O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 30 de março de 2025

O afundamento da educação básica no Brasil - Fernando José Concioni e Paulo Roberto de Almeida (e outros)

O afundamento da educação básica no Brasil

Fernando José Concioni e Paulo Roberto de Almeida (e outros) 

Li esta postagem de Fernando José Coscioni no FB e comentei (mais abaixo):

“ No meu retorno (a contragosto e por pura falta de opção profissional, esta é a verdade) à docência no ensino básico público, ocorrido há, aproximadamente, um ano, cada vez tenho estado mais convicto da inutilidade que é, na maioria dos casos, colocar dinheiro em educação escolar, afinal, entre 70 e 80 por cento dos adolescentes odeiam estudar e têm desprezo total e absoluto pelo ensino e por qualquer coisa que envolva o trabalho intelectual. 

E eu nem vou falar da insolência sistemática e da agressividade com as quais muitos desses jovens tratam os professores; em alguns casos, tais situações beiram a delinquência pura e simples (o ECA, que impede a retirada desses tipos do ambiente escolar, é uma das grandes causas do nosso infortúnio educacional, e os professores, ironicamente, não param de votar em políticos e partidos que defendem a manutenção do "imaculado" Estatuto). 

Na melhor das hipóteses, apenas o fundamental I deveria ser obrigatório. E, no fundamental II, deveria haver um filtro de acesso que selecionasse apenas aqueles alunos que têm disposição intelectual mínima, padrões decentes de comportamento e que aprenderam corretamente a ler (trabalho com fundamental II, e digo com tranquilidade: mais da metade dos estudantes não sabe ler). 

O velho exame admissional do ginásio era uma coisa muito correta, que preservava a qualidade (mínima, é verdade) da escola pública. Jamais deveria ter sido abolido. A visão atual, dominante nas nossas leis e na formação de professores, de que o papel da escola seria a "inclusão" e a busca da "justiça social", é um câncer. 

Bourdieu, quando percebeu que as classes populares, salvo exceções, têm uma relação tensa e difícil com a cultura letrada que a escola busca transmitir, e que, no limite, não veem qualquer sentido na experiência escolar, acertou em cheio. 

O problema é que nossos "educadores" (odeio essa palavra, é muito piegas) pegaram esse diagnóstico dele para justificar o nivelamento da escola pública aos padrões baixíssimos dos alunos "oprimidos" ao invés de utilizar essa constatação para aceitar uma verdade dura: educação formal de qualidade não pode ser para todo mundo, pois a maioria dos jovens (ao menos no Brasil) não possui qualquer aptidão intelectual (e ficar no blá blá blá sentimentalóide sobre as condições sociais desiguais de formação das aptidões para o trabalho intelectual só vai nos jogar mais no buraco). 

As escolas públicas deveriam concentrar tempo e investimentos apenas nos alunos minimamente capacitados, pois a presença dos insolentes, incapazes e, em muitos casos, agressivos, nas salas de aula, está inviabilizando com que os professores (que, infelizmente, são cúmplices dessas ideologias coletivistas toscas de educação como forma de "justiça social") possam trabalhar com o grupo minoritário que é capacitado. 

Sei que nada disso vai mudar. Mas eu escrevo aqui só pra descarregar mesmo. E para expor também o quão bocó é a concepção dominante que fundamenta essa excrescência ideológica, filosófica, cultural e pedagógica que é o sistema educacional brasileiro. E para não deixar escapar uma coisa: os professores reclamam, mas, no fundo, eles acreditam nessa concepção, ainda que ela seja a causa primordial da inviabilização de seu trabalho.”

(28/03/2025)

===========

Meu comentário (PRA):

A postagem constata um problema real e efetivo: a deterioração geral do ensino público fundamental no Brasil, o que acaba repercutindo e influenciando também na má qualidade de certo ensino privado (não todo ele; familias pagantes selecionam os sobreviventes desse darwinismo vulgar). Mas a postagem também mostra um desalento com essa situação e uma proposta, talvez involuntária, de afunilamento elitista das etapas educacionais seguintes, deixando para trás todos os fracassados da péssima qualidade do atual sistema público. Se a péssima situação não se repetisse também nos níveis seguintes, poderia talvez representar um choque nos responsáveis pela atual condição medíocre do fundamental público, o que desconfiamos que não seria e não será o caminho. Temos analfabetos funcionais que chegam ao terceiro ciclo e conseguem sobreviver até a pós-graduação.

O Brasil é um país de lento crescimento justamente pela má formação do seu capital humano, o que repercute na baixa produtividade e na mediocrização crescente da casta política. 

A solução falsa do darwinismo vulgar seria esse afunilamento já no médio, o que reduziria ainda mais as chances de desenvolvimento, pois no sistema atual um terceiro ciclo mediocre (como é o caso de muitas faculdades privadas) acaba “completando” as insuficiências dos dois ciclos anteriores, mal e porcamente é verdade, mas parece ser a única chance daqueles fracassados no fundamental público. O sistema S oferece alguns remendos para as necessidades das empresas privadas, ao passo que o sindicalismo corrupto (do sistema educacional público) vai empurrando, ladeira acima,  os despreparados para a diplomação formal. É a ilha da fantasia de um país incapaz de criar um modo inovador de produção. Ficamos na rabeira do mundo e só não descemos mais porque o setor privado vai formando seus próprios quadros. Acredito que a outrora brilhante educação pública argentina, a de Sarmiento e Mitre, foi se deteriorando no último século de decadência do país, que hoje exibe resultados do PISA piores que os do Brasil. Somos dois países fracassados, o Brasil nunca chegou a ter uma educação decente para os pobres, a Argentina pós-1930 deixou decair a sua.

=========

Outros comentários:

“ Você fala o que realmente ocorre na educação pública, em sua totalidade,  e na particular,  em boa parte. Na pública, é mais fácil receber dinheiro sem trabalhar, através  dos subsídios sociais, e nas particulares, onde muitos jovens, porque os pais pagam, se acham no direito de fazer qualquer coisa. Isso mostra a educação recebida em casa e a tremenda falta de respeito com e para os mestres.” (Vicente Ferrero)

“ Estou na mesma condição há um ano e meio. Durante um ano fui contratada pelo município. Achei ótimo. Agora, estou no Estado de MG desde 4 de novembro. É um caos em tudo. Não há nem pincel direito na escola, sem falar da indisciplina....” (Cintia Araújo)

“ É Fernando, cada vez te admiro mais. Disse tudo sobre a educação brasileira. É incrível que pessoal que estão na faixa dos 65+ , mesmo tendo só o primário, tenham mais aptidão cognitiva do que muitos que estão ingressando nas universidades,  independente da modalidade (presencial ou a distância). Não poder reter alunos desde a alfabetização, pois irá frustar a criança, oras, como se na vida as frustrações não fizessem parte do crescimento. E para piorar, diante do sistema educacional que temos, o aluno sabe que mesmo não estudando, a escola aprova para garantir verba. E para piorar ainda mais, no ensino médio o aluno irá receber para não estudar! Esta é a educação resultado das teorias de Paulo Freire! Uma lástima!” (Marta Bertin)

“ Como professor universitário não exagero ao dizer que analfabetos funcionais, literalmente semi analfabetos que mal conseguem escrever, estão chegando e "se formando" na Universidade.

Tentei fazer licenciatura mas o viés é ideológico na formação de novos professores é tão grande que me tirou completamente a vontade de finalizar mesmo sendo EAD.” (Diego Paz)

“ Diria que tu foi otimista com os 80%. Eu na universidade estimo que uns 90% não querem saber de nada.” (André Luzardo); seguido de comentário de Coscioni: “André Luzardo: conforme a gente havia conversado no podcast, a maior destruição que a ascensão da sociedade de massas promoveu na contemporaneidade foi na educação. Uma educação massificada, por definição, só pode ser a negação da educação.”

“ Eu não aceito essa condição. Há décadas questiono a obrigatoriedade da presença no ensino médio, por exemplo. Não é possível ensinar quem não quer aprender. E sofro pelos que querem, pois são impedidos pelos demais. Cada reunião pedagógica, para mim, é como criar estratégias para receber o Papai Noel com alegria: papo de louco, de adulto infantilizado, incapaz de ver e enfrentar a realidade. Como esses adultos mandam em mim, adoeci. Cada vez mais aumento a medicação psiquiátrica.” (Paula Rosiska)

“ Você deveria escrever um livro sobre Educação Fernando. Eu acompanho o que você escreve e sempre concordo com o que você diz. Acho que você ainda tem muita coisa a expor sobre o tema e com certeza tem muita gente disposta a ouvir.” (Luis Felipe Blanco); seguido de resposta de FJC: “ Luis Felipe Blanco eu já pensei, na verdade, em escrever um romance sobre a mutação da personalidade e das posições políticas de um professor de formação uspiana progressista após se deparar com a realidade da escola pública. Quase um "romance de formação" às avessas, não com um processo de construção da personalidade, mas de demolição (tenho pensando bastante na famosa frase de Fitzgerald sobre a vida como um "processo de demolição"), de desmantelamento da identidade (essa palavra me dá calafrios, rs) diante da implosão das fantasias intelectuais que moldaram a sua forma de ser.”

“ Verdade pura Fernando. Inegável que os estudos mais avançados são para quem gosta e tem aptidões intelectuais. Seria maravilhoso se os alunos saíssem alfabetizados do curso fundamental, bem alfabetizados e sabendo as quatro operações. Não é o que acontece, vivemos num país de idiotice ideológica.” (Celia Marinangelo)

“ A escola pública é o reflexo da sociedade, a maioria dos estudantes que passaram pela três etapas: Fundamental 1, Fundamental 2 e ensino básico, a grande maioria  sai despreparados, com deficiência em leitura, muitos leiam mal.

O governo federal gastam milhões com livros paradidaticos, a  bibliotecas é cheia de livros, a sala é vazia. É um processo histórico, a educação brasileira não é vista como ascensão social, e cultural.

As escolas públicas não têm escolhas, são obrigado matricularem alunos indisciplinados, não  respeitam os professores. Por isso a escola pública encontra-se em labirinto que não encontra saída.” (Israel Medeiros da Silva)

“ A verdade é que o Brasil tem a mania de pular etapas, passando da indigência para a melhor legislação do mundo, sem condições de suportar esse tipo inovação. Temos um ECA para Suecos, uma legislação ambiental para Noruegueses, regra de IA mais restritiva donqie os europeus, todas pensadas pelo burros letrados que nós governam.” (Julio Meireles)

“ Sou professora da rede pública de ensino. Durante 27 anos vivenciei todo tipo de humilhação, desrespeito, perseguição (direção/vice-direção), dentro da escola. Minha disciplina é sociologia. 99% e mais do alunado não gosta de estudar. Não consegue interpretar o que lê, nem transpor para escrita o que compreendeu. Esse mesmo alunado odeia o conhecimento. A educação está desmantelada, destruída. As salas de aula lotadas com mais de 40 alunos por turma. Sou vítima de piadas, risos, galhofa, zombaria, etc, enquanto tento, com muito esforço, explicar teoria social a essa clientela. As salas de aula não têm ar-condicionado. Os ventiladores velhos e de péssima qualidade. Ano passado, 15 alunos que nunca frequentaram minhas aulas foram aprovados pelo " conselho de classe " / professores. Nas reuniões de atividade complementar/AC, completamente inúteis, se discute sobre "empoderamento" feminino e "inclusão" social. O corpo docente não esboça absolutamente nada sobre o fato de a grande maioria dos alunos não conseguirem construir uma oração com sujeito, verbo e complemento. Seu brilhante texto retratou exatamente o que vem acontecendo no dia a dia do professor. No final, todos os alunos estão sendo nivelados por baixo. Na rede pública de ensino do Estado da Bahia, retiraram a quarta unidade e a média para ser aprovado é cinco.” (Paula Lopes Pontes)

Comentário final:

PRA: Essa é a maior tragédia brasileira, desde Pombal, ou melhor, desde que Pombal expulsou os jesuítas e as elites medíocres do Brasil português e independente preservaram a mediocridade, até hoje.

Infelizmente é isso, mas não se pode desistir de educar os que partem de uma condição modesta. O Brasil precisaria passar por uma revolução humboldtiana (Wilhelm) na educação, do fundamental à pós, o que sabemos não virá: continuaremos patinando na mediocridade, até uma pouco provável reforma geral do ensino.

Como disse Mario de Andrade em 1924: “Progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.

Vamos continuar na fatalidade.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 30/03/2025


Nenhum comentário: