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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 27 de março de 2025

O duplo desafio do século XXI - Paulo Roberto de Almeida

O duplo desafio do século XXI

Paulo Roberto de Almeida


Depois de séculos e séculos de guerras, massacres e hostilidades, o mundo caminhava para certa tranquilidade sob as regras mais ou menos aceitáveis do multilateralismo onusiano, quando irrompe a vontade reconquistadora de um cleptocrata frustrado com a diminuição do velho império das estepes e começa a avançar sobre terras vizinhas, as da Europa central e oriental. Os modos são os mais violentos jamais vistos desde a IIGM. É a morte novamente.

Não bastasse a violência armada, irrompe do outro lado do cenário um touro desembestado que começa a disparar mísseis tarifários contra antigos aliados e grandes parceiros comerciais, causando grande caos na economia mundial, destruindo as bases do multilateralismo comercial criado simultaneamente à ONU.

Nenhum dos dois autocratas respeita as regras penosamente costuradas ao cabo do maior conflito global da história da Humanidade. Ambos continuam a se guiar mais por seus instintos agressivos do que pelas normas mais elementares de um Direito internacional dificilmente erigido sobre os escombros da IIGM.

Atento à espreita, medindo as ações, está um velho império do passado que se prepara para recolher os ganhos de oportunidade que os dois impérios turbulentos do presente lhe estão oferecendo praticamente de graça.

À margem, sem qualquer capacidade de reação coordenada, contemplam o cenário desolador atores médios e pequenos que observam a luta dos dois gigantes, não um contra o outro, mas ambos contra a racionalidade, a paz e a segurança da humanidade. 

Tempos difíceis e imprevisíveis, mas não haverá um novo conflito global, apenas a autodestruição irracional do que foi construído nos últimos 80 anos de uma paz precária, indefesa em face de déspotas egocêntricos.

Não sabemos ainda a extensão do desastre e o que perdurará a despeito da ação dos elefantes loucos. Cabe apenas recomendar resiliência e cautela, até que eles se esgotem em suas iniciativas autodestruidoras.

Ao Brasil não cabe escolher nenhum dos lados irracionais, apenas manter valores e princípios de sua postura diplomática tradicional. 

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 27/03/2025


quarta-feira, 26 de março de 2025

Clássicos revisitados: uma série em plena continuidade - Paulo Roberto de Almeida

 Clássicos revisitados: uma série em plena continuidade 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre os clássicos revisitados já feitos e uma em preparação. 

 

        Leitor compulsivo da boa literatura nas ciências sociais e nas humanidades, adquiri o hábito, desde as comemorações dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998, de proceder a uma releitura dos grandes clássicos nessas áreas, revisitando os argumentos originais, mas adaptando-os ao ambiente contemporâneo. Assim, a primeira produção da minha série de “clássicos revisitados” foi exatamente a obra fundadora do “socialismo científico”, reescrevendo o panfleto do Marx e Engels sob o título de “Manifesto do Partido Comunista (atualizado para o século XXI)”, texto publicado no periódico então dirigido por Murillo de Aragão, Política Comparada, Revista Brasiliense de Políticas Comparadas (ano II, vol. II, nº 1, janeiro-junho 1998, p. 43-78). Nesse primeiro experimento de releituras atualizadas de grandes obras do passado eu retomava integralmente a estrutura e o estilo do texto original, operando uma transcriação-recriação do Manifesto de Marx e Engels, de 1848, adaptando-o às circunstâncias daquele final de século XX, já num ambiente de globalização triunfante. 

        A recepção parece ter sido satisfatória, pois que recebi o convite para republicar o texto, numa versão ampliada, em formato de livro, o que foi feito desde o ano seguinte: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999), incorporando ainda um “Elogio da Exploração”, mais uma releitura de um discurso de Marx sobre as virtudes do livre comércio no caminho ao socialismo e, por último, um ensaio sobre a parábola do marxismo no século XX, compulsando toda a literatura a esse respeito. Esse livro, ao lado de vários outros esgotados ou fora do mercado de editoras comerciais, passou a estar disponível na plataforma acadêmica Academia.edu (link: https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_).

        Tomei gosto pela trouvaille de revisitar obras do passado, engajando em seguida numa longa reescritura do clássico de Maquiavel, daí resultando O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado), publicado em duas edições: uma digital (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2009, 191 p.), outra impressa (Brasília: Senado Federal, 2010, 195 p.; disponível: https://www.academia.edu/5547004/16_O_Moderno_Pr%C3%ADncipe_Maquiavel_revisitado_2010_).

        O divertissement continuou, por meio de uma adaptação de um outro clássico do passado, Tocqueville, mas fazendo-o “trabalhar”, hipoteticamente, para uma nova missão de prospecção, a serviço do Banco Mundial, revisitando nosso desempenho político na atualidade: “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão” (Brasília, 10 agosto 2009, 10 p.). O resumo desse trabalho, publicado numa revista tipicamente universitária, pode ser aqui reproduzido: 

        O francês Alexis de Tocqueville vem ao Brasil, a serviço do Banco Mundial, para examinar a situação do país do ponto de vista do funcionamento das instituições democráticas e da economia de mercado. Tendo chegado bem-intencionado, ele constata irregularidades e aspectos disfuncionais em praticamente todas as instituições que visitou e nos mecanismos políticos e econômicos que examinou. Constata a deterioração da democracia e os avanços do estatismo, aliás apreciado e valorizado no Brasil. Parte de volta a Washington frustrado. (Espaço Acadêmico (9, 103, 2009, link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947; acesso em 13 mar 2025).

 

        Depois de Maquiavel e Tocqueville, dois gigantes da sociologia política, decidi fazer percursos por dois pensadores, um da antiguidade chinesa, outro da modernidade francesa, com conexões para a política brasileira: “Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos belicosos” (Espaço Acadêmico, 10, 118, mar. 2011, 155-161; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696/6714); “Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos”, a partir do modelo de Benjamin Constant, “De la liberté des anciens comparée à celle des modernes”. Academia.edu (link: http://www.academia.edu/12507205/2822_Da_diplomacia_dos_antigos_comparada_%C3%A0_dos_modernos_2015_; blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/10/da-diplomacia-dos-antigos-comparada-dos.html).

        Ao considerar novos pensadores, como “vítimas” dessas releituras atualizadas (e George Orwell, com o seu Animal Farm, estava certamente na primeira fila, muitos anos atrás), eu já tinha imaginado, retomar as lições básicas de Milton Friedman em seu famoso livro de 1962, e aplicar os seus argumentos ao caso brasileiro, com as devidas adaptações e considerações específicas ao nosso itinerário histórico e econômico. O fato é que, em 2006, imediatamente após sua morte, em 16 de novembro desse ano, imaginei um diálogo possível, em algum lugar do céu ou do limbo, dele com sua alma gêmea Roberto Campos, num artigo intitulado “Milton Friedman meets Bob Fields: o reencontro de dois grandes economistas”; ele foi publicado no dia 26 pelo Instituto Millenium (hoje apenas disponível em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/01/milton-friedman-meets-bob-fields-o.html). 

        Roberto Campos tinha imensas afinidades eletivas com Milton Friedman, e sobre ele e seu pensamento já escrevi muitos artigos, incluindo dois livros. O primeiro, organizado e em grande parte escrito por mim: O Homem Que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017; do qual está disponível uma apresentação em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2017/04/o-homem-que-pensou-o-brasil-roberto.html) constituiu uma homenagem no centenário do seu nascimento. O outro coletou todos os textos “constitucionais” de Roberto Campos, sua participação na Constituinte e as análises que ele fez sobre os impactos da Carta de 1988 sobre a economia e a política do Brasil: A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018; apresentação disponível neste link: https://www.academia.edu/37324704/A_Constituicao_Contra_o_Brasil_Ensaios_de_Roberto_Campos_sobre_a_Constituinte_e_a_Constituicao_de_1988). Ambos tinham uma inequívoca convicção de que a condição essencial da liberdade política era a liberdade econômica, e é por essa questão que podemos dar início à nossa releitura da obra clássica de Friedman. 

        Efetuei há dois anos um esquema, unicamente focado na “versão brasileira” dessa obra interessante, conceitualmente ainda válida, mas datada em seus capítulos operacionais. Reproduzo esse esquema, mas precedido pelos títulos dos treze capítulos da obra original, para que se possa pelo menos ter uma ideia de quais questões Friedman tratou, aqui com a indicação sobre os problemas correlatos que caberia tratar no caso do Brasil. Já escrevi metade da obra, mas ainda vou demorar mais algumas semanas, com diversos outros trabalhos no pipeline, para terminar o conjunto dos capítulos, e depois preparar prefácio e apresentação, antes de publicar a obra, que é, como as precedentes da série, uma homenagem ao autor do clássico escolhido. Tenho vários outros na minha “lista de desejos”, mas não pretendo revelar agora as próximas “vítimas” dessas minhas intrusões no passado. Pelo menos, não tenho nada a temer dos autores, pois geralmente são autores do passado (o que é o requerimento para se tornar um clássico, embora alguns já o sejam em carne e osso).

 

(segue o esquema)

 


Capitalismo e Liberdade: uma releitura de Friedman ajustada ao Brasil


 

Capitalism and Freedom (1962)

Capitalismo e democracia no Brasil: releitura de um clássico


Prefácio (com referências aos prefácios das edições de 1982, 2002 e 2020)

 

Introduction

Introdução


1. The relation between economic freedom and political freedom

A difícil conexão entre liberdade política e liberdade econômica no Brasil

 

2. The role of government in a free society

O peso do Estado em uma sociedade parcialmente livre

 

3. The control of money

Moeda e finanças num ambiente altamente volátil

 

4. International financial and trade arrangements

Acordos financeiros e comerciais internacionais: a longa dependência

 

5. Fiscal policy

As contas públicas: raramente em equilíbrio

 

6. The role of government in education

O papel insuficiente do Estado na educação

 

7. Capitalism and discrimination

A persistência do escravismo e do corporativismo 

 

8. Monopoly and the social responsibility of business and labor

Monopólios, carteis e o sindicalismo tutelado pelo Estado

 

9. Occupational licensure

O cartorialismo regulatório ultra exacerbado 

 

10. The distribution of income

A não distribuição de renda: uma tendência persistente ao longo da história

 

11. Social welfare measures

Políticas de bem-estar social: entre o foco e a abrangência

 

12. Alleviation of poverty

Redução da pobreza: uma tarefa nunca completada

 

13. Conclusion

Conclusão: o que nos separa de uma sociedade desenvolvida?

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4881, 26 março 2025, 4 p.

terça-feira, 25 de março de 2025

Nuvens negras começam a amontoar no horizonte - Paulo Roberto de Almeida

Nuvens negras começam a amontoar no horizonte

Paulo Roberto de Almeida

 Não gostaria de ser ave de mau agouro, mas ao analisar os dados e os debates da atualidade corrente, estou vendo no horizonte algumas nuvens negras para os próximos meses, no segundo semestre e no começo de 2026:

1) Os americanos vão despertar num país muito pior do que na atualidade, com mais inflação, mais recessão, mais conflitos externos e uma desafeição geral dos países europeus e parte considerável do assim chamado Sul Global em relação ao Trump e aos EUA, e portanto, uma aproximação com a China, que está se comportando de maneira a confirmar isso: um elefante na loja de cristais, enquanto a China só observa e retira benefícios desse retraimento do outrora grande líder do Ocidente (agora um vulgar amigo de um procurado pelo TPI, aliás dois, Putin, um assassino cleptocratra confirmado, e Netanyahu, um genocida também incluído no rol dos criminosos de guerra).
2) Os brasileiros vão descobrir que as políticas distributivistas e assistencialistas de Lula não vão conseguir baixar a inflação, e vão continuar tão endividados quanto são, atualmente. A política vai continuar polarizada, os partidos do Centrão (traidores como sempre foram) não vão garantir o apoio que o governo precisa para passar seus projetos, sobretudo os fiscais e tributários. As pesquisas de opinião vão continuar negativas, o que levará o governo a aprofundar o populismo, o que só vai servir, consequentemente, para deteriorar ainda mais o cenário econômico. Ou seja, uma corrida ladeira abaixo.

O duro está em suportar, mais do que a desfaçatez da aristocracia do Judiciário, com seus penduricalhos pornográficos e a esbórnia com o dinheiro público, a prepotência de Trump e seus aspones desqualificados. Eles conseguiram perturbar, com a ajuda de Putin, a segurança e a paz no mundo, e vão levar à aceleração da fragmentação do cenário internacional.

Sorry pelo pessimismo, again...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de março de 2025

Asilo diplomático? Seria interessante... - Paulo Roberto de Almeida

 Asilo diplomático? Seria interessante...

Paulo Roberto de Almeida

Acredito que JB está seriamente inclinado a tentar um "asilo diplomático" em alguma embaixada de Brasília. São poucas as que permitiriam isso.

Acredito também que a PF não deveria fazer nenhum movimento para impedi-lo. Condenado a mais de 40 anos de prisão, JB não aguentaria (nem aguentariam com ele) mais do que um ou dois anos na embaixada, depois seria gentilmente conduzido às grades. As embaixadas sabem que não podem permitir que ele tenha atividades políticas na condição de asilado, e só atrapalharia a vida do embaixador (se na residência) ou dos demais diplomatas (se na chancelaria).
Acho que seria até econômico para o Brasil: não precisaria sustentá-lo, nem a sua tropa de aspones, durante o tempo que ali passaria. Poderia ser até o final (talvez até antecipado) da presidência Trump e a "normalização" das relações exteriores dos EUA. O Bananinha poderia até visitá-lo e fazer um comício na porta da embaixada. Alimenta a imprensa, sem qualquer efeito jurídico.
Vá JB! Escolha a sua embaixada, e prepare a declaração de fuga do sistema jurídico "ilegal" do Brasil.
Será um espetáculo à parte, mas dessa vez sem a presença do próprio (salvo filmagens clandestinas dentro dos locais).
Apenas relembrando: o mais longevo asilo diplomático numa embaixada, historicamente registrado, talvez tenha sido o do cardeal Mindszenty, da Hungria, refugiado na embaixada americana em Budapeste, desde a invasão soviética de 1956 até 1971. Dá tempo de escrever vários livros, mas não creio que essa seria a ocupação principal do JB: ele ficaria no celular, dedilhando coisas inúteis aos seguidores.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25/03/2025

O mundo atemorizado por dois ditadores desequilibrados - Paulo Roberto de Almeida

 O mundo atemorizado por dois ditadores desequilibrados.

Paulo Roberto de Almeida


Um, sem declarar guerra pela via tradicional, iniciou uma terrível guerra de agressão contra um vizinho, com o objetivo de, na verdade, atemorizar todo um continente, democrático, mas adepto de um velho pacifismo, em tempos novamente conturbados.

O outro, do qual se teme alguma disfunção cerebral, começou a disparar mísseis tarifários a torto e a mais torto, ameaçando antigos amigos e outros, escolhidos ao acaso, com uma guerra comercial que já destruiu meio sistema multilateral de comércio (o resto, precariamente se mantém quieto).


Eu sinceramente não sabia que o mundo normal (ou quase) fosse tão frágil ante ameaças de ditadores desequilibrados. Quando vai terminar essa passividade?

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 25/03/2025

domingo, 23 de março de 2025

O problema com a Oxfam - Paulo Roberto de Almeida

 O problema da OXFAM consiste simplesmente em atribuir as desigualdades realmente existentes à riqueza exagerada de uns poucos, como se a ambição dessa minoria fosse capaz de superar políticas públicas ordenadas ao que é realmente importante decidir: a missão mais nobre da economia política não consiste em empobrecer os mais ricos para produzir uma esperada igualdade de condições, mas sim em formular e implementar políticas educacionais suscetíveis de enriquecer os mais pobres, e assim reduzir, não eliminar, as desigualdades advindas de situações de origem amplamente diversas.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/03/2025

Uma constatação necessária: um genocídio "desnecessário" - Paulo Roberto de Almeida

Uma constatação necessária: um genocídio "desnecessário"

Paulo Roberto de Almeida

        Alguns dos meus amigos judeus, ou israelenses (não é a mesma coisa), vão reclamar desta minha postagem, mas vou explicitar a acusação, não ao Estado de Israel ou a seu povo (árabes e israelenses), mas ao seu atual governo FASCISTA, de claro e direto GENOCÍDIO contra o povo palestino, a pretexto de eliminar os terroristas que se imiscuíram na população dos territórios ILEGALMENTE ocupados por Israel (sim, eu sei, ao cabo de guerras deslanchadas contra o Estado judeu décadas atrás).
        O povo palestino não pode levar a culpa por alguns atentados bárbaros que algumas lideranças TERRORISTAS impuseram sobre todo o povo israelense e sobre o povo palestino.
        O povo israelense, judeus e não judeus, não pode levar a culpa pelos CRIMES CONTRA A HUMANIDADE sendo perpetrados por um CRIMINOSO DE GUERRA, que merece um julgamento ao estilo de Nuremberg, ao lado de Putin e outros assassinos.
        A humanidade não merece o que vem sendo imposto a ela por ditadores, criminosos de guerra ou por simples IMBECIS, um deles nem preciso nomear.
        O atual governo israelense está criando (pelo menos) uma geração de terroristas, mas a ONU e o sistema multilateral não conseguem fazer nada, sequer contra a maciça destruição imposta ao povo ucraniano, sequer EXPELIR os Estados terroristas da organição.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/03/2025

Golbery do Couto e Silva foi o gênio não reconhecido da ditadura militar? - Golbery do Couto e Silva Neto e Paulo Roberto de Almeida

Golbery do Couto e Silva foi o gênio não reconhecido da ditadura militar?

Golbery do Couto e Silva Neto e Paulo Roberto de Almeida 

O neto de Golbery, em quem eu reconheço um grande intelectual, o maior das FFAA e um dos maiores do Brasil, efetuou a seguinte postagem:

Nesses 40 anos de democracia no Brasil, não se pode esquecer desse nome, general Golbery do Couto e Silva. Sem ele, é verdade, não teria ocorrido a Revolução de 1964. Contudo, sem ele, certamente, o Brasil não seria uma democracia hoje. Não sejamos ingratos. A memória é a alma de uma Nação.

Canal Golbery Neto

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Repostei, mas comentando, da seguinte forma:

“Minha opinião, que não concorda com a sua: o governo Goulart era certamente o caos, com inflação crescente e quebra de hierarquia. Militares pretensiosos, como Golbery, se empenharam, incitados por governadores ambiciosos, em mais uma intervenção no sistema político, o que fizeram desde a monarquia, criando uma República oligárquica (tanto quanto o Império), da qual se julgavam os juízes e “protetores”. Acharam que poderiam curar o sistema político brasileiro de seus males e imperfeições, ficando um pouco mais para “limpar o terreno”.

Deveriam apenas ter garantido uma continuidade do regime democrático e esperado até as eleições de 1965, mas não gostavam de JK (que sofreu tentativas de golpe). 

De fato, limparam o terreno e prepararam o Brasil para um crescimento inédito, com a ajuda da tecnocracia qualificada, mas prolongaram demais o regime de exceção, passando à arrogância do projeto Super Potência, deixando na segunda metade da ditadura apenas endividamento e hiperinflação. 

Não foi Golbery quem trouxe a democracia de volta, pois saiu antes de uma transição bem-comportada. Foi o povo e líderes políticos moderados que conduziram o processo a uma solução incompleta, pois as “invenções” políticas criadas pelos militares continuam a dificultar a modernização plena do Brasil, um país de privilégios inaceitáveis e uma representação deformada em sua essência.

Golbery foi o maior intelectual de toda a história militar do Brasil, um dos grandes da história nacional tout court, mas não podia obviamente escapar das tragédias da Guerra Fria, que não era o principal problema do Brasil, que sempre foi o da não educação das grandes massas.

Nem os melhores militares se conscientizaram disso, e o Brasil continuou a ser um país para apenas uma parte da população.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 23/03/2025

Antecipando os efeitos da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida

Antecipando os efeitos da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia 

Paulo Roberto de Almeida

Putin e Trump, agindo de forma coordenada ou não, estão obrigando a Europa, compulsoriamente ou de forma voluntária, a se armar novamente. Make Europe Stronger Again, esse vai ser o resultado, mas depois da destruição de metade da Ucrânia, da emigração de milhares de ucranianos e da morte de milhares de seus soldados. 

Tudo isso provocado pela ambição de um ditador frustrado — facilitado por um outro dirigente desequilibrado — que deixará como legado uma Rússia mais pobre, sancionada pelas democracias que respeitam o Direito Internacional (entre as quais o Brasil não se inclui), um vácuo superior a um milhão de baixas em suas FFAA e outras centenas de milhares de emigrados forçados, talvez para sempre. 

A Rússia de Putin e a Venezuela de Chávez-Maduro (esta, de forma progressiva, aquela mais rapidamente) destruíram seu capital humano e passarão mais de uma geração empenhadas numa difícil reconstrução nacional.

Quais são os beneficiários do atual desmantelamento do sistema multilateral dos últimos 80 anos?

A China, em primeiro lugar, da forma mais oportunista possível, a Europa em segundo lugar, de forma involuntária e malgré soi-même

E o Brasil? Vai permanecer mais ou menos no mesmo lugar, mantendo, provavelmente, a ilusão do Brics+ como supostamente representativo de um diáfano “Sul Global” (como se China e Rússia pertencessem a essa ficção geopolítica). 

A diplomacia profissional brasileira se equilibra dificilmente entre seus padrões habituais de respeito aos valores e princípios de uma doutrina respeitável, construída por grandes estadistas do passado, e a submissão a dirigentes pouco preparados para dirigir um país que não chegou a completar sua modernização integral pela via da educação de qualidade, infelizmente historicamente desleixada por elites mediocres, sem visão de futuro.

Concluo repetindo minha estrofe preferida, de um poema escrito por Mario de Andrade em 1924:

“Progredir, progredimos um tiquinho/

Que o progresso também é uma fatalidade…”

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 23 de março de 2025


quinta-feira, 20 de março de 2025

Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, em São Paulo, minha primeira alma mater - Paulo Roberto de Almeida

Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, em São Paulo, minha primeira alma mater

Paulo Roberto de Almeida

    Tenho mantido um diálogo à distância com animadores e responsáveis pelas comunicações da Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, no bairro do Itaim, em São Paulo, o local de minha infância e dos meus primeiros aprendizados e brincadeiras, ainda na fase pré-alfabetização. Reproduzo aqui abaixo parte de minhas reflexões, retiradas da memória de décadas passadas, sobre meus momentos felizes da primeira infância. 

        Suponho que os livros de minha infância já não mais estão disponíveis atualmente no catálogo da Biblioteca Infantil Anne Frank – velhos Monteiro Lobato da Brasiliense, nas edições dos anos 1950, Emílio Salgary, Karl May, Malba Tahan, Jules Verne e outros – e entendo que as coleções hoje estejam até mais voltados aos adolescentes e jovens pré-adultos do que apenas na primeira infância. 

        Muitos anos atrás, compareci à biblioteca para rever esses livros que encantaram e formaram minha primeira capacidade intelectual, mas como era ainda numa fase dos primeiros laptops portáteis, com sistemas operacionais peculiares, todos os registros foram perdidos, mas ficou o registro na memória das primeiras leituras, assim como dos primeiros filmes vistos no auditório: as comédias de Oscarito e Grande Otelo nas produções da Atlântida, Tarzan do primeiro Jonny Weissmuller, Roy Rogers, Hopalong Cassidy, o primeiro Zorro com seu amigo Tonto, Gordo e Magro, Três Patetas e muitos outros da época, segunda metade dos anos 1950. Anos de otimismo no governo JK, primeira Copa do Mundo de Futebol e aquela sensação de que ninguém poderia segurar o Brasil. Conseguiram, não apenas os militares, mas nossas próprias crises políticas internas, ao início dos anos 1960, com inflação e temores alimentados de um improvável comunismo.
Nosso percurso, desde então, foi errático e, ao mesmo tempo, prometedor, com avanços sociais e materiais por um lado, e recuos em outro, segurança pública, persistência das desigualdades, mediocridade das elites políticas e empresariais. O que fica de tudo isso? A certeza de que lugares acolhedores como uma biblioteca infantil democrática podem fazer toda a diferença na vida de muitas crianças vindas de uma condição modesta, como era o meu caso. Por isso mesmo, toda a minha gratidão à Biblioteca Infantil Anne Frank pelas oportunidades que me deu de me elevar intelectualmente, assim por todo o lazer oferecido sob a forma de filmes e brincadeiras.

Fica o preito de gratidão… 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20/03/2025

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Uma postagem anterior: 

As bibliotecas de minha infância e adolescência 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/09/as-bibliotecas-de-minha-infancia-e.html


Intelectuais na Diplomacia Brasileira: A Cultura a Serviço da Nação Organização: Paulo Roberto de Almeida (Francisco Alves)

 Próximo livro sendo preparado para publicação:


Intelectuais na Diplomacia Brasileira: A Cultura a Serviço da Nação
Organização: Paulo Roberto de Almeida
Rio de Janeiro: Francisco Alves; São Paulo: Editora da Unifesp, 2025

Índice

Prefácio , 13
Celso Lafer

Apresentação: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia , 23
Paulo Roberto de Almeida
Nas origens da feliz interação entre o Itamaraty e a cultura brasileira , 23
Por que uma nova iniciativa aliando diplomatas e cultura, muitos anos depois? 27
Um novo projeto cobrindo outros intelectuais associados à diplomacia brasileira 32

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista , 35
Sarah Venites
Não tão breve nota introdutória , 35
Uma formação cosmopolita , 38
A ciência, a educação e o Museu Nacional , 40
Política feminista, no Brasil e no mundo , 46-7
O legado de Bertha e considerações finais , 54

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente , 57
Paulo Roberto de Almeida
Um membro do patriciado mineiro, de uma família de estadistas e intelectuais 57
Vida intelectual de Afonso Arinos, de uma família de escritores , 58
Um diplomata natural, chanceler num período atribulado , 63
A solução parlamentarista, sempre no horizonte , 73
A crise brasileira e seu caráter permanente , 75
De volta ao planalto, como senador e constituinte , 79

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa , 85
Marcílio Marques Moreira
Marcos de uma vida intensa , 85
San Tiago Dantas e os apelos do autoritarismo , 87
A trajetória na luta democrática , 90
Uma fina sensibilidade cultural , 91
O ingresso na vida política , 92
San Tiago e a reforma do Itamaraty , 94
San Tiago, diplomata , 95
Uma visão original da política externa e da política internacional , 99
San Tiago, o pacifista , 102
Em busca de uma esquerda “positiva”: San Tiago e Merquior , 104

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia , 107
Paulo Roberto de Almeida
Uma vida relativamente bem documentada, senão totalmente devassada 107
O diplomata enquanto economista e, ocasionalmente, homem de Estado 112
Além da economia: um observador sofisticado do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano 117
Além da economia: o humanismo na sua versão irônica e política , 125
A premonição das catástrofes evitáveis, um fruto de sua racionalidade , 129
Um longo embate contra sua própria instituição , 132
A Weltanschauung evolutiva de Roberto Campos: do Estado ao indivíduo 136

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro , 145
Ricardo Vélez-Rodríguez
Breve síntese biográfica , 145
A crítica de Meira Penna ao Estado patrimonial , 146
O Brasil e o liberalismo , 148
Patrimonialismo, o mal latino , 149
Patrimonialismo e familismo clientelista , 153
Patrimonialismo e formalismo cartorial , 157
Patrimonialismo e estatismo burocrático , 160
Patrimonialismo e mercantilismo , 161
Patrimonialismo e corrupção , 163
Alternativas ao patrimonialismo , 165
Um Tocqueville brasileiro , 167

Lauro Escorel: um crítico engajado , 171
Rogério de Souza Farias
Esperançosa inteligência , 171
Retórica militante , 174
Escolástico inútil , 177
Cultura da política , 182


Sergio Corrêa da Costa: diplomata, historiador e ensaísta , 193
Antonio de Moraes Mesplé
Os anos 40 , 193
D. Pedro I e a exceção brasileira , 198
Floriano Peixoto e a história diplomática da Revolta da Armada , 206
Juan Perón, o hipernacionalismo argentino e a conexão nazista , 217
A globalização lexical e a Francofonia , 230
Um diplomata de escol , 234

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira , 237
Rubens Ricupero
Colocar o Estado a serviço da cultura , 237
As origens e os episódios latino-americanos , 238
A história de Wladimir é um romance de aventuras , 240
As marcas de Murtinho na cultura do Brasil , 242
Brasília como nova capital da cultura brasileira , 244
O legado de Wladimir Murtinho em Brasília e para o Brasil , 246

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível , 251
Mary Del Priore
Uma infância carioca , 251
Como se fabrica um escritor e musicólogo? , 252
Itinerários na diplomacia: Porto e Belgrado , 254
De volta à América Latina e novos desafios diplomáticos , 256
A obsessão pela música , 258
Um longevo diplomata-escritor , 262
Vasco: demasiadamente humano , 271

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais 279
Gelson Fonseca Jr.
O intelectual e o diplomata , 280
Encontros com Merquior , 284
Os textos sobre questões diplomáticas , 289
O intelectual antes do diplomata , 306

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet 309
João Almino
Diplomacia , 309
Literatura , 311
Filosofia , 313
Iluminismo e universalismo , 314
Universalismo e etnocentrismo , 316
Relativismo e particularismos , 318
Civilização ou barbárie , 319
A permanência da obra , 323

Apêndices:
1. O Itamaraty na cultura brasileira (2001), sumário da obra , 325
2. Introdução de Alberto da Costa e Silva à edição de 2001 , 327
3. Alberto da Costa e Silva – 1931-2023, Celso Lafer , 343

Sobre os intelectuais na diplomacia , 349
Sobre os autores , 353

quarta-feira, 19 de março de 2025

Reciprocidade: um conceito mutável nos anais da diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Reciprocidade: um conceito mutável nos anais da diplomacia brasileira

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a insistência do governo Lula sobre a aplicação do conceito de reciprocidade na questão dos vistos para turistas de EUA, Canadá, Japão e Austrália.

 

 

        Durante décadas, desde os anos 1950 até praticamente os nossos dias, a diplomacia brasileira defendeu ardorosamente o princípio da NÃO-RECIPROCIDADE, por considerar, acertadamente, que as diferenças fundamentais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento deixavam estes em desvantagens no comércio internacional. Lutou tanto contra a reciprocidade, que a não reciprocidade tornou-se um princípio quase equivalente às regras básicas do sistema multilateral de comércio (nação-mais-favorecida, tratamento nacional, não discriminação, reciprocidade justamente), consagrado como "tratamento especial e mais favorável para países em desenvolvimento".

        Leram bem? MAIS FAVORÁVEL! Isto significa que os países em desenvolvimento devem ser tratados em melhores condições, ou seja, obtendo concessões tarifárias e outras dos países desenvolvidos SEM obrigação de RECIPROCIDADE.

        Se isso se aplica no comércio internacional, a mais forte razão deve ser aplicado em serviços internacionais, com especial destaque para o turismo ou viagens de negócios, onde as assimetrias são ainda mais evidentes, ou seja, dificilmente podem ser aplicadas regras de reciprocidade, pois os países são muito diferentes entre si. 

        Em outros termos, reciprocidade é um conceito geral, que NÃO PODE ser aplicado AUTOMATICAMENTE, cabendo medir o potencial e as condições especiais de cada uma das partes envolvidas na relação de intercâmbio. 

        Aplicado ao turismo, implica em que países receptores devem ser amplamente favoráveis à ampliação dos fluxos de turistas e outros viajantes ocasionais. 

        Observando a situação real das viagens internacionais e dos fenômenos migratórios, cabe registrar a realidade de um enorme fluxo de pessoas de países em desenvolvimento desejosas de se instalar em países desenvolvidos, por segurança, oportunidades de trabalho, estudos para a família, para escapar de uma situação de penúria e de insegurança em seus países, etc.
        Reciprocidade abstrata e genérica não iode ser invocada em todos os casos, e justamente no domínio de vistos turísticos ou de negócios, os procedimentos aplicados pelos países são determinados pelas suas próprias regras consulares, e não precisam se pautar por regras de reciprocidade, como não o são do terreno do sistema de comércio multilateral.

        Da mesma forma, "tarifas recíprocas" tampouco são comuns, pois que cada país tem seu próprio nível de competitividade e maior ou menor dependência (ou interesse) de abastecimento externo, complementar ou substitutivo de algum fornecimento interno (que nem sempre existe, e não pode ser "recíproco", pois que países não são semelhantes, sequer similares).

        Concluindo: o Brasil NÃO precisaria ter regras recíprocas no terreno consular, como de fato nunca teve com o universo da comunidade internacional (tanto é assim que países do Mercosul sequer exigem vistos, passaportes ou outros requerimentos).

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4876, 19 março 2025, 2 p.


terça-feira, 18 de março de 2025

Trabalhos mais acessados de Paulo Roberto de Almeida (mais de 3 mil) em Academia.edu


 

Sobre um ajuntamento de argumentos pró-russos de um antiamericano acadêmico - José Luís Fiori, Paulo Roberto de Almeida

Sobre um ajuntamento de argumentos pró-russos de um antiamericano acadêmico  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Comentários tópicos oferecidos a Maurício David a propósito de um artigo do acadêmico José Luís Fiori, sobre a suposta “vitória russa” na Ucrânia e contra os EUA e a OTAN. Enviado por e-mail. 

 

Sobre o artigo “A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”

José Luis Fiori

A Terra é Redonda, 8/03/2025

https://aterraeredonda.com.br/a-estrategia-norte-americana-de-destruicao-inovadora/ 


(Transcrito ao final de meus comentários, PRA) 


Comentários tópicos sobre argumentos do artigo (Paulo Roberto de Almeida): 

 

1) “... já é possível reconstruir os caminhos e principais passos que levaram a essa guerra [Ucrânia]. Uma história que começou em 1941, com a assinatura da Carta do Atlântico, pelo presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, e pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, em Newfoundland, nas cercanias do Canadá. Carta Atlântica que se transformou na “pedra fundamental” da “aliança estratégica” entre EUA e Grã-Bretanha (GB), que foi vitoriosa na Segunda Guerra Mundial, e que foi em seguida sacramentada pelo bombardeio atômico norte-americano das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.”

         PRA: A aliança EUA-Reino Unido, representado pela Carta do Atlântico, não tem absolutamente nada a ver com o bombardeio atômico sobre Hiroshima e Nagasaki, pois ela tinha a ver apenas com o desenho inicial dos princípios que presidiriam ao estabelecimento da nova ordem política do pós-guerra. Bombardeio atômico não foi “em seguida” e não sacramentou essa aliança. O autor confunde discussão de princípios gerais com fatos militares distantes quatro anos da Carta do Atlântico, e que com ela não guardam nenhuma conexão.

 

2) “Esse projeto anglo-saxônico mudou de rumo, entretanto, depois do discurso de Winston Churchill, em Fulton, Missouri, EUA, em março de 1946, quando o ex-primeiro-ministro britânico propôs aos seus aliados norte-americanos a construção de uma barreira de contenção militar – que ele chamou de “cortina de ferro” – separando o “mundo ocidental” da zona de influência comunista da União Soviética.”

         PRA: O autor mais uma vez confunde uma palestra simplesmente descritiva sobre a realidade “imperial” da Europa centra e oriental, sob tutela soviética, no pós-guerra, com a aliança fundamental EU-GB, que tinha outros objetivos e característicos que a contenção da URSS. Churchill falava do império soviético, não da aliança anglo-saxã. 

 

3) “Uma política inglesa, de demonização e confronto permanente com a Rússia, que foi formulada pela primeira vez logo após o Congresso de Viena, em 1815, um século antes da Revolução Soviética.”

         PRA: Novo equívoco. Fiori deveria ler a tese de doutorado de Kissinger sobre o Congresso de Viena. Tem a ver com a divisão das potências europeias, não apenas com o poderio do czarismo.

 

3) “Quarenta anos depois, no momento da queda do Muro de Berlim, em 1989, e da dissolução da União Soviética, em 1993, as duas grandes potências anglo-saxãs voltaram ao seu projeto de 1941. Foi quando se falou em “fim da história” e da vitória definitiva da democracia e do capitalismo liberal e anglo-saxônico, sobretudo depois da arrasadora vitória militar dos EUA na Guerra do Golfo, de 1991/2, quando os americanos expuseram ao mundo sua nova tecnologia de guerra teledirigida, equivalente às bombas de Hiroshima e Nagasaki, do ponto de vista do impacto sobre o sistema mundial.”

         PRA: O autor mistura eventos, processos e coalizões que não possuem coerência intrínseca entre eles, como se fossem um continuum de 1941, o que é absolutamente equivocado. Frase delirante.

 

4) “E o mesmo aconteceu na Europa, onde a OTAN se expandiu de forma contínua, multiplicando suas bases militares na direção da Europa do Leste da fronteira ocidental da Rússia. Apesar da promessa do secretário de Estado norte-americano James Baker ao primeiro-ministro russo Mikhail Gorbachev, feita em 1991, logo após o fim da Guerra Fria, de que a OTAN não avançaria na direção da Europa do Leste, em 1994, o presidente Bill Clinton autorizou sua primeira expansão, e em 1999 a Otan começou sua “marcha para o Leste”, com a incorporação de Hungria, Polônia e República Tcheca.

E em 2004, a OTAN incorporou Estônia, Lituânia, Letônia, Bulgária, Eslovênia e Eslováquia, enquanto experimentava suas novas formas de intervenção através das chamadas “revoluções coloridas” contra governos desfavoráveis aos interesses americanos – como foi o caso da “revolução das rosas”, na Geórgia, em 2003; da “revolução laranja” na Ucrânia em 2004; da “revolução das tulipas” no Quirguistão, em 2005.’

         PRA: Mais uma vez o autor realiza não só uma assemblagem de eventos ocorridos nos anos 1990 e 2000, relativamente à aceitação pela OTAN de novos membros, mas uma interpretação especiosa, que IGNORA totalmente as decisões soberanos de todos esses povos, dominados e oprimidos pela Rússia e pela URSS, durante décadas, senão séculos, e que DECIDIRAM SOLICITAR ADESÃO à OTAN para se PROTEGEREM do urso russo.

 

5) “Brzezinski chegou a propor que a Ucrânia fosse conquistada pelos EUA e pela OTAN, até no máximo 20151 – o que acabou acontecendo depois do golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo eleito de Viktor Yanukovych, considerado hostil pelos EUA e pela OTAN.”

         PRA: Fiori ignora totalmente a dinâmica política da sociedade ucraniana, que estava consolidando sua identidade nacional nos anos 2000, e a população ucraniana, em sua VASTA MAIORIA, tinha o projeto de adesão a União Europeia, e foi esse o motivo da revolução Maidan, que levou à queda de Yanukovych e a decisão de solicitarem adesão à OTAN. Tudo parece ser um complô americano contra a Rússia na visão de Fiori.

 

6) “discurso de Putin, “em 2007, na Conferência de Segurança de Munique”

         PRA: Fiori considera que a postura de Putin, no discurso de Munique, possui legitimidade intrínseca, e prefere ignorar a vontade dos países vizinhos, ex-repúblicas federadas da URSS, e seu temor de novas investidas russas, o que possui muito mais legitimidade no plano do Direito Internacional. Fiori ignora completamente o imperialismo russo.

 

7) “Por fim, em 15 de dezembro de 2021, a Rússia entregou um memorando às autoridades americanas e da OTAN, e aos governantes da União Europeia, propondo a interrupção da expansão da OTAN, o afastamento de suas tropas das fronteiras russas e a desmilitarização da Ucrânia.”

         PRA: Fiori acha que a vontade russa TEM de prevalecer sobre a vontade de povos soberanos. A OTAN não estava se expandindo nesse momento, e depois dos problemas da Georgia não havia nenhum planbo de incorporação da Ucrânia. 

 

8) “Três anos depois do início da guerra, já não cabe dúvida de que a Rússia venceu no campo de batalha, mas também no campo da competição tecnológico-militar com relação aos equipamentos fornecidos aos ucranianos pelos EUA e pelos países da OTAN. Além disso, a Rússia também venceu a guerra econômica contra as sanções que lhe foram impostas pelas potências ocidentais, e sua economia vem crescendo sistematicamente à frente dos demais países europeus.”

         PRA: Fiori fica muito contente ao escrever isso, e só lhe falta cumprimentar Putin pelas “vitórias” na Ucrânia, denegando a Carta da ONU e os acordos feitos anteriormente, inclusive no plano da CSCE. Para ele, só as preocupações russas de segurança são válidas, e os países não teriam nenhum direito em face de um vizinho imperialista e agressor.

 

9) “Não há dúvida de que a vitória russa se acelerou e consolidou nos dois últimos meses: (i) com a saída dos EUA da guerra e a ruptura do seu “casamento estratégico” com a Grã-Bretanha; (ii) com a divisão interna da OTAN e a ameaça de saída dos EUA; (iii) com a fragilização da União Europeia, depois do seu afastamento dos EUA; (iv) e finalmente, com o desmonte do “bloco ocidental” e de sua hegemonia mundial exercida nos últimos 200 anos. Como consequência, o mais provável é que as negociações post-bellum entre Rússia e EUA se transformem no primeiro passo de uma nova “ordem mundial multipolar” e “pós-europeia”, a mais importante de todas as reivindicações e vitórias russas.”

         PRA: Fiori assume ares de profeta satisfeito com sua antecipação de uma “nova ordem mundial multipolar” comandada pela Rússia, no que aliás já recebeu a adesão implícita de Lula, que repete o mesmo bordão de Putin. A História não terminou, mas ele já decretou o quadro futuro. 

Considero o artigo de Fiori um amontoado de parti-pris em favor da Rússia, CONTRA a Carta da ONU e os princípios mais elementares do Direito Internacional e do multilateralismo contemporâneo. Tornou-se um arauto do imperialismo russo, renegando inclusive a doutrina diplomática brasileira, a de Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha e San Tiago Dantas. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4874, 18 março 2025, 3 p.


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Artigo de José Luiz Fiori: 

 

A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”

Por JOSÉ LUÍS FIORI*

A Terra é Redonda, 8/03/2025

https://aterraeredonda.com.br/a-estrategia-norte-americana-de-destruicao-inovadora/ 

 

 

Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China

 

Ao se completarem dois meses da nova administração perplexidade dos europeus criam uma impressão americana, o histrionismo de Donald Trump e a duplamente falsa com relação à Guerra da Ucrânia. Por um lado, o presidente americano se comporta como se os EUA fossem o “país ganhador”, exigindo uma “reparação de guerra” do país derrotado, a Ucrânia, que foi seu grande aliado até anteontem.

Por outro, os europeus, em estado de pânico, atribuem à traição de Trump e à sua decisão de acabar com a guerra, a responsabilidade por sua divisão e derrota eminente. Como se fosse possível fazer, desfazer e refazer a história real através apenas da manipulação de “narrativas” que são inventadas e repetidas incansavelmente pelas potências que se acostumaram a controlar o “imaginário coletivo” do sistema mundial.

Na verdade, o que estamos assistindo é o reconhecimento norte-americano de um fato consumado: a vitória da Rússia no campo de batalha contra as tropas da Ucrânia, e contra os armamentos da OTAN, mesmo que durem ainda a resistência e os ataques pontuais dos ucranianos. Neste momento, os EUA estão exigindo que seus vassalos se rendam, na forma inicial de um “cessar-fogo”, mas na verdade se trata de uma vitória russa sobre os próprios EUA, que forneceram a maior parte do equipamento bélico, base logística, apoio de inteligência, e financiamento, que permitiram aos ucranianos resistirem durante três anos, promovendo uma escalada militar que chegou às portas de uma guerra atômica, no final do governo de Joe Biden.

Neste momento, a situação ainda está muito confusa, mas mesmo assim já é possível reconstruir os caminhos e principais passos que levaram a essa guerra. Uma história que começou em 1941, com a assinatura da Carta do Atlântico, pelo presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, e pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, em Newfoundland, nas cercanias do Canadá. Carta Atlântica que se transformou na “pedra fundamental” da “aliança estratégica” entre EUA e Grã-Bretanha (GB), que foi vitoriosa na Segunda Guerra Mundial, e que foi em seguida sacramentada pelo bombardeio atômico norte-americano das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Uma aliança inquebrantável que durou 80 anos e que esteve na origem do projeto globalista de construção de um mundo unificado e tutelado pelos anglo-saxões, seguindo as regras e valores da “civilização ocidental”.

Esse projeto anglo-saxônico mudou de rumo, entretanto, depois do discurso de Winston Churchill, em Fulton, Missouri, EUA, em março de 1946, quando o ex-primeiro-ministro britânico propôs aos seus aliados norte-americanos a construção de uma barreira de contenção militar – que ele chamou de “cortina de ferro” – separando o “mundo ocidental” da zona de influência comunista da União Soviética. (!!!! – (MD) Uma política inglesa, de demonização e confronto permanente com a Rússia, que foi formulada pela primeira vez logo após o Congresso de Viena, em 1815, um século antes da Revolução Soviética.

A grande novidade desta proposta, portanto, foi o convencimento e mobilização do governo norteamericano de Harry Truman a favor dessa estratégia que deu início à Guerra Fria, em 1947, seguida pela formação de um bloco dos países do Atlântico Norte, consagrado pela criação da OTAN, em 1949, e pela inauguração da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, embrião da União Europeia, que viria a ser formalizada em 1993.

Quarenta anos depois, no momento da queda do Muro de Berlim, em 1989, e da dissolução da União Soviética, em 1993, as duas grandes potências anglo-saxãs voltaram ao seu projeto de 1941. Foi quando se falou em “fim da história” e da vitória definitiva da democracia e do capitalismo liberal e anglo-saxônico, sobretudo depois da arrasadora vitória militar dos EUA na Guerra do Golfo, de 1991/2, quando os americanos expuseram ao mundo sua nova tecnologia de guerra teledirigida, equivalente às bombas de Hiroshima e Nagasaki, do ponto de vista do impacto sobre o sistema mundial.

A partir de então, os EUA se desfizeram do seu compromisso com as Nações Unidas, e com as regras de funcionamento do seu Conselho de Segurança, e transformaram a OTAN – progressivamente – no seu braço armado de intervenção nos Balcãs, no Oriente Médio, na Ásia Central e Europa do Leste”[i]. Primeiro foi a Bósnia, em 1995, e depois a Iugoslávia, em 1999, que foi bombardeada pela OTAN sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. E o mesmo voltou a acontecer em 2003, quando EUA e GB invadiram e destruíram o Iraque, apesar do veto da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e da oposição de Alemanha, França e de vários outros aliados tradicionais dos anglo-saxões. Começaram ali as “guerras sem fim” dos EUA, da GB e da OTAN no Grande Oriente Médio, e se estenderam até sua e “retirada” do Afeganistão, em 30 de agosto de 2021.

E o mesmo aconteceu na Europa, onde a OTAN se expandiu de forma contínua, multiplicando suas bases militares na direção da Europa do Leste da fronteira ocidental da Rússia. Apesar da promessa do secretário de Estado norte-americano James Baker ao primeiro-ministro russo Mikhail Gorbachev, feita em 1991, logo após o fim da Guerra Fria, de que a OTAN não avançaria na direção da Europa do Leste, em 1994, o presidente Bill Clinton autorizou sua primeira expansão, e em 1999 a Otan começou sua “marcha para o Leste”, com a incorporação de Hungria, Polônia e República Tcheca.

E em 2004, a OTAN incorporou Estônia, Lituânia, Letônia, Bulgária, Eslovênia e Eslováquia, enquanto experimentava suas novas formas de intervenção através das chamadas “revoluções coloridas” contra governos desfavoráveis aos interesses americanos – como foi o caso da “revolução das rosas”, na Geórgia, em 2003; da “revolução laranja” na Ucrânia em 2004; da “revolução das tulipas” no Quirguistão, em 2005.

Por fim, em abril de 2008, na cidade de Bucareste, a OTAN anunciou seu xeque-mate, com a incorporação da Geórgia, e sobretudo da Ucrânia, que Zbigniew Brzezinski[ii] (o grande geopolítico do Partido Democrata norte-americano), considerava ser uma peça central da disputa dos EUA com a Rússia, pelo controle da Europa do Leste e de todo o continente eurasiano. Tão importante que Brzezinski chegou a propor que a Ucrânia fosse conquistada pelos EUA e pela OTAN, até no máximo 20151 – o que acabou acontecendo depois do golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo eleito de Viktor Yanukovych, considerado hostil pelos EUA e pela OTAN.

A Rússia protestou inutilmente contra esses sucessivos avanços da OTAN sobre sua fronteira ocidental. E, em 2007, na Conferência de Segurança de Munique, o presidente russo, Vladimir Putin, advertiu pessoalmente as potências ocidentais de que a Rússia não toleraria os avanços da OTAN na Geórgia e na Ucrânia. Sua advertência foi ignorada uma vez mais e, no ano seguinte, a Rússia foi obrigada a fazer uma primeira intervenção militar direta na República Autônoma da Ossétia do Sul, para impedir sua incorporação à OTAN. E mais à frente, em 2015, a Rússia voltou a intervir diretamente contra o golpe de Estado apoiado pelos EUA e pela OTAN, ocupando e incorporando a Crimeia ao território russo.

Por fim, em 15 de dezembro de 2021, a Rússia entregou um memorando às autoridades americanas e da OTAN, e aos governantes da União Europeia, propondo a interrupção da expansão da OTAN, o afastamento de suas tropas das fronteiras russas e a desmilitarização da Ucrânia. Não houve resposta a esse memorando e o silêncio das “potências ocidentais” foi o estopim que deflagrou a invasão russa do território da Ucrânia, iniciando de fato uma “proxy-war” entre Rússia e EUA.[iii]

rês anos depois do início da guerra, já não cabe dúvida de que a Rússia venceu no campo de batalha, mas também no campo da competição tecnológico-militar com relação aos equipamentos fornecidos aos ucranianos pelos EUA e pelos países da OTAN. Além disso, a Rússia também venceu a guerra econômica contra as sanções que lhe foram impostas pelas potências ocidentais, e sua economia vem crescendo sistematicamente à frente dos demais países europeus.

Não há dúvida de que a vitória russa se acelerou e consolidou nos dois últimos meses: (i) com a saída dos EUA da guerra e a ruptura do seu “casamento estratégico” com a Grã-Bretanha; (ii) com a divisão interna da OTAN e a ameaça de saída dos EUA; (iii) com a fragilização da União Europeia, depois do seu afastamento dos EUA; (iv) e finalmente, com o desmonte do “bloco ocidental” e de sua hegemonia mundial exercida nos últimos 200 anos. Como consequência, o mais provável é que as negociações post-bellum entre Rússia e EUA se transformem no primeiro passo de uma nova “ordem mundial multipolar” e “pós-europeia”, a mais importante de todas as reivindicações e vitórias russas.


Notas

[i] Victoria Nuland, a diplomata americana que ficou famosa por sua participação direta pessoal a favor do golpe de Estado na Ucrânia, em 2014, e que foi também Representante Permanente dos EUA na OTAN, de 2005 a 2008, declarou numa entrevista ao jornal Financial Times, em 2006, que “os EUA querem ter uma força com projeção global, para operar em todo o mundo, da África ao Oriente Médio e bem mais além, o Japão, como a Austrália tem vocação, igual que as nações da OTAN, para fazer parte desta força” (in Chauprade, A., Chronicque du Choc des Civilizations, Chronique Editions, Paris, 2013, p. 69).

[ii] Brzzezinski, Z, The Grand Chessboard. American Primacy and its Geostrategica Imperatives, Basic Books, New York, 1997

[iii] O novo secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, reconheceu recentemente que a Guerra da Ucrânia foi na verdade uma “guerra por procuração” entre Rússia e EUA., in UOL Noticias, noticias.uol.com.br -6 de março de 2025. 


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Reagan e Trump e a “destruição inovadora”

“Toda situação hegemônica é transitória, e mais do que isto, é autodestrutiva, porque o próprio hegemon acaba se desfazendo das regras instituições que ajudou a criar para poder seguir se expandindo e acumulando mais poder do que seus liderados” (José Luís Fiori, O poder global e a nova geopolítica das nações)


Na década de 70 do século passado, os EUA sofreram uma série de reveses militares, econômicos e geopolíticos: foram derrotados na Guerra do Vietnã; uma série de reveses militares, econômicos e surpreendidos pela Guerra do Yom Kippur e pela criação da OPEP e a subida dos preços internacionais[iii] do petróleo; e foram surpreendidos uma vez mais pela Revolução do Aiatolá Khomeini, no Irã, em 1979; seguida pela “crise dos reféns” americanos que foram mantidos presos durante 444 dias na embaixada dos EUA em Teerã, culminando com a invasão soviética do Afeganistão, em dezembro de 1979.

Muitos analistas falaram naquele momento de uma “crise final da hegemonia americana”. Frente a essa situação de declínio relativo de poder, entretanto, os EUA destruíram a ordem mundial que haviam criado depois da Segunda Guerra Mundial e adotaram uma nova estratégia internacional, com o objetivo de manter sua primazia mundial. Primeiro, aceitaram a derrota, renderam-se e assinaram um acordo de paz com o Vietnã; ao mesmo tempo, abandonaram o padrão-dólar que haviam imposto ao mundo em Bretton Woods, em 1944; em seguida, pacificaram e reataram relações com a China; e enterraram definitivamente seu projeto econômico desenvolvimentista, impondo uma abertura e desregulação financeira da economia internacional, enquanto iniciavam uma nova corrida armamentista, conhecida como a 2ª. Guerra Fria, que culminou com a derrocada da União Soviética. Um verdadeiro tufão conservador e neoliberal, que começou no governo de Richard Nixon e alcançou sua plenitude durante o governo de Ronald Reagan, mudando radicalmente o mapa geopolítico do mundo e transformando de forma irreversível a face do capitalismo mundial.

Agora de novo, na segunda e terceira décadas do século XXI, os EUA vêm sofrendo novos e sucessivos reveses militares, econômicos e geopolíticos. Foram derrotados no Afeganistão e obrigados a uma retirada humilhante da cidade de Cabul, em agosto de 2021; estão sendo derrotados de forma inapelável na Ucrânia; sofreram uma perda significativa de credibilidade moral em todo mundo, depois do seu apoio ao massacre israelense dos palestinos da Faixa de Gaza; vêm sofrendo um processo acentuado de desindustrialização e sua moeda, o dólar vem sendo questionado por seu uso como arma de guerra contra países concorrentes ou considerados inimigos dos seus interesses; e por fim, os EUA têm perdido posições importantes na sua competição tecnológica-industrial e espacial com a China, e na sua disputa tecnológica-militar com a Rússia.

Neste momento, uma vez mais, o governo norte-americano de Donald Trump está se propondo refazer sua primazia através de uma nova mudança radical de sua estratégica internacional, combinando doses altíssimas de destruição, com algumas propostas disruptivas e inovadoras no campo geopolítico e econômico, partindo de uma posição de força e sem pretensões éticas ou missionárias, e orientando-se apenas pela bússola dos seus interesses nacionais.

A principal consigna de campanha de Donald Trump – “fazer a América grande de novo” – já é por si mesma, um reconhecimento tácito de que os EUA estão enfrentando uma situação de crise ou declínio que precisa ser revertida. E suas primeiras medidas são todas de natureza defensivas: seja no caso da sua política econômica mercantilista, seja no caso da “barreira balística” que ele está se propondo construir em torno do território americano. E o mesmo se pode dizer de suas agressões e ameaças verbais, que têm sido dirigidas contra seus vizinhos, aliados e vassalos mais próximos e incondicionais.

De qualquer maneira, o mais importante tem sido o ataque avassalador e destrutivo de Donald Trump e seus auxiliares mais próximos, contra as regras e instituições próprias da ordem internacional construída pelos EUA, como resposta à sua crise dos anos 70 do século passado. E contra os últimos vestígios da ordem mundial do pós-Segunda Guerra, como no caso das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. Com ênfase particular no ataque e destruição americana do multilateralismo e do globalismo econômico que se transformaram na principal bandeira americana do pós-Guerra Fria. Neste capítulo das “destruições”, deve-se sublinhar também o ataque seletivo e estratégico do governo Donald Trump contra todas as peças de sustentação interna – dentro do próprio governo americano – do que eles chamam de deep state, a verdadeira base de sustentação e locus de planejamento das guerras norte-americanas.

No plano internacional, entretanto, a grande revolução – se prosperar – será efetivamente a mudança da relação entre os EUA e a Rússia, que vem sendo proposta pelo governo de Donald Trump. Uma inflexão muito profunda e radical, muito mais do que foi a reaproximação entre os EUA e a China, na primeira metade dos anos 1970. Porque, de fato, no século XX, os EUA herdaram uma inimizade, competição e polarização geopolítica construída pela Grã-Bretanha contra a Rússia, desde o momento em que se consagrou a vitória dos russos e dos ingleses contra a França de Napoleão Bonaparte, no Congresso de Viena, de 1815.

Desde então, os russos foram transformados pelos ingleses em seus “inimigos necessários”, e serviram como princípio organizador da estratégia imperial inglesa. Uma realidade histórica que foi depois consagrada pela teoria geopolítica do geógrafo inglês Halford Mackinder, segundo a qual o país que controlasse o coração da Eurásia, situado entre Moscou e Berlim, controlaria o poder mundial. Por isso, os ingleses lideraram a Guerra da Criméia, entre 1853 e 1856, contra os russos; e de novo lideraram a a invasão da Rússia depois do fim da Primeira Guerra Mundial; e cogitaram fazer o mesmo logo depois da Segunda Guerra. Uma obsessão de Winston Churchill que acabou cedendo lugar ao projeto de construção da “cortina de ferro” e da OTAN.

Essa obsessão inglesa foi repassada aos norte-americanos depois da Segunda Guerra Mundial e esteve na origem da Guerra Fria. A partir de então, os EUA e a GB (junto com seus aliados da OTAN), construíram uma gigantesca infraestrutura militar – material e humana – destinada a “conter os russos” e, se possível, derrotá-los estrategicamente. A última tentativa foi feita agora na Guerra da Ucrânia e fracassou uma vez mais. E se o projeto atual de Donald Trump de aproximação da Rússia prosperar, ele estará sucateando toda essa infraestrutura junto com todas as demais alianças americanas construídas a partir de 1947, com vistas a esta “guerra final” contra os russos. Não é pouca coisa, muito pelo contrário, e muitos líderes euro-atlânticos que tentaram romper essa barreira ficaram pelo caminho. Podendo-se prever, inclusive, a possibilidade de algum tipo de atentado ou auto-atentado, a partir do próprio mundo anglo-saxão, com o objetivo de barrar esta mudança de rumo norte-americana.

Sim, porque está sendo rompida e enterrada a aliança estratégica anglo-saxônica, que foi fundamental para a dominação ocidental do mundo, desde a Segunda Guerra Mundial, desmontando-se ao mesmo tempo, como um castelo de cartas, o projeto da OTAN, o G7, e talvez a própria União Europeia. Mas nada disto encerra a competição interestatal pelo poder global. O projeto de Donald Trump diminui a importância da Europa e diminui a importância da fronteira europeia da Rússia, deslocando as linhas de fratura da geopolítica mundial para o Ártico e para o Sul do Pacífico.

Mas a própria cobiça de Trump com relação ao Canadá e à Groenlândia explicita seu projeto de construção de uma grande massa territorial equivalente à russa, justo em frente à fronteira norte e ártica da própria Rússia. E ao mesmo tempo, o projeto de negócios conjuntos entre russos e norte-americanos, que vem sendo insistentemente anunciado, sobretudo na região do Polo Norte, aponta para um possível distanciamento futuro e “pelo mercado” da Rússia com relação à China, para não permitir que se consolide uma aliança estratégica inquebrantável entre Rússia e China, ou mesmo entre Rússia e Alemanha. Porque a China seguirá sendo no Século XXI, o principal competidor e adversário dos EUA, neste planeta e no espaço sideral.

A estratégia americana de “destruição inovadora” terá – desta vez – o mesmo sucesso que teve no século passado, com Richard Nixon e Ronald Reagan? É difícil de saber, porque não se sabe quanto tempo durará o projeto de poder de Donald Trump e seus seguidores. E em segundo lugar não se conhece o impacto mundial de uma política econômica mercantilista e defensiva, praticada pela maior economia do mundo. O nacionalismo econômico foi sempre uma arma dos países que se propõem “subir” na hierarquia internacional, e não de um país que não quer “descer”.

De qualquer maneira, do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China, como também pode estar apontando para o nascimento de uma nova ordem multipolar que lembra, de certa forma, a história europeia do século XVIII. Com a grande diferença que agora o “equilíbrio de forças” do sistema envolveria uma competição entre potências atômicas de grande dimensão, quase impérios, como é o caso dos EUA, da China, da Rússia, da Índia, e da própria União Europeia, caso ela consiga se reorganizar e rearmar sob a liderança da Inglaterra ou da Alemanha. E, em menor escala, da Turquia, do Brasil, da Indonésia, do Irã, da Arábia Saudita e da África do Sul. Um mundo difícil de ser administrado, e um futuro impossível de ser previsto.

 

*José Luís Fiori é professor emérito da UFRJ. Autor, entre outros livros, de Uma teoria do poder global (Vozes) [https://amzn.to/3YBLfHb]

Publicado originalmente no Boletim no. 10 do Observatório Internacional do Século XXI.