O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
Mostrando postagens com marcador Marcelo Guterman. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marcelo Guterman. Mostrar todas as postagens

domingo, 14 de setembro de 2025

Argentina, o país do déjà vu - Marcelo Guterman

A Argentina não é uma exeção: câmbio fixo ou bandas ajustáveis são dificilmente sustentáveis...

Argentina, o país do déjà vu

A Argentina é um eterno déjà vu. Agora mesmo estou lendo um livro (gentilmente emprestado pela amiga Nora Gonzalez) que reúne entrevistas de economistas argentinos sobre a convertibilidade. O livro é de 1995, a convertibilidade (1 peso-1 dólar, garantido pelo governo) havia sido instituída em 1991, e passava por seu primeiro grande teste, após a crise do México, em março daquele ano.

A primeira pergunta do jornalista é a mesma para todos os entrevistados: “poderá se manter a convertibilidade?”. Estou ainda na metade do livro, mas a resposta, até o momento, oscilou entre “se manterá” e “precisa ser mantida”. E não pensem tratar-se de economistas heterodoxos ou desenvolvimentistas. Pelo contrário, o apoio à convertibilidade se dá mesmo entre os entrevistados que se alinham à ortodoxia, que citam o problema do déficit fiscal como o principal para a manutenção da convertibilidade.

Havia uma leitura de que a convertibilidade seria um instrumento para forçar o mundo político a se adequar. Como sabemos, ocorreu o inverso: o Estado não se adequou, e a convertibilidade foi pelos ares 6 anos depois.

O problema do câmbio fixo, mesmo com o governo fazendo tudo certo, é a incapacidade de absorver choques de externos. O efeito é o esgotamento das reservas na vã tentativa de blindar a economia doméstica do choque, dando tempo para que o mundo político faça a lição de casa, adaptando o país às novas condições externas. O problema, como sabemos, é que o mundo político, ainda mais na América Latina, não faz a lição de casa, sobrando para o BC a tarefa inglória de sustentar um câmbio distorcido.

Milei, que se elegeu com uma plataforma de não intervenção na economia, insiste em manter o câmbio sob controle. Adotou um sistema de bandas reajustáveis, as mesmas que praticamos durante 4 anos, entre 1995 e 1999, e que foi pelos ares, substituída pelo atual regime de câmbio flutuante. Ou seja, Milei está só 30 anos atrasado.

Alguns dirão que não dá para fazer tudo de uma vez, o câmbio flutuante virá a seu tempo, quando todo o resto da casa estiver arrumado e a inflação estiver em patamares mais baixos. O problema, claro, é combinar com o cenário externo e o fornecimento de dólares para manter as reservas. Não há caso de câmbio fixo que tenha terminado bem. Talvez essa seja uma exceção.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Onde está a oposição moderada? - Ação e reação - Marcelo Guterman

 

Ação e reação

O jornalista Marcelo Godoy é mais um que já está rouco de tanto clamar por uma “direita moderada”. O desespero é tanto que Godoy lista até Ciro Gomes no rol de “políticos moderados”, talvez porque ele fale mal tanto de Lula quanto de Bolsonaro. Mas, convenhamos, chamar Ciro de “moderado” é a própria definição de contradição em termos.

Mas voltemos ao leito do rio principal. A questão sempre omitida nesse clamor por uma “direita anti-bolsonarista” é que Bolsonaro foi somente uma reação à extrema-esquerda representada pelo PT.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores. Para receber novos posts e apoiar meu trabalho, considere tornar-se uma assinatura gratuita ou uma assinatura paga.

Alguns podem estranhar o termo “extrema-esquerda” aplicada ao PT. Afinal, a esquerda somente seria “extrema” no caso de partidos nanicos como PSTU ou PCO ou mesmo o PSOL. Eu diria que esses partidos são mais folclóricos do que radicais. Em outras palavras, o seu radicalismo é caricato. “Extrema” mesmo, operacional, é o PT.

Durante duas décadas, houve a impressão de que o PT era a esquerda e o PSDB era a direita brasileira, mas ambos mais ao centro do espectro ideológico. À esquerda do PT havia os partidos folclóricos, enquanto à direita do PSDB havia… o nada, o que permitiu ao PT levar adiante esse jogo de ilusão de ótica. Não à toa, nessa época os petistas chamavam os tucanos de “fascistas”.

O truque se desfez como uma bolha de sabão com o surgimento de Bolsonaro. Os tucanos voaram para o ninho petista, FHC apertou a mão de Lula e Alckmin, tucano histórico, cantou a Internacional Socialista. O fato é que, nesses anos todos, nunca houve uma direita política. Houve uma centro-esquerda (os tucanos) e o PT mais à esquerda. A esquerda da esquerda é chamada de extrema-esquerda. CQD.

Em reação a essa extrema-esquerda surge uma extrema-direita, personificada em Bolsonaro. Para que haja espaço para os moderados da direita, é necessário que haja espaço para os moderados da esquerda. Mas procure artigos e editoriais clamando por políticos à esquerda que se descolem de Lula. Eles até existem, mas não têm, obviamente, nenhuma chance eleitoral. É o beneplácito de Lula que atrai votos, como se viu em 2018, quando um poste desconhecido foi ao 2o turno.

Adoraria ter um segundo turno, por exemplo, entre Eduardo Leite e Kim Kataguire. Um de esquerda, outro de direita, ambos críticos tanto de Lula quanto de Bolsonaro. Mas a vida real não é assim. Enquanto a esquerda estiver dominada por Lula e seus extremistas, a direita estará dominada por Bolsonaro e seus extremistas. Ação e reação, como diria Newton.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

sábado, 6 de setembro de 2025

A explicação de Haddad para a crise dos Correios - Marcelo Guterman

O déficit operacional dos Correios é mostruoso; mas o ministro da Fazenda acha que não é má gestão; é concorrência desleal. Marcelo Guterman desmonta o argumento.

Os Correios anunciaram o resultado do 2o tri, totalizando o recorde de R$ 4,4 bilhões de prejuízo só no 1o semestre do ano. Para termos uma ideia, o prejuízo no ano passado inteiro foi de R$ 2,6 bilhões, tendo sido o recorde da empresa. Pelo visto, neste ano os Correios baterão o próprio recorde com louvor.

Para vocês terem uma ideia da enormidade do que isso significa, o maior prejuízo de uma empresa brasileira na história foi o da Petrobras em 2015: R$ 35 bilhões. A diferença é que a Petrobrás é a maior empresa do Brasil, com faturamento, à época, de cerca de R$ 320 bilhões/ano. Os Correios, por outro lado, faturaram, neste ano, R$ 8,2 bilhões. Então, prestem atenção: a Petrobrás perdeu R$ 35 bi sobre um faturamento de R$ 320 bi, ou aproximadamente 11%. Os Correios perderam, R$ 4,4 bi, sobre um faturamento de R$ 8,2 bi, ou incríveis 54% do faturamento!!! Se esse não é o recorde mundial de prejuízo, deve estar próximo.

Tendo esse quadro em mente, podemos apreciar a fala do ministro da Fazenda mais fanfarrão da história brasileira. Haddad, com a cara de pau que a natureza lhe deu, afirmou sem ruborizar: o problema foi a "quebra do monopólio", que fez os Correios ficarem com a carne de pescoço enquanto as empresas privadas ficaram com o filé.

Essa fala é simplesmente mentirosa. Vejamos.

O monopólio da União sobre as entregas postais foi determinada no governo Vargas, através do Decreto-Lei 1.681, de 13/10/1939 (https://tinyurl.com/4n5pm3kr). Lá está escrito:

"Art. 1º A União tem monopólio:

I – Da expedição para o exterior da República e do transporte e da distribuição no território nacional:

a) de cartas missivas fechadas ou abertas;

b) de cartões postais que trouxerem o endereço do destinatário;

c) de qualquer correspondência fechada como carta."

O item c) poderia ser interpretado como qualquer encomenda. No entanto, o artigo 2o esclarece:

"Art. 2º Estão excluidos do monopólio de transporte pelo Correio:

I – As cartas e os objetos fechados como carta, de peso superior a 2 kgs.;"

Portanto, encomendas com mais de 2 kgs já estavam fora do monopólio desde 1939. Mas a Lei 6.538, de 22/06/1978 (https://tinyurl.com/242mayyr), torna o monopólio ainda mais restrito, conforme se lê no artigo 9o:

"Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:

I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;

II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada"

Por "correspondência agrupada" entende-se mais de uma correspondência, em que pelo menos uma seja carta ou cartão-postal. Portanto, o monopólio é bastante específico, ao referir-se somente a cartas e cartões-postais.

Tanto é assim, que o único projeto de lei que tramita no Congresso para quebra de monopólio é o PL 7488/2017, do deputado Eduardo Bolsonaro, e que só agora, em maio deste ano, foi aprovado na Comissão de Comunicação da Câmara, e ainda tem um longo caminho pela frente.

A depender dos Correios e do PT e suas franjas, esse monopólio nunca será quebrado. Reportagem da revista Época, em julho/2017 (https://tinyurl.com/57fyznks) descreve como os Correios mantinham (não sei se mantém até hoje) um exército de advogados para processarem quem ousasse mandar cartas por fora do sistema da empresa. A CUT, por sua vez, "alerta" para o entreguismo do PL 7488/2017, em função do seu avanço na Câmara (https://tinyurl.com/yb59ujfn).

Assim, quando Haddad afirma que o prejuízo dos Correios é função da "quebra do monopólio", está mentindo. Nunca houve monopólio para encomendas. Tanto é assim, que, por exemplo, a Fedex está no Brasil desde 1989 entregando encomendas, e não me consta que estivessem, em algum momento, operando fora da lei. Portanto, os Correios sempre enfrentaram concorrência para outras coisas que não cartas e cartões-postais.

Na verdade, o problema dos Correios não é a "quebra do monopólio" para encomendas, mas a incompetência da empresa para competir em um mercado que sempre esteve aberto. Enquanto o monopólio na entrega de cartas ainda garantia algum faturamento, essa incompetência não pesava tanto. Agora, que o mercado de cartas quase desapareceu, só sobrou a incompetência.

Entendo que possa haver habitantes de rincões do país que precisem receber cartas. O ponto é que, para essas exceções, certamente não é necessária uma empresa do tamanho dos Correios. Leia o manifesto da CUT, e você vai entender que a grande preocupação é proteger os funcionários de uma empresa que poderia ser, hoje, muito menor do que é, se o único motivo de sua existência for somente entregar cartas.

Em entrevista ontem no SBT, Lula afirmou que vai regular as redes sociais doa a quem doer, porque "não se pode brincar com a verdade". Concordo. Lula poderia começar regulando a fala de seu ministro da Fazenda.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

sábado, 30 de agosto de 2025

O Brasil nas capas da The Economist - Marcelo Guterman

O Brasil nas capas da The Economist

Mais uma capa da The Economist sobre o Brasil causou furor. É sempre assim: as capas da revista mais prestigiada do mundo nunca são neutras, sempre procuram provocar discussão. Com essa não foi diferente, ao propor que a democracia brasileira poderia ser um exemplo para a americana. Como disse meu amigo Victor H M Loyola, parece mais uma capa provocando Trump do que propriamente sobre Bolsonaro.

Fiquei curioso em saber quantas vezes o Brasil foi capa da The Economist nos últimos anos. Os arquivos da revista retroagem somente até 1997 (pelo menos contendo as edições completas semanais). Desde 1997, foram 13 capas dedicadas ao Brasil, ou 0,9% do total. Essa é a medida da relevância brasileira.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores. Para receber novos posts e apoiar meu trabalho, considere tornar-se uma assinatura gratuita ou uma assinatura paga.

A primeira foi em 16/01/1999, sobre a desvalorização cambial, que fazia parte de uma série de capas sobre a grave crise financeira que vinha se abatendo sobre os mercados emergentes.

As duas próximas, em 05/10/2002 e 30/09/2006, focariam em Lula. A primeira comenta a primeira eleição de Lula, enquanto a segunda, vejam só, coloca Hugo Chavez como uma possível ameaça à liderança de Lula na América Latina, dado que o presidente brasileiro vinha sofrendo com o Mensalão e uma economia que andava de lado.

Três anos depois, temos talvez a capa mais icônica sobre o Brasil, com o famoso Cristo Redentor decolando, em 14/11/2009. Era a época do milagre econômico brasileiro.

Mas o otimismo deu lugar a três capas em que a The Economist descreve a espetacular queda do Brasil no governo Dilma. A primeira, de 28/09/2013, é um contraponto ao Cristo decolando, a segunda, às vésperas da eleição de 2014, pede a mudança do governo, e a terceira, em 28/02/2015, descreve o pântano econômico em que o País estava metido.

Em 2016, algo inusitado: 3 capas em 4 meses, sobre a queda de Dilma. A primeira (02/01/2016) prevê um ano horrível para Dilma, a segunda (26/03/2016) pede a saída de Dilma e a terceira, logo após a votação do impeachment (23/04/2016), comenta todo esse processo.

Finalmente, as três últimas capas trazem Bolsonaro. A primeira, em 22/09/2018, coloca Bolsonaro como uma nova ameaça populista na América Latina às vésperas das eleições, a segunda (22/09/2022), também às vésperas das eleições, chama a atenção para a alegação de fraude nas urnas (a mesma que Trump havia usado dois anos antes) e, finalmente, a desta semana, às vésperas do julgamento de Bolsonaro. Com essa última capa, Bolsonaro passa a ser o político brasileiro com mais aparições na capa da The Economist, pelo menos desde 1997.

Como podemos observar, a revista não alivia para ninguém. Sempre haverá quem comemore e quem torça o nariz, a depender das simpatias políticas. Enquanto isso, a The Economist continua sendo uma referência no debate público global.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores. Para receber novos posts e apoiar meu trabalho, considere tornar-se uma assinatura gratuita ou uma assinatura paga.

terça-feira, 29 de julho de 2025

As palavras importam na diplomacia - Marcelo Guterman

Uma postagem antiga, mas ainda válida em sua substância. O setor de notas do Itamaraty não precisaria tomar uma lição de moral de um leigo, ou um "paisano", em relação à diplomacia. O problema é que as notas nem sempre são feitas no Itamaraty, ou quando o são, elas podem ser "corrigidas" na presidência. PRA

As palavras importam na diplomacia

As diplomacias dos países escolhem cuidadosamente as palavras usadas em suas notas oficiais, de modo a expressar corretamente a mensagem que querem passar para a comunidade internacional. Estão aí, na íntegra, as notas do Itamaraty do dia 07/10/2023, condenando o ataque terrorista do Hamas, e a mais recente, condenando os ataques de Israel e EUA às instalações nucleares do Irã.

Na primeira nota, o governo brasileiro “condena” os ataques. Na segunda, “condena com veemência”. Na primeira nota, os autores do ataque não são nomeados. Na segunda, Israel e EUA são nomeados. Ou seja, a primeira nota condena os ataques em si, enquanto a segunda nota condena os autores dos ataques.

O Brasil é um dos países que reconhecem oficialmente o Estado da Palestina. Os ataques terroristas de 07/10, portanto, do ponto de vista da diplomacia brasileira, foram patrocinados por um Estado soberano, não por um agrupamento de rebeldes. No entanto, a nota do Itamaraty não cita o Estado da Palestina em nenhum momento como autora do atentado. A Palestina enquanto Estado só existe quando convém.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Slogans para dar e vender - Marcelo Guterman e Paulo Roberto de Almeida

 Governo populistas, ou popularescos, adoram criar slogans, que por vezes são criados espontaneamente – tipo "o petróleo é nosso" – mas geralmente são ativados pela propaganda dos governos (nos tempos do Getúlio Vargas era "o pai dos pobres"; depois veio JK, com "50 anos em 5", Jânio atacou de "vassourinha" que iria "varrer a corrupção do Brasil", durou 6 meses). Até na ditadura teve o "Brasil Ame-o ou Deixe-o" nos quatro duríssimos anos do Medici.

Agora, Marcelo Guterman faz o resumo do que andou por aí desde os tempos pós-ditadura:

"Foram os governos da Nova República, com exceção do governo Collor, que começaram a incluir o slogan no próprio logotipo do governo federal, como que a traduzir a sua missão. Tivemos então os seguintes slogans:

Sarney: Tudo pelo Social
Itamar: União de Todos
FHC: Trabalhando em todo o Brasil
Lula 1 e 2: Um País de Todos
Dilma 1: País Rico é País sem Pobreza
Dilma 2: Brasil, Pátria Educadora
Temer: Ordem e Progresso
Bolsonaro: Pátria Amada, Brasil
Lula 3: União e Reconstrução "

PRA: O que virá no próximo governo? Chega de polarização?
Acho que seria pedir demais...

O assalto do alto mandarinato ao orçamento público no Brasil, com destaque para a aristocracia do Judiciário - Marcelo Guterman

Esse é o Brasil


O Brasil é um país perfeito no papel. Sua constituição, mais do que um livro de regras, é uma carta de boas intenções. Até tabelar os juros tabelamos. No entanto, a sociedade brasileira, principalmente suas elites, convivem bem com a ideia de que o que está escrito não é o que realmente vale na vida real, ideia esta incompreensível para alemães ou japoneses, por exemplo. Trata-se de um arranjo conveniente: os legisladores respondem aos anseios purificadores da sociedade e, ao mesmo tempo, sabem que aquilo que escrevem não será implementado na realidade.

Os supersalários do serviço público encaixam-se nesse modus operandi que caracteriza a alma nacional. Já existe um teto remuneratório do funcionalismo público inscrito na Constituição. Portanto, essa questão sobre supersalários, a rigor, nem deveria estar sendo discutida. R$ 46 mil mensais são insuficientes? Então, que se aumente o teto de maneira transparente para a sociedade.

Ao invés disso, para não passar pelo desgaste junto à opinião pública, preferimos fazer puxadinhos. São vários, sendo que os penduricalhos do judiciário são apenas a ponta do iceberg. No Legislativo, aqueles que não conseguem sinecuras em estatais patrocinam rachadinhas em seus gabinetes. No Executivo, cargos em Conselhos de empresas complementam os salários, e advogados da AGU, por exemplo, participam dos honorários de sucumbência. E isso é o que vem a público, certamente há muito mais jeitinhos de complementar o salário.

Discutir se são 8, 32 ou 1.500 penduricalhos permitidos é dessas perdas de tempo a que se dedicam os nossos legisladores quando a tampa da panela de pressão da opinião pública começa a apitar. Cabe questionar, afinal, porque este novo “extra-teto” seria cumprido se o anterior, igualmente inscrito na Constituição, não o foi. Somos o país em que a regra escrita não vale de fato, mas quando exageramos na esculhambação, rasgamos as vestes e corremos a escrever uma nova regra que torna legal a esculhambação. Esse é o Brasil.

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.