para onde ia a posição do presidente Bolsonaro, a favor de reabastecer ou de agradar aos EUA?
Eu ainda não entrei no pensamento do presidente da República, mas a resposta para o impasse está na independência entre os Poderes, que dá uma saída honrosa para todo mundo.
Como presidente da ADB, a sra. tem recebido queixas sobre uma caça às bruxas no Itamaraty?
Sinceramente, não. Há uma queixa ou outra, mas é difícil avaliar qual o interesse da pessoa que está magoada, ofendida. Não há nada generalizado e, afinal, toda freada de arrumação precisa ser decantada.
QUEM É
Nascida no Rio de Janeiro, Maria Celina Azevedo Alves ingressou na carreira diplomática em 1969. Foi Diretora Geral do Departamento Cultural, embaixadora em Bogotá (2002), chefe da Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias (2005) e cônsul-geral do Brasil em Paris (2008).
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sábado, 20 de abril de 2019

Dia do diplomata: 20 de Abril - Maria Celina de Azevedo Rodrigues

Uma verdadeira diplomata: a presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros – da qual já fui vice-presidente, e com a qual continuo a colaborar, elaborando resenhas dos livros dos diplomatas, na seção "Prata da Casa" em cada número de sua revista – conseguiu realizar a proeza de falar bem dos diplomatas e da diplomacia brasileira sem tocar uma única vez, sem sequer fazer uma menção passageira, à atual política externa, à diplomacia corrente, aos personagens que as comandam, aos que se envolvem direta e indiretamente, enfim, aos que supostamente as representam. Parabéns!
A frase que mais se aproxima da realidade presente está bem no começo: 
O momento atual exige diálogo para definir estratégias e um olhar de 360 graus para analisar os benefícios e os riscos dos rumos da política externa brasileira e de sua posição perante à comunidade internacional.
Assim vamos. Estamos esperando novos discursos fabulosos, dia 29 de abril, quando finalmente será realizada a cerimônia de formatura da nova turma de egressos do Instituto Rio Branco, nossa academia diplomática – turma que foi impedida de escolher livremente seu patrono e paraninfo – e quando também serão atribuídas as diversas comendas da Ordem de Rio Branco, a personagens certamente representativos do momento atual.
Finalizando, deixo também minha saudação e cumprimentos a todos os meus colegas que se exercem concretamente na diplomacia e na política externa, das quais estou, como é sabido, temporariamente afastado.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2019


Dia do Diplomata, 20 de abril: uma data para relembrar desafios e reafirmar compromissos

Maria Celina de Azevedo Rodrigues* 
O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2019 | 08h00
Maria Celina de Azevedo Rodrigues. FOTO: DIVULGAÇÃO
A atuação dos diplomatas brasileiros sempre foi marcada e reconhecida pela excelência em representar o País no exterior. O momento atual exige diálogo para definir estratégias e um olhar de 360 graus para analisar os benefícios e os riscos dos rumos da política externa brasileira e de sua posição perante à comunidade internacional.
O interesse da opinião pública pelas relações exteriores do Brasil é crescente. Como porta-voz da associação que representa mais de 1600 diplomatas brasileiros, entendo a época atual como uma oportunidade para divulgarmos ainda mais as diversas frentes de atuação desta tradicional carreira de Estado.
Os desafios enfrentados pelos membros do serviço exterior são muitos e estão presentes desde o início da carreira, quando passam por um concurso público rigoroso e, posteriormente, por um curso de formação. A ascensão dos diplomatas dentro da casa se dá a partir da aprovação de critérios rígidos e de demandas exigentes por parte das hierarquias superiores. A rotina errante e a necessidade de constante aperfeiçoamento para garantir uma interface eficaz com representantes de outras nações fazem parte do dia a dia dos diplomatas.
Uma forte tradição da nossa diplomacia é a habilidade nas tratativas de questões multilaterais. O desafio em priorizar os interesses comerciais brasileiros junto às comunidades internacionais, sem ferir princípios éticos de outras nações, é sempre levada em consideração pelos diplomatas do País.
A diversidade dos temas sob responsabilidade dos membros do Ministério das Relações Exteriores ainda é pouco conhecida pelos brasileiros. Há diplomatas que, diariamente, desempenham funções nas áreas administrativa, cultural, ambiental, energética, econômica, comercial, consular, ciência e tecnologia, proteção aos direitos humanos, cooperação, paz e segurança internacionais, entre outras, além das representações diplomáticas e consulares do Brasil no exterior.
Vale destacar que, em muitos países, o número de brasileiros residentes tem aumentado a cada ano. As demandas de nossos compatriotas no exterior são crescentes e vão desde situações de emergência, como repatriação, encarceramento, acidente, morte, perda, furto e emissão de documentos a casos de inadmissão em outras nações. Estes são alguns exemplos do quotidiano da assistência prestada pelo serviço consular.
É fundamental que os membros do serviço exterior brasileiro (que, pela própria natureza de seu trabalho, estão disponíveis 24 horas por dia) tenham condições para seguir desempenhando, com efetividade, as funções atribuídas a esta carreira de Estado. Nesse sentido, como entidade representativa, a Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) finalizou um projeto de nova Lei do Serviço Exterior, cujo principal objetivo é, uma vez acordado com os tomadores de decisão do MRE, criar um marco jurídico moderno, transparente, claro e inclusivo, que atenda às necessidades dos integrantes do Serviço Exterior Brasileiro, particularmente, no que se refere à previsibilidade das regras de remoção e do fluxo de carreira.
A tradição da diplomacia brasileira rem servir ao País e o desejo de vê-la forte e respeitada foi um compromisso firmado pelo Barão do Rio Branco ao assumir a pasta das Relações Exteriores. A comemoração do dia do diplomata no Brasil em 20 de abril ( Decreto n.º 66.217 de 1970) aniversário do Barão, é uma reafirmação por cada integrante da carreira diplomática daquele mesmo compromisso, o de servir à Nação com orgulho e entusiasmo.

*Maria Celina de Azevedo Rodrigues, embaixadora, é presidente da Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB Sindical), tendo chefiado a embaixada do Brasil em Bogotá, na Colômbia; a Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias, em Bruxelas, na Bélgica; e o Consulado-Geral em Paris, França.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 20/04/2019