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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Como eu ajudei (involuntariamente) um personagem bizarro a virar um chanceler acidental - Paulo Roberto de Almeida

Como eu ajudei (involuntariamente) um personagem bizarro a virar um chanceler acidental 
 
    Eu ainda não tinha visto, mas amigos que receberam me enviaram:

        Na verdade, eu não gostei muito dessa entrevista. Quando ela foi feita (mais de 3 horas), eu estava esgotado, pois não havia dormido nada na noite anterior e tinha passado o dia correndo de um lado para outro; fiquei totalmente esquecido, trocando datas, repetindo coisas. 
        Achei ruim a minha entrevista, sinceramente, porque eu já estava quase dormindo sentado. O resto da entrevista (antes) talvez seja melhor, mas tudo o que eu disse corresponde exatamente à verdade do que ocorreu naqueles tempos loucos do início do bolsolavismo diplomático. 
        Quem quiser um relato mais circunstanciado, pode acessar o meu livro Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, escrito e publicado digitalmente em junho de 2019, menos de seis meses do início do governo dos malucos. 
        Sorte do EA, que foi defenestrado em março de 2021: poderia estar no banco dos réus se tivesse continuado a destruir a diplomacia brasileira na companhia dos golpistas.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Mensagem a meus colegas diplomatas, da ativa e aposentados (como eu) - Paulo Roberto de Almeida

 Mensagem a meus colegas diplomatas, da ativa e aposentados (como eu)

        Muitos sabem, talvez os mais jovens não saibam, que eu não tive nenhum cargo na SERE de 2003 a 2016, ou seja, durante toda a duração dos primeiros governos lulopetistas. Fui novamente chamado a exercer um cargo, apenas acadêmico, não executivo, como diretor do IPRI, de agosto de 2016 ao início de 2019, quando o Itamaraty foi literalmente assaltado pela franja lunática dos antiglobalistas. Fui demitido do IPRI, com alívio, pois me sentiria muito mal tendo de servir a um governo e a uma administração na SERE totalmente esquizofrênicos. Como vários sabem, escrevi quatro livros contra o bolsolavismo diplomático – começando por Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019) e terminando por O Itamaraty Sequestrado (2022), todos digitais, mas concluindo o ciclo pelo livro impresso Apogeu e Demolição da Política Externa (Appris, 2022), cobrindo 30 anos de diplomacia, nos seus altos e baixos.
        No intervalo, durante o segundo ano do bolsolavismo esquizofrênico, tentei articular um projeto de "resistência clandestina" aos malucos da Casa de Rio Branco e uma espécie de planejamento para o período de reconstrução, após as eleições de 2022. Enviei correspondência bilateral para mais de meia centena de colegas, de meu conhecimento, pedindo sugestões para uma agenda futura de trabalho. Talvez por temor, talvez pela turbulência da pandemia em seu início, recebi poucas sugestões (todas registradas, um dia farei um relato, não nominal), e dei por encerrado o exercício.
        Obviamente que apoiei a luta contra o bolsonarismo delirante, ainda que o resultado não fosse o ideal.
        Pois bem, confirma-se agora que a atual diplomacia do lulopetismo declinante está engajando o Brasil,  acintosamente, abertamente, decididamente numa vertente bastante negativa para todo e qualquer diplomata consciente de nossa doutrina, de nossos valores e princípios, aliás para todo e qualquer cidadão benm informado, aqueles que eu acredito que contemplem com extrema rejeição a aliança do Brasil com duas grandes autocracia e vários outros regimes autoritários numa agenda claramente antiocidental, em busca de uma mal definida "nova ordem global multipolar".
        Todos os que me conhecem, e que acompanham eventualmente o que escrevo (no Diplomatizzando ou em outros canais), sabem exatamente o que eu acho desse projeto míope, desviante, prejudicial ao Brasil e ao seu conceito diplomático.
Esta nota serve apenas como denúncia de uma deriva deformadora das melhores tradições do Itamaraty e de sua diplomacia profissional.
Creio que as últimas manifestações do chefe de Estado e da diplomacia já provaram que há uma ruptura clara com nossa postura independente e autônoma em relação aos conflitos interimperiais e quaisquer enfrentamentos entre grandes potências (o que talvez nem seja mais o caso, dada a clara aderência do outrora "farol da democracia" ao neoczarismo expansionista).
        Lamento por meus colegas diplomatas, lamento pelo Brasil, lamento pela quebra das diretivas que sempre guiaram nossa política externa no caminho da independência em relação aos enfrentamentos geopolíticos, que não têm absolutamente nada a ver com nossos interesses nacionais.
        Estarei atento aos desenvolvimentos nessa área.
        Com pesar, mas com confiança, um abraço a todos os meus colegas diplomatas.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de junho de 2025

terça-feira, 24 de junho de 2025

Ex-embaixador Ricupero aponta incoerência da diplomacia brasileira sobre Irã e Ucrânia (VEJA+)

Ex-embaixador Ricupero aponta incoerência da diplomacia brasileira sobre Irã e Ucrânia

VEJA+, 24 de jun. de 2025
https://www.youtube.com/watch?v=BaTowtrvAUI

Na nova edição do Ponto de Vista, o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Ricupero, comenta a reação do governo brasileiro ao ataque israelense contra instalações nucleares do Irã. Em conversa com Robson Bonin e Marcela Rahal, o diplomata avalia a nota divulgada pelo Itamaraty, que condenou “com veemência” a ação de Israel.


“Do ponto de vista formal, a nota está correta. O ataque é ilegal e não foi autorizado pela ONU. Mas é curioso: a nota do Brasil foi mais dura do que a da China”, afirma Ricupero.

O embaixador também destaca o contraste da posição brasileira em relação à guerra na Ucrânia. “Lá, o governo evita condenar a Rússia. Isso gera uma percepção de incoerência”, diz.

Ricupero analisa ainda o contexto regional e internacional envolvendo o Irã: “Nenhum país deseja que o Irã adquira armas nucleares. Por isso, há até certo alívio mundial com o prejuízo ao programa nuclear iraniano.”

Assista à análise completa sobre a guerra no Oriente Médio, os bastidores da diplomacia internacional e os impactos da política externa brasileira neste cenário delicado.

domingo, 22 de junho de 2025

Uma nota emitida e outra que nunca foi emitida pelo Itamaraty: Irã e Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida, Itamaraty (Planalto)

Uma nota emitida e outra que nunca foi emitida pelo Itamaraty: Irã e Ucrânia


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre as diferenças de tratamento diplomático com respeito a dois eventos similares.

        Durante cerca de meio século tomei conhecimento, regularmente, das notas emitidas pelo Itamaraty, ao qual servi por um período quase equivalente, a maior parte sobre questões relevantes da agenda internacional – guerras, violações da Carta da ONU, grandes desastres humanitários –, mas também sobre questões habituais da vida cotidiana – inundações, graves catástrofes naturais –, assim como congratulações e cumprimentos por ações meritórias de cooperação internacional, em benefício de países em desenvolvimento, por exemplo. O Itamaraty é, provavelmente, o maior emissor de notas das Américas, talvez do mundo. Estou seguro de que os diplomatas que trabalham na área, dedicada à informação de nossos parceiros externos, à mídia brasileira e internacional, ao público em geral, estão atentos ao que se passa no mundo, para redigir notas naquele diplomatês habitual, que são em seguida submetidas aos superiores, antes da expedição final; algumas dessas notas são negociadas exaustivamente com o Palácio do Planalto antes da divulgação, tal a importância do assunto.
        Pois bem, tomei conhecimento, neste domingo 22/06/2025, da nota transcrita por extenso in fine, da qual extraio e transcrevo apenas alguns trechos, tomando uma simples providência: substituir o objeto atual da nota, o ataque americano às instalações nucleares do Irã, pelos equivalentes funcionais relativamente aos ataques russos à Ucrânia, e isso por um único e exclusivo motivo: nos últimos três anos e meio – ou seja, compreendendo também o governo precedente, de Jair Bolsonaro – não me lembro de ter lido, em qualquer momento e por quaisquer motivos, notas semelhantes ou similares do Itamaraty, o que absolutamente não compreendo, pois que eventos e consequências são notavelmente equivalentes:

        “O governo brasileiro expressa grave preocupação com a escalada militar "na Ucrânia" e condena com veemência, nesse contexto, ataques militares "da Rússia e, mais recentemente, da Coreia do Norte", contra as instalações nucleares "de Zaporizhia e demais instalações civis", em violação da soberania "da Ucrânia" e do direito internacional. Qualquer ataque armado a instalações nucleares representa flagrante transgressão da Carta das Nações Unidas e de normas da Agência Internacional de Energia Atômica. Ações armadas contra instalações nucleares representam uma grave ameaça à vida e à saúde de populações civis, ao expô-las ao risco de contaminação radioativa e a desastres ambientais de larga escala. (...)
        O Brasil também repudia ataques "russos" contra áreas densamente povoadas, os quais têm provocado crescente número de vítimas e danos a infraestrutura civis, incluindo instalações hospitalares, as quais são especialmente protegidas pelo direito internacional humanitário.”

        Volto a dizer: desde o início das invasões ilegais da Rússia contra a Ucrânia, começando pela anexação da península da Crimeia, em 2014, culminando com a guerra de agressão atual, que se desenrola desde fevereiro de 2022 (mas antes também), não me lembro de ter lido qualquer nota do Itamaraty condenando “com veemência” as violações da Rússia contra a soberania da Ucrânia e contra a própria Carta da ONU. Não me lembro de qualquer nota a respeito dos inúmeros bombardeios russos contra instalações civis, inclusive hospitais, maternidades, escolas, com muitas vítimas inocentes, e quase nenhuma instalação militar ucraniana. Em contraste, os ataques ucranianos em defesa do seu território e contra o próprio território russo são invariavelmente dirigidos a instalações militares e de produção bélica.
        Choca-me, a indiferença, não do Itamaraty, mas dos seus chefes no Planalto, no tocante às barbaridades perpetradas pela Rússia contra a soberania, a população civil e o patrimônio físico da Ucrânia, mesmo em face dos ataques mais chocantes em nítida violação da Carta da ONU e de todos os protocolos humanitários. Repito: estou chocado, e não é com o Itamaraty: ele é vítima de uma política caolha, viciada e viciosa, que mancha a credibilidade e a humanidade da diplomacia profissional brasileira.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4902, 22 junho 2025, 2 p.

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NOTA À IMPRENSA Nº 276
Ataques a instalações nucleares do Irã
Publicado em 22/06/2025 14h10

O governo brasileiro expressa grave preocupação com a escalada militar no Oriente Médio e condena com veemência, nesse contexto, ataques militares de Israel e, mais recentemente, dos Estados Unidos, contra instalações nucleares, em violação da soberania do Irã e do direito internacional. Qualquer ataque armado a instalações nucleares representa flagrante transgressão da Carta das Nações Unidas e de normas da Agência Internacional de Energia Atômica. Ações armadas contra instalações nucleares representam uma grave ameaça à vida e à saúde de populações civis, ao expô-las ao risco de contaminação radioativa e a desastres ambientais de larga escala.

O Governo brasileiro reitera sua posição histórica em favor do uso exclusivo da energia nuclear para fins pacíficos e rejeita com firmeza qualquer forma de proliferação nuclear, especialmente em regiões marcadas por instabilidade geopolítica, como o Oriente Médio.
O Brasil também repudia ataques recíprocos contra áreas densamente povoadas, os quais têm provocado crescente número de vítimas e danos a infraestrutura civis, incluindo instalações hospitalares, as quais são especialmente protegidas pelo direito internacional humanitário.
Ao reiterar sua exortação ao exercício de máxima contenção por todas as partes envolvidas no conflito, o Brasil ressalta a urgente necessidade de solução diplomática que interrompa esse ciclo de violência e abra uma oportunidade para negociações de paz. As consequências negativas da atual escalada militar podem gerar danos irreversíveis para a paz e a estabilidade na região e no mundo e para o regime de não proliferação e desarmamento nuclear.
Categoria: Comunicações e Transparência Pública

sábado, 7 de junho de 2025

Itamaraty: Entre a Excelência e a Irrelevância Estratégica - Marcus Vinícius De Freitas (Diário de S. Paulo)

 COLUNA

Itamaraty: Entre a Excelência e a Irrelevância Estratégica

Análise do prestígio do Itamaraty e sua influência global limitada. - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
Análise do prestígio do Itamaraty e sua influência global limitada. - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Diário de S. Paulo, 29/05/2025


Poucos países no mundo desfrutam de um corpo diplomático tão respeitado internamente quanto o Brasil. O Itamaraty — nome que evoca tradição, disciplina e prestígio — consolidou-se ao longo do século XX como um dos pilares da burocracia nacional. Sua reputação repousa sobre os ombros de uma instituição meritocrática, de alta formação humanística e técnico-linguística, capaz de formar quadros admirados por sua erudição e sobriedade. No entanto, há um descompasso evidente entre esse prestígio interno e a sua real capacidade de influência no sistema internacional contemporâneo.

Talvez a imagem mais contundente desse descompasso tenha sido proferida, com brutal franqueza, por um então diplomata israelense em 2014, quando o Brasil, por se posicionar contra a ofensiva militar em Gaza, foi chamado de “anão diplomático”. A frase causou indignação nacional — e com razão. Mas, passada a fúria retórica, resta a inquietação: por que uma diplomacia tão respeitada em casa projeta tão pouca força simbólica e propositiva no sistema internacional? Ter sido chamado de “anão diplomático” por defender a paz foi injusto. Mas é também incômodo perceber que o Brasil, fora da retórica previsível, pouco influencia de fato os rumos da ordem internacional. O episódio, mais do que uma ofensa, foi um sintoma.

O Itamaraty é mais do que um ministério: é uma cultura. E talvez seja justamente aí que resida seu limite. Pois uma cultura que se perpetua sem se atualizar, por mais sofisticada que seja, acaba por se tornar anacrônica. É como um discurso que se mantém batido, reiterado, reverenciado, mas que não é substituído — não porque ainda tenha frescor, mas porque não houve a coragem ou a imaginação para criar algo novo. Algo fluido, corrente, que segue sendo pronunciado por hábito e inércia, e não por necessidade ou urgência histórica.

E poucos exemplos ilustram tão bem esse fenômeno quanto o ritual anual do discurso brasileiro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Ano após ano, o Brasil ocupa o primeiro lugar na tribuna de Nova Iorque com variações do mesmo discurso: defesa do multilateralismo, apelo à reforma do Conselho de Segurança, exaltação da paz, do desenvolvimento e da solidariedade entre os povos. Tudo correto, tudo louvável, tudo… previsível. Falta risco, falta visão, falta liderança propositiva. O Brasil não comparece à tribuna como quem redesenha o mundo, mas como quem cumpre o protocolo de quem já foi ouvido — e hoje apenas se apresenta.

Não se pode exigir de uma diplomacia aquilo que um país não deseja ser. Nenhuma política externa é mais ambiciosa do que o horizonte do próprio Estado que a conduz. E, infelizmente, o Brasil, ao longo das últimas décadas, tem oscilado entre projetos tímidos, retrações provincianas e um entusiasmo retórico dissociado de meios materiais. O Itamaraty, por mais sofisticado que seja, não substitui a ausência de um projeto nacional coerente de inserção internacional. Em contextos onde esse projeto se delineou com alguma clareza — como na aposta no Sul Global e na governança multipolar — a diplomacia brilhou. Nos demais, reverteu-se à burocracia cerimonial, à retórica de conveniência ou ao vazio doutrinário.

Não se pode ignorar, também, um elemento estrutural da atual estagnação diplomática: a forma de recrutamento dos diplomatas brasileiros. Embora o Instituto Rio Branco seja, indubitavelmente, um dos centros formadores mais exigentes e sofisticados do Estado brasileiro, há uma desconexão entre o perfil exigido pelo concurso e as competências requeridas pelo mundo real. O processo de seleção, em sua essência, privilegia o candidato melhor treinado para o concurso, e não necessariamente aquele com as virtudes práticas, culturais e geopolíticas para representar o Brasil em contextos adversos e mutáveis. O excesso de ênfase em disciplinas abstratas e o peso do academicismo tradicional fazem com que muitas vezes os aprovados dominem regras, mas não os códigos culturais das grandes transições em curso. Num mundo onde a Ásia se torna o novo centro de gravidade, onde se exige domínio não apenas de idiomas, mas de mentalidades civilizacionais diversas, talvez seja hora de repensar profundamente o perfil do diplomata brasileiro. É preciso ousar para ter sucesso no século XXI.

Além disso, impõe-se uma reflexão inadiável sobre a conduta pública dos servidores do Estado — e, em particular, dos diplomatas. A neutralidade institucional, elemento basilar da estabilidade e credibilidade do serviço público, vem sendo corroída por aproximações político-partidárias de agentes que, ao se alinharem a esta ou aquela ideologia, confundem sua condição de cidadãos com o papel técnico e impessoal que devem desempenhar. O Ministério das Relações Exteriores só pode ter uma orientação: o interesse nacional. Qualquer matiz ideológico, por mais bem-intencionado que pareça, conspurca a objetividade das ações diplomáticas e compromete a confiança que deve existir entre o Estado e sua representação externa. Servidores públicos devem ter, sim, o direito à opinião — mas jamais à sua publicização quando esta se sobrepõe ao dever de discrição e lealdade institucional.

O futuro do Itamaraty dependerá menos da manutenção de sua aura de excelência e mais da sua capacidade de reconectar-se com as transformações do mundo real. Ser sofisticado é apenas o começo. Mas ser relevante é o que, realmente, importa.

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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Discurso na comemoração do Dia do Diplomata, lido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin

Com pequenas exceções, que destacarei em postagem à parte, o teor do discurso tem um copyright quase completo do Itamaraty, em sua vertente progressista lulopetista. PRA

Discurso na comemoração do Dia do Diplomata

Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lido pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, na cerimônia de comemoração do Dia do Diplomata, em 27 de maio de 2025, em Brasília.  (27/05/2025)

Ao longo de quase onze anos como presidente, tive o privilégio de comparecer a quase todas as formaturas de egressos do Instituto Rio Branco.

Com a cerimônia de hoje, cerca de 700 diplomatas já se formaram em meus três mandatos.

Eles correspondem a quase metade dos 1.600 membros do corpo diplomático brasileiro.

Em seus 80 anos de existência, o Instituto Rio Branco contribuiu de forma decisiva para o profissionalismo do serviço exterior brasileiro e foi fundamental para a inserção internacional do país.

Mas o peso da responsabilidade que recai sobre a diplomacia brasileira é hoje maior do que nunca.

Voltei a ser presidente em uma época de negação da política.

Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia. 

Na política, a democracia está em perigo.

O extremismo ameaça as instituições pelas quais Eunice Paiva, homenageada pelos formandos de 2024, e muitos outros lutaram para construir e defender.

Na diplomacia, cresce o unilateralismo.

Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.

Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.

O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, paraninfa desta turma, retrata em sua obra o silenciamento da população negra.

Indígenas e mulheres partilham dessa dor.

Migrantes são criminalizados por desejarem uma vida melhor.

Levado às últimas consequências, o apagamento do outro leva a seu extermínio.

A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal.

O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes.

A comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino.     

Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.

Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.

 A única solução é o diálogo entre as partes.

Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.

Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos.

Esse equívoco contaminou, nos últimos anos, o processo de integração em nossa região.

Dar prioridade ao entorno não é uma escolha, é uma necessidade.

Estradas, ferrovias e linhas de transmissão não têm ideologias.

A circulação de pessoas e de bens passa ao largo das desavenças entre governantes.

Reunir os doze presidentes sul-americanos, como fizemos em 2023, tornou-se praticamente impossível.

Mas o Brasil não pode perder do horizonte a revitalização dos órgãos da integração. Precisamos reconstruir a UNASUL e dotar a CELAC de maior institucionalidade.

Em junho, promoveremos a segunda Cúpula Brasil-Caribe.

Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global.

O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas.

Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil.

Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos.

A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador.

Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura.

A Ásia como um todo vem-se consolidando como eixo dinâmico da economia global.

Temos no Japão um parceiro de longa data e na Índia um vasto campo inexplorado de colaboração.

Com vários países do Sudeste Asiático, já temos volume de comércio superior ao que possuímos com sócios tradicionais.

A relação com a Europa continua estratégica.

Dentro de alguns dias estarei na França, país importante na construção de uma ordem multipolar.

O acordo Mercosul-União Europeia é um símbolo contra o protecionismo.

Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.

Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.

A defesa dos valores democráticos é, hoje, a mais importante missão que compartilhamos.

Laços históricos conectam o Brasil não só ao continente europeu, mas também ao africano.

Temos com a África uma dívida que só pode ser paga em solidariedade, cooperação e transferência de tecnologia.

Foi com esse espírito que realizamos na semana passada o Segundo Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, e que se encerrou com a visita de Estado do presidente João Lourenço, de Angola.

Em breve, sediaremos, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos BRICS.

O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945.

Quando a ONU foi fundada, ela contava com apenas 51 membros. Hoje somos 193 nações na organização.

Não é admissível que cinco países tornem os demais reféns de suas vontades e interesses.

A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.

Há quem critique o conceito de Sul Global, argumentando que somos muito diferentes entre nós.

Mas países de renda baixa e média continuam na periferia de um sistema que só beneficia o centro.

Os países ricos foram, historicamente, os grandes responsáveis pela mudança do clima, mas serão os mais pobres quem sofrerão o maior impacto.

A noção de justiça climática será crucial na COP30, em Belém.

É preciso lembrar que embaixo de cada árvore há uma pessoa.

É inconcebível que se gastem 2,4 trilhões de dólares por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

A presidência brasileira do G20 deixou como legado a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que está trabalhando para erradicar esses flagelos de uma vez por todas.

Caras formandas e caros formandos,

O multilateralismo é ferramenta fundamental para que o Brasil atinja seus objetivos nacionais.

Não poderemos falar em justiça tributária sem que haja um entendimento internacional sobre a tributação de super-ricos.

Não conseguiremos coibir violações de direitos em plataformas digitais sem que haja um esforço coletivo para regulá-las.

Não lograremos preservar a Amazônia sem que todos os países façam sua parte para combater o aquecimento global.

O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente.

Precisamos combater o extremismo e as desigualdade lá fora com o mesmo vigor com que lutamos aqui dentro.

Em pouco mais de um mês, nos despedimos do Papa Francisco, do presidente Mujica e do fotógrafo Sebastião Salgado.

O humanismo e a solidariedade que eles representavam são fonte de inspiração para o mundo.

A ciência mostrou recentemente que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.

Sem desconsiderar a história de violência por trás da miscigenação que nos caracteriza, é significativo que o povo brasileiro tenha a pluralidade inscrita em seu DNA.

Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior.

As recentes premiações do cinema brasileiro em festivais internacionais dão prova da vitalidade da cultura nacional e da nossa política audiovisual.

Quero aproveitar essa cerimônia para cumprimentar Fernanda Torres, Walter Salles, Kleber Mendonça, Wagner Moura e todos os que contribuíram para esse feito.

Estou certo de que a turma Eunice Paiva contribuirá para continuar fazendo do Brasil uma força positiva para a humanidade e para o planeta.

Muito obrigado.


domingo, 12 de janeiro de 2025

Crítica "afrobrasileira" à "Lei de Cotas" no Itamaraty - Frei David Santos (ICL)

Sociedade

Revogada a Lei de Cotas no Itamaraty?

Perfil que o Instituto Rio Branco deseja não comporta, nem na teoria nem na prática, o verdadeiro negro brasileiro 

Por Frei David Santos*

ICL Notícias, 28/12/2024

https://iclnoticias.com.br/revogada-a-lei-de-cotas-no-itamaraty/

 

O Instituto Rio Branco (IRBr), criado em 1946, é o principal projeto das elites, até os dias atuais. Neste projeto, nunca teve espaço para o povo afro-brasileiro.

Em 1959, jornais cariocas se solidarizaram com o professor da Universidade do Brasil (hoje, UFRJ), José Pompilio da Hora, outro homem brilhante, mas negro, preto retinto, que “foi barrado [pelo Instituto Rio Branco], sem que lhe dessem a menor satisfação ou explicação”. Em plena campanha presidencial, o Marechal Lott denunciou, publicamente, ao presidente Juscelino, o preconceito racial no Itamaraty.

Em seguida à repercussão da denúncia na opinião pública, em 1961, a política, não a burocracia, cedeu brevemente, quando o presidente Jânio Quadros nomeou Souza Dantas como primeiro embaixador negro do Brasil e o enviou para Gana (e, não, para um país europeu).

A pedra inaugural da posição do negro no Itamaraty foi então assentada: haveria, ainda que a contragosto da burocracia diplomática, negros na casa do Barão, porém distinguindo um negro desejável e um negro indesejável.

O ministério que apresenta a imagem do Brasil no exterior não quis e, ainda hoje, não quer que essa imagem reflita alhures a inegável africanidade do país para além do discurso.

O negro, se útil, seria em Gana, não na Suécia; se desejável, seria um pardo claro, não um retinto, independentemente de suas qualificações (foi a absurda negação da entrada no Itamaraty do ex Ministro Joaquim Barbosa – por três vezes) ou alguém é suficientemente superficial para dizer que o diplomata brasileiro é superior, em qualificação, a um ministro do STF – cargo atingido pelo Ministro Joaquim?

Por volta do ano 1970, um jovem afro-brasileiro, que sonhava lutar pela paz no mundo, hoje na atuação contra os equívocos do Itamaraty foi humilhado, ainda quando o Instituto Rio Branco funcionava no Rio de Janeiro: foi pedir orientação para ingressar na carreira de diplomata e a pessoa que o atendeu, o fez entender que estava num lugar errado. Buscou outro caminho (franciscanos) para lutar pela paz que vem pela conquista dos direitos iguais de todos/as – negros e brancos.

É verdade que, 40 anos mais tarde, em 2002, o Itamaraty foi pioneiro na implementação de uma política de ações afirmativas, provendo bolsas de estudos para financiar a caríssima preparação (que envolve provas de 4 idiomas e outras 7 disciplinas) a candidatos, sic, “afrodescendentes”, quase uma década antes da aprovação da Lei de Cotas de 2014.

É também verdade, porém, que, com esse pioneirismo, o Itamaraty pôde especificar – e garantir, antes de ser obrigado ao contrário – muito bem qual “tipo” de negro que, qualquer que fosse a lei decidida pelo legislador, o ministério aceitaria em seus quadros: o poliglota, o educado em cultura europeia, o representante da miscigenação e do mito da democracia racial, enfim, aquele que tivesse todas as características, exceto as físicas de um afro-brasileiro, para representar a diplomacia brasileira.

Nesse sentido, é muito conveniente ao Instituto e ao Ministério a autodeclaração do candidato. Visto que o objetivo da diplomacia não é e nunca foi incluir em seus quadros a diversidade racial afro-brasileira. Premia-se prioritariamente candidatos pardos claros, que nunca receberam um “enquadro” da polícia.

Nada muito diferente das respostas que a Educafro recebe, até hoje, em 2024.

Ora, o que ninguém parece querer questionar é o processo em si, ele próprio excludente. As cotas raciais poderiam ser de 50% e ainda assim não se teria um resultado favorável aos candidatos negros quando, até 2023, se exigia fluência em “inglês, espanhol e francês”. A reserva de vagas poderia ser de 80% e ainda assim não se ocupariam todas as vagas quando há provas ao longo de 4 dias e 9 ou 10 horas por dia, inclusive em dias úteis. A política de ação afirmativa poderia prever 100% das vagas e ainda assim não seria efetiva para os negros se o ministério repetisse, como fizeram em 2024, a convocação para a entrevista, presencial em Brasília, com apenas 15 horas de antecedência, impondo custos altíssimos de passagens de última hora aos convocados.

Mas o pior de tudo é a farsa de permitir a inscrição como negro, só com a autodeclaração dos candidados e só colocar a banca de heteroVerificacao no fim do processo. Escancara a porteira para a entrada de brancos desonestos que, com algumas seções de bronzeamento, enganam as bancas de heteroVerificacao.

Agora em 2024, foram aprovados, dentro das cotas, nada menos do que 4 apontados pela Educafro como potenciais fraudadores das cotas raciais, denunciados por não apresentarem, conforme comando legislativo, “traços fenotípicos negros”. E o mais grave: nos concursos anteriores se candidataram como brancos. Lembram do caso do ACM Neto, que pegou bronzeamento para roubar as verbas eleitorais do povo afro-brasileiro?

O perfil idealizado que o Instituto Rio Branco deseja não comporta, nem na teoria nem na prática, o verdadeiro negro brasileiro. E por verdadeiro negro não estamos falando apenas em pretos retintos como Barbosa e Pompilio da Hora, mas os negros com verdadeiros traços negros, e não só uma pele bronzeada e cabelos naturalmente lisos.

E isso porque inclusive os que chegam perto de alcançar os hercúleos padrões de admissão do concurso para diplomata são violentados pelas notas boas dos pardos claros que sempre pagaram cursinhos caros para atingirem excelentes notas e derrubar os afro-brasileiros.

Todos os candidatos que denunciamos, além de não terem fenótipo negro, nunca antes haviam concorrido pelas cotas raciais no concurso do Itamaraty. Sem falar que nunca moveram uma palhaçada na defesa do povo afro-brasileiro que é exterminado pela polícia.

Tentaram por anos, alguns por cinco anos consecutivos, a aprovação na ampla concorrência, e só agora, em 2024, mudaram de categoria e, motivados por seus cursinhos caros (que revelam a fragilidade do processo do Itamaraty), mudaram e concorreram nas cotas de negros.

Isso ocorre anualmente: candidatos não-negros da ampla concorrência cansam de não atingirem os elevadíssimos padrões de seleção e decidem usar as cotas de forma deturpada, não para corrigir desigualdades estruturais históricas, mas para limitar seu uso por seus verdadeiros destinatários, anulando seu objetivo de trazer mais diversidade racial às instituições públicas e de superar o preconceito racial de marca no Brasil.

Infelizmente, essa prática é incentivada pelo próprio Instituto, que não pune e, ao contrário, aprova ano após ano mais e mais candidatos que, “de repente”, descobrem-se negros e mudam de categoria. Isso deveria ser surpreendente, mas não é, visto que, na prática, a diversidade é uma meta secundária no ministério, instituição que prima por um negro desejável, muito bem representado por esses candidatos não-negros com plena passabilidade branca e que dificilmente sofreram qualquer restrição de acesso profissional ou atos racistas ao longo de toda uma vida.

Há relatos gravíssimos, plenamente e propositalmente ignorados pela Diretoria do IRBr, de que parte desses candidatos, todos aprovados, cometeu verdadeira fraude: alguns, sem qualquer traço negroide natural, apareceram bronzeadíssimos na entrevista, como se retornassem de férias no Nordeste; outros não economizaram em pomada de cabelo e baby-liss para criar cachos temporários e tentar um traço negro; há quem tenha ido de boné ou outros apetrechos para mascarar dos colegas cotistas sua não-negritude; há quem tenha sobrenomes (e traços!!) europeus mas tenha apresentado um suposto “laudo antropólogo” comprado na Internet por R$ 1.800,00 ou “exame dermatológico” que sequer fazem sentido nem como conceito nem como fator de identificação racial.

Ora, nunca vi um segurança racista de loja pedir qualquer laudo ou exame antes de me seguir pelos corredores.

De novo, não se trata de limitar a política de cotas raciais aos retintos, ainda que o Itamaraty tenha uma grande, enorme dívida em relação a eles. Trata-se, em verdade, de aplicá-la corretamente aos negros, sejam eles negros-pretos sejam eles negros-pardos. Jamais pardos-brancos, como alerta o voto do Ministro Lewandowisky, na ADPF 186.

E o Itamaraty não o faz porque não quer. Nisso, a diplomacia brasileira é sutil ao impor seu desejo e obsessão pelo pardo claro: o Instituto realiza entrevista presencial, (com data nao definida nos editais) e convocada menos de 24 horas antes. Mais de 90% dos verdadeiramente destinatarios das ações afirmativas não tem dinheiro para ascabsurdas passagens de avião e hotel.

Há apenas uma aparência de formalidade e de seriedade. Temos que combater esse absurdo!

A situação é ainda pior na comissão recursal, composta por três membros e que, para indeferir os recursos daqueles milagrosamente eliminados na primeira entrevista, só pode indeferir um recurso se houver unanimidade. Deste modo, com apenas um voto coringa de alguém despreparado tematicamente, a despeito de eventual oposição dos outros dois membros, defere-se automaticamente a apelação do candidato antes eliminado no resultado preliminar.

É assim que o Itamaraty consegue manter em seus quadros apenas o que entendem por desejáveis.

A Educafro continuará denunciando e acompanhando a aplicação da Lei por este ministério que aparentemente se vê e se posiciona acima dela. Não retrocederemos.

No curto prazo, não aceitamos menos do que a abertura de processos administrativos individuais para apurar cada um daqueles que acusamos como possíveis fraudadores nos concursos com resultado em 2024 (concurso 2023 e concurso 2024), listas já há muito tempo em mãos da Diretora do IRBr.

Especial atenção deve ser dada àqueles que foram negados por outras comissões, mais sérias, de outros concursos e àqueles que apenas agora, após anos na categoria de ampla concorrência, migraram (e ocuparam!) vagas de negros.

A exemplo da Ação Civil Pública n.º 1.16.000.002612/2017-78, de 2017, solicitada pela EDUCAFRO Brasil ao MPF pelas mesmas razões e problemas que, agora, 7 anos mais tarde, se repete.

Continuaremos denunciando e, se necessário, judicializando a antipolítica de ação afirmativa do Itamaraty.

No médio prazo, não aceitaremos menos do que um concurso exclusivo para negros, com vistas à reposição de todas as vagas que nos foram tolhidas ao longo dos últimos 10 anos pela má aplicação das cotas raciais. A AGU já autorizou uma universidade a adotar esse método.

O presidente Lula, em sintonia com o gesto da RAMPA da posse, em ato político, muito demonstraria seu compromisso com nosso povo se desse o primeiro passo nessa direção, contornando a burocracia diplomática desinteressada no povo negro, a exemplo de Lott, de Kubitschek e de Quadros.

Além de interromper as injustiças no concurso atual, é urgente que a Presidência encomende auditoria externa no MRE, com participação da sociedade civil, para apuração individual de todas as nomeações e promoções de candidatos como negros desde o advento da lei de cotas. Queremos, no concurso de 2025 a devolução, em concurso somente para negros/as, das vagas injustamente ocupadas.

No longo prazo, não aceitaremos menos do que um lugar permanente para o povo negro na diplomacia brasileira, povo este que deve ser desejável simplesmente por compor a população brasileira, e não por travestir-se de branco.

Perdoem-me a provocação no  título deste artigo. Não foi revogada a lei de cotas no Itamaraty; lá, na verdade, ela nunca teve plena vigência.

 

*OFM Diretor Executivo da EDUCAFRO Brasil


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Já que estamos falando de Conselho Nacional de Política Externa (para vigiar o Itamaraty), um artigo de 2014 - Paulo Roberto de Almeida

 2624. “Novos atores na diplomacia brasileira: o Itamaraty passará a ser ‘assessorado’ por um Conselho Nacional de Política Externa?”, Hartford, 30 junho 2014, 2 p. Considerações sobre trecho de resolução do Consea (Segurança Alimentar) que recomenda a criação de um CNPE, na linha da participação “social”. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/o-bolivarianismo-soft-dos-companheiros.html).

Novos atores na diplomacia brasileira: o Itamaraty passará a ser “assessorado” por um Conselho Nacional de Política Externa?

 

Paulo Roberto de Almeida

Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/o-bolivarianismo-soft-dos-companheiros.html).

 

Uma das características do aparelhamento do Estado brasileiro pelo Partido dos Trabalhadores, hegemônico na atual conjuntura política brasileira, tem sido a penetração das diversas instâncias decisórias e consultivas do governo federal por meio de organizações políticas que se proclamam participantes interessados em determinadas políticas setoriais. Essa infiltração se dá mediante organizações que são aparentemente autônomas, ou seja, consideradas como sendo da “sociedade civil”, mas que são, de fato, controladas pelo PT ou por grupos que se movimentam no mesmo espectro ideológico. 

O objetivo, obviamente, é o de controlar, ou pelo menos constranger, os decisores políticos e a própria burocracia profissional de cada um dos setores visados, preferencialmente aqueles com maior interface social. Aqueles setores de maior relevância social são objeto da criação de “conselhos nacionais”, cuja institucionalidade foi estimulada desde o início do governo do PT, em 2003. A metodologia é conhecida: o governo já aparelhado pelos companheiros do PT estimula a formação de Conselhos Nacionais, e depois passa a convocar encontros nacionais, organizados cuidadosamente pelo próprio governo, aos quais, sem surpresas, são convidados preferencialmente – ou exclusivamente? – órgãos e movimentos controlados pelo próprio partido hegemônico. 

Trata-se aqui de uma típica tática gramsciana – que os franceses chamariam de noyautage –, como várias outras utilizadas pelo partido hegemônico, que já domina uma fração substancial do movimento sindical: por meio de decisões aprovadas de forma aparentemente “consensual” nesses encontros nacionais dos “conselhos” que o próprio partido hegemônico criou dentro da máquina governamental, os companheiros gramscianos pretendem guiar e controlar a adoção de políticas que confirmariam justamente sua hegemonia, não mais apenas sobre o governo, mas sobre toda a sociedade brasileira. Recorrendo não apenas ao velho Gramsci – que poucos dos companheiros leram de fato – mas sobretudo a recomendações dos companheiros cubanos – eles, sim, presentes, direta e indiretamente, via Foro de São Paulo e outros canais menos transparentes –, os seus companheiros tupiniquins cercam todas as possibilidades de ter a sociedade brasileira sob seu controle. Não que eles pretendam fazer o Brasil adotar um modelo de organização social e política baseado no socialismo à la cubana, pois eles não seriam estúpidos a esse ponto: a intenção é a de “apenas” controlar o capitalismo brasileiro, fazendo com que este alimente, sustente e subsidie o seu próprio poder monopólico, se possível por prazo indefinido.

Não existe, até o momento, nenhum Conselho Nacional de Política Externa, mas se depender do partido dos companheiros poderá existir algum dentro de breve tempo, pelo menos no que depender da continuidade das tentativas bolivarianas e da possível implementação do famoso decreto n. 8.243, que instituiu uma “política nacional de participação social”. As pressões para a criação de um conselho desse tipo existem e devem ser reforçadas, independentemente do destino final que tenha tal decreto, e elas são exercidas em diversas instâncias. Pode-se ler, por exemplo, numa declaração emitida ao final da “IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional”, realizada em Brasília, de 18 a 20 de março de 2014, o seguinte trecho, que interessa de perto às atividades da diplomacia brasileira (ênfase acrescida):

Na área internacional, faz-se necessário que o direito humano à alimentação adequada (DHAA) e à soberania e a segurança alimentar e nutricional (SSAN) orientem as relações transfronteiriças e as obrigações extraterritoriais, as negociações internacionais de clima, comércio e tratados bilaterais, bem como projetos de investimentos de empresas estrangeiras no Brasil e de empresas brasileiras realizadas em outros países, nas áreas de mineração, agronegócio e construção civil, que contam com o apoio do governo brasileiro. A política externa brasileira no que se refere à segurança alimentar e nutricional precisa ser mediada em instâncias plurais e representativas, como o CONSEA. Requer, sobretudo, a criação de um espaço institucionalizado de participação social, voltado para a inserção externa do país. Nesse sentido, apoiamos a criação de um Conselho Nacional de Política Externa onde as distintas visões, interesses e propostas em disputa sejam apresentados  e processados.

 

George Orwell e sua novilíngua estão claramente presentes nesse comunicado. Através de expedientes como estes os companheiros prosseguem em sua obra de penetração, de controle e de dominação das diversas instâncias da governança no Brasil. Pode-se dizer que se trata de um bolivarianismo soft, adaptado às circunstâncias nacionais. Não por isso menos nocivo à democracia e às liberdades em nosso país.

 

Hartford, 30 de junho de 2014.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Estado, governo, partidos e Itamaraty: quão juntos ou quão separados? - Paulo Roberto de Almeida

Estado, governo, partidos e Itamaraty: juntos, separados, divididos?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a “osmose” entre o serviço diplomático e o governo e seus partidos de apoio, distinguindo a intromissão do PT e do bolsonarismo na política externa, de maneira ideológica e personalista.

Brasília, 1 de agosto de 2024

 

Dá para separar o governo do seu partido suporte e ambos da política do Itamaraty? Com base em minha experiência de 44 anos de diplomacia, desde a ditadura até Bolsonaro, posso afirmar que sob o lulopetismo isso é impossível, como também o foi no bolsolavismo diplomático. Segui de dentro as nuances e matizes da diplomacia em cada governo e já escrevi muito sobre isso, a mais recente neste livro: Apogeu e Demolição da Política Externa (2021).Transcrevo, in fine, o índice desse livro, que contém vários capítulos que podem demonstrar amplamente a contaminação da política externa e da própria diplomacia por governos ideológicos e sectários, como o foram Lula 1 e 2, Dilma (mas parcialmente, por total incompetência dela em assuntos externos), Bolsonaro (mais Ernesto Araujo do que Carlos França) e agora Lula 3. Mas tratarei de algumas questões de como isso se faz.

Já em 2006, portanto ainda na vigência do primeiro governo Lula – e eu estive afastado, por razões políticas, de qualquer cargo na Secretaria de Estado, durante os TREZE ANOS E MEIO dos governos petistas –, eu já me permiti fazer uma primeira reflexão sobre a questão chave desta nota: como separar, ou quão juntos estão, os papeis respectivos do corpo profissional da diplomacia das injunções, pressões, determinações do governo de ocasião, que acaba sendo o decisor máximo, em nome do Estado, pelas posturas assumidas pela diplomacia profissional no plano internacional (em alguns casos até deformando posições tradicionais de Estado), sem deixar de lado eventuais pressões partidárias sobre essas políticas, e que foram muito mais intensas sob o lulopetismo. O bolsonarismo (que ainda não existia quando escrevi essa reflexão) não tinha partido, só amadores incultos e despreparados para assuntos internacionais, inclusive o seu guru principal, Olavo de Carvalho. Este é o trabalho feito naquela ocasião: 

1693. “Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo (que também pode ser lida como uma declaração de princípios)”, Brasília, 2 dezembro 2006, 3 p. Sobre os dilemas do funcionário público em face de governos partidários. Publicado no Via Política (Porto Alegre, 3.12.06). Remanejado sob o título “O Estado, o Governo e o burocrata: alguns dilemas do serviço público” e publicado no site do Instituto Millenium (26.12.2006). Postado no blog Diplomatizzando (28/05/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/uma-reflexao-pessoal-sobre-as-relacoes.html). Incorporado ao volume Via Política (uma coletânea de artigos nesse blog político, publicado em formato Kindle em 2017). Relação de Publicados ns. 724 e 735.

 (...)


Ler a íntegra nest link: 

https://www.academia.edu/122508445/4715_Estado_governo_partidos_e_Itamaraty_juntos_separados_divididos_2024_



Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...