Diplomata vê
‘injustiça’ em crítica de Bolsonaro a embaixadores nos EUA
Maria Celina Rodrigues
diz que presidente da República deveria analisar a ‘folha corrida’ dos
ex-chefes em Washington
Entrevista
com Maria
Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação dos Diplomatas do Brasil
(ADB)
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
29 de julho de 2019 | 05h00
BRASÍLIA – Para a presidente
da Associação dos Diplomatas do Brasil (ADB), Maria
Celina de Azevedo Rodrigues, é “injusto” o presidente Jair Bolsonaro dizer que os
embaixadores do Brasil nos Estados Unidos “não fizeram nada de bom” e a alegada
proximidade do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com a família Trump “pode
ser um trunfo, pode não ser”. Ela faz uma advertência: embaixadores “devem ter
certa distância, certo equilíbrio, nas relações com a sociedade como um todo,
com acesso inclusive à oposição”.
Para
Maria Celina, é ‘muito difícil’ dizer se Eduardo Bolsonaro será ‘o trunfo’ na
diplomacia com Trump e os EUA Foto: JULIA SEABRA / ESTADÃO
Celina,
hoje aposentada, foi embaixadora na Colômbia, cônsul em Paris e chefe da Missão
do Brasil junto à Comunidade Europeia, em Bruxelas. Ela opina que o sucesso do
filho do presidente nos EUA “vai depender da permeabilidade e da acessibilidade
da família Trump no dia a dia”. E lembra: “Trump é muito ocupado...” A seguir,
os principais trechos da entrevista:
O presidente Jair
Bolsonaro indicou seu filho Eduardo para a embaixada em Washington alegando que
ele tem acesso à família Trump. Isso é mais importante do que a alta
qualificação dos diplomatas, realçada em nota pela ADB?
Depende
da real acessibilidade com a família Trump na vida, no dia a dia. Uma coisa é
você ser amigo, outra é você ter acesso no dia a dia, porque o presidente Trump
é muito ocupado, tem muito o que fazer. Então, é muito difícil você partir do
princípio de que isso aí é “o trunfo”. Pode ser, pode não ser.
Mas não é mesmo
importante ter um embaixador com acesso à Casa Branca, se isso for verdade?
Eu
insisto: depende da permeabilidade da família Trump. Em se confirmando, pode
ser positivo, sim, mas é importante ressaltar que todo embaixador, seja de
carreira ou por indicação política, deve ter certa distância, certo equilíbrio,
nas relações com a sociedade como um todo. Tem de ouvir a opinião de todos, do
mundo político, econômico, acadêmico, da mídia, dos meios diplomáticos de
terceiros países, da sociedade civil e dos setores de oposição, para enviar
relatos e análises o mais objetivos possíveis, que possam pautar as nossas
ações.
E, em tese, o Trump pode
não ser reeleito...
Ainda
tem esse aspecto. Você não pode se comprometer demais com uma vertente só. Espero
que o deputado Eduardo saiba dosar bem isso.
Na nota em que critica a
escolha do deputado, a ADB...
Vou
fazer uma correção. A associação não criticou a escolha, nem poderia, porque
respeita o direito do presidente de indicar quem ele quiser. A nota não criticou
a escolha nem entrou na discussão se é nepotismo, se é ética ou não. Não entrou
na qualificação de ninguém. O que fizemos questão de ressaltar é que nós temos
pessoas mais do que qualificadas para fazer isso, porque a gente carrega uma
bagagem enorme que vai acumulando ao longo de anos e anos de experiência.
Então a nota foi para
confrontar a qualificação de um diplomata com 35 anos de carreira com a de um
deputado de 35 anos de idade que alega já ter fritado hambúrguer nos EUA?
Confrontar,
não. Comparar.
Segundo o presidente, o
Brasil teve muitos embaixadores nos EUA eles “não fizeram nada de bom”. A sra.
concorda?
É injusto. Tenho certeza de que, se ele
visse a folha corrida desses embaixadores e fizesse um levantamento do trabalho
feito pelos que passaram por lá, iria ver o quanto eles contribuíram. O que ele
entende por “nada de bom”? O trabalho do diplomata é quase silencioso, quieto,
ele não sai gritando “eu fiz isso”, “eu fechei tal acordo”!. Você vai
trabalhando aquilo ao longo de anos para frutificar dez, 15 anos depois.
Tivemos muitas vitórias e fechamos muitos acordos assim, como o acordo do
algodão na OMC (Organização Mundial do Comércio). Aliás, como o próprio
acordo Mercosul-União Europeia, que começou com o embaixador Jorio Dauster há
mais de 20 anos. A conclusão desse acordo, como de todos os acordos, é
resultado de sucessivos espaços que foram sendo criados e se somando. E ninguém
vai sair tomando vinho francês amanhã. Ainda falta muito o que fazer.
O ministro Onyx
Lorenzoni disse em entrevista que diplomatas “prestaram desserviço” e
“achincalharam o Brasil” durante a campanha eleitoral. Houve isso?
Não
vi, não ouvi, não soube nada disso. Se fizeram, a crítica procede, mas o que me
entristece é o fato de, ao falar em diplomatas, embora não tenha falado do
Itamaraty e da carreira diplomática, o ministro deixe a impressão na opinião
pública de que “os” diplomatas fizeram isso. Não é verdade. Nós agimos
institucionalmente e a própria defesa do governo tem de ser feita de acordo com
instruções. Achincalhar? Isso não compete a diplomatas. Você não pode usar sua
posição oficial para fazer críticas ao país a que serve. Não pode acender uma vela
a Deus e outra ao diabo. Fiquei profundamente entristecida de que se tenha
passado essa imagem para a opinião pública.
Podcast – O que
esperar de Eduardo Bolsonaro embaixador?
O ministro também
criticou o uso de dinheiro público para coquetéis, automóveis, uísques. É isso
a vida diplomática?
Coquetéis
são local de trabalho. A vida diplomática é estabelecer relações e criar
vínculos com o país, não permanentes, mas de maneira que você possa entender
melhor o país onde você está servindo, para melhor defender o seu próprio país.
Você precisa estabelecer uma ampla rede de contatos, com os mais diversos
setores, para traçar um quadro mais complexo sobre aquele país. Muitas vezes,
depois de um dia de trabalho longo, difícil, você tem de fazer o social, aliás,
como qualquer empresário faz, porque aquele social vai te abrir portas que
serão muito importantes.
Na questão dos navios
iranianos, para onde ia a posição do presidente Bolsonaro, a favor de
reabastecer ou de agradar aos EUA?
Eu
ainda não entrei no pensamento do presidente da República, mas a resposta para
o impasse está na independência entre os Poderes, que dá uma saída honrosa para
todo mundo.
Como presidente da ADB,
a sra. tem recebido queixas sobre uma caça às bruxas no Itamaraty?
Sinceramente,
não. Há uma queixa ou outra, mas é difícil avaliar qual o interesse da pessoa
que está magoada, ofendida. Não há nada generalizado e, afinal, toda freada de
arrumação precisa ser decantada.
QUEM É
Nascida no Rio de Janeiro, Maria
Celina Azevedo Alves ingressou na carreira diplomática em 1969. Foi
Diretora Geral do Departamento Cultural, embaixadora em Bogotá (2002), chefe da
Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias (2005) e cônsul-geral do Brasil
em Paris (2008).
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