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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 21 de setembro de 2024

A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: postura de embaixadores brasileiros ao ínício da invasão (março de 2022)

 Agora que o Brasil se dispõe a apresentar, com a China, um "plano de paz" sobre a guerra de agressão da Rússua contra a Ucrânia, totalmente enviesado em favor do agressor, reproduzo abaixo postagem refletindo comentários de embaixadores brasileiros no início da insana guerra: 

segunda-feira, 14 de março de 2022

Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty


BUENOS AIRES 

Depois de ter acompanhado o voto de condenação da Rússia pela invasão da Ucrânia na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sintonia com a posição dos Estados Unidos e dos países da União Europeia (UE), entre muitos outros, o Brasil . Gera tensão, também, afirmaram fontes diplomáticas, o que alguns têm chamado de politização pelos principais adversários do governo de Vladimir Putin de organismos multilaterais, para acuar ainda mais a Rússia.

Na semana passada, depois de ter proibido a importação de vodca, caviar e diamantes russos e solicitado ao Congresso americano que interrompa o livre comércio com a Rússia, o governo de Joe Biden e seus aliados europeus começaram a articular uma jogada que visa suspender os direitos de voto de Moscou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Bando Mundial (Bird).

A outra guerra:

O objetivo dos EUA e da União Europeia é cortar todo o acesso da Rússia a fontes de financiamento externo. Em palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vamos nos assegurar de que a Rússia não possa obter créditos ou qualquer outro tipo de benefícios nestas instituições. O objetivo final, caso um acordo que permita alcançar um cessar fogo seja alcançado nas próximas semanas, seria expulsar a Rússia da ordem econômica internacional. Nas sanções mais duras já aplicadas contra uma potência, o país que é a 11ª economia do mundo já teve muitos de seus bancos suspensos do sistema de transações internacionais Swift e as reservas de seu Banco Central depositadas nos EUA, na Europa e no Japão foram congeladas.

Limitações:

A ofensiva anti-Rússia em organismos internacionais deve avançar em âmbitos como a Organização Mundial de Comércio (OMC), onde os países do G-7 Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Japão e EUA pedirão que seja revogado seu status de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês). Este estatuto é concedido aos 164 integrantes da OMC, para garantir a igualdade de condições a todos os países-membros cujos governos se comprometem a tratar uns aos outros em pé de igualdade e sem qualquer tipo de discriminação. Dessa forma, eles têm acesso a tarifas mais baixas, menos barreiras comerciais e cotas de importação mais elevadas.

Os EUA, a UE e outros aliados da Ucrânia no conflito estão, com essa atitude, afirmou uma fonte do Itamaraty, minando o funcionamento de organismos essenciais na governança econômica global e o avanço de processos considerados importantes para o Brasil em âmbitos como a OMC, FMI, Bird e G-20, entre outros. Essa ofensiva, ressaltou a fonte, vai trazer graves consequências não somente para Putin, mas para muitos outros países.

Por enquanto, o Brasil não expressou publicamente seus temores pela politização de organismos internacionais. Até agora, a delegação brasileira na ONU expressou questionamentos à dimensão das sanções econômicas anunciadas e, também, ao envio de armas à Ucrânia. Ou seja, houve aval à condenação, mas, também, críticas à frente contra Moscou liderada por EUA e UE.

Ciberguerra:

Ouvidos pelo GLOBO, os ex-chanceleres Celso Amorim e Celso Lafer e os embaixadores Rubens Ricupero e Marcos Azambuja avaliaram as posições adotadas até agora pelo Brasil e pelas partes envolvidas no conflito.

Na visão de Amorim, o ataque da Rússia à Ucrânia é uma ação condenável, além de um erro político. No entanto, se o Brasil quisesse ter alguma participação em esforços pela paz, seria melhor se abster nas votações, como fizeram os demais países do Brics, incluindo a Índia, que é parte do Quarteto, fórum asiático liderado pelos EUA. O ex-chanceler e Azambuja destacaram a necessidade de levar em consideração as preocupações da Rússia por sua segurança.

Já Lafer defendeu uma posição mais incisiva do Brasil, sem abrir espaço para a neutralidade abdicante que ele identifica nas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Já Ricupero foi o mais crítico em relação à atuação da missão brasileira na ONU: Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada.

Conheça as opiniões de Amorim, Lafer, Ricupero e Azambuja

 Celso Amorim: Invasão é condenável, mas em outro momento Brasil teria condições de mediação

"É uma situação muito complexa. A Rússia sempre se preocupou com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que também foi criticada, mesmo condenada, por pensadores americanos. A Ucrânia não era apenas um país da Europa Oriental, era parte da antiga União Soviética e do Império Czarista. Diferentemente de outros países e regiões, tem um componente emocional muito forte para os russos.Mas isso não justifica a guerra, sou contra a ação militar unilateral. Fui embaixador na ONU e prezo especialmente por suas normas. A Carta da ONU foi construída em torno do não recurso à guerra para resolver problemas. Só admite o uso da força quando autorizada pelo Conselho de Segurança ou em legítima defesa. Diferentemente do que pregavam os EUA antes da Guerra do Iraque, não existe legítima defesa preventiva. Não tenho dúvida de que a ação é condenável, além de um erro político.

Como deveria ser a ação do Brasil? Não tenho certeza. Havia duas posições possíveis. A que foi adotada, votar a favor da condenação, mas dando uma explicação de que se é contra as sanções, defender uma solução pacífica, o que, devo admitir, é razoável. Mas, numa outra situação, em que o Brasil estivesse mais ativo internacionalmente, com a mesma justificação você poderia conceber um voto de abstenção. Continuaria condenando, mas considerando que há preocupações de segurança que são legítimas. Se o Brasil, de alguma maneira, quiser participar de algum esforço em favor da paz, é melhor se abster. Se fosse um governo que conversasse com todos, talvez tivesse sugerido uma abstenção. Na situação atual, não poderíamos esperar isso, até porque uma abstenção de Bolsonaro ficaria sob suspeita."

Celso Lafer: Posição deve ser mais incisiva ao condenar guerra de conquista

"A Rússia faz uso da força contra a integridade territorial e a independência da Ucrânia. Desrespeita o Artigo 2, parágrafo 4 da Carta da ONU e põe em questão um dos princípios básicos do direito internacional: o do respeito à soberania territorial dos Estados. A guerra resultou de uma decisão militar para alcançar fins políticos unilateralmente definidos por Putin: pôr termo à Ucrânia como país independente para alcançar a sua incorporação a uma expressão eslava da Rússia e atender preocupações de segurança. Ela denega aspirações majoritárias da população ucraniana a uma identidade nacional própria. A Assembleia Geral da ONU expressou em resolução a condenação da comunidade internacional à agressão da Rússia.

Brasil votou a favor da resolução. Seguiu a tradição diplomática brasileira em consonância com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do país. O Brasil é um país de escala continental que, em contraste com outros, definiu todas as suas fronteiras por arbitragem e negociações. É o que faz da defesa da integridade territorial e da condenação da guerra de conquista parte integrante do capital diplomático do Brasil. Rui Barbosa realçou que entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. (...) Não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. Na sua lição, quando existem normas internacionais, como as da Carta da ONU, pugnar pela observância das normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la. Por isso, creio que a posição brasileira deve ser mais incisiva. Não cabe abrir espaço para a impassibilidade de uma neutralidade abdicante que identifico nas manifestações do presidente da República."

Rubens Ricupero: Criticar entrega de armas é deixar Ucrânia à mercê da Rússia

"Primeiro é preciso saber qual é a posição brasileira, se é a do Bolsonar ou se é a da missão do Brasil na ONU. A segunda questão é, se chegarmos à conclusão de que quem representa o Brasil é a missão, temos de analisar o conteúdo dessa posição. A posição que o governo tem expressado na ONU é oposta à de Bolsonaro. A posição do Brasil é de concordar e aprovar as duas resoluções que condenaram a invasão russa em todos os sentidos. O que se pode dizer dessa posição é que ela rigorosamente é correta. Mas, a partir daí, é preciso indagar sobre as consequências dessa posição. A delegação brasileira concordou em que a Rússia agrediu a Ucrânia sem provocação, atuando contra os princípios da Carta da ONU, ou seja, uma agressão indiscutível. Ao se declarar contrária ao fornecimento de armas, ela mostra uma incoerência. Se não se quiser o envolvimento direto, só há uma maneira, que é fornecer à vítima meios para se defender.

Por isso, eu chamaria a posição brasileira de ineficaz: ela equivale, no fundo, a deixar a Ucrânia à mercê da Rússia. Num caso como este, no qual mais de 140 países reconhecem que há uma agressão injusta, e, por outro lado, não se pode obter uma resolução do Conselho de Segurança porque a Rússia vai vetar, creio que a posição lógica e consequente seria aprovar as sanções e o fornecimento de armas. É a única maneira, embora insatisfatória, para ajudar o país agredido a se defender. Do ponto de vista legalista ao extremo, a posição brasileira é correta, mas é ineficaz. Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada. No fundo, significa que perante a História estamos lavando as mãos."


Entrevista: 

Marcos Azambuja: O país tem que se equilibrar entre seus princípios e interesses

"O Brasil tem de ter em vista que essa guerra terá uma duração longa na vida internacional. O país deve fazer, e fez, a reafirmação dos seus princípios de convivência pacífica, de respeito à Carta das Nações Unidas, aos seus compromissos com a própria Constituição brasileira. O Brasil precisa dizer, e disse, que nos princípios e nos valores ele é fiel a sua tradição e a sua história. Mas ele também tem de cuidar dos seus interesses, que estão em jogo. Dos cinco países do Brics, China, Índia e África do Sul se abstiveram de votar na Assembleia Geral pela condenação da Rússia. Só o Brasil votou a favor. Minha preocupação é que o Brasil se reserve para ser valioso mais tarde, na procura de soluções.

Brasil deve manter suas posições de princípio e entender as razões que levaram a Rússia a fazer o que fez. A Guerra Fria terminou com uma derrota tão absoluta dos países do então socialismo real que os derrotados não tinham o que negociar. Agora, a Rússia voltou a ser uma grande potência que tem interesses estratégicos, políticos e econômicos. O Brasil é movido por duas forças que, de certa maneira, são contraditórias. Ao se separar dos Brics, mostrou que continua fiel a seus valores. Mas deve se reservar para um processo negociador que virá. Quem vai conduzir isso? Não podemos fazer nada que agrave mais ainda a situação. A Rússia tem de se dar conta que não pode pretender a recriação de um império. E a Ucrânia tem de se dar conta de que a Crimeia não voltará e a região de Donbass vai se separar. Diplomacia é negociação. O que vejo são gestos truculentos. A solução é que haja algum tipo de interlocução. A negociação, essência da diplomacia, é a procura por meios imperfeitos de soluções imperfeitas."


https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-condena-invasao-russa-mas-teme-guerra-economica-ex-chanceleres-embaixadores-opinam-sobre-posicao-do-itamaraty-25430976

sábado, 24 de agosto de 2024

Vergonhosa entrevista do assessor presidencial internacional - CNN

 Poucas vezes fomos confrontados com afirmações tão desonestas, tão deformadas em seu vies pró-chavista. PRA

Venezuela: Não é correto reconhecer presidente com “atas nas mãos da oposição”, diz Amorim à CNN 

Celso Amorim destaca problemas na eleição venezuelana, sugere nova votação com supervisão da União Europeia e alerta para a necessidade de diálogo e reconciliação nacional 

Da CNN

Leia abaixo uma versão editada da entrevista que a CNN fez com Amorim:

CNN: O que o senhor está lendo sobre o que está acontecendo na Venezuela hoje, levando em conta que já se passaram várias semanas desde as eleições?

Celso Amorim: Estive na Venezuela durante as eleições, inclusive com o presidente Maduro, no dia seguinte; também estava presente o presidente da Assembleia Nacional, e falei sobre a necessidade de ter as atas.

Isso faz parte do acordo de Barbados, aceitar a transparência da parte deles e, para dirimir qualquer dúvida, seria importante ter as atas.

Ele me disse que seria uma questão de dias, de alguns dias, ele até acrescentou, “como sempre ocorre”. Mas, bem, ainda não as temos.

Do outro lado, temos as atas da oposição, mas também não me parece correto basear o reconhecimento de um presidente em atas que estão nas mãos da oposição, de um partido, não do Conselho Nacional Eleitoral. Embora saibamos que são cópias, não me parece correto.

CNN: Essa promessa de que em poucos dias as atas apareceriam, Nicolás Maduro fez diretamente ao senhor?

Amorim: Vamos ter que pensar com imaginação.

Enfrentamos uma situação, não era idêntica, os fatos não eram os mesmos, mas uma situação muito difícil após a tentativa de golpe de Estado em 2002, e em 2003 criamos um grupo de amigos que analisaram a situação e fizeram propostas que os dois lados aceitaram e, naquele caso, foi um referendo revogatório.

Agora não é o caso, mas será necessária alguma imaginação e também tolerância de ambas as partes, pois é um problema muito sério. Não se trata apenas de quem venceu uma eleição; há uma divisão muito profunda, e me parece que é necessária uma reconciliação nacional.

Uma pessoa vota durante as eleições presidenciais na Escola Ecológica Bolivariana Simon Rodriguez em 28 de julho de 2024 em Fort Tiuna, Caracas, Venezuela • Jesus Vargas/Getty Images

CNN: Esse exercício de imaginação poderia chegar ao ponto de pedir novas eleições na Venezuela?

Amorim: Já se falou sobre isso, mas não podem dizer que é uma proposta do Brasil, porque não deve ser uma proposta do Brasil ou de outro país, deve haver um diálogo do qual possa surgir uma solução.

Poderia ser isso, não sei se seria suficiente, teria que fazer parte de um pacote, como disse o presidente (Gustavo) Petro no X, que tenha garantias recíprocas entre o governo e a oposição. Não só a garantia de não perseguição, mas também garantias de participação no processo eleitoral.

No próximo ano, estão programadas as eleições parlamentares e regionais. É muito importante que… São mais de dois partidos, mas que os dois lados principais possam participar livremente.

CNN: Essa ideia de repetir as eleições, pelo menos em uma primeira reação oficial da oposição, por exemplo, no caso de María Corina Machado, não foi bem aceita. Há outro caminho?

Amorim: O fundamental é o diálogo, e no diálogo deve haver um pacote. Por exemplo, a UE seria uma boa entidade para acompanhar as eleições. Eles estavam convidados, mas o convite foi retirado porque a UE manteve as sanções.

Então, deve haver tolerância, não deve haver arrogância daqueles que querem ajudar, porque é fundamental lembrar que a Venezuela é um país independente. Estamos tentando ajudar, como fizemos há 20 anos com o referendo revogatório, mas não para intervir, não para dar uma prescrição, dizendo “façam isso”.

CNN: A principal líder da oposição, María Corina Machado, não quer novas eleições. O que o senhor acha disso?

Amorim: Não consigo compreender. Se ambos os lados dizem que venceram, por que não realizar outra eleição em que se possam evitar os problemas que, dizem, contaminaram essa eleição? Se ela ganhou, provavelmente ganhará de novo, não?

Não estou questionando a Corina (Machado) nem nada parecido, estou dizendo que o diálogo é importante, a tolerância é importante.

No caso da Venezuela, há uma divisão muito profunda, parece que são quase dois países, não é possível isso. Deve haver um diálogo, e os amigos do diálogo podem estar presentes.

Para Amorim, diálogo com o país vizinho é essencial • ANDRE VIOLATTI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Naquela época… Não estou dizendo que as soluções são as mesmas, mas foi criado o grupo Amigos da Venezuela, que incluía o Brasil, por exemplo, que tinha um bom diálogo com (Hugo) Chávez, mas também os Estados Unidos ou a Espanha, que tinham reconhecido, inclusive, o golpe de Estado.

CNN: O senhor acredita que Maduro eventualmente reconheceria uma derrota em uma segunda eleição?

Amorim: Se houver uma supervisão real… Mas, para isso, seria importante que a UE suspendesse as sanções. Se houver uma supervisão real, o problema não surgirá, porque a própria supervisão evitará as dúvidas que existem agora.

CNN: Vou fazer uma pergunta que parece pessoal, mas é política. Quando o senhor viu cara a cara Nicolás Maduro e ele lhe prometeu que em poucos dias as atas eleitorais apareceriam, o senhor acreditou nele?

Amorim: Tenho 82 anos, tenho um grau suficiente de ceticismo político, mas também tenho confiança no ser humano, então preferi acreditar. Não estou acusando de nada, mas esse é o fato.

CNN: Qual é a sua opinião e a do Brasil sobre as denúncias de detenções arbitrárias e até mesmo de pessoas cujo paradeiro ainda é desconhecido após as eleições?

Amorim: Não conheço os detalhes das detenções. Claro que somos contra todo tipo de detenção política e espero que isso seja resolvido também em um contexto de reconciliação e diálogo, porque não há outra maneira de enfrentar isso.

Países como Colômbia, Brasil, México também — mas o México agora está em uma transição, então é mais difícil –, mas estamos lá. E qualquer país de fora da região, desde que não seja com arrogância.

CNN: A posição histórica do Brasil em relação à Venezuela pode mudar se tudo continuar como está e as atas eleitorais não aparecerem?

Amorim: A posição histórica do Brasil é ajudar a encontrar uma solução.

Na época, Chávez nos procurou porque queria que o ajudássemos; ele queria mais um grupo de amigos de Chávez do que de amigos da Venezuela, e o presidente (Lula) lhe disse isso, exatamente com essas palavras, ao presidente Chávez.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, e o presidente Lula
O assessor especial da presidência, Celso Amorim, e o presidente Lula • Fábio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil – 26/06/2023

Finalmente, foi criado um grupo que era composto pelo Brasil, mas também pelos Estados Unidos, México, Chile, Espanha e Portugal. Então, havia pessoas mais próximas de Chávez e pessoas mais próximas da oposição.

Isso permitiu que se chegasse a uma conclusão que foi justamente, naquele caso, aplicável, o referendo revogatório. Chávez ganhou com uma margem bastante grande.

Agora, não sei, você perguntou sobre novas eleições, talvez, quem sabe? Não posso dizer com certeza que seja isso, mas sim o diálogo, que pode ser um diálogo com facilitadores, pensado um pouco fora da caixa, pode-se chegar a esse acordo.

Você me pergunta se sou otimista, nesse caso… A gente tem que ser otimista sempre, mas é muito difícil. Não quero simplificar a situação.

CNN: Esse otimismo ao qual o senhor se refere também é compartilhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Amorim: Isso é muito pessoal, mas se Lula não fosse otimista, não estaria onde está agora, depois de ser colocado de maneira totalmente injusta na prisão.

Ele conseguiu provar que era inocente e foi eleito pela terceira vez pelo povo brasileiro. É o primeiro presidente reeleito pela terceira vez no Brasil, sem mudar nenhuma regra.

CNN: É possível continuar sendo amigo de um país que não tem eleições transparentes, se isso for comprovado?

Amorim: A Venezuela é vizinha do Brasil. Os amigos (sic) são amigos dos vizinhos. Os vizinhos devem se tratar bem. Tenho esperança de que encontremos uma solução que permita uma boa relação com o governo da Venezuela.

CNN: Mas você tem vizinhos que são amigos com uma parte importante da população dizendo que essas eleições não terminaram com Maduro como presidente.

Amorim: Somos amigos da Venezuela, não de uma parte ou outra, somos amigos da justiça, da verdade, e isso é o que queremos.

Ata eleitoral da Venezuela • Luciana Taddeo/CNN

CNN: O que o senhor acha que aconteceu com o processo eleitoral que o governo dizia que seria completamente transparente? Em que momento tudo se complicou tanto?

Amorim: Não tenho elementos para dizer em que momento isso aconteceu. O que sei é que, quando estive com o presidente, ele disse claramente que o CNE publicaria as atas em poucos dias e isso não aconteceu.

Eles alegam que houve hackeamento, eu não tenho como julgar isso. Mas, de qualquer forma, não cabe a nós fazer um julgamento de valor sobre cada coisa. Temos que fomentar um diálogo do qual possa surgir uma solução.

CNN: O senhor estaria disposto a voltar se o presidente do Brasil lhe pedisse?

Amorim: Sou assessor de Lula, não sou assessor nem de Maduro nem de Edmundo (González Urrutia), mas se Lula me pedir, pode ser.

CNN: Mas o senhor poderia ser um dos negociadores, um dos interlocutores válidos para tentar encaminhar esse processo?

Amorim: Vamos deixar o tempo passar e ver como as coisas acontecem.

CNN: Quanto tempo seria razoável?

Amorim: Quando se fala em tempo, parece que há um ultimato. Isso é sempre negativo, porque fazer um ultimato a um país e obrigá-lo a algo é invadir sua soberania. Por outro lado, se for feito um ultimato e não for cumprido, perdemos a credibilidade.

Vamos continuar conversando, haverá um momento em que haverá um cansaço, não sei, mas ainda não chegamos exatamente a isso.


domingo, 2 de junho de 2024

Alinhamento do Brasil com China e Rússia ameaça relação com o Ocidente - Lourival Sant'Anna (OESP)

Alinhamento do Brasil com China e Rússia ameaça relação com o Ocidente 

Além de contrariar um princípio caro da política externa brasileira, o da soberania, a Rússia atraiu contra si uma união militar no Ocidente inédita desde a 2.ª Guerra Mundial

Por Lourival Sant'Anna

 Opinião - É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

O Estado de S. Paulo, 25/05/2024 


A simpatia do governo Lula pelo expansionismo militar russo tornou-se ainda mais explícita na reunião do chanceler chinês, Wang Yi, e do assessor especial brasileiro, Celso Amorim, em Pequim. As conclusões do encontro colocaram na órbita da China a política do Brasil para a Ucrânia.

Em comunicado conjunto divulgado depois do encontro, Brasil e China apelam para que todas as partes envolvidas se comprometam em não expandir o campo de batalha, não escalar os combates e não provocar a outra. Não houve condenação à invasão.

Essas condições equivalem a dizer que a Ucrânia não tem o direito de se defender. Já que ela é o país invadido, os combates terrestres se concentram, por definição, na Ucrânia, com os ucranianos tentando conter os avanços russos e recuperar território.

Desde a invasão em grande escala da Rússia, em fevereiro de 2022, a Ucrânia recuperou 54% do novo território ocupado. Outros 18% continuam ocupados, incluindo os 8% invadidos em 2014. A atitude do Ocidente de normalizar essa ocupação em 2014, a mesma que Brasil e China adotam até hoje, incentivou Vladimir Putin a ampliá-la.

Amorim, que esteve na Rússia há um mês, contou com otimismo a repórteres brasileiros em Pequim ter ouvido de um de seus interlocutores russos que eles querem uma “neutralização”, e “uma zona tampão com tamanho suficiente para que não haja armas que atinjam diretamente Moscou.”

O assessor especial brasileiro demonstra crer que a Rússia invadiu a Ucrânia para se defender de uma ameaça. Não há a menor base factual para essa leitura, promovida pela propaganda de Putin.

Ao contrário, o governo de Volodmir Zelenski fez de tudo para não dar pretextos à invasão russa. Mesmo quando mais de 100 mil soldados russos se concentravam na fronteira, e a Rússia promovia um bloqueio naval contra a costa ucraniana, em dezembro de 2021, Zelenski desautorizou providências típicas para a defesa de um país sob ataque iminente, como a convocação de reservistas ou a escavação de trincheiras.

Em várias etapas da agressão russa à Ucrânia, o Kremlin enviou sinais contraditórios sobre suas intenções de tentar congelar o front ou agarrar mais território. Esses sinais dependeram, em parte, da dinâmica no terreno e da disposição de EUA e Europa de seguir ajudando a Ucrânia, e em parte das táticas russas de guerra informacional.

Putin nunca demonstrou disposição real de negociar garantias de segurança em troca da devolução de território ucraniano. Aceitar, como fazem Brasil e China, uma solução que não contemple essa devolução é renunciar ao princípio da soberania.

Para a China, esse racional é conveniente. Primeiro, porque Xi Jinping tem deixado claro que pretende anexar Taiwan. A China assedia a ilha regularmente, por mar e ar, como fez nos últimos dias com 46 aviões de guerra. 

Em segundo lugar, as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia criaram uma dependência do país em relação à China, que aproveita para comprar seu petróleo e gás a preços abaixo do mercado, vender-lhe produtos industrializados e até instalar fábricas para substituir as mais de mil empresas ocidentais que se retiraram do país.

Por último, ao obrigar o Ocidente a ajudar a Ucrânia, a campanha russa drena recursos das democracias na América do Norte e na Europa, que rivalizam com a China na disputa por influência global.

O alinhamento do Brasil, um país grande e democrático, é valioso para a China, porque demonstra capacidade de atrair para seu campo não apenas ditaduras africanas e asiáticas dependentes de seu poder econômico, projeção política e militar e ideologia autoritária.

E o que o Brasil ganha com isso? Wang Yi declarou que China e Brasil “têm economias altamente complementares e interesses profundamente integrados, que é o ativo estratégico mais precioso”. A primeira parte é verdadeira: o Brasil é exportador de alimentos e a China, de manufaturados.

Mas a própria complementaridade torna desnecessário um alinhamento geopolítico para impulsionar o comércio: ele se movimenta por si, e não depende da proximidade entre os governos, como ficou claro quando Jair Bolsonaro, detrator da China, era presidente.

A segunda parte é problemática. Alinhar-se à China não corresponde aos interesses nacionais do Brasil.

Além de contrariar um princípio caro da política externa brasileira, o da soberania, a Rússia atraiu contra si uma união militar no Ocidente inédita desde a 2.ª Guerra Mundial. A complacência com a agressão russa aliena o Brasil do Ocidente e o coloca como um parceiro não confiável.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

A absurda postura diplomática de Amorim e Lula 3 sobre a guerra de agressão da Rússia à Ucrânia - Forum de Davos

 Começa pelo fato de que NÃO HÁ guerra de agressão, depois vai para ilusões sobre a Rússia (PRA): 


Em Davos, Brasil defende ponto de convergência entre Rússia e Ucrânia 

Na quarta reunião entre conselheiros de segurança, Celso Amorim propõe abertura de diálogo O governo brasileiro defendeu o diálogo na guerra entre Ucrânia e Rússia, sem partir para o confronto. Uma nova reunião entre os conselheiros de segurança nacional de todo mundo aconteceu, neste domingo (14), em Davos, na Suíça, com foco no projeto de paz para encerrar quase dois anos de guerra entre os dois países. Esta foi a quarta reunião - desta vez, o governo suíço marcou o encontro nos alpes suíços, um dia antes do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta segunda-feira e vai até sexta-feira. 

 O Brasil foi representado pelo embaixador Celso Amorim, atual assessor especial da presidência para assuntos internacionais. Ao Valor, Amorim afirmou que há uma diferença de percepção nas discussões dos países que negociam acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. O Brasil, alinhado à Índia, África do Sul e Arábia Saudita, defende a abertura de um espaço de negociação com a Rússia que poderia gerar um ponto de convergência entre os dois países em guerra. Um dos assuntos que poderiam ser debatidos é a troca de presos, além do tema da segurança alimentar. 

O governo ucraniano jogou luz sobre a questão das crianças raptadas e desaparecidas por conta desse conflito. Para o governo brasileiro, o caminho seria discutir parâmetros que possam convergir para um acordo. Sem desmerecer a Ucrânia, Amorim é a favor que o governo de Volodymyr Zelensky abra espaço para criar diálogo com a Rússia. Os russos não foram convidados para participar desse encontro, que terminou sem um caminho claro antes da chegada do presidente da Ucrânia em Davos. Zelensky está previsto para fazer um discurso na terça-feira (16) no Fórum Econômico Mundial. A Ucrânia tem buscado o apoio de países emergentes. A Ucrânia, com forte apoio dos seus aliados, tem afirmado consistentemente que não desistirá até que tenha recuperado cada pedaço de território que a Rússia tomou. 

Não está claro, no entanto, se os países do Sul Global concordam com esses termos como parte de uma fórmula de paz. 


terça-feira, 13 de junho de 2023

A estranha viagem de Celso Amorim para falar de paz na Ucrânia em fórum da Noruega, que acabou sendo desmarcada - Ricardo Della Coletta (FSP)

A alegação de que Amorim "ficou em Brasília para participar da recepção de Ursula von der Leyen" não se sustenta minimamente. Lula deve ter vetado a viagem depois que Amorim havia confirmado presença, mas depois que sua performance em Hiroshima ficou abaixo do esperado, e até do desejável, sendo não só ofuscado pela presença de Zelensky, como também se recusou a encontrar o presidente ucraniano. 

Lula é do tipo vingativo, e não pretende mais falar com Zelensky, e por isso Celso Amorim teve de cancelar sua viagem, já que o chefe prefere privilegiar Putin e seus amigos autocratas, a lutar verdadeiramente pela paz na Ucrânia. 

Lamento mais essa diminuição da credibilidade diplomática do Brasil, e antecipo que este novo gesto deve retirar do Brasil a credencial para continuar propugnando por um "Clube da Paz". Resta ver o que Lula vai conversar com Macron, e outros líderes mundiais, e como ele vai seguir em suas tergiversações sobre como se obter "menos intervenção armada na Ucrânia", conforma ele recitou para a comissária europeia.

Custa a crer que a diplomacia brasileira possa ser humilhada pelo seu próprio chefe.

Paulo Roberto de Almeida

 Celso Amorim confirma e depois cancela ida a fórum sobre paz na Noruega

Principal assessor de Lula para política externa apresentaria visão brasileira sobre conflito na Ucrânia
Folha de S. Paulo, 13 junho 2023 às 14h13
Ricardo Della Coletta

O assessor especial do presidente Lula (PT), Celso Amorim, cancelou a participação que faria em uma das principais conferências internacionais sobre negociações de paz, o Oslo Forum.

O convite foi feito pelo governo da Noruega, que sedia o encontro. De acordo com a assessoria especial do Planalto, Amorim abriria um dos dias de debate para falar sobre a visão do Brasil em relação ao conflito entre Ucrânia e Rússia —tema que figura entre as prioridades do presidente brasileiro na arena externa.

Também havia a possibilidade de uma reunião de Amorim com o premiê da Noruega, Jonas Gahr Støre —ambos se conhecem porque coincidiram na chefia das respectivas chancelarias entre 2005 e 2010.

A viagem do principal assessor de Lula para temas internacionais chegou a ser publicada no Diário Oficial. Em 6 de junho, o petista autorizou o afastamento de Amorim entre 11 e 15 deste mês para ir a Oslo.

Apesar da centralidade que o conflito na Ucrânia tem na política externa de Lula, Amorim alegou questões de agenda para cancelar a visita. De acordo com sua assessoria, ele ficou em Brasília para participar da recepção de Ursula von der Leyen e de outros compromissos nesta semana. A data da passagem da presidente da Comissão Europeia pela capital é conhecida desde meados de abril. Amorim também deve acompanhar Lula em reuniões na Itália e na França na próxima semana, ainda segundo sua assessoria.

O Oslo Forum é organizado pela chancelaria da Noruega, país com ampla tradição na mediação de conflitos, e por uma organização humanitária suíça. Segundo o site do evento, neste ano a reunião abordará os principais acontecimentos diplomáticos e geopolíticos da atualidade, com discussões sobre os conflitos na Ucrânia, no Sudão e no Iêmen, entre outros. "A agenda inclui sessões sobre como garantir que a voz de todas as partes sejam ouvidas e formas de alcançar uma paz sustentável, muitas vezes baseada em acordos duramente conquistados e originados da exaustão militar e do pragmatismo."

Nesta segunda (12), o Oslo Forum anunciou que entre os participantes desta edição estão os chanceleres da Indonésia, Retno Marsudi, e da Colômbia, Álvaro Leyva Durán, além do promotor do Tribunal Penal Internacional Karim Khan. Trata-se do responsável por ter solicitado a expedição do mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, por acusações de crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

Segundo pessoas que conhecem o funcionamento do fórum, a lista completa de participantes é mantida em sigilo. A rede pública de comunicação norueguesa NRK informou recentemente que alguns integrantes do grupo extremista Talibã, que governa o Afeganistão, participariam da conferência. A organização do evento diz que mais de cem mediadores e atores envolvidos em processos de paz devem comparecer.

Amorim é apontado como o arquiteto da abordagem de Lula para a Guerra da Ucrânia. O presidente tentou se colocar desde o início de seu terceiro mandato como possível mediador do conflito, mas declarações vistas pelo Ocidente como favoráveis à Rússia geraram forte desconforto dos EUA e da Europa.

A fala de Lula que gerou mais reações ocorreu em Pequim, durante visita à China, em abril. Na ocasião, cobrou que os EUA "parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz" para encaminhar um acordo no Leste Europeu, uma referência ao envio de armas para que Kiev se defenda das ofensivas russas.

Poucos dias depois, enquanto o chanceler russo, Serguei Lavrov, era recebido em Brasília, um porta-voz do governo americano descreveu a postura de Lula sobre a Ucrânia como "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática".


sexta-feira, 12 de maio de 2023

Plano de paz do Brasil pode funcionar com cansaço de países na guerra, diz Amorim - Patricia Campos Mello (FSP)

 Guerra da Ucrânia Diplomacia Brasileira Governo Lula

Plano de paz do Brasil pode funcionar com cansaço de países na guerra, diz Amorim

Assessor de Lula se reuniu com Zelenski e sugeriu modelo de 'negociação por proximidade' entre Rússia e Ucrânia

São Paulo

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, Celso Amorim, propôs ao presidente da UcrâniaVolodimir Zelenski, o início de um processo diplomático chamado de "negociações por proximidade", mesmo antes de a Rússia desocupar os territórios que capturou.

Nesse modelo, dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos e ideias e se preparando para o contato direto.

O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev
O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev - Divulgação Governo da Ucrânia

Zelenski tem deixado claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como condição prévia a desocupação dos territórios ucranianos e reforçou esse posicionamento nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira (10).

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. "Ele ouviu", disse à Folha, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.

 

Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia? O objetivo foi a criação de confiança, manutenção do diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.

Zelenski abordou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é o posicionamento do Brasil nesse sentido? Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles vão dizer que as populações russas do leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Eu compreendo a posição dos ucranianos, eles querem naturalmente mostrar como foram vítimas da agressão, mas eu não quero ficar nisso.

Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado "negociações por proximidade", citado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações análogas [Pickering foi embaixador dos EUA na ONU e citou a abordagem que envolve países terceiros em artigo na revista Foreign Affairs].

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    O terceiro país seria o Brasil ou a China? A China é um país que tem grande influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, por suas características. É só ver a importância que a mídia internacional dá à posição do Brasil.

    Em tuíte após a reunião com o senhor, Zelenski afirmou que "o único plano capaz de deter a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia". Ou seja, ele continua rejeitando a ideia de negociar antes de a Rússia desocupar os territórios ucranianos. Ele vai verbalizar dessa forma, da mesma maneira que os russos dizem que esse não é o melhor momento para negociar. Mas a gente não pode desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até mesmo pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o dano causado pela guerra será maior do que prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já haja países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape entre os dedos. Eu acho que esse pode ser o papel do Brasil.

    O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que "se a Rússia parar de lutar, acaba a guerra. Se a Ucrânia parar de lutar, acaba a Ucrânia", em alusão à possibilidade de que Moscou fique com os territórios capturados. Como vê essa declaração? Temos conversado com os americanos também, sabemos de algumas preocupações deles. Mas as situações econômicas e políticas vão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho que tudo isso é muito retórico. Chegará o momento em que os países terão que optar entre a paz e a vitória; a vitória não virá claramente para nenhum dos dois.

    Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente vai se cansar, por motivos econômicos e políticos, de ajudar a Ucrânia, e que assim os russos vencem o conflito. Poderá sim haver o cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil de dizer. Ninguém levará tudo que quer de jeito nenhum. Então qual será a concessão fundamental?

    Como o senhor vê a proposta de Zelenski de fazer uma cúpula Ucrânia-América Latina? Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.

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    Mesmo ele dizendo que o único jeito de parar a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica desocupação dos territórios? Eu não esperaria que ele dissesse outra coisa. Eu não fui para lá para dizer "esta proposta aqui está certa ou errada". Eu também conversei com Putin durante uma hora. A gente não tem uma tese, queremos apenas tornar o diálogo mais próximo, possível, talvez inicialmente de uma forma indireta. Eu não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.

    Zelenski encarou com boa vontade o Brasil como mediador? Ele ouviu. A gente tem que ir falando, conversando, até surgir uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e aí expandir a negociação.

    Eles levaram o senhor para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)? Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos.

    Quais são os próximos passos? Continuar conversando. Esta visita era um passo importante que tinha que ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não de A ou de B.

    Zelenski convidou Lula a ir para a Ucrânia. Há previsão para a viagem? Não discuti isso com o presidente.

    E há um convite da Rússia para o fim de junho. Tudo isso será avaliado.


    Raio-X | Celso Amorim, 80

    Atual assessor-chefe da assessoria especial da Presidência da República, é considerado o principal conselheiro de Lula na área de política externa. Foi chanceler por dois períodos: primeiro no governo de Itamar Franco, de 1993 a 1995, e, depois, nos governos Lula 1 e 2, de 2003 a 2011. Nesse meio-tempo, chefiou a missão brasileira na ONU, em Nova York e em Genebra.