Mostrando postagens com marcador Diplomacia brasileira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Diplomacia brasileira. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de dezembro de 2025

O multilateralismo vazio da diplomacia brasileira, ou melhor, da política externa - Paulo Roberto de Almeida

Reproduzo uma manchete de jornal: "BRICS é manifestação extremamente importante do multilateralismo", diz Mauro Vieira.
Isto ocorreu em abril de 2025, numa reunião de chanceleres do BRICS, preparatória a reunião de cúpula dois meses de depois, no Rio de Janeiro.
Os chanceleres do BRICS se reuniram novamente em outubro, à margem dos debates na Assembleia Geral da ONU, em NY.
Os chanceleres emitiram, nas duas ocasiões, enormes declarações finais, resumindo tudo o que eles haviam discutido nesses encontros. Pois eles conseguiram, nas duas vezes, falar de tudo e sobre tudo, mas em nenhum momento consta qualquer declaração sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, certamente um veto russo a uma reunião fora do CSNU.
Surpreendentemente, o Brasil acata esses vetos, que vão contra nossos princípios e valores num ambiente multilateral, assim como conseguiu se abster numa resolução do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, uma renúncia vergonhosa de nossas posições tradicionais. Uma nota disse que a abstenção se deveu a que a resolução não era propensa ao diálogo, como se a Rússia fizesse algum diálogo em sua guerra criminosa de agressão.
Brasilia, 6/12/2025

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Mensagem a meus colegas diplomatas, da ativa e aposentados (como eu) - Paulo Roberto de Almeida

 Mensagem a meus colegas diplomatas, da ativa e aposentados (como eu)

        Muitos sabem, talvez os mais jovens não saibam, que eu não tive nenhum cargo na SERE de 2003 a 2016, ou seja, durante toda a duração dos primeiros governos lulopetistas. Fui novamente chamado a exercer um cargo, apenas acadêmico, não executivo, como diretor do IPRI, de agosto de 2016 ao início de 2019, quando o Itamaraty foi literalmente assaltado pela franja lunática dos antiglobalistas. Fui demitido do IPRI, com alívio, pois me sentiria muito mal tendo de servir a um governo e a uma administração na SERE totalmente esquizofrênicos. Como vários sabem, escrevi quatro livros contra o bolsolavismo diplomático – começando por Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019) e terminando por O Itamaraty Sequestrado (2022), todos digitais, mas concluindo o ciclo pelo livro impresso Apogeu e Demolição da Política Externa (Appris, 2022), cobrindo 30 anos de diplomacia, nos seus altos e baixos.
        No intervalo, durante o segundo ano do bolsolavismo esquizofrênico, tentei articular um projeto de "resistência clandestina" aos malucos da Casa de Rio Branco e uma espécie de planejamento para o período de reconstrução, após as eleições de 2022. Enviei correspondência bilateral para mais de meia centena de colegas, de meu conhecimento, pedindo sugestões para uma agenda futura de trabalho. Talvez por temor, talvez pela turbulência da pandemia em seu início, recebi poucas sugestões (todas registradas, um dia farei um relato, não nominal), e dei por encerrado o exercício.
        Obviamente que apoiei a luta contra o bolsonarismo delirante, ainda que o resultado não fosse o ideal.
        Pois bem, confirma-se agora que a atual diplomacia do lulopetismo declinante está engajando o Brasil,  acintosamente, abertamente, decididamente numa vertente bastante negativa para todo e qualquer diplomata consciente de nossa doutrina, de nossos valores e princípios, aliás para todo e qualquer cidadão benm informado, aqueles que eu acredito que contemplem com extrema rejeição a aliança do Brasil com duas grandes autocracia e vários outros regimes autoritários numa agenda claramente antiocidental, em busca de uma mal definida "nova ordem global multipolar".
        Todos os que me conhecem, e que acompanham eventualmente o que escrevo (no Diplomatizzando ou em outros canais), sabem exatamente o que eu acho desse projeto míope, desviante, prejudicial ao Brasil e ao seu conceito diplomático.
Esta nota serve apenas como denúncia de uma deriva deformadora das melhores tradições do Itamaraty e de sua diplomacia profissional.
Creio que as últimas manifestações do chefe de Estado e da diplomacia já provaram que há uma ruptura clara com nossa postura independente e autônoma em relação aos conflitos interimperiais e quaisquer enfrentamentos entre grandes potências (o que talvez nem seja mais o caso, dada a clara aderência do outrora "farol da democracia" ao neoczarismo expansionista).
        Lamento por meus colegas diplomatas, lamento pelo Brasil, lamento pela quebra das diretivas que sempre guiaram nossa política externa no caminho da independência em relação aos enfrentamentos geopolíticos, que não têm absolutamente nada a ver com nossos interesses nacionais.
        Estarei atento aos desenvolvimentos nessa área.
        Com pesar, mas com confiança, um abraço a todos os meus colegas diplomatas.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de junho de 2025

sábado, 28 de junho de 2025

A diplomacia brasileira, historicamente e em 2011 - Paulo Roberto de Almeida

 De vez em quando a internet me traz um texto próprio, do qual eu já me havia esquecido. Talvez sirva para alguma coisa:

As grandes linhas da política externa brasileira

 

Paulo Roberto de Almeida *

Publicado, sob o título “Trajetória Coerente”, no suplemento Pensar Brasil”, caderno especial “De Igual para Igual”, do jornal Estado de Minas (Belo Horizonte, Sábado, 9 de abril de 2011, p. 17-19).

Blog Diplomatizzando (05/06/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/06/grandes-etapas-da-diplomacia-brasileira.html).

 

A diplomacia brasileira seguiu, ao longo do último meio século, uma trajetória relativamente uniforme e coerente, embora marcada por alguns desvios momentâneos e por orientações políticas contrastantes,segundo as conjunturas políticas e os grandes alinhamentos observados em cada uma das grandes etapas do cenário internacional. Com algumas poucas exceções – possivelmente no imediato seguimento do golpe militar de 1964 e agora, recentemente, durante o governo Lula – ela seguiu invariavelmente algumas orientações básicasainda que animadas por preocupações diversas, todas elas comprometidas com o desenvolvimento nacional, a defesa da soberania e o comprometimento com o direito internacional, consubstanciado na Carta da ONU e em alguns outros instrumentos básicos das relações internacionais. 

A política externa foi, pode-se dizer com total segurança, persistentemente “desenvolvimentista”. Aexemplo da tendência dominante na política econômica, ela esteve engajada no processo de industrialização brasileira, embora atuando bem mais na política comercial (na qual o Itamaraty sempre conservou o “monopólio” negociador) do que na política industrial, onde ele foi ator coadjuvante. Essa foi a linha básica da diplomacia econômica brasileira desde a era Vargas até a atualidade: fazer com que as negociações comerciais externas –multilaterais ou regionais – não dificultassem o processo de industrialização, consumado com base em velhas receitas de substituição de importações e em forte protecionismo tarifário (que o Itamaraty se encarregou de defender junto ao Gatt, ao longo dos anos).

A outra grande vertente de atuação da diplomacia econômica consistiu na sustentação das dificuldades cambiais e de balanço de pagamentos, o que exigia do Itamaraty um bom trabalho junto aos principais credores, todos eles situados na América do Norte e na Europa ocidental. Empréstimos externos e atração de investimentos estrangeiros foram os dois elementos básicos nessa frente e pode-se dizer que o desempenho foi relativamente satisfatório, a despeito de crises desafiadoras no último terço do século XX (petróleo, dívida externa, crises financeiras nos mercados emergentes nos anos 1990). Mas esse tipo de negociação financeira estava mais bem afeta aos responsáveis econômicos e monetários do que aos funcionários do Itamaraty, que ainda assim ofereciam todo apoio nesse tipo de missão, quando não assumiram eles mesmos a responsabilidade pela condução do processo.

Outra área, entretanto, teve a colaboração crucial dos diplomatas para que ela pudesse se desenvolver, pelo menos até certo ponto: a capacitação do Brasil em matéria de enriquecimento nuclear e de domínio das tecnologias industriais ligadas à indústria nuclear para fins civis (energia), o que foi materializado no célebre acordo nuclear Brasil-Alemanha, de 1975 (depois descontinuado, a partir da crise dos anos 1980 e também por causa de fortes pressões contrárias dos Estados Unidos). Ocorreu, nesse setor, durante o governo militar, notável cooperação entre os militares e os diplomatas, inclusive porque ambas as corporações recusavam a adesão do Brasil ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (oferecido em 1968 à comunidade internacional pelas três potências nucleares signatárias, EUA, Reino Unido e União Soviética). Foi o momento de maior independência brasileira em relação aos EUA, depois de algumas décadas de alinhamento, no geral, coincidente com os grandes objetivos da maior potência ocidental, durante os anos da Guerra Fria. 

De fato, o Brasil exibiu uma política externa razoavelmente alinhada com os EUA desde antes da Segunda Guerra Mundial, a começar pela renegociação das dívidas contraídas nos anos de entre-guerras e pela própria participação brasileira no conflito, a partir da qual os dirigentes diplomáticos e os líderes políticos brasileiros esperavam uma retribuição à altura, em especial a inclusão do País no seleto clube de grandes potências, experiência logo frustrada pela intransigência do Reino Unido e da União Soviética. Ainda assim, os anos do pós-guerra foram de colaboração e de quase pleno entendimento político, com a compreensão dos militares brasileiros e da grande maioria dos diplomatas em relação às prioridades e à grande estratégia dos EUA na era da Guerra Fria: a contenção da União Soviética e a luta contra a penetração e a influência comunistas em diversos países da periferia ou da própria Europa ocidental. 

Os únicos pontos de desacordo se situavam justamente na cooperação econômica, com o Brasil e a maioria dos latino-americanos pedindo uma extensão ao continente da generosa ajuda para recuperação e reconstrução que os americanos prestavam à Europa no quadro do Plano Marshall. Os EUA nunca consentiram nessa extensão, inclusive porque consideravam, não sem razão, que os problemas da América Latina não eram exatamente de reconstrução, e sim de desenvolvimento, para o que recomendavam não ajuda estatal, mas reformas econômicas e abertura aos investimentos estrangeiros. A questão do financiamento ao desenvolvimento latino-americano foi resolvida mais adiante, com a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, apenas depois de intensa pressão brasileira, notadamente através da Operação Pan-Americana, proposta pelo presidente Juscelino Kubitschek: tratou-se da primeira grande iniciativa brasileira em termos de liderança regional e de diplomacia multilateral, mesmo se limitada ao hemisférioamericano.

Ainda assim, ela serviu para formar os diplomatas brasileiros nos novos temas da diplomacia do desenvolvimento e do multilateralismo econômico, bem como nos seus procedimentos específicos (em relação, por exemplo, à velha escolha da diplomacia bilateral, de caráter essencialmente político), o que iria ser extremamente útil nas negociações do Gatt, com a nascente Comunidade Econômica Europeia e nos novos acordos em torno dos produtos de base (café, cacau, açúcar, etc.). O Brasil tornou-se um dos principais promotores do movimento em favor da reforma do Gatt desde o final dos anos 1950, num sentido de não-reciprocidade e de concessões sem contrapartida, assim como participou ativamente do processo que conduziu à criação da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), tornando-se um dos líderesdo grupo dos países em desenvolvimento (que veio a ficar conhecido como G77, do número de membros no momento de sua criação, em 1964).

O ponto alto dessa fase foi, evidentemente, a chamada “política externa independente”, quando o Brasil se liberta do estrito alinhamento aos cânones da Guerra Fria e passa a buscar oportunidades comerciais e de relacionamento político com os países socialistas e com as nações periféricas de modo geral. Entre os grandes temas debatidos nessa época esteve o de Cuba, cujo regime socialista foi considerado pela OEA como “incompatível com o sistema interamericano”, tese americana a que o Brasil se opôs por não haver, na Carta da OEA, nenhum caracterização quanto a regimes políticos. O Brasil, em todo caso, se absteve, quando a decisão foi votada, apoiado em argumentos essencialmente jurídicos esgrimidos pelo chanceler Santiago Dantas.

Ocorreu, então, a primeira ruptura, embora relativamente breve, nas linhas tradicionais da política externa brasileira, quando os militares, talvez para “agradecer” aos EUA a ajuda preventiva dada durante o golpe, concordam em sustentar a postura americana na região, participando da invasão da República Dominicana, contra uma revolução democrática em 1965. Foi, porém, um breve interlúdio, já que a partir de 1967, a diplomacia retomou sua postura desenvolvimentista e pela autonomia tecnológica (já dando início a um programa nuclear independente, que sofreria as referidas sanções americanas). Pelo resto do regime militar e também durante a fase de redemocratização, a diplomacia brasileira atuou com plena independência e profissionalismoassumindo uma postura moderadamente terceiro-mundista e, certamente, desenvolvimentista. Conflitos pontuais se manifestam nas relações com os EUA, tanto no plano bilateral – fricções comerciais, política nuclear, justamente – como no plano multilateral – resoluções da ONU e temas da agenda do desenvolvimento nos quais os EUA geralmente se singularizavam pela postura oposicionista. 

Desde essa época, e praticamente até hoje, a diplomacia brasileira vem construindo seu espaço próprio nos contextos regional e internacional, estimulando parcerias seletivas com alguns grandes países em desenvolvimento – em especial com a Índia, com a qual havia uma grande interface negociadora em temas comerciais – e colocando as bases de um grande espaço de integração econômica na América do Sul, primeiro via Alalc e Aladi, depois via Mercosul e outros esquemas sub-regionais. Ao promover a integração regional, a diplomacia brasileira sempre foi extremamente cautelosa em não proclamar qualquer veleidade de liderança brasileira no continente, muito facilmente confundida com pretensões hegemônicas e, portanto, recusada peremptoriamente pela maior parte dos vizinhos (com a possível exceção dos menores, interessados em algum tipo de barganha preferencial). Essa postura cuidadosa foi no entanto descurada pelo governo Lula, gerando resistências e contrariedades nos vizinhos mais importantes, que inclusive se mobilizaram contrariamente a um dos  objetivos de alguns governos brasileiros: a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. 

O governo Lula, justamente, representou uma ruptura nos antigos padrões profissionais da diplomacia, introduzindo uma agenda partidária e ideológica que redundou, em diversos casos, em um infeliz alinhamento com ditaduras e violadores dos direitos humanos em diversos continentes, numa demonstração de anti-americanismo infantil e, em última instância, prejudicial à credibilidade da política externa brasileira. Felizmente, o novo governo Dilma restabeleceu padrões de comportamento e de votação nos foros multilaterais bem mais conformes à tradição diplomática brasileira, condizentes inclusive com princípios constitucionais sobre valores democráticos e a defesa dos direitos humanos e com o espírito verdadeiro da Carta da ONU. 

 

* Diplomata de carreira e professor universitário; autor de diversos livros de relações internacionais (www.pralmeida.org).

ChamadaDiplomacia brasileira sempre se caracterizou pelo profissionalismo e por uma diplomacia de caráter nacional; regime militar e governo Lula representaram exceções nessa linha cautelosa e guiada por interesses nacionais, não partidários. 

 

[2554; Brasília, 11 de março de 2011; rev. 12/03/2011]



terça-feira, 24 de junho de 2025

Ex-embaixador Ricupero aponta incoerência da diplomacia brasileira sobre Irã e Ucrânia (VEJA+)

Ex-embaixador Ricupero aponta incoerência da diplomacia brasileira sobre Irã e Ucrânia

VEJA+, 24 de jun. de 2025
https://www.youtube.com/watch?v=BaTowtrvAUI

Na nova edição do Ponto de Vista, o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Ricupero, comenta a reação do governo brasileiro ao ataque israelense contra instalações nucleares do Irã. Em conversa com Robson Bonin e Marcela Rahal, o diplomata avalia a nota divulgada pelo Itamaraty, que condenou “com veemência” a ação de Israel.


“Do ponto de vista formal, a nota está correta. O ataque é ilegal e não foi autorizado pela ONU. Mas é curioso: a nota do Brasil foi mais dura do que a da China”, afirma Ricupero.

O embaixador também destaca o contraste da posição brasileira em relação à guerra na Ucrânia. “Lá, o governo evita condenar a Rússia. Isso gera uma percepção de incoerência”, diz.

Ricupero analisa ainda o contexto regional e internacional envolvendo o Irã: “Nenhum país deseja que o Irã adquira armas nucleares. Por isso, há até certo alívio mundial com o prejuízo ao programa nuclear iraniano.”

Assista à análise completa sobre a guerra no Oriente Médio, os bastidores da diplomacia internacional e os impactos da política externa brasileira neste cenário delicado.

terça-feira, 15 de abril de 2025

O Brasil no contexto de um novo cenário internacional: incertezas e opções: palestra-debate na UnB - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente ensaio, desta vez preparado para uma exposição-debate com estudantes de pós-graduação na UnB: 

4889. “O Brasil no contexto de um novo cenário internacional: incertezas e opções”, Brasília, 8 abril 2025, 26 p. Ensaio preparado com base nos trabalhos 4700 e 4738, para apoiar exposição oral em conferência para alunos de pós-graduação do prof. André Nunes, da UnB, dia 16/04, das 19:00 às 21:00. Encaminhado previamente para subsidiar a preparação da audiência. Disponibilizado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/128816488/4889_O_Brasil_no_contexto_de_um_novo_cenario_internacional_incertezas_e_opcoes_2025_).




Aqui o sumário: 


O Brasil no contexto de um novo cenário internacional: incertezas e opções

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Ensaio para apoiar exposição oral em conferência para alunos de pós-graduação do prof. André Nunes, da UnB, dia 16/04, das 19:00 às 21:00.

  

Sumário: 

1. A Grande Transformação Revertida: Mister Trump entra em cena

2. O Brasil e a alternância de fases na política internacional do século XX ao XXI

3. O que foi a primeira Guerra Fria e como o Brasil se inseriu no contexto bipolar

4. Mudanças na geopolítica e na geoeconomia mundial desde o início do milênio

5. A segunda Guerra Fria, de caráter econômico-tecnológico, tendente à geopolítica

6. A Rússia retrocede o mundo a um cenário típico da primeira metade do século XX

7. Desafios à ordem global ocidental sob Trump 2 e implicações para o Brasil

8. Brasil, Brics, Sul Global e nova ordem global multipolar: escolhas feitas?

9. O desmantelamento político e econômico dos sistemas multilaterais: qual futuro?


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/128816488/4889_O_Brasil_no_contexto_de_um_novo_cenario_internacional_incertezas_e_opcoes_2025_


sábado, 11 de janeiro de 2025

Análise: diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela - Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi (CNN)

 Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi escrevem sobre o caso de afinidade pouco eletiva do Brasil com a ditadura venezuelana:


Análise: diplomacia brasileira criou uma armadilha para si e caiu nela na Venezuela

Segue artigo sobre a Venezuela que escrevi com o colega Arthur Ambrogi e que acaba de ser publicado pela CNN Brasil. O enfoque foi no Direito Internacional e nos princípios da diplomacia brasileira para o reconhecimento de governos. Eles seriam aplicáveis ao governo Maduro? Segue um trecho e o link para leitura na íntegra: 

“Pelo Direito Internacional, o reconhecimento de um governo pode ocorrer por meio de duas formas: expressa ou tácita. A forma expressa se dá por escrito – publicando uma declaração ou nota diplomática. A forma tácita se dá pelo relacionamento com esse governo. Na prática, só muda o formalismo, os efeitos são os mesmos. 

Conforme resume Hildebrando Accioly, em seu “Manual de Direito Internacional Público”, os Estados Unidos sustentam, desde a sua independência, que se deve reconhecer como legítimo o governo oriundo da vontade nacional, claramente manifestada.

A esse princípio foi adicionado, posteriormente, o da intenção e capacidade do governo de cumprir as obrigações internacionais do estado. A doutrina brasileira se aproxima muito dessa formulação, no entanto, historicamente o Brasil leva em conta, também, as seguintes circunstâncias:

- Primeiro, a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo;

- Segundo, a estabilidade desse governo;

- Terceiro, a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado. (…)” 

Leia o artigo na íntegra aqui: https://www.cnnbrasil.com.br/forum-opiniao/analise-diplomacia-brasileira-criou-uma-armadilha-para-si-e-caiu-nela-na-venezuela/


quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Guia simples para entender como fica a diplomacia brasileira com Donald Trump na Casa Branca - Felipe Frazão (Estadão)

Estadão

Internacional

Guia simples para entender como fica a diplomacia brasileira com Donald Trump na Casa Branca

Relação com bolsonarismo e regimes de esquerda, aversão a clima e multilateralismo e presença da China estão entre fatores que vão influenciar

Por Felipe Frazão

O Estado de S. Paulo, 25/12/2024

 

BRASÍLIA - A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos impôs um desafio imediato para a política externa brasileira. Como recalcular objetivos e prioridades diante da mudança de ventos políticos na Casa Branca e o retorno de um ator global incontornável, cujas prioridades divergem frontalmente da pauta de Luiz Inácio Lula da Silva. As expectativas do Palácio do Planalto são negativas.

O primeiro obstáculo será a relação direta entre ambos. Sem contato prévio e com portas fechadas, Lula e Trump terão de criar canais de contato, apesar do histórico recente hostil, marcado por desavenças, provocações e declaração de voto, de ambos os lados, aos respectivos adversários políticos domésticos no Brasil (Jair Bolsonaro) e nos Estados Unidos (Kamala Harris/Joe Biden).

O governo brasileiro tenta estabelecer uma relação pragmática entre Lula e Trump, mesmo ciente que o País não deve ser parte das prioridades do Departamento de Estado. No entanto, os sinais enviados pelo governo de transição vão em sentido contrário, como ameaças de impor tarifas sobre exportações brasileiras e a nomeação de uma equipe mais ideológica na diplomacia americana. Aqui vão alguns pontos-chave que podem nortear os próximos meses.

 

Quem são as figuras-chave na equipe de Trump?

Do lado americano, Donald Trump indicou como futuro secretário de Estado, cargo de chefe da diplomacia, o senador republicano Marco Rubio (Flórida) de origem cubana e que tem um olhar crítico ao governo brasileiro e aos regimes de esquerda latinos. Embora suas raízes e conhecimento da região sejam vistos como algo positivo, as relações políticas de Rubio o aproximam da oposição a Lula e do discurso bolsonarista. Como senador, ele vocalizou preocupação com a liberdade de expressão no País, ao acusar o governo de censura quando o X (antigo Twitter) foi banido pelo Supremo, e reagiu criticamente ao aval de Lula para a passagem de navios de guerra iranianos, no porto do Rio.

O conselheiro de Segurança Nacional será Mike Waltz, deputado republicano da Flórida, veterano de guerra e anti-China. O secretário de Comércio será Howard Lutnick, vindo do mercado financeiro, atual CEO da Cantor Fitzgerald. O presidente vai nomear novamente como assessor para comércio e indústria o antigo aliado Peter Navarro, que passou quatro meses preso por ignorar uma intimação do comitê que investigou a invasão do Capitólio.

É dado como certo que governo Trump vai trocar de pronto o comando da embaixada dos Estados Unidos em Brasília, já que a atual embaixadora, Elizabeth Bagley, enviada por Joe Biden, tem um histórico de serviços prestados e financiamento ao Partido Democrata. No governo passado, Trump enviou a Brasília o diplomata de carreira Todd Chapman.

Trump já anunciou os nomes de alguns futuros embaixadores na América Latina, como México e Colômbia, mas não quem assumirá no Brasil.

 

Quem são as figuras-chave no governo Lula?

Do lado brasileiro, Lula permanece com a equipe diplomática que montou no início do governo: o assessor especial Celso Amorim, ex-chanceler, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Em Washington, tem a embaixadora Maria Luiza Viotti, diplomata de carreira com longo histórico de serviço no país e nas Nações Unidas, e que neste ano acompanhou pessoalmente as convenções e centraliza a operação de viabilizar canais com os Republicanos e a nova administração em montagem.

Com Lula avaliando uma virtual reforma ministerial do início do ano que vem, circulam avaliações, entre analistas e diplomatas, se seria ou não conveniente trocar o comando do Itamaraty. Especialmente por alguém político. Republicanos emitiram sinais a interlocutores brasileiros de que não há canais com a dupla atual na chefia da diplomacia: Amorim e Vieira são vistos como mais alinhados ao PT e, sobretudo o primeiro, como um representante do sentimento antiamericano no governo.

Mas a percepção prevalente é que a mudança não ocorrerá. Há quem aposte em empresários e parlamentares para eventual aproximação e ainda no fomento de laços com entes subnacionais, os governadores de Estado norte-americanos.

 

Como serão as relações entre Lula e Trump?

Trump e Lula não possuem relação pessoal prévia. Jamais se falaram, embora tenham se alfinetado em declarações públicas. A ideia de costurar um telefonema entre eles, após a eleição de Trump, ainda não se concretizou. Lula fez um gesto político de abertura quando escreveu rapidamente nas redes sociais seu reconhecimento de vitória e disse que o “mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto”.

Antes, ele criticara Trump em diversas ocasiões, relacionando-o a fascistas e extremistas, mas também solidarizara-se com o republicando quando disse que o atentado a tiros contra ele era “inaceitável” e merecia repúdio veemente. Tudo vai depender das posturas de Trump nos primeiros meses no retorno à Casa Branca. E de como o governo vai conter o sentimento hostil de parte da esquerda. A última foi o xingamento da primeira-dama Janja da Silva ao bilionário Elon Musk, indicado para compor o time de Trump. O empresário tem negócios no Brasil no setor de telecomunicações e interesses no setor espacial.

A relação diplomática tende a ser reduzida a algo discreto e marcada por algumas tensões comerciais.

 

Pragmatismo ou ideologia?

Integrantes do governo Lula avaliam que Trump pode agir de forma pragmática em relação ao Brasil, mas não veem sinais positivos no futuro relacionamento entre os presidentes. Lembram que ele foi capaz de visitar Kim Jong-un, na Coreia do Norte, um dos países do “eixo do mal”. E dizem que alguns sinais serão dados quando anunciar sua política em relação ao regime do ditador Nicolás Maduro, da Venezuela.

Um conselheiro direto de Lula confidencia, porém, que não dá para esperar que o futuro embaixador de Trump repita o ex-embaixador Todd Chapman e ofereça churrasco e recepções para Bolsonaro e seus filhos na residência oficial em Brasília.

O comportamento de Trump em relação à oposição no Brasil é um fator preocupante, porque ele é visto como referência e como líder capaz de energizar a oposição a Lula, sobretudo na direita radical.

Parlamentares da extrema direita viajaram aos EUA e contam com suporte da bancada republicana para demandar pressão total e agora represálias de Trump contra o governo Lula e autoridades brasileiras, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, por causa de investigações sobre golpe e desinformação. Esse relacionamento próximo entre figuras do trumpismo e do bolsonarismo é a principal diferença no cenário quando o Planalto tenta traçar um paralelo com a relação entre Lula e o também republicano ex-presidente George W. Bush, que foi bastante fluída. Na ocasião, porém, não havia uma oposição mais estridente organizada no Brasil que cultivasse laços com Bush.

Em 2026, a eleição presidencial no Brasil e o relacionamento de Trump com a oposição pode ser um fator definidor do futuro, caso Lula ou um apadrinhado petista vençam.

 

Fator Milei e a direita regional

Observadores externos também avaliam que o relacionamento de Trump com presidentes de direita pode eclipsar o protagonismo de Lula. Os planos de campanha republicanos e do entorno de Trump, como o “Projeto 2025″, pregavam a articulação de uma coalização conservadora na América Latina. A lista seria encabeçada pelo libertário Javier Milei, da Argentina, mas também teria no mesmo campo o caso de Nayib Bukele, de El Salvador.

Há sinais de que os republicanos vão priorizar de início uma parceria ideológica com Milei, na América do Sul. A ideia de que, a partir de Buenos Aires, outras capitais latino-americanas, possa fortalecer um campo contra governos de esquerda, que se aliam a atores extra regionais hostis como China, Rússia e Irã.

Rival político direto e rompido com Lula, Milei tem feito uma série de gestos de aproximação com Trump, viajou ao encontro dele nos Estados Unidos e trabalhou com uma agenda conservadora e contrária aos interesses políticos do Brasil no G-20, no Mercosul e na OEA.

Choque no Clima e Multilateralismo

Trump tem dois mantras de campanha que ajudam a resumir seu perfil negacionista climático e isolacionista - Drill, baby, Drill e o America First. Ele promete aprofundar a exploração de combustíveis fósseis e colocar o que considera interesses dos EUA sempre em primeiro lugar.

As posturas de Trump tendem a prejudicar os esforços do Brasil para alavancar compromissos mais ambiciosos da comunidade internacional contra a mudança climática, a proteção ambiental e a discussão sobre quem paga a conta. A eleição dele e as nomeações em andamento foram um baque e motivaram previsões catastróficas entre negociadores climáticos à frente dos preparativos para a COP-30, em Belém. A cúpula climática das Nações Unidas será o ponto alto da inserção internacional do Brasil.

Não há qualquer garantia de que Trump cumprirá a promessa de Biden de enviar US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia.

No passado, Trump rompeu com o Acordo de Paris, principal tratado climático mundial para conter a emissões de gases estufa, deixou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco, bloqueou o funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), ameaçou abandonar e cortar verbas da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e suspender financiamento às Nações Unidas. O assunto causa temor, já que os EUA são os principais contribuintes das agências multilaterais.

Embora tenha se engajado em Cúpulas do G-20 e do G-7, Trump faz campanha aberta com o fortalecimento do Brics.

 

Interesse em minerais críticos e invesimentos

Um ponto de interseção de interesses levantado por membros do governo brasileiro é a parceria em energia, para exploração de minerais críticos, como lítio, terras raras, níquel, cobalto, grafite e nióbio.

Esses minerais são essenciais para produção de baterias de carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, também no foco de interesse direto tecnológico da China.

Os governos retomaram, em setembro, o Diálogo Estratégico Brasil-EUA sobre Minerais Críticos, em nível técnico e diplomático, com objetivo de “construir cadeias de suprimento seguras e sustentáveis”.

O Brasil deseja ver não só a extração, mas o processamento industrial dos minerais no País, enquanto os americanos preferem realizar lá.

Os Estados Unidos são o maior investidor externo no Brasil e o segundo maior parceiro comercial. No ano passado, o estoque de investimentos vindo dos EUA alcançou US$ 357,8 bilhões, segundo dados do Banco Central. Isso representa 34% do total investido no País.

Neste ano, o fluxo de investimentos vindos dos EUA para o Brasil chegou a US$ 4,94 bilhões. E, na via contrária, os investimentos com origem brasileira nos Estados Unidos foram de US$ 2,37 bilhões, o que também coloca o país como principal destino, com 36% do total.

Já a corrente de comércio bilateral foi de US$ 74,8 bilhões, com déficit de US$ 1 bilhão para o Brasil, em 2023. Apesar disso, a pauta bilateral é extensa. Há cooperação em diversos setores, do alto fluxo bilateral no turismo às parcerias entre as Forças Armadas, intercâmbio acadêmico amplo e influência cultural extensa. Apesar disso, a pauta bilateral é extensa.

 

Qual o risco de Trump impor tarifas sobre o Brasil?

O governo Lula acompanha com atenção o que considera, até agora, “bravatas” de Trump no campo comercial. Em duas manifestações após eleito, Trump ameaçou um tarifaço que poderia recair sobre produtos brasileiros exportados para os EUA.

Conselheiros de Lula, no entanto, desconfiam que o republicano não vá de fato executar a medida. Observadores apontam uma série de condicionantes, como setores e países alcançados, que precisariam de avaliação criteriosa, em vez de uma imposição unilateral.

Primeiro, Trump foi às redes sociais - um comportamento reiterado - para contestar a desdolarização planejada pelo Brics. “Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, escreveu o presidente eleito.

A ideia de fomentar alternativas ao dólar ganhou espaço no Brics a partir das sanções contra a Rússia pela guerra na Ucrânia. Mas foi alavancada politicamente por Lula no ano passado. De complexa e longa execução, o desenvolvimento de uma divisa para transações comerciais tem grande interesse do maior rival dos EUA, a China, e de países igualmente hostis aos EUA que estão sancionados, como a Rússia, o Irã e até Cuba.

Semanas depois, Trump citou nominalmente o Brasil como um dos países emergentes que impunham muitas tarifas alfandegárias aos produtos americanos e exigiu reciprocidade. “Nós vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra ‘recíproco’ é importante. A Índia cobra muito, o Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa”, afirmou.

Em 2019, durante o governo do “aliado” Bolsonaro, Trump chegou a anunciar pelo Twitter (atual X) a imposição imediata de tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros, por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Os EUA são o maior mercado do aço brasileiro exportado. O republicano abriu uma crise que demandou esforço diplomático até do então presidente para demovê-lo. A promessa nunca se cumpriu.

Em setembro, empresas dos EUA solicitaram a cobrança de tarifas como medida antidumping contra o aço do Brasil e outros nove países.

 

Imigração. Brasileiros estão na mira de deportação?

Trump promete linha dura contra imigrantes, um tema central de sua plataforma política. Ameaça apertar os controles e promover deportação em massa de imigrantes ilegais assim que assumir. Historicamente a população brasileira não é o foco das autoridades americanas. No entanto, dados do Pew Research Center mostram uma quantidade crescente de imigrantes irregulares, de nacionalidade brasileira, vivendo nos EUA: 230 mil, em 2022.

A comunidade brasileira nos Estados Unidos é a maior do mundo, com 2,085 milhões de pessoas, conforme levantamento do Itamaraty, referente a 2023. Em diferentes governos, o Brasil tem recebido voos de deportação praticamente semanais. As operações aéreas são conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos EUA, o US Immigration and Customs Enforcement - daí o apelido ICE flights, que se destinam principalmente ao Aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Essa prática deve continuar.

Dados da autoridade de fronteira compilados pelo Estadão mostram que, desde 2018, os EUA removeram por esses voos de deportação 11.851 brasileiros. Ainda o ICE promoveu voos para remover dos EUA 1.779 brasileiros expulsos dentro da política Título 42, regra aplicada inicialmente por Trump para remover automaticamente imigrantes sem documentação que tentassem entrar no país, durante da pandemia da covid-19.

Segundo a Fox Business, o ICE tem ordem de deportação contra 38.677 brasileiros, num universo de 1,4 milhão de ilegais que ainda permanecem nos Estados Unidos, aguardando remoção.

 

Relação com a China

O Brasil tem buscado manter uma navegação autônoma, não alinhada a nenhum dos polos de poder na disputa entre China e Estados Unidos, na perspectiva de explorar oportunidades no relacionamento com as duas maiores economias do planeta. Apesar disso, não há equidistância. O governo petista não esconde a simpatia por Xi Jinping e a antipatia por Trump ou ainda ecos de antiamericanismo, na esquerda, mesmo durante o governo Joe Biden. Ficou evidente nas primeiras missões internacionais de Lula o quão mais robusta foi a visita de Estado a Pequim do que a Washington, quando figuras do governo falavam na relação preferencial com os chineses para os projetos de reindustrialização brasileira e busca de tecnologia. E mais recentemente na deferência da visita de Estado de Xi Jinping a Brasília.

A diplomacia brasileira costuma atuar para frear gestos que podem ser vistos como um alinhamento com Pequim.

Embora não tenha sido determinado pelo fator Trump, o Brasil elaborou um plano de participação alternativo e deixou de aderir integralmente à nova Rota da Seda, como é chamada a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt And Road Initiative), o principal mecanismo de inserção bilateral de Pequim no mundo e sua ponta de lança para a América Latina. Mais de 150 países fazem parte do acordo, que mobilizou US$ 2 trilhões em contratos para a construção de portos, rodovias e ferrovias.

A expectativa de analistas é que Trump possa se voltar um pouco mais a questões latino-americanas e ao Brasil, para não deixar terreno aberto para a China. O maior país latino-americano é um ator crucial para a China expandir sua influência econômica e geopolítica na América Latina. A relação com o Brasil vem sendo ampliada e aprofundada em setores estratégicos, como energia, defesa, telecomunicações, entre outros. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, há quinze anos, e um dos principais investidores externo. Em 2023, a corrente de comércio atingiu recorde de US$ 157,5 bilhões, com exportações totalizando US$ 104,3 bilhões e superávit brasileiro de US$ 51,1 bilhões.

Já os investimentos chineses no Brasil atingiram US$ 73,3 bilhões, entre 2007 e 2023. O setor de eletricidade recebeu 45% do valor total, seguido por petróleo, com 30%, conforme estudo anual do Conselho Empresarial Brasil China.

 

Venezuela, Cuba e Nicarágua

Aqui reside um dos grandes sinais observados pelo governo Lula para entender a política externa do governo Trump 2.0: a postura com os governos ditatoriais de esquerda da América Latina.

Até agora, o Planalto vê indícios de muita agressividade por parte da Casa Branca com o que foi batizado no governo passado de Trump como a “troika da tirania” - expressão cunhada pelo ex-conselheiro da Casa Branca para Segurança Nacional, John Bolton, para se referir a Venezuela, Cuba e Nicarágua. Lula, por sua vez, tem laços históricos de proximidade com todos os regimes. Mas colheu dissabores recentes com dois - exceto Cuba, que Lula visitou no ano passado e não teve embates.

O petista congelou relações com Daniel Ortega, após expulsão mútua de embaixadores, e agora promete manter “frieza” com Maduro - sem falar diretamente com ele, embora descarte romper diplomaticamente.

A chave é a Venezuela e o interesse na exploração do petróleo por companhias norte americanas, o combate ao crime organizado, com narcotráfico e imigração ilegal, e a reimposição das sanções contra o regime, rejeitadas pelo Brasil.

Nas palavras de um assessor presidencial, Trump vê a política externa como “grande balcão de negócios” e não se pode descartar uma acomodação por causa do interesse em petróleo e na política de deportação de imigrantes. Se no passado Trump tentou atrair o governo Jair Bolsonaro a apoiar um golpe contra Maduro, agora já sabe que qualquer ameaça de intervenção aramada será prontamente rechaçada, pelas relações políticas entre Lula e o chavismo - a despeito de não reconhecê-lo como legalmente reeleito. Conselheiros do petista afirma que não convém ao Brasil qualquer instabilidade nas suas fronteiras diretas.

 

Instituições regionais - eleição da OEA

Ronda a diplomacia brasileira e o Palácio do Planalto o temor de que Trump possa voltar a “instrumentalizar” organismos regionais, quebrando acordos, para colocar pressão sobre governos e regimes de esquerda da região e articular uma coalização da direita e da extrema-direita regional. O foco de tensão imediato é o comando da Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja liderança vem sendo contestada nos últimos anos por governos como Bolívia, Venezuela e Nicarágua, entre outros. Mesmo o governo Lula já expressou, reiteradas vezes, a perda de credibilidade da OEA na região, por causa de seu papel na crise na Bolívia, em 2019.

No ano que vem, será eleito o novo secretário-geral em substituição ao uruguaio Luis Almagro. Há dois candidatos em campanha: o chanceler do Paraguai, Ruben Ramírez Lezcano, que vem fazendo acenos a Trump com gestos em favor de Israel e no enfrentamento com a China (Assunção reconhece Taiwan e não Pequim); e o chanceler do Suriname, Albert Ramdin, apoiado pela Comunidade do Caribe, a Caricom.

O ex-presidente colombiano Iván Duque poderia se apresentar, assim como a ex-embaixadora equatoriana Ivonne Baki. Ambos são simpáticos a Trump. Lula ainda não tomou lado.

No passado, Trump atropelou costuras como a da eleição para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), enterrando articulações do Brasil para emplacar seu ex-assessor de segurança nacional e militante anti-Cuba Mauricio Claver-Carone. Trump interferiu no BID, rompeu a tradição diplomática de equilíbrio no comando de instituições financeiras multilaterais: no caso do BID, a sede fica em Washington e a presidência sempre era exercida pelo indicado de algum país latino-americano.

 

 

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...