Clássicos revisitados: uma série em plena continuidade
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre os clássicos revisitados já feitos e uma em preparação.
Leitor compulsivo da boa literatura nas ciências sociais e nas humanidades, adquiri o hábito, desde as comemorações dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998, de proceder a uma releitura dos grandes clássicos nessas áreas, revisitando os argumentos originais, mas adaptando-os ao ambiente contemporâneo. Assim, a primeira produção da minha série de “clássicos revisitados” foi exatamente a obra fundadora do “socialismo científico”, reescrevendo o panfleto do Marx e Engels sob o título de “Manifesto do Partido Comunista (atualizado para o século XXI)”, texto publicado no periódico então dirigido por Murillo de Aragão, Política Comparada, Revista Brasiliense de Políticas Comparadas (ano II, vol. II, nº 1, janeiro-junho 1998, p. 43-78). Nesse primeiro experimento de releituras atualizadas de grandes obras do passado eu retomava integralmente a estrutura e o estilo do texto original, operando uma transcriação-recriação do Manifesto de Marx e Engels, de 1848, adaptando-o às circunstâncias daquele final de século XX, já num ambiente de globalização triunfante.
A recepção parece ter sido satisfatória, pois que recebi o convite para republicar o texto, numa versão ampliada, em formato de livro, o que foi feito desde o ano seguinte: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999), incorporando ainda um “Elogio da Exploração”, mais uma releitura de um discurso de Marx sobre as virtudes do livre comércio no caminho ao socialismo e, por último, um ensaio sobre a parábola do marxismo no século XX, compulsando toda a literatura a esse respeito. Esse livro, ao lado de vários outros esgotados ou fora do mercado de editoras comerciais, passou a estar disponível na plataforma acadêmica Academia.edu (link: https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_).
Tomei gosto pela trouvaille de revisitar obras do passado, engajando em seguida numa longa reescritura do clássico de Maquiavel, daí resultando O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado), publicado em duas edições: uma digital (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2009, 191 p.), outra impressa (Brasília: Senado Federal, 2010, 195 p.; disponível: https://www.academia.edu/5547004/16_O_Moderno_Pr%C3%ADncipe_Maquiavel_revisitado_2010_).
O divertissement continuou, por meio de uma adaptação de um outro clássico do passado, Tocqueville, mas fazendo-o “trabalhar”, hipoteticamente, para uma nova missão de prospecção, a serviço do Banco Mundial, revisitando nosso desempenho político na atualidade: “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão” (Brasília, 10 agosto 2009, 10 p.). O resumo desse trabalho, publicado numa revista tipicamente universitária, pode ser aqui reproduzido:
O francês Alexis de Tocqueville vem ao Brasil, a serviço do Banco Mundial, para examinar a situação do país do ponto de vista do funcionamento das instituições democráticas e da economia de mercado. Tendo chegado bem-intencionado, ele constata irregularidades e aspectos disfuncionais em praticamente todas as instituições que visitou e nos mecanismos políticos e econômicos que examinou. Constata a deterioração da democracia e os avanços do estatismo, aliás apreciado e valorizado no Brasil. Parte de volta a Washington frustrado. (Espaço Acadêmico (9, 103, 2009, link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947; acesso em 13 mar 2025).
Depois de Maquiavel e Tocqueville, dois gigantes da sociologia política, decidi fazer percursos por dois pensadores, um da antiguidade chinesa, outro da modernidade francesa, com conexões para a política brasileira: “Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos belicosos” (Espaço Acadêmico, 10, 118, mar. 2011, 155-161; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696/6714); “Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos”, a partir do modelo de Benjamin Constant, “De la liberté des anciens comparée à celle des modernes”. Academia.edu (link: http://www.academia.edu/12507205/2822_Da_diplomacia_dos_antigos_comparada_%C3%A0_dos_modernos_2015_; blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/10/da-diplomacia-dos-antigos-comparada-dos.html).
Ao considerar novos pensadores, como “vítimas” dessas releituras atualizadas (e George Orwell, com o seu Animal Farm, estava certamente na primeira fila, muitos anos atrás), eu já tinha imaginado, retomar as lições básicas de Milton Friedman em seu famoso livro de 1962, e aplicar os seus argumentos ao caso brasileiro, com as devidas adaptações e considerações específicas ao nosso itinerário histórico e econômico. O fato é que, em 2006, imediatamente após sua morte, em 16 de novembro desse ano, imaginei um diálogo possível, em algum lugar do céu ou do limbo, dele com sua alma gêmea Roberto Campos, num artigo intitulado “Milton Friedman meets Bob Fields: o reencontro de dois grandes economistas”; ele foi publicado no dia 26 pelo Instituto Millenium (hoje apenas disponível em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/01/milton-friedman-meets-bob-fields-o.html).
Roberto Campos tinha imensas afinidades eletivas com Milton Friedman, e sobre ele e seu pensamento já escrevi muitos artigos, incluindo dois livros. O primeiro, organizado e em grande parte escrito por mim: O Homem Que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017; do qual está disponível uma apresentação em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2017/04/o-homem-que-pensou-o-brasil-roberto.html) constituiu uma homenagem no centenário do seu nascimento. O outro coletou todos os textos “constitucionais” de Roberto Campos, sua participação na Constituinte e as análises que ele fez sobre os impactos da Carta de 1988 sobre a economia e a política do Brasil: A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018; apresentação disponível neste link: https://www.academia.edu/37324704/A_Constituicao_Contra_o_Brasil_Ensaios_de_Roberto_Campos_sobre_a_Constituinte_e_a_Constituicao_de_1988). Ambos tinham uma inequívoca convicção de que a condição essencial da liberdade política era a liberdade econômica, e é por essa questão que podemos dar início à nossa releitura da obra clássica de Friedman.
Efetuei há dois anos um esquema, unicamente focado na “versão brasileira” dessa obra interessante, conceitualmente ainda válida, mas datada em seus capítulos operacionais. Reproduzo esse esquema, mas precedido pelos títulos dos treze capítulos da obra original, para que se possa pelo menos ter uma ideia de quais questões Friedman tratou, aqui com a indicação sobre os problemas correlatos que caberia tratar no caso do Brasil. Já escrevi metade da obra, mas ainda vou demorar mais algumas semanas, com diversos outros trabalhos no pipeline, para terminar o conjunto dos capítulos, e depois preparar prefácio e apresentação, antes de publicar a obra, que é, como as precedentes da série, uma homenagem ao autor do clássico escolhido. Tenho vários outros na minha “lista de desejos”, mas não pretendo revelar agora as próximas “vítimas” dessas minhas intrusões no passado. Pelo menos, não tenho nada a temer dos autores, pois geralmente são autores do passado (o que é o requerimento para se tornar um clássico, embora alguns já o sejam em carne e osso).
(segue o esquema)
Capitalismo e Liberdade: uma releitura de Friedman ajustada ao Brasil
Capitalism and Freedom (1962)
Capitalismo e democracia no Brasil: releitura de um clássico
Prefácio (com referências aos prefácios das edições de 1982, 2002 e 2020)
Introduction
Introdução
1. The relation between economic freedom and political freedom
A difícil conexão entre liberdade política e liberdade econômica no Brasil
2. The role of government in a free society
O peso do Estado em uma sociedade parcialmente livre
3. The control of money
Moeda e finanças num ambiente altamente volátil
4. International financial and trade arrangements
Acordos financeiros e comerciais internacionais: a longa dependência
5. Fiscal policy
As contas públicas: raramente em equilíbrio
6. The role of government in education
O papel insuficiente do Estado na educação
7. Capitalism and discrimination
A persistência do escravismo e do corporativismo
8. Monopoly and the social responsibility of business and labor
Monopólios, carteis e o sindicalismo tutelado pelo Estado
9. Occupational licensure
O cartorialismo regulatório ultra exacerbado
10. The distribution of income
A não distribuição de renda: uma tendência persistente ao longo da história
11. Social welfare measures
Políticas de bem-estar social: entre o foco e a abrangência
12. Alleviation of poverty
Redução da pobreza: uma tarefa nunca completada
13. Conclusion
Conclusão: o que nos separa de uma sociedade desenvolvida?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4881, 26 março 2025, 4 p.
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