Mensagem a meus colegas diplomatas, da ativa e aposentados (como eu)
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
segunda-feira, 7 de julho de 2025
Mensagem a meus colegas diplomatas, da ativa e aposentados (como eu) - Paulo Roberto de Almeida
domingo, 12 de janeiro de 2025
O Brasil não é mais neutro no grande jogo da geopolítica mundial - Paulo Roberto de Almeida
O Brasil não é mais neutro no grande jogo da geopolítica mundial
Paulo Roberto de Almeida
Durante a maior parte da nossa existência enquanto Estado nacional independente, os dirigentes políticos, eventualmente estadistas de grande tirocínio e visão do mundo, os diplomatas responsáveis pelas nossas relações exteriores, os chefes militares encarregados da defesa do território e da soberania nacional, os principais membros das elites dominantes e dirigentes, essa comunidade algo difusa que representa o Brasil no mundo e que representa o Estado e a nação para si própria, frente aos súditos do Império e aos cidadãos da República, tentou ser coerente vis-à-vis os grandes interesses nacionais de desenvolvimento econômico e social, de estabilidade politica, de funcionamento das instituições do Estado, de preservação de um regime de liberdades — chamemo-lo de democracia, com todas as imperfeições dessa que temos — e tentou, na frente externa, ser basicamente neutra e amplamente autônoma, no plano decisório nacional, em face das disputas externas entre grandes potências, vis-à-vis as contradições do cenário internacional, no qual momentos de conflitos parciais ou globais interromperam períodos de relativa estabilidade, paz e segurança, num mundo sempre confrontado com divergências ou conflitos entre atores poderosos, belicamente capazes, o que nunca foi o nosso caso no terreno da necessária preparação militar (inclusive porque sempre tivemos um ambiente externo relativamente pacífico).
Nas poucas vezes nas quais tivemos desafios significativos na defesa da soberania e da dignidade nacionais empreendemos com certo sacrifício dos meios disponíveis um esforço correspondente à magnitude dos perigos revelados: foram talvez apenas em número de três esses desafios, um no plno regional, no século XIX, e dois na primeira metade do século XX, no plano global. A guerra da Tríplice Aliança, contra o ditador do Paraguai que violou nossa soberania e invadiu nosso território, nos custou quase cinco longos anos de um esforço hercúleo no terreno puramente militar e a grandes despesas para a nação no terreno econômico, com um final bem sucedido nos anos e décadas seguintes, graças à capacidade da diplomacia imperial em lidar com os resultados do conflito numa conjuntura de ascensão de um aparente competidor na esfera regional do Cone Sul, uma problemática também encaminhada de modo favorável pelo grande diplomata que foi o Barão do Rio Branco.
No século XX, os desafios não se exerceram diretamente sobre o território nacional, mas atingiram nossa soberania e dignidade nos transportes internacionais e até no funcionamento de nossas instituições e interesses nacionais. O esforço dispendido na Grande Guerra não representou um custo exagerado para os cofres da nação, mas as lições aprendidas e as doutrinas formuladas em termos de protagonismo diplomático internacional foram significativas, em grande medida graças ao tirocínio de um jurista, Rui Barbosa, aliás desde 1907, concebendo posturas que depois foram incorporadas ao eixo central do multilateralismo contemporâneo, como é a defesa intransigente do princípio da igualdade soberana dos Estados. Sua lição exemplar, feita em 1916, sobre os “deveres dos neutros”, um dos componentes do Direito Internacional, também contribuiu para o fortalecimento do patrimônio jurídico de nossa diplomacia, e que também serviu de base política para o excepcional trabalhos de construção de uma estratégia de defesa dos interesses nacionais por Oswaldo Aranha, quando novos desafios vindos de potências militaristas e expansionistas se abateram sobre o país nos anos 1930-40.
O Brasil esteve presente na criação da nova ordem mundial do segundo pós-guerra, defendendo aqueles princípios quando a ocasião se apresentou, em San Francisco, por exemplo, protestando contra o privilégio abusivo concedido aos “mais iguais entre os iguais”, os vencedores do maior conflito global da história, na preservação elusiva da paz e da segurança internacionais. Na Guerra Fria que se seguiu entre as duas maiores potências mundiais continuamos a ser fiéis aos valores e princípios que fundamentam a ação interna e externa do Estado nacional, mas no plano diplomático nos mantivemos basicamente neutros e autônomos em face da grande disputa estratégica mantida entre os dois super poderes nucleares. A diplomacia nacional continuou a ser guiada pelo interesse maior do desenvolvimento econômico e social do país, em consonância com escolhas próprias no tocante às ferramentas para alcançar a prosperidade da nação. Assim o proclamamos ao mundo, cada vez que, desde 1946, abríamos os debates na Assembleia Geral da ONU, paralelamente à discussão dos grandes temas da agenda mundial a cada momento.
Continuamos a assim proceder durante a maior parte do restante do século XX e até o início do presente século, o que aliás granjeou para a nossa diplomacia uma aura de prestígio e de respeitabilidade, sobretudo no plano regional, que muito fez para conquistar credibilidade e confiança nas relações mantidas com todos os parceiros da comunidade internacional, resultando em ganhos econômicos consideráveis, tendo em vista o equilíbrio e a independência de nossas posições no plano internacional. A partir do início do presente século, o primeiro governo lulopetista introduziu novos elementos de política externa que não figuravam entre os fundamentos de nossa doutrina diplomática, quais sejam, considerações partidárias, de natureza ideológica, em especial quanto aos parceiros preferenciais com os quais o Brasil deveria manter “parcerias estratégicas”. Insinuou-se então uma nítida escolha por alianças políticas e diplomáticas supostamente fora do eixo global das “grandes potências hegemônicas”, tendentes a uma agregação de esforços no âmbito de um alegado Sul Global, com o objetivo de mudar as “relações de força no mundo, favorecendo potências emergentes e os países em desenvolvimento do Sul. O primeiro exemplo dessa postura foi a conformação do IBAS (com Índia e África do Sul), no próprio ano de 2003, logo adiante seguido pela criação, em 2006 (em nível ministerial) e em 2009 (em nível de cúpula), do BRIC, o primeiro foro, com Rússia, Índia e China, inspirado por uma sugestão não propriamente interna, de natureza diplomática, mas por uma ideia externa à diplomacia dos quatro primeiros engajados, qual seja, uma plataforma econômica para investimentos de cunho financeiro a partir de fundos institucionais.
Essa segunda instância encontrou bom acolhimento midiático e significativo sucesso na esfera internacional e foi logo ampliada, em 2011, com a incorporação da África do Sul, por injunção da China, de longe o maior e mais importante membro do novo foro. Ela passou a fazer parte, mais até do que o IBAS, do "patrimônio diplomático" dos governos lulopetistas. Por ocasião de uma interrupção de alguns anos, entre 2016 e 2022, no ciclo dos governos lulopetistas, ocorreu certa descontinuidade de algumas iniciativas do lulopetismo diplomático nos planos regional (Unasul) e plurilateral (reuniões dos chefes de Estado da América Latina e seus contrapartes africanos e do mundo árabe, por exemplo), as reuniões anuais do grupo Brics se mantiveram regularmente nos anos intermediários, e mesmo durante os quatro anos mais bizarros jamais enfrentados pela diplomacia nacional, quando princípios e valores da diplomacia tradicional foram afastados em favor de um antiglobalismo demencial e de um antimultilateralismo irracional no plano da principal metodologia operativa no campo das relações internacionais.
Já no terceiro governo do lulopetismo tinha ocorrido uma nítida postura em desacordo com a inquestionável adesão da diplomacia brasileira ao princípio da intangibilidade das fronteiras estatais oficiais, de estrito respeito à Carta da ONU e às mais elementares regras do Direito Internacional. Quando da invasão e anexação ilegais da península ucraniana da Crimeia pela Rússia de Putin, o governo de Dilma Rousseff permaneceu rigorosamente em silêncio, chegando mesmo a chefe de Estado a proclamar que o assunto era "uma questão interna da Ucrânia". Apenas para registro da consistência histórica da doutrina jurídico-diplomática do Brasil, nem o Estado Novo ousou inverter a posição tradicional de não reconhecer usurpação de territórios estatais pela força, sobretudo com países com os quais mantínhamos relações diplomáticas; foi assim com a Polônia, invadida militarmente em 1939 pela Alemanha nazista e pela União Soviética, e com os três países bálticos, incorporados à força por Stalin, atos unilaterais de agressão que nunca reconhecemos.
A dissociação mais evidente da diplomacia brasileira, e do Estado brasileiro, com relação a princípios básicos das relações internacionais, aliás constitucionalizados, ocorreu a partir da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia em fevereiro de 2022, quando, a despeito de aderir, formalmente, a uma resolução da Assembleia Geral – em vista da paralisia, por veto da Rússia, do CSNU – condenando a Rússia pela invasão, claramente violadora dos primeiros artigos da Carta da ONU, o governo de Bolsonaro, seguido de forma ainda mais enfática pelo de Lula, não adotou qualquer postura mais resolutiva, deixando de se referir de forma nítida, em sua declaração de voto, ao agressor unilateral, apenas conclamando de forma genérica à “solução pacífica da controvérsia entre as partes”, como se ambas fossem equivalentes. Não apenas isso: o governo Bolsonaro, por razões basicamente eleitoreiras, continou e até incrementou as importações brasileiras de fertilizantes e de combustíveis russos, beneficiando objetivamente a potência agressora, depois do próprio chefe de Estado ter proclamado, em visita bilateral uma semana antes da invasão, sua “solidariedade à Rússia”. Permanecemos indiferentes ao artigo da Carta da ONU que conclama todos os Estados membros a prestar assistência à parte ilegalmente atacada, como o fizeram quase todos os países ocidentais, sendo que os principais passaram a suprir de imediato meios de defesa, em conformidade com o espírito e a letra da Carta.
O governo Lula recrudesceu no apoio deliberado, aliás voluntário, à guerra de agressão da Rússia, parceiro original no Brics, declarando, ainda antes das eleições, que a Ucrânia era igualmente responsável pela guerra, o que obviamente chocou a totalidade dos paises membros do G7, quando o presidente compareceu, a convite, na reunião do grupo em Hiroshima, em 2023. As importações da Rússia cresceram mais do que exponencialmente sob o presente Governo Lula, que chegou inclusive a vetar a exportação de material humanitário brasileiro para a Ucrânia, mesmo com o assentimento da diplomacia e das FFAA. Lula chegou inclusive a contestar a adesão do Brasil ao TPI, que pediu a detenção de Putin por crimes contra a humanidade, assim como tentou subtrair o Brasil das obrigações decorrentes do Estatuto de Roma, na tentativa de fazer com que Putin comparecesse à cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro em novembro de 2024.
De modo muito claro, e não apenas com relação à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, o governo Lula abandonou completamente a postura da diplomacia profissional e do próprio Brasil, de respeito ao Direito Internacional e de observância da Carta da ONU, ao ter abandonado a neutralidade e a imparcialidade em face de conflitos que colocam justamente em cheque os princípios consagrados nas cláusulas constitucionais pelas quais se rege o país em suas relações internacionais. Em mais de uma ocasião, sua diplomacia presidencial personalista confirmou sua adesão ao projeto russo-chinês de uma “nova ordem global multilateral”, jamais definida ou explicitada de forma clara pelos seus proponentes, e sem que o tema tenha sido exaustiva e expressamente debatido em nivel de governo, com o Parlamento ou com a sociedade de uma forma geral.
Ao se posicionar verbalmente do lado da China e da Rússia numa alegada confrontação com a “ordem ocidental” identificada com a dominação ocidental sobre o resto do mundo, em especial um diáfano Sul Global, a postura diplomática de Lula não confronta exatamente a ordem internacional, apenas por desejar uma "nova ordem global multipolar", mas mais precisamente por escolher o seu campo e se posicionar do lado dos países que estão adotando uma postura agressiva e confrontacionista, aumentando as tensões que podem ameaçar ainda mais a paz e a segurança internacionais. A diplomacia presidencialista personalista aderiu a um dos lados da contenda potencial, rompendo, portanto, com a postura histórica e tradicional da diplomacia brasileira de absoluta neutralidade nos conflitos de natureza geopolítica, envolvendo interesses e objetivos nacionais de grandes potências que não são aqueles normalmente perseguidos pelo Brasil, aspirando a um ambiente de cooperação propício ao desenvolvimento do país.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de janeiro de 2025
terça-feira, 16 de abril de 2024
Lulopetismo diplomático, no tocante à Ucrânia, é muito diferente do bolsonarismo diplomático?
Uma postagem do início de 2023, que pode ser lida como absolutamente atual, pelo menos no tocante à Ucrânia e nos amores petistas para com a Rússia:
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023
Contrastes históricos na diplomacia - Paulo Roberto de Almeida
Contrastes históricos na diplomacia:
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil avançou na pauta ambiental multilateral, desde a superação recente da antipolítica ambiental de Bolsonaro, que foi totalmente destrutiva no sentido estrito e lato do termo, ou seja, nos planos conceitual e operacional.
Cabe no entanto reconhecer que ele recuou tremendamente na pauta da paz e da segurança internacional, e isso desde a invasão da Crimeia em 2014 (quando Dona Dilma julgou a anexação ilegal de Putin um “assunto interno” da Ucrânia), e mais ainda desde a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia um ano atrás, quando Bolsonaro tinha recém se “solidarizado” com Putin, ao realizar uma inoportuna visita uma semana antes da invasão.
Fato inédito na história diplomática do país, o Brasil parece ter abandonado o Direito Internacional, postura que foi observada estritamente mesmo sob o Estado Novo de Vargas e durante o regime de exceção da ditadura militar de 1964.
No Estado Novo, nunca reconhecemos a invasão escabrosa da Polônia por Hitler, em 1939 (continuando relações com o governo no exílio, pois que nossa doutrina jurídica nunca aceitou usurpações pela força), assim como não reconhecemos a invasão e anexação pela URSS de Stalin, em 1940, dos três Estados bálticos, com os quais mantínhamos relações diplomáticas desde os anos 1920. Na ditadura militar, mesmo exibindo certa diplomacia blindada em direção de regimes esquerdistas da região— no Chile de Allende, por exemplo, na Bolívia do general Torres, no Uruguai ameaçado pelos Tupamaros, que chegaram a sequestrar um cônsul brasileiro —, mantínhamos um respeito pró-forma pelo Direito Internacional, absolutamente acatado pela diplomacia profissional.
Nesse sentido, o lulopetismo diplomático e o bolsonarismo na política externa se equivalem de maneira vergonhosa, ao se distanciarem de uma das tradições mais caras de nossa diplomacia, que vinha do próprio Império— ainda que usando o Direito internacional para defender o “direito” do Brasil ao tráfico escravo —, passando pelo Barão do Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha, Afonso Arinos e San Tiago Dantas, entre outros.
Direita e esquerda negligenciam nossas maiores e melhores tradições jurídicas em nome do mais vulgar oportunismo economicista — por algumas toneladas de fertilizantes — ou de uma anacrônica oposição ao “hegemonismo” ocidental, o que nos coloca do lado de duas grandes autocracias, sendo uma a violadora brutal das normas mais elementares do Direito Internacional, assim como da própria Carta da ONU, que juramos defender desde 1945, mesmo não concordando com o iníquo e abusivo direito de veto exercido por cinco grandes potências.
O recuo não é só operacional, mas é sobretudo conceitual, isto é, no plano dos princípios e valores de nossa diplomacia. Lulopetismo e bolsonarismo diplomáticos deixaram completamente de lado a dimensão moral da nossa política externa. Retrocedemos a um populismo que já faz a nossa desgraça no plano doméstico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/02/2023
sábado, 21 de outubro de 2023
A pirotecnia do lulopetismo diplomático - Ciro Nogueira
O artigo é maldoso, como compete a um dos chefes da oposição ao governo do PT, a Lula em especial, mas não se pode negar que a política externa continua sendo petista, em sua essência, e que a diplomacia está sendo inteiramente e novamente mobilizada para servir a todos os desejos e manias de Sua Majestade Lula III. A pirotecnia é inegável, mesmo equivocada, pois o antiamericanismo é contraditório com o fato de que foi Biden, finalmente, que garantiu a vitória e a POSSE de Lula, contra as manobras golpistas do seu antecessor psicopata (ainda bem que mais burro e inepto do que propriamente louco). Lula deveria agradecer a Biden, em lugar de hostilizá-lo com seu pró-putinismo e de fazê-lo rir com essa mania de desdolarização e construção de uma nova ordem global antiocidental. Biden deu o troco ao vetar o projeto do Brasil no CSNU (que também foi por razões de política interna): o próximo projeto de caráter humanitário será de muitos outros países (árabes sobretudo), o que tira um pouco da glória que o lulopetismo diplomático esperava retirar da aprovação do que foi apresentado pelo Brasil. Mas o artigo deve ter sido escrito antes do veto americano.
Imagem do artigo nesta postagem do FB:
sexta-feira, 1 de setembro de 2023
O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Revista Crusoé)
O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Artigo sobre a reunião de cúpula do G20 na Índia.
Revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/). Relação de Originais n. 4465; Relação de Publicados n. 1521.
A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos era para valer.
(...)
O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.
(...)
Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023
Ingressando num novo vórtice do lulopetismo diplomático, com a guerra da Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida e William Waack (Estadão)
Por profunda ignorância de qual seja o mundo ao qual o Brasil pertence, ou pela prevalência anacrônica de seus instintos antiamericanos (aprendidos e apreendidos nos seus contatos com seus amigos e financiadores cubanos), Lula e o PT envolvem o Brasil na trama anti-Ocidente manipulada pelas duas grandes autocracias do BRICS, um tremendo erro estratégico da canhestra diplomacia lulopetista, que ainda vai causar muita dor de cabeça à diplomacia profissional do Itamaraty. Estamos ingressando num bolsolavismo diplomático às avessas.
Paulo Roberto de Almeida
Governo Lula não quer entender a natureza do conflito na Ucrânia?
A velha ordem internacional acabou, colocando o Brasil diante de complexas escolhas
William Waack
O Estado de S. Paulo, 22/02/2023
Até aqui o governo Lula não parece ter entendido a natureza do conflito na Ucrânia. Ou pretende não entender.
Não se trata de ação armada fruto de “um equívoco”, como o presidente descreve a invasão deflagrada por Putin. Na sua essência, é parte relevante da contestação da ordem que vigorou desde a 2.ª Guerra Mundial.
A ascensão veloz da China ao papel de desafiadora do “hegemon” (EUA), por si só, já seria o grande fator de contestação. É o que faz clássicos do hiper-realismo duvidarem que NÃO venha a ocorrer grave conflito militar entre as superpotências.
Mas tanto China como Rússia “aceleraram” o processo. Ambas enxergam o Ocidente como uma grandeza em declínio. Especialmente Putin juntou o velho imperialismo russo de mais de dois séculos com seu entendimento da “decadência moral” dos países ocidentais.
O resultado é uma profunda transformação na qual o que parecia garantido – um regime internacional baseado em respeito a regras e integração cada vez maior de comércio e cadeias produtivas, a tal globalização – está recuando na própria substância.
Nesse novo contexto, multilateralismo e “governança” global passaram a ser figuras de retórica, às quais o governo brasileiro parece abraçado. Assim, é difícil imaginar um eixo sul-sul, em oposição a um “norte”, quando se percebe que pelo menos dois integrantes dos Brics estão de um lado no conflito, e não apenas na Ucrânia.
A guerra na Ucrânia não é um episódio isolado, diante do qual vamos é ficar quietinhos, aproveitar as oportunidades, tratar de não ofender ninguém e posar de bom moço repetindo platitudes inúteis sobre “paz” e oferecendo-se para negociar entre beligerantes – o caminho trilhado por Lula até aqui.
São forças históricas de imensa amplitude em ação, e que conduzem países como o Brasil (potência média de influência regional) não propriamente a escolher um “lado”. Mas, sim, a optar por um “mundo”.
A guerra em curso até aqui desmentiu os cálculos estratégicos de China e Rússia, que presumiam sobretudo incapacidade de ação conjunta e coesão por parte do adversário. O campo de batalha da Ucrânia demonstrou não só a atual superioridade tecnológica ocidental, que a autocracia chinesa é capaz de superar. A lição fundamental é a de que sociedades abertas no fundo mudam mais rápido, adaptam-se melhor (a Alemanha abandonou o pacifismo) e têm melhor desempenho na relação entre poder civil e operações militares.
O que se explica pelos valores em torno dos quais essas sociedades se desenvolveram e prosperaram. O Brasil é parte do mundo ocidental.
sábado, 13 de agosto de 2022
A próxima imbecilidade do lulopetismo diplomático: OCDE, Mercosul, BRICS - entrevista CELSO AMORIM, comentários Paulo Roberto de Almeida
Um anúncio precoce — o do ex-chanceler do Lula sobre o afastamento da OCDE (abaixo) — e a minha denúncia precoce sobre a próxima imbecilidade diplomática dos prováveis vencedores em outubro.
Paulo Roberto de Almeida
A provável política externa de um possível governo Lula já antecipa um atraso mais do que certeiro: a OCDE volta a ser tratada como “clube de países ricos”, o que além de ridículo é de uma estupidez atroz: alguns dos membros já eram ricos, quando criaram a OECE, em 1948, mas estavam destruídos pela guerra. Em 1960, quando virou OCDE, e agregou outros países, eles continuaram enriquecendo por causa das boas políticas e práticas econômicas da organização. A OCDE foi essencial para enriquecer os ex-socialistas da Europa central e oriental. Só um imbecil não reconhece seu papel essencial em retirar esses países do atraso e inseri-los na economia global. Até o México se beneficiou, embora seu “lado latino-americano” o tenha mantido atrasado.
A outra imbecilidade é continuar caudatário de um BRICS que hoje serve para manobras geopolíticas de duas autocracias, das quais um tirano vem praticando sistematicamente crimes de guerra, depois de violar a Carta da ONU ao invadir e praticar uma insana guerra de agressão contra a vizinha Ucrânia.
Ou seja, a política externa lulopetista vai continuar nesse particular na mesma toada do bolsolavismo diplomático.
Já fiz a minha denúncia antecipada, agora a matéria:
Brasil deve priorizar Mercosul com UE e não OCDE, diz Amorim
Termos de acordo com "clube dos ricos" teriam de ser estudados, diz conselheiro de Lula para assuntos internacionais.
sexta-feira, 22 de julho de 2022
A busca obsessiva de uma Ordem Mundial Alternativa - Paulo Roberto de Almeida
A busca obsessiva de uma Ordem Mundial Alternativa
Quando Amorim diz que não se pode continuar com a mesma ordem mundial de 70 anos atrás — entrevista a Roberto D’Avila, na GloboNews, em 21/07/2022 —, supõe-se que ele já tenha pensado em alguma proposta alternativa.
Se for a proposta da dupla China e Rússia, ou por meio do Brics (que a China tem a intenção de transformar em uma organização que possa competir com o G7 e a OCDE), Amorim precisaria provar que, se por acaso implantada de forma concorrencial, ela será melhor qualitativamente do que a de Bretton Woods (1944), baseada no multilateralismo irrestrito, em regimes políticos que são democracias de mercado, e na defesa de amplas liberdades e na promoção dos Direitos Humanos!
Alguém acredita nisso?
Meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando, aguarda o detalhamento da nova política externa do lulopetismo diplomático versão 3.0 (a 2.0 foi um desastre, a primeira também).
Antes eram os altermundialistas ou antiglobalizadores de esquerda. Sumiram? Depois os idiotas antiglobalistas de direita: ridículos! Logo mais, voltam os alternativos de esquerda. Quanto besteirol suportaremos? Loucuras recorrentes de um extremo a outro?
Paulo Roberto de Almeida
quarta-feira, 13 de julho de 2022
Um debate sobre a política externa do lulopetismo diplomático - Juarez Q. Campos e Paulo Roberto de Almeida
Leio e releio, tanto a postagem de Juarez Q. Campos quanto os comentários dos leitores, e encontro a sociedade tão dividida em matéria de política externa, quanto em política doméstica de maneira geral, ou seja, existem os esquerdistas satisfeitos com a gestão Lula-Amorim-Samuel-MAG na política externa, quanto os opositores, que acham que eles fizeram uma política externa equivocada, tingida do mesmo antiamericanismo típico dos anos 1960 que atinge a esquerda latino-americana de maneira geral. Essa PEI (política externa independente, que Amorim tentava emular, pois que admitido na carreira diplomática em sua curta vigência, nos primeiros anos dos anos 1960) trouxe de fato prestígio ao Brasil, ao projetar o país no mundo, como nunca antes, com o pirotécnico Lula viajando de um lado a outro, em todos os continentes e em contato com gregos e goianos, ou seja, amigos e inimigos do chamado Ocidente, mas minha questão básica é esta: ainda que ela tenha elevado o padrão de respeito pelo Brasil na comunidade internacional, gostaria de saber em que medida ela conseguiu melhorar, DE FATO, o padrão de VIDA dos brasileiros no próprio país. A questão é esta: a "PEI" de Lula e Amorim tornou o Brasil e os brasileiros mais ricos e mais avançados culturalmente, cientificamente, materialmente? Esta é a prova do pudim.
Da postagem de Juarez Q. Campos:
"Sempre achei o Celso Amorim fraco e o circo mambembe que fez com o Samuel Pinheiro Guimarães produziu dentre outras pérolas um dos momentos mais vexaminosos da política externa que pagou o mico de colocar Lula, nosso Babalu, para "mediar" o conflito entre o Iran e as potências nucleares.
Com razão, um diplomata israelense declarou há algum tempo que "o Brasil é um gigante econômico e cultural, mas continua a ser um anão diplomático"
Claro que em terra de cego quem tem um olho é rei, os caolhos petistas brilham quando comparados com os anaeróbios Ernesto Araújo e Dudu Bolsonaro, nosso "quase" embaixador em Washington.
Mas vamos lá, Celso Amorim que tem sido o conselheiro do Lula para as questões de política externa se reuniu com um grupo de diplomatas europeus para apresentar o que seriam as linhas gerais da política externa de um futuro governo petista.
Uma das questões debatidas foi o conflito Rússia-Ucrânia, lembrando que o Lulão em entrevista para a revista Time mandou a pérola, "que o líder ucraniano era tão responsável pela situação quanto Vladimir Putin".
Na reunião, Amorim sugeriu que um papel mediador do conflito poderia ser realizado pela a China do mesmo Xi que anunciou uma "parceria sem limites" com a Rússia. É só imaginar o Biden e o Macron pedindo ao imperador chinês para arbitrar a guerra.
Os desafios da política externa serão imensos, vai ter que surfar entre o mundo dividido por uma guerra comercial entre USA e China, um conflito militar entre a OTAN e a Rússia e uma América Latina que afunda na irrelevância e no atraso. E recuperar quatro anos de trevas bolsonaristas.
Celsinho já foi chanceler, acabou de escrever um livro encalhado, já teve um filho e poderia se dedicar a plantar uma árvore. A fila tem que andar.
A natureza agradeceria, o país também."
Comentários:
terça-feira, 14 de junho de 2022
Programa do PT para a política externa: déjà vu, all over again - Comentários Paulo Roberto de Almeida
Programa do PT para a política externa:
“Recuperar a política externa ativa e altiva; defender a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe; fortalecer novamente o Mercosul, a UNASUL, a CELAC e os BRICS”.
Ou seja, um repeteco do déjà vu, all over again: que falta de imaginação!
Se for assim, não precisa nem escrever novos discursos: está tudo pronto, é só recuperar dos maços, perfumar um pouco para eliminar o cheiro de naftalina, esquecer que a Ucrânia existe, e seguir tocando a partir da velha pauta.
Ah, sim, esqueceram o Ibas, o Conselho de Defesa Sul-Americano, o Fome Zero Universal e as reuniões com dirigentes africanos e árabes.
Mais importante: faltou uma referência ao tal de Sul Global: alguém já encontrou com ele por aí? Deve estar se sentindo órfão sem o Guia Genial dos Povos para animá-lo.
Vai ser um sucesso: retomar o que o vento da direita levou.
Minhas análises sobre o lulopetismo diplomático também já estão prontas: basta atualizar algumas coisa aqui e ali.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14/06/2022
terça-feira, 15 de fevereiro de 2022
O lulopetismo diplomático: um experimento exótico no Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida
O lulopetismo diplomático: um experimento exótico no Itamaraty
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Comentários sobre a degradação da diplomacia brasileira pelo lulopetismo.]
Meus comentários adicionais à “teoria geral do lulopetismo” (ver neste link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/02/teoria-geral-do-lulopetismo-treze-teses.html), desta vez adstritos ao terreno da política externa e da diplomacia.
1) O lulopetismo diplomático não estava formado ainda, quando o partido totalitário assaltou o Estado central. Ele se limitava a um conjunto fragmentado de proposições parciais, geralmente equivocadas, sobre a política internacional e sobre o papel do Brasil no mundo, baseadas em concepções totalmente anacrônicas, derivadas das obsessões e preconceitos típicos dos partidos esquerdistas da América Latina, mas com a peculiaridade de que os apparatchiks que os exibiam mantinham “relações carnais”, de fidelidade e identidade de propósitos, com seus mestres cubanos.
2) O lulopetismo diplomático foi sendo formulado gradualmente, a partir de um comando político exótico à diplomacia profissional, e pode contar com o auxílio e a colaboração prática de “técnicos” voluntários e de profissionais escolados, integralmente devotados à causa e comprometidos com os objetivos gerais do lulopetismo no plano interno, doravante voltados para o grande mundo da política mundial. Foram esses técnicos e profissionais que completaram a formação rudimentar dos líderes petistas em política internacional e lhes forneceram todos os meios para enfim expressar no cenário externo todas as suas más concepções e preconceitos anacrônicos, dando-lhes uma linguagem e um formato adequados à projeção internacional do Brasil, transformada em novo cenário para a expansão do lulopetismo dessa vez em âmbito mundial.
3) O lulopetismo diplomático passou a servir, com total subserviência, ao mesmo ego gigantesco da mesma personalidade megalomaníaca já transformada em carisma nacional: todos os profissionais foram gentilmente convidados a “vestir a camisa” do governo lulopetista – isto é, do partido totalitário –, para a maior glória daquele que passou a ser denominado de Nosso Guia. Durante todo o seu reinado, tudo foi feito para contemplar suas obsessões e desejos, até o limite dos meios disponíveis.
4) O lulopetismo diplomático passou a ser exercido com relativa proficiência graças ao bom funcionamento do aparelho estatal colocado a seu serviço, máquina operada por profissionais competentes, vários convencidos dos bons propósitos da causa, e até entusiastas por se engajar, enfim, na expressão externa de uma política enfim correspondendo ao Brasil real, já que a antiga diplomacia teria padecido de um indesejado viés elitista e conservador. O lulopetismo diplomático começou então a ser exibido como a nova representação de um Brasil finalmente comprometido com a transformação das relações iníquas e injustas que sempre prevaleceram na sociedade brasileira e, de forma geral, no mundo, o que permitia oferecer um bônus extra de legitimidade política, já que supostamente identificado com as “boas causas”.
5) O lulopetismo diplomático foi exercido principalmente pelos profissionais da área, mas estreitamente vigiado, controlado e guiado pelos apparatchiks do partido, mas devidamente orientados, todos eles, pelo Nosso Guia, cuja palavra era lei, para o bem e para o mal, nas grandes definições e iniciativas então tomadas nessa projeção internacional do demiurgo da causa. Todos os padrões tradicionais da instituição se dobraram ao novo gênio da política internacional, que se permitia até zombar dos profissionais, desprezar seus subsídios mais ou menos eruditos e talhados no formato aceitável ao ambiente externo, e que foram devidamente substituídos pelas mesmas arengas de sindicalista empírico, toleradas e até saudadas como sendo à imagem e semelhança do Brasil profundo, popular e popularesco como deveria ser.
6) O lulopetismo diplomático alcançou todos os terrenos da diplomacia profissional, com ênfase nas questões regionais e do mundo em desenvolvimento em geral, este eleito como o terreno de ação privilegiada da nova doutrina, pois que supostamente em contradição política com os antigos poderes “hegemônicos”, e consequentemente aliados na grande causa mudancista em escala mundial. Todas as consultas bilaterais passaram a ser guiadas por novas “alianças estratégicas”, invariavelmente escolhidas, até preventivamente, entre parceiros supostamente engajados nas mesmas causas.
7) O lulopetismo diplomático definiu quais seriam as novas linhas de atuação, de forma independente das bases econômicas e materiais das relações internacionais do Brasil, doravante concentradas numa suposta identidade de interesses que partia das mesmas concepções políticas equivocadas que guiavam o partido em sua Weltanschauung.
8) O lulopetismo diplomático passou então a se exercer em toda a sua plenitude, primeiro para exaltar o Nosso Guia, que tinha especial prazer em reforçar sua diplomacia personalista e megalomaníaca, já visando atingir os pináculos da glória nos palcos internacionais, sobretudo nas esferas regional e africana, nas quais brilhou como nunca, na base de mistificações políticas (“sem tutela do império) e históricas (a tal de “dívida brasileira” derivada do tráfico escravo). Os profissionais da área lhe forneceram os meios e os modos de expulsar o império do âmbito regional, criando e recriando organismos que fossem exclusivamente sul-americanos ou latinos, o que correspondia inteiramente às diretrizes emanadas dos dirigentes castristas em direção de seus serviçais no partido totalitário. A ação externa se exerceu obviamente além desses interesses vinculados, mas nenhuma das iniciativas e atuações contradisse ou deixou de servir aos ditos interesses vinculados aos verdadeiros patrões espirituais do lulopetismo, doméstico e diplomático.
9) O lulopetismo diplomático foi grandioso na sua mediocridade operacional, sabendo falar grosso com os poderosos e fino com os supostos oprimidos, segundo a imagem consagrada. De forma geral, consoante o espírito e a prática do partido totalitário, o lulopetismo diplomático esteve invariavelmente do lado das, e no apoio às, piores tiranias e ditaduras do continente e alhures, desde que tais regimes servissem à causa anti-hegemônica pré-determinada e aos objetivos de “mudança nas relações de força” nos planos regional e mundial, sem esquecer a bizarra edificação de uma “nova geografia do comércio internacional”, unicamente defendida pelos companheiros.
10) O lulopetismo diplomático, justamente, substituiu a definição sensata da política comercial em função dos interesses exclusivos do setor privado – que é quem, finalmente, exporta e importa, e cria empregos e riqueza segundo seus critérios basicamente microeconômicos – para grandiosos planos de redefinição completa dos fluxos de comércio segundo parâmetros ideológicos, começando pelo unilateralismo da diplomacia Sul-Sul para se estender a uma completa estupidez proposta pelo Nosso Guia, consistindo na “substituição de importações” brasileiras em favor desses parceiros do Sul, sobretudo os regionais, mesmo que – e isto está documentado – os produtos ofertados fossem mais caros do que alternativas “hegemônicas”, uma vez que se tratava de “ajudar países mais pobres do que o Brasil”.
11) O lulopetismo diplomático consistiu, basicamente, numa política externa exótica, feita de um enorme engajamento em ambiciosas iniciativas, em grande medida fora da agenda diplomática tradicional do Itamaraty, por certo permitindo uma enorme projeção externa do Brasil (sobretudo em benefício do seu propulsionador original), mas que tampouco redundaram em ganhos permanentes para o país. A projeção externa também se deu por meio de uma exagerada expansão da representação oficial no plano bilateral – com custos cumulativos pesando permanentemente sobre um orçamento não muito elástico, além de sujeito às flutuações do câmbio – e de criação de novos organismos e foros politicamente alinhados com as preferências dos companheiros, de duvidosa utilidade do ponto de vista dos interesses nacionais. O Mercosul, por exemplo, deixou de ser um espaço de integração econômica e de liberalização comercial, para se converter num palanque político, com retrocesso real em relação a seus objetivos originais.
12) O lulopetismo diplomático se exerceu, sobretudo, segundo orientações claramente partidárias, quando não sectárias, uma vez que diversas iniciativas adotadas ou todos os apoios concedidos – aos bolivarianos da América Latina, por exemplo – seguiram as preferências ideológicas dos companheiros no poder, não uma análise isenta, de caráter técnico, feita pelos profissionais da área. O fato de haver uma diplomacia paralela, de nítido corte partidário, favorecendo regimes ditos de esquerda na região, foi expressamente reconhecido pelo próprio demiurgo, como sendo um complemento útil às relações de Estado a Estado. Daí decorreram graves infrações a dispositivos constitucionais rigorosamente observados pelo Itamaraty ao longo de toda a história diplomática brasileira – como o da não ingerência do Brasil em assuntos internos de outros países, com a recorrente interferência do Nosso Guia nos processos eleitorais em curso em países vizinhos – bem como outro aspecto sumamente preocupante para a reconstituição dos processos decisórios que envolveram questões delicadas da ação diplomática brasileira, que é a ausência de documentação sobre os temas tratados em diversos entendimentos bilaterais (justamente em tratativas com os aliados políticos preferencias, ou a propósito de negócios obscuros tratados de forma clandestina pelos companheiros envolvidos, inclusive alguns profissionais da cúpula).
13) O lulopetismo diplomático deixou atrás de si uma terra arrasada nas relações internacionais do Brasil, afetando a credibilidade externa do país e também a de sua diplomacia, e isso até mesmo no momento e depois de sua derrota política interna, já que se expressando ainda por um sem número de canais para enfatizar o “golpe” de que tinha sido objeto, e poder assim firmar a sua versão mentirosa da história tanto no plano interno quanto no externo. Como a grande fraude lulopetista conta ainda com número razoável de aliados internos e externos, os inefáveis true believers nos bons propósitos da causa, os ingênuos políticos e os subintelequituais acadêmicos, o lulopetismo diplomático vai sobreviver por certo tempo, uma vez que, mais do que fatos, ideias e concepções podem ser imorredouras quando internalizadas solidamente em mentes enviesadas.
Paulo Roberto de Almeida
Porto Alegre, 4 de setembro de 2016
segunda-feira, 8 de junho de 2020
Questões sobre "A política externa paralela do lulopetismo diplomático" - entrevista Paulo Roberto de Almeida
A entrevista é esta aqui:
3047. “A política externa paralela do lulopetismo diplomático”, Brasília, 14 outubro 2016, gravação de entrevista, em vídeo, para servir como depoimento no quadro de documentário do Brasil Paralelo. Link: ttps://youtu.be/fWZXaIz8MUc
Hoje, 8/06/2020, ou seja, pouco menos de 4 anos depois, recebi mais um comentário, e reparei, então, que existem várias questões que me foram colocadas e que eu não respondi, e aproveitei para saber que essa entrevista, teve 6.294 visualizações, sendo que 17 pessoas não gostaram de minhas respostas (suponho que petistas, em sua maior parte). Enfim, não se pode agradar a todos, e suponho que muitos olavetes e bolsomínios tampouco gostaram de minhas outras respostas a respeito do globalismo, num vídeo de dezembro de 2017.
Vou apenas reter as perguntas não respondidas, para ver se consigo responder agora. O que fiz foi apagar desta postagem os nomes dos comentaristas. Mas, quem quiser ver o conjunto das questões e comentários, pode-se acessar o seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=fWZXaIz8MUc&lc=UggCYPC6oAavI3gCoAEC.8TAYKlp6QaM99exiol2ERJ&feature=em-comments
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