Hora do dever de casa
Marcos Troyjo, o secretário do Ministério da Economia encarregado de negociar o acordo comercial com a União Europeia, diz que o Brasil precisa aprovar as reformas para tirar o melhor proveito possível da parceria
Apesar da negociação ter começado 20 anos atrás, é um erro dizer que ela durou 20 anos. Houve vários períodos em que nada avançou. E agora avançou.
Primeiro, vamos ao ambiente externo. O que estávamos fazendo no Brasil em termos de comércio exterior? Vendendo mais para a China. Só que vieram as crises de 2008 e 2011 e houve uma desaceleração do crescimento chinês. Além disso, outros fornecedores começaram a entrar pesado no mercado mundial. Começou, então, a haver mais competição e voltou a conversa aqui de que precisávamos diversificar nosso mercado. Ocorreu, então, mais um fenômeno: o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia). Muitos avaliaram que geraria um efeito dominó por toda a Europa. Outros, o contrário: que haveria mais coesão no bloco europeu, o que, aparentemente, aconteceu. A União Europeia, para mostrar que estava viva após o Brexit, voltou à mesa de negociação de uma forma diferente. Foi importante também o próprio ciclo de governança da União Europeia. Em breve haverá uma sucessão no comissariado europeu (os representantes do bloco em Bruxelas) e isso levou a que houvesse mais boa vontade dos comissários que ainda estão lá para fechar esse capítulo com o Mercosul.
O fator (Jair) Bolsonaro e (Paulo) Guedes foi determinante. Quais são as cinco prioridades econômicas para o Brasil neste governo? Reforma da Previdência, reforma tributária, reforma administrativa, privatizações e concessões, além de abertura comercial. E como se faz abertura comercial? Por meio de tratados internacionais, da facilitação do ambiente de negócios e de modernização tarifária. Ficou muito claro em determinado momento para nós que as razões pelas quais a gente não conseguia avançar do nosso lado nos últimos anos faziam parte do acervo do nacional-desenvolvimentismo. Estávamos negociando com a cabeça dos anos 1960. Nesse sentido, o fim do ciclo do lulopetismo no Brasil foi determinante. O término dessa coisa do Norte contra o Sul, de terceiromundismo. Aquela ideia de que o Mercosul serve para dar palpite sobre a Crimeia, sobre o Oriente Médio, sobre os fundos abutres (empresas que compram títulos de países quebrados). Deixamos isso para trás e dissemos: vamos ver se a gente consegue fechar algum acordo.
Olha, claro que herdamos muita coisa, principalmente do governo passado (Michel Temer). Mas ainda havia muito por fazer. Praticamente todos os capítulos da negociação estavam abertos quando assumimos. O mérito pelo acordo é deste governo. Criamos um Ministério da Economia em que muitas das áreas mais protecionistas que encontraram no passado espaço na governança ficaram sem abrigo na atual configuração. Isso nos permitiu avançar. É como se a política comercial, ao contrário de todas as outras experiências que o Brasil teve, tivesse migrado para o coração da política econômica. E com outro viés. No lugar do protecionismo, a abertura. Antes, não podia fazer acordo internacional porque impactaria a política dos campeões nacionais (idealizada pelo ex-presidente Lula para incentivar financiamentos públicos a um grupo restrito de empresas). Mas é justamente uma política dessas que a gente não quer fazer. Há também um alinhamento de toda a equipe econômica e com outros ministérios, como o Itamaraty e a Agricultura.
Negociações são assim. Não se dão à luz do dia. Mas se você olhar nos últimos seis meses, verá declarações de um lado e de outro de que estávamos mais perto do acordo. Uma das negociadoras europeias chegou a dizer que avançamos nesses quatro meses mais do que nos últimos 20 anos.
Essencial. A Argentina teve uma ascensão brutal no final do século 19. De 1875 até 1910, a Argentina cresceu mais do que a Califórnia. Mas, de 1875 até 2015, não teve nenhum governo liberal. Cresceu pouco. Foram 140 anos de protecionismo, peronismo, patrimonialismo. E, de repente, tem um governo liberal (o do presidente Maurício Macri). E ela teve de correr atrás também um pouco do prejuízo reputacional. É um país que deu calote, nacionalizou empresas.
Muito rápido. A economia é fundamento, situação concreta, mas também é criação de expectativa, aquilo que está por acontecer. Quanto mais sustentável é essa expectativa, mais ela impacta a decisão dos atores que atuam na economia. O país passa a representar um elo naquilo que é um dos motores de tração do sucesso econômico dos últimos 30 anos: as cadeias globais de produção. Mais investimentos significam mais emprego e renda. Mas, veja, acordos internacionais não são uma panaceia. Se você não melhora as condições de competividade internas, pode ocorrer um fenômeno que alguns especialistas chamam de paradoxo mexicano.
O México fez o Nafta (acordo bilateral com os Estados Unidos) no começo dos anos 1990 e, depois, fez quase 50 acordos com outros países. Mas não fez as reformas internas. Por isso, acho que o primeiro grande acordo comercial que o Brasil tem de fazer depois desse com a União Europeia é com ele mesmo. Por meio de reformas institucionais. Se fizer a reforma da Previdência, a economia aos cofres públicos será equivalente a anos e anos de superávit comercial. Se simplificar a estrutura tributária, a sua capacidade de competir internacionalmente vai melhorar a vida do cara aqui.
O próximo é com o grupo de países formado por Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein. Depois deles, estão em negociação acordos com Canadá, Coreia do Sul e Japão.
Se você pegar o discurso do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional e no parlatório no dia da posse e algumas declarações dele desde então, verá que ele repete à exaustão: “Vamos fazer negócios com qualquer parte do mundo, sem viés ideológico”. No caso da relação com os Estados Unidos, além da conexão e empatia entre os presidentes, a relação comercial dos dois países está muito abaixo de onde deveria estar. O teto é muito mais alto, ainda mais se considerar que são as duas maiores democracias do Ocidente e as duas maiores economias do continente. Então, o que está ocorrendo é uma espécie de busca do tempo perdido em relação aos americanos, que é muito importante para os dois lados. Aliás, ao aprimorar a relação com os Estados Unidos, você dá mais incentivos que se afine ainda mais a relação com os europeus, e vice-versa.
Sinceramente, não tenho acompanhado muito a teoria de relações internacionais. O que posso dizer é que todos que participaram dessas negociações têm uma bússola muito importante que é a busca do interesse nacional. O que não significa nacionalismo. É interesse nacional.
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