O déficit operacional dos Correios é mostruoso; mas o ministro da Fazenda acha que não é má gestão; é concorrência desleal. Marcelo Guterman desmonta o argumento.
Os Correios anunciaram o resultado do 2o tri, totalizando o recorde de R$ 4,4 bilhões de prejuízo só no 1o semestre do ano. Para termos uma ideia, o prejuízo no ano passado inteiro foi de R$ 2,6 bilhões, tendo sido o recorde da empresa. Pelo visto, neste ano os Correios baterão o próprio recorde com louvor.
Para vocês terem uma ideia da enormidade do que isso significa, o maior prejuízo de uma empresa brasileira na história foi o da Petrobras em 2015: R$ 35 bilhões. A diferença é que a Petrobrás é a maior empresa do Brasil, com faturamento, à época, de cerca de R$ 320 bilhões/ano. Os Correios, por outro lado, faturaram, neste ano, R$ 8,2 bilhões. Então, prestem atenção: a Petrobrás perdeu R$ 35 bi sobre um faturamento de R$ 320 bi, ou aproximadamente 11%. Os Correios perderam, R$ 4,4 bi, sobre um faturamento de R$ 8,2 bi, ou incríveis 54% do faturamento!!! Se esse não é o recorde mundial de prejuízo, deve estar próximo.
Tendo esse quadro em mente, podemos apreciar a fala do ministro da Fazenda mais fanfarrão da história brasileira. Haddad, com a cara de pau que a natureza lhe deu, afirmou sem ruborizar: o problema foi a "quebra do monopólio", que fez os Correios ficarem com a carne de pescoço enquanto as empresas privadas ficaram com o filé.
Essa fala é simplesmente mentirosa. Vejamos.
O monopólio da União sobre as entregas postais foi determinada no governo Vargas, através do Decreto-Lei 1.681, de 13/10/1939 (https://tinyurl.com/4n5pm3kr). Lá está escrito:
"Art. 1º A União tem monopólio:
I – Da expedição para o exterior da República e do transporte e da distribuição no território nacional:
a) de cartas missivas fechadas ou abertas;
b) de cartões postais que trouxerem o endereço do destinatário;
c) de qualquer correspondência fechada como carta."
O item c) poderia ser interpretado como qualquer encomenda. No entanto, o artigo 2o esclarece:
"Art. 2º Estão excluidos do monopólio de transporte pelo Correio:
I – As cartas e os objetos fechados como carta, de peso superior a 2 kgs.;"
Portanto, encomendas com mais de 2 kgs já estavam fora do monopólio desde 1939. Mas a Lei 6.538, de 22/06/1978 (https://tinyurl.com/242mayyr), torna o monopólio ainda mais restrito, conforme se lê no artigo 9o:
"Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada"
Por "correspondência agrupada" entende-se mais de uma correspondência, em que pelo menos uma seja carta ou cartão-postal. Portanto, o monopólio é bastante específico, ao referir-se somente a cartas e cartões-postais.
Tanto é assim, que o único projeto de lei que tramita no Congresso para quebra de monopólio é o PL 7488/2017, do deputado Eduardo Bolsonaro, e que só agora, em maio deste ano, foi aprovado na Comissão de Comunicação da Câmara, e ainda tem um longo caminho pela frente.
A depender dos Correios e do PT e suas franjas, esse monopólio nunca será quebrado. Reportagem da revista Época, em julho/2017 (https://tinyurl.com/57fyznks) descreve como os Correios mantinham (não sei se mantém até hoje) um exército de advogados para processarem quem ousasse mandar cartas por fora do sistema da empresa. A CUT, por sua vez, "alerta" para o entreguismo do PL 7488/2017, em função do seu avanço na Câmara (https://tinyurl.com/yb59ujfn).
Assim, quando Haddad afirma que o prejuízo dos Correios é função da "quebra do monopólio", está mentindo. Nunca houve monopólio para encomendas. Tanto é assim, que, por exemplo, a Fedex está no Brasil desde 1989 entregando encomendas, e não me consta que estivessem, em algum momento, operando fora da lei. Portanto, os Correios sempre enfrentaram concorrência para outras coisas que não cartas e cartões-postais.
Na verdade, o problema dos Correios não é a "quebra do monopólio" para encomendas, mas a incompetência da empresa para competir em um mercado que sempre esteve aberto. Enquanto o monopólio na entrega de cartas ainda garantia algum faturamento, essa incompetência não pesava tanto. Agora, que o mercado de cartas quase desapareceu, só sobrou a incompetência.
Entendo que possa haver habitantes de rincões do país que precisem receber cartas. O ponto é que, para essas exceções, certamente não é necessária uma empresa do tamanho dos Correios. Leia o manifesto da CUT, e você vai entender que a grande preocupação é proteger os funcionários de uma empresa que poderia ser, hoje, muito menor do que é, se o único motivo de sua existência for somente entregar cartas.
Em entrevista ontem no SBT, Lula afirmou que vai regular as redes sociais doa a quem doer, porque "não se pode brincar com a verdade". Concordo. Lula poderia começar regulando a fala de seu ministro da Fazenda.
