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domingo, 21 de julho de 2019

Foro de S. Paulo: um espantalho útil a governos de direita - Marina Gonçalves (O Globo)



Foro de São Paulo faz encontro em Caracas sob ataque de integrantes do governo Bolsonaro

Para cientista político, fórum é 'espantalho conveniente porque é fraco, mas parece forte'; Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro defendem CPI

Divisão. A deputada e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, discursa no 24º Encontro Anual do Foro de São Paulo, em Havana, no ano passado: evento foi marcado pelo debate sobre a crise na Nicarágua RICARDO STUCKERT

POR MARINA GONÇALVES
RIO — Entre 21 de junho e este sábado, enquanto a diplomacia brasileira estava ocupada com os acertos finais para o acordo entre o Mercosul e a União Europeia e a subsequente cúpula do Mercosul, realizada na semana passada na Argentina, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dedicou parte do seu tempo a postagens no Twitter sobre o Foro de São Paulo.
Foram sete intervenções, a primeira delas uma sequência de seis mensagens, nas quais afirmou que o fórum criado em 1990 por partidos de esquerda e centro-esquerda latino-americanos é formado por "marxistas instrumentalizando traficantes e vice-versa" e que as denúncias do site The Intercept contra a Lava-Jato "fazem parte de sua estratégia".

Araújo visava o próximo encontro do Foro, que, como informa a página do grupo na internet, acontecerá de 25 a 28 deste mês, em Caracas. O chanceler brasileiro culminou suas declarações sobre o tema afirmando, em entrevista à BBC, que pretende criar uma Aliança Liberal Conservadora na região para se contrapor ao Foro. 
Em dezembro de 2018, o deputadoEduardo Bolsonaro (PSL-SP) — indicado para a embaixada do Brasil em Washington — organizou em Foz do Iguaçu o que seria um embrião dessa aliança, a Cúpula Conservadora das Américas. O evento, no entanto, não conseguiu atrair nomes de peso. Em 11 de julho, o deputado, que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, assinou um requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o Foro — não há no momento garantia de que ela chegará a ser instalada.

Araújo e Eduardo dão continuidade a uma ofensiva iniciada no início deste século pelo guru da direita Olavo de Carvalho, do qual ambos são seguidores. Carvalho costumava caracterizar o Foro de São Paulo como uma “organização clandestina”, embora o grupo, com 121 partidos atualmente inscritos — os brasileiros incluem PT, PDT, PCdoB, PCB e PSB — não seja secreto e exponha fotos e documentos em seu site. 
— Em um momento no qual começa a deslanchar um processo regional de integração baseado na promoção e difusão da liberdade e da abertura econômica, o encontro iminente do Foro na Venezuela comprova sua intenção de obstar-se ao projeto de uma América do Sul aberta, integrada e democrática — disse Araújo ao GLOBO. 
Para observadores como o cientista político Guilherme Casarões, da FGV-SP, o papel do Foro de São Paulo na articulação de forças de esquerda na região é propositalmente exagerado por seus detratores: 
— O Foro é um espantalho conveniente, o inimigo comum que todo mundo quer ter, porque é fraco mas parece forte, é inofensivo mas parece ameaçador. O olavismo tem uma mentalidade de Guerra Fria, uma visão binária do mundo. 
Sebastián Hagobian López, da Comissão de Relações Internacionais da Frente Ampla do Uruguai, membro do Foro desde o início e no poder no Uruguai desde 2005, estranha a controvérsia em torno do tema no Brasil: 
— Quando se analisa a posição do governo brasileiro, parece que estamos lendo um relato anacrônico do século XX, mais precisamente no meio da Guerra Fria, e não em pleno século XXI — disse. — As críticas ao Foro pela oposição no Uruguai são menores e geralmente vêm dos setores mais conservadores da direita.
Fundação em 1990
A primeira reunião do que seria o Foro de São Paulo aconteceu em 1990, no hotel Danúbio, em São Paulo — daí o nome, cunhado no ano seguinte. Na época, a esquerda tentava se rearticular na América Latina, em meio ao fim da Guerra Fria e a governos que baixavam pacotes de austeridade para lidar com crises inflacionárias. Convocados pelo PT de Luiz Inácio Lula da Silva, que perdera por pouco as eleições presidenciais de 1989, o encontro reuniu 48 partidos e movimentos e foi encerrado com um comunicado marcado por críticas “às políticas pró-imperialistas e neoliberais”. 
Valter Pomar, secretário executivo do Foro de 2005 a 2013, conta no livro “Foro de São Paulo: construindo a integração latino-americana e caribenha”, que a ideia inicial não era criar um fórum permanente, tal como existem há décadas a Internacional Socialista (de partidos social-democratas) e a Internacional Democrata Centrista (antes Democrata Cristã): “Os participantes não se questionaram se concordavam ou não em compartilhar esse espaço com partidos e organizações com as quais tivessem divergências”. 
Uma crise de identidade ocorreu entre 2002 e 2007, quando partidos do Foro começaram a vencer eleições e assumir governos. 
— A crise econômica e social causada pelo fracasso de políticas neoliberais abriu uma onda de apoio popular aos partidos de oposição, mas os governos eleitos não eram, como nos casos de Brasil e Argentina, puramente de esquerda — disse o economista Ricardo Abreu de Melo, secretário de Finanças do PCdoB, que participou de várias edições do Foro e escreveu sua tese de mestrado sobre o grupo.
Para Melo, “o Foro influenciou o debate, como um espaço de trocas de experiências, mas não como comando, que pensava em uma estratégia”. Casarões avalia que o grupo ajudou as legendas a se organizarem e eventualmente chegarem ao poder, mas não há indícios concretos de financiamento internacional de campanhas políticas, por exemplo, nem uniformidade de ação. 
— São encontros em que se discute a situação da esquerda na América Latina e nos países, uma cooperação em nível partidário, mas que não significa outros alinhamentos. Lula cooperava em nível partidário com Hugo Chávez, mas Brasil e Venezuela não caminhavam na mesma trilha geopolítica — afirma o cientista político.
Antes de Carvalho, o maior detrator do Foro foi o venezuelano Alejandro Peña Esclusa, autor do livro “O Foro de São Paulo: uma ameaça à liberdade na América Latina", citado em um dos tuítes de Araújo. Ainda nos anos 1990, ele falava de uma “transnacional do terror", formada por "criminosos, traficantes e assassinos", acusação relacionada à presença de observadores das Farc(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em alguns encontros do Foro antes do acordo de paz de 2016.
O venezuelano chegou a lançar a UnoAmérica, uma tentativa de se contrapor ao Foro com partidos de direita, mas foi preso, em 2010, acusado de vínculos com atividade terrorista, depois de a polícia ter supostamente encontrado explosivos em sua casa. 
Procurado pelo GLOBO, Esclusa disse que cumpre prisão domiciliar desde 2011 e não pode dar entrevistas. Seu livro é contestado na academia: 
— É uma espécie de panfleto, sem referência bibliográfica. Não temos como distinguir as teorias conspiratórias dos fatos — disse Casarões.
Fidel e Doutrina Monroe
O embaixador Paulo Roberto de Almeida, crítico dos governos do PT e do atual, também ataca severamente o Foro, mas diverge dos olavistas. Para ele, o grupo foi “uma iniciativa de Fidel Castro para garantir os interesses cubanos” quando o bloco socialista liderado pela União Soviética estava acabando, por meio de “financiamentos e investimentos dos governos da América Latina” na ilha.
— Chávez foi uma mãe para Cuba. Essa ajuda de governos simpáticos pode ser feita de maneira legal, com programas como o Mais Médicos e empréstimos do BNDES ao porto de Mariel, por exemplo, ou ilegalmente — disse Almeida. — Olavo de Carvalho teve razão em denunciar o Foro nesse sentido, mas não teve razão na paranoia. Ninguém mais quer o comunismo, nem mesmo os cubanos.
O chanceler Araújo, que acusa o Foro de ter orquestrado uma "estrutura de corrupção" regional, defende a CPI para que, segundo disse, os sul-americanos "tenham elementos de informação" para escolher “entre um futuro de democracia e prosperidade e um futuro de pesadelo como aquele que a Venezuela está vivendo”. 
— Seria fundamental para mostrar à opinião pública o que é o Foro de São Paulo, quais os seus objetivos, quem realmente o comanda e quais os seus métodos de atuação — disse o ministro, que, sem apresentar provas, tem associado o Foro às recentes denúncias contra a Lava-Jato feitas a partir do vazamento de conversas em aplicativos de mensagens entre integrantes da força-tarefa do Ministério Público Federal e o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.
O encontro de 2018 do Foro, em Havana, foi marcado pelo debate sobre a situação na Nicarágua, onde o governo de Daniel Ortega reprimia manifestações opositoras. Partidos como a Frente Ampla do Uruguai se distanciaram do apoio majoritário a Ortega. A reunião de Caracas acontecerá em meio à maior crise política e econômica da história da Venezuela, de onde 4 milhões de pessoas saíram desde 2015. Em janeiro, Brasil, EUA e mais 52 países reconheceram o líder opositor Juan Guaidó como “presidente legítimo”, mas Nicolás Maduro continua no poder e a Noruega tenta agora mediar uma solução para o impasse. 
Segundo sua página na internet, o Foro se financia com contribuições dos partidos. Participantes avulsos, não representantes das legendas, pagam uma inscrição de US$ 50. Em Caracas será discutido, entre outros temas, o “pensamento anti-imperialista de Simón Bolívar versus a Doutrina Monroe” — a doutrina do século XIX (“a América para os americanos”) foi citada pelo conselheiro de Segurança Nacional americano, John Bolton, para atacar o apoio russo e cubano a Maduro.

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