16 de março de 1990. Há exatos 35 anos, após a posse festiva do primeiro presidente eleito por voto popular desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960, todos aguardavam a “bala de prata” que Collor tinha na agulha para matar o “tigre da inflação”.
Escaldados por nada menos do que 4 planos de estabilização de preços nos 4 anos anteriores (Cruzado, Cruzado 2, Bresser e Verão), os brasileiros sabiam que viria algum tipo de congelamento de preços. Por isso, os empresários correram para se proteger, remarcando os preços preventivamente. A inflação, que já vinha alta durante o melancólico fim do governo Sarney, explodiu no início de 1990 (vide gráfico). Atenção crianças, os números se referem à inflação MENSAL, não anual.
No final, o congelamento de preços veio, mas foi o de menos: durou apenas 45 dias, só para dar tempo de organizar a bagunça. Ao contrário do Cruzado, o Plano Collor tinha outra coluna vertebral: o confisco do dinheiro.
A ideia é um entendimento literal do monetarismo: a inflação é causada pelo excesso de dinheiro perseguindo poucos bens e serviços disponíveis. Assim, se não houver meio circulante suficiente, a inflação morre por asfixia. É mais ou menos como acreditar que Deus literalmente fez o mundo em 6 dias, e descansou no sétimo: entende-se a alegoria como uma descrição literal da realidade.
No caso do monetarismo tupiniquim, os idealizadores do Plano Collor viam o meio circulante como uma realidade em si, e não como a tradução de fenômenos micro e macroeconômicos. Acabar com a disponibilidade de moeda sem acabar com o fenômeno que, no final, exige a criação de mais moeda, é o equivalente a esvaziar a bacia e colocá-la de volta debaixo da torneira: será uma questão de tempo para que encha e transborde novamente. No Plano Collor, a alegoria trocou de lugar com a realidade.
O principal problema do Plano Collor, no entanto, não foi o diagnóstico incorreto do fenômeno inflacionário. Os sucessivos congelamentos anteriores também erraram no diagnóstico, mas seus efeitos no tempo desapareceram, restando apenas o folclore de um tempo ingênuo em que acreditávamos que as maquininhas de etiqueta de preços eram as grandes responsáveis pela carestia. Na verdade, se algum efeito de longo prazo houve, foi benéfico: depois dessas experiências, poucos brasileiros ainda acreditam que congelamento de preços resolve alguma coisa. Este foi, sem dúvida, um avanço civilizatório.
O grande problema do Plano Collor foi demonstrar que o governo pode fazer qualquer coisa impensável, inclusive confiscar a sua poupança. Fernando Collor, ao aprovar o plano, certamente não pensou no tipo de mensagem que estaria deixando para as gerações seguintes. Uma parte do prêmio que o governo é obrigado a pagar para emitir a sua dívida é justamente o receio de que, no futuro, alguém poderá fazer o mesmo. Afinal, por que não?
O Plano Collor tinha como objetivo “enxugar a liquidez” da economia. No entanto, indiretamente, significou um calote da dívida pública. 80% de todo o dinheiro aplicado no overnight e fundos de investimentos (que financiava o déficit público) ficou retido, e seria devolvido 18 meses depois, em 12 suaves prestações, corrigidas pela inflação mais 6% ao ano de juros. Tratava-se de um alongamento do prazo da dívida e mudança na remuneração, uma forma clássica de dar um calote.
Os que defendem a tese de que a dívida pública doméstica não pode ser objeto de calote, esquecem-se do Plano Collor, que fez exatamente isso. Collor decidiu trocar uma hiperinflação (que é o resultado de finanças públicas completamente fora de controle) por um calote. Ambos têm o mesmo efeito, reduzir a dívida pública impagável.
O Plano Collor foi acompanhado de medidas louváveis, eclipsadas que foram pelo confisco: extinção de 24 estatais, redução ou eliminação de impostos de importação, liberalização do câmbio, medidas gerais de redução do Estado. Collor foi um Milei on stereoids: além de adotar a mesma agenda liberalizante do argentino, fez o confisco. Talvez se tivesse começado somente pelo lado liberalizante, seu governo tivesse alguma chance de ter dado certo. Seu voluntarismo além de todas as medidas o derrotou.
É simbólico que o primeiro dia do primeiro presidente democraticamente eleito no Brasil em 30 anos tenha sido marcado por um calote. Nada representa mais a nossa atávica dificuldade em respeitar instituições.
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